ISTO É PARA JUDÁ

Do livro “Cabala Para o Estudante”

Do Comentário sobre a Hagadá de Pêssach publicado em 1930

 

“Este é o pão da aflição, que os nossos pais comeram na terra do Egito.” A Mitzvá de comer Matzá23 foi dada aos filhos de Israel mesmo antes deles terem partido do Egito. Que foi em nome da futura Redenção, que era para ser às pressas. Daqui resulta que a Mitzvá de comer Matzá lhes foi dada enquanto eles ainda eram escravos. A Mitzvá na verdade se referia ao tempo da Redenção, visto que eles partiram apressadamente.

É por isto que, quando nós comemos Matzá hoje, nós gostamos de mencionar do consumo da Matzá no Egito, pois nós também estamos em dias de escravidão, em exílio. E nossa intenção na Mitzvá de comer a Matzá é trazer a Redenção futura breve em nossos dias, Amén, da mesma forma que nossos pais fizeram quando comeram Matzá no Egito.

“Agora somos escravos, no próximo ano seremos livres.” Como dissemos acima, a intenção por trás desta Mitzvá é despertar a Redenção futura que é garantida, ao comer a Matzá da forma que nossos pais comeram no  Egito.

“Éramos escravos…” Nós aprendemos em Masechet Pesachim, pág. 116a, que “começa com condenação e termina com louvor”. Sobre a condenação, Rav e Shmuel discordam, o Rav diz que nós devemos começar com “no início, os nossos pais eram idólatras” e Shmuel disse que devemos começar com: “éramos escravos”.  A Halachá é de acordo com Shmuel.

É importante compreender esta discordância. E a razão para “começar com condenação e terminar com louvor”

Precisamos compreender esta discordância. A razão para “começa com condenação e termina com louvor” é a mesma de “a luz é melhor do que as trevas” (Eclesiastes 2:13). Mas primeiro devemos reconhecer a condenação para que nós apreciemos completamente a bondade do Criador e o que  Ele fez por nós.

É sabido que todo nosso princípio veio de um lugar de condenação, dado que a não existência, ou ausência, precede a existência. É por isto que “de um jumento selvagem nasce um homem” (11:12) e, no final, adquire a forma de um homem, que é comum a tudo na Criação, este também é o processo de enraizamento de toda a nação Israelita.

Isto significa que visto que o Criador trouxe a Criação à existência como “existência a partir da ausência”. Não há um ser existente que não era anteriormente uma forma não existente, embora cada item individual da Criação tenha sua própria forma separada da não existência. Então, quando nós dividimos a existência em quatro tipos: Inanimado, Vegetativo, Animado e Falante, nós encontramos que necessariamente o início de cada item Inanimado começou da não existência completa, enquanto que cada item Vegetal começa e resulta de seu tipo precedente de existência e não de uma não existência total.

O início do item Vegetal não é da não existência total mas, pelo contrário, ele começa e resulta de seu tipo precedente de existência, que é considerado como sua forma de não existência relativamente. Assim, o processo de semeadura e decadência, que é necessário a cada semente, é considerado como sendo recebido  do Inanimado. Da mesma forma, é com a fase não existente do Animado e Falante, pois a forma Vegetal é considerada como não existência relativo a forma Animada,  e a forma Animada é não existência relativa ao ser Falante.

Assim, este verso nos ensina sobre a forma não existente, que precede a forma Falante, ou seja a Animada, dizendo, “de um jumento selvagem nasce um homem”, onde o ser humano necessariamente começa como um animal. E também está escrito: “Tu salvas, Senhor, os homens e animais” (Salmos 36:7) e assim como o Criador fornece tudo que o animal precisa para sobreviver e cumprir seu propósito, assim Ele fornece ao ser humano com tudo o que ele precisa para sobreviver e cumprir seu propósito.

Portanto, precisamos entender a superioridade intrínseca do ser humano sobre o animal. Isto pode ser visto pelas suas necessidades e desejos, pois os desejos do ser humano são certamente diferentes daqueles das bestas, e ao mesmo nível, a salvação de Deus para o ser humano é distinguida da salvação de Deus para a besta.

Após investigar este conceito completamente, nós encontramos uma diferença intrínseca entre as necessidades do ser humano e a do reino animal, exceto pelo despertar para a Divina Dvekút (adesão), que é inerente apenas ao ser humano.

Nós encontramos que toda a existência dos seres humanos pode ser medida apenas pelo nível do anseio inerente a fazer o trabalho do Criador, e esta é a medida de sua superioridade ao reino animal. E muitos já trouxeram esta ideia que mesmo   a mente inteligente lidando com artesanato ou habilidades políticas pode também ser encontrado em muitas espécies do reino animal.

E através disto, nós também podemos entender a ausência que precede a existência do ser humano, a não existência do desejo de estar próximo ao Criador,  o nível da besta, como nós mencionamos acima. Através disto nós podemos entender as palavras da Mishná: “Começa com condenação e termina com louvor”, que significa que nós devemos relembrar e compreender esta falta em uma maneira positiva. Esta é a condenação que precede o louvor, e disto nós entenderemos o louvor mais profundamente e poderosamente, através de “começando com condenação e terminando com louvor”.

Isto também ilustra o conceito de nossos quatro exílios, exílio após exílio que precedem as quatro Redenções, Redenção após Redenção até a quarta Redenção que é a perfeição desejada absoluta que nós esperamos breve em nossos dias, Amén. O exílio é a não existência que precede a existência. E existência é Redenção. Dado que esta não existência é o estágio de preparação da existência, assim como semear    é a preparação do estágio de colher, como é explicado nos livros. Portanto todas as letras de GE’ulá (Redenção) são encontradas na palavra Golá (exílio)24 exceto pela letra Álef, que se refere ao “Aluf (Campeão) do mundo”, que nos ensina assim como os sábios disseram que a forma da ausência é apenas a não existência da  existência.

A forma desta existência é a Redenção, como as escrituras nos dizem: “e não ensinarão mais cada um ao seu próximo… porque todos Me conhecerão, do menor ao maior deles” (Jeremias 31:33). Portanto, a forma da não existência precedente, o exílio, é a única não existência do conhecimento do Criador, que é indicado pela Álef que falta, que está faltando no Golá (exílio) e esperamos por ela na GE’ulá (Redenção). Esta é a Dvekút com o Campeão do mundo, como nós mencionamos. Esta é precisamente a Redenção de nossas almas, nem mais e nem menos, e é o que nós dissemos sobre todas as letras em GE’ulá estão presentes em Golá, exceto a Álef, que é o Campeão do mundo, entenda isto bem.

Para entender este importante conceito que cada não existência prepara o caminho para sua entidade correspondente de existência, nós podemos aprender sobre isto das coisas neste mundo material. Nós vemos que o conceito de liberdade, que é um ideal sublime, só é compreendido por uns poucos escolhidos, e apenas eles pela forma da preparação apropriada. A maioria das pessoas não pode provar isto pois elas não têm conceito disto. Por outro lado, na escravidão, os grandes e pequenos são iguais, e nem mesmo os menores das pessoas podem tolerar isto.

(Nós vimos isto com o povo Polonês, que apenas perderam seu reino porque a maioria deles não apreciava a importância de sua liberdade e não a guardou de perto. Eles caíram à escravidão sobre o regime Russo por cem anos. Então todos eles gemeram sob o jugo da escravidão e todos eles, grandes e pequenos, imploraram por liberdade. E embora eles não saibam como apreciar a verdadeira essência da liberdade real, e cada um a imagine como lhe agrada, da falta de liberdade, que é a escravidão, o valor da liberdade foi marcado em suas almas para apreciar e amar a liberdade.

Porém, quando eles foram libertados do jugo da escravidão, muitos deles ficaram confusos e não apreciaram o que eles ganharam por sua liberdade. Alguns  se arrependeram disto e disseram que seu governo os sobrecarregava com taxas ainda maiores do que o governo estrangeiro, e eles desejaram que as coisas não tivessem mudado, porque o poder da ausência de liberdade não tinha agido sobre eles como deveria.)

Agora podemos entender a discordância entre Rav e Shmuel. O Rav interpreta a Mishná que diz que “começa com condenação…” ou seja, que isto nos fará apreciar a Redenção ainda mais, e portanto, nós começamos com o tempo de Terach, e ele discorda com Shmuel, porque no Egito, alguns já tinham o amor e serviço do Criador instilado neles, e a dificuldade extra de escravidão no Egito não   é uma falta por si própria para a nação chamada “Adam”, como discutimos acima.

E Shmuel diz, ao contrário do Rav, que o conceito da liberdade nacional através do conhecimento do Criador é um conceito extremamente sublime que apenas uns poucos podem compreender, e apenas através da preparação adequada. Mas a maioria da nação não estava neste nível ainda. Por outro lado, o conceito da dificuldade da escravidão é compreensível a todos, como Ibn Ezra escreveu em sua interpretação do início da Parashat Mishpatim: “Não há nada mais difícil para o ser humano do que estar sob a autoridade de outro ser humano como ele mesmo”.

E ele interpreta a Mishná dizendo que a não existência prepara o caminho para a existência, e é portanto considerada uma parte da Redenção do Criador pela qual devemos ser gratos. Portanto, nós não devemos começar com: “…no início, os nossos pais eram idólatras”, visto que naquele tempo não era o caso de não existência preparando o caminho para uma existência. Eles estavam longes de ter uma existência “humana” porque eles estavam muito longes do amor do Criador.

Então nós começamos com a escravidão no Egito, quando uma pequena centelha do amor do Criador já estava queimando em seus corações. Mas com o trabalho duro, esta centelha estava desvanecendo, e assim, pode ser considerado como a ausência que precedeu a existência. Portanto nós começamos com: “Éramos escravos”.

 

23 Nota do tradutor: pão sem fermento comido pelos judeus na festividade de Páscoa.
24 Nota do tradutor: Em Hebraico, a diferença entre as palavras Ge’ulá (Redenção – Gimel, Álef, Vav, Lamed, Hey) e Golá (Exílio – Gimel, Vav, Lamed, Hey) é na adição da letra Álef à última.

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