Entre Cabala e Ciência
Do livro “Cabala, Ciência e o Sentido da Vida”
Uma conversa entre o Dr. Jeffrey Satinover e Michael Laitman, PhD, Israel, Abril de 2005
O Conceito de Liberdade na Física Quântica
Rav Laitman: Quais são as perspectivas atuais da ciência em relação ao tema da liberdade de escolha?
Dr. Satinover: A ciência moderna como um todo, e eu estou usando o termo “como um todo” porque apresentarei em breve uma significativa correção dele, percebe a realidade como uma simples realidade material. Ela observa a realidade material como uma máquina integral e complexa. Eu demonstrarei este conceito usando o modelo do trem de brinquedo. Se nós ativarmos o trem, ele vai andar nos trilhos e pessoas imaginárias darão um giro nele. Este modelo é apenas uma máquina.
Você certamente dirá que no modelo do trem de brinquedo, cada uma das suas partes não tem liberdade de escolha. Da mesma forma, a maioria dos cientistas contemporâneos dirá a você que o universo físico é exatamente como o trem de brinquedo, e que a ação de cada parte do universo é determinada totalmente por eventos anteriores no universo. Eles ainda insistirão que não há outro modelo. A realidade é feita exclusivamente de um universo e um “trem de brinquedo” dentro dele; não há construtor ou engenheiro que projeta e constrói o trem de brinquedo.
Paralelamente a esta visão, há um ramo da ciência moderna chamado de “Mecânica Quântica”. Este ramo reconhece que a teoria que acabamos de apresentar está incorreta, e que existe de fato um elemento de liberdade total no universo físico, onde partículas de átomos não se comportam mecanicamente, mas “escolhem” como se comportar. Eu estou usando a palavra “escolher” entre aspas porque nossa linguagem é muito limitada para explicá-lo suficientemente. O verdadeiro problema é que a ciência não pode dizer nada sobre a natureza do que quer que faça essas escolhas, pois elas surgem completamente aleatórias para nós.
Se a pessoa entende corretamente a teoria quântica, a mais avançada das ciências, ela pode perceber que existe uma possibilidade de livre arbítrio autêntico nos seres humanos. No entanto, a ciência moderna não pode explicar de forma clara como e onde é usado tal livre-arbítrio.
Rav Laitman: Parece que além da natureza simples e acessível, as partículas têm algum modo de “livre escolha”, mas como será que isso afeta os seres humanos? Isso não significa que nós tenhamos livre escolha no dia-a-dia. Talvez, em algum lugar, na profundidade da matéria, existam forças adicionais ou probabilidades que obedeçam a uma regularidade que não podemos conceber no determinismo usual.
Dr. Satinover: Correto. Estes discernimentos são sutis e complexos. As maiores mentes da ciência vêm discutindo sobre eles nos últimos oitenta anos . Parece que os elétrons individuais podem “escolher livremente” trajetórias diversas, apesar de suas limitações. Os elétrons não podem fazer muito; eles não conseguem escrever livros, se casar, ou ir para a guerra. No entanto, dentro de suas limitações, parece que eles têm certo grau de liberdade.
Quando eu digo que “o elétron escolhe”, estou usando frases soltas. A verdade é que nós não sabemos realmente quem ou o que faz a escolha. O que nós sabemos é que o comportamento de cada partícula de matéria no universo é duplo: em parte, ela se comporta de acordo com leis fixas e, em parte, ela se comporta de forma irregular, afetada por algo que não faz parte do nosso universo conhecido.
Portanto, pode-se dizer que, por exemplo, a criação do nosso Universo também é dupla: em parte, resultado de processos físicos anteriores, e, em parte, criada por uma Força Superior. Mas a ciência não pode provar isso. Tudo que ela pode provar é que nós entendemos que as ações físicas não são determinadas exclusivamente pelas ações físicas que as precedem. Pelo contrário, nós entendemos que “algo mais” afeta a matéria, mas a ciência não pode nos dizer o que é esta coisa, nem, certamente, como investigar, confirmar, ou refutá-la.
Alguns poderão argumentar que é como se os elétrons tivessem pseudocérebros que tomassem essas decisões, mas eu não endosso essa teoria. Neste momento, você é livre para acreditar em qualquer coisa que você escolher.
Quando um objeto quântico se conecta com outro objeto quântico, ele desencadeia o processo de tomada de decisão, inflamado pela conexão entre eles. Este processo pode ser com um observador que está observando a partícula, mas o observador não é obrigatório.
O verdadeiro mistério não está na questão do observador externo, mas no fato de que parece haver certa liberdade transmitida dentro da matéria. Essa liberdade aponta para “algo” que está além do universo material, sem nos dizer nada sobre a natureza deste “algo”.
Rav Laitman: Eu não consigo entender porque nós não encontramos este mistério até agora. Quando nós pesquisamos o corpo humano e a psicologia humana, nós não encontramos quaisquer forças latentes que possam causar comportamentos inexplicáveis. É estranho que tenhamos de dividir átomos em partículas minúsculas para finalmente descobrir que não há nada neles exceto uma explosão de energia minúscula, onde finalmente percebemos que não sabemos para onde eles vão se mover num instante, ou mesmo se nós estamos diante de uma onda ou partícula. Não faria mais sentido encontrar primeiro essas forças ocultas em um nível muito mais elevado, que pertença à consciência humana? Por que os físicos, que estudam átomos sem vida, são aqueles que subitamente encontram uma vida oculta entre essas partículas?
Dr. Satinover: Eu acho que esta é uma das grandes ironias do século 20. Na Física Newtoniana
,os físicos descobriram um universo sem vida. A visão de que a matéria é inerte, e percebê-la como mera máquina, evoluiu como um desdobramento da investigação na física, química, e biologia. Finalmente, os físicos também criaram a percepção de que os seres humanos nada mais são que máquinas.
No dia-a-dia, intuitiva e emocionalmente, nós sentimos a nós mesmos como criaturas livres que fazem suas próprias escolhas. Além disso, os psicólogos se apóiam na premissa de que seus pacientes podem escolher livremente. Se eu pensasse em meus pacientes como máquinas, eu teria desistido de praticar a Psicologia.
No entanto, a premissa razoável e rigorosa do início do século XVII até o século XX, premissa que todas as ciências confiam, é que todas as coisas são máquinas.
É verdade que a maioria das pessoas não se sente como uma máquina no dia-a-dia, daí a contradição entre a compreensão científica do mundo e a forma como as pessoas realmente levam suas vidas. A medicina moderna, a psiquiatria moderna, e todas as doutrinas que investigam a mente humana e o sistema nervoso não deixam espaço para a suposição de que as pessoas têm livre arbítrio.
Rav Laitman: O que você está dizendo insinua que os físicos também não queriam lidar com um sistema que não fosse mecânico. No entanto, a descobertas que surgiram dos experimentos nos forçou a reconhecer que existe outra força que anula os resultados deterministas que havíamos previsto.
Dr. Satinover: É realmente isso que aconteceu. Isso só se tornou evidente quando foram realizados experimentos rigorosos em mecânica quântica no nível subatômico. Os primeiros resultados deixaram os cientistas perplexos. Einstein, por exemplo, apoiou a opinião de que o mundo era uma máquina sem vida. Ele pensava que a mecânica quântica era impossível e até mesmo a definiu como “insana”. A possibilidade de que pudesse existir certa liberdade na matéria fez com que ele proclamasse sua bem conhecida afirmação: “Deus não joga dados com o universo.”
Embora Eistein usasse a palavra “Deus”, ele estava usando essa palavra com cinismo. O que ele quis dizer era que este nível da matéria, não pode haver qualquer liberdade, como demonstravam os experimentos. Ele percebeu que se a liberdade existisse neste nível da matéria, isso significaria o fim da ciência, razão pela qual ele disse que a ciência não pode ser construída sobre tais posturas.
Rav Laitman: Por que é isso deve significar o fim da ciência? A investigação científica não nos estimulou sempre a progredir e mudar nossas opiniões? Por que existem tantos cientistas dizendo que nós estamos nos aproximando do fim da ciência?
Dr. Satinover: Primeiro, Einstein estava errado quando pensou que este seria o fim da ciência. Ele também estava errado quando pensou que a mecânica quântica é falsa. A mecânica quântica demonstrou que o conhecimento científico tem seus limites. Os cientistas da teoria quântica atingiram o limite da investigação e depois a abandonaram.
Eu acredito que o fato mais importante com respeito a sua opinião é que a teoria quântica deixa muito claro que existe um limite para a capacidade da ciência, e ao mesmo tempo destaca que há algo mais, do outro lado da fronteira. Eu tenho notado que muitas pessoas esquecem esse ponto, e acabam se confundindo entre a teoria quântica e a Cabala. A teoria quântica declara de forma inequívoca que a ciência pode alcançar esse limite e provar que ele existe, mas a teoria quântica também diz que a ciência não pode dizer nada sobre o que está além dessa fronteira. Não está nas mãos da ciência descobrir isso, e neste ponto ela admite suas limitações.
Rav Laitman: A nossa percepção da realidade resulta de nossa pesquisa da realidade. Ela é criada dentro de nós de acordo com os nossos sentidos e a nossa percepção. Muito provavelmente, se nós fossemos criados com tecnologias mentais e intelectuais que nos permitissem analisar de forma diferente aquilo que vemos, nós poderíamos atravessar essa fronteira. Em outras palavras, embora este possa ser o limite de nossas qualidades atuais, talvez esta limitação exista apenas em nosso estado atual. Seria possível que nós pudéssemos encontrar alguma maneira de mudar nossos atributos e atravessar essa fronteira?
Deixe-me colocar de forma diferente: é possível que tudo aquilo que nós desconhecemos sobre partículas quânticas decorre do fato de que estamos presos dentro de uma estrutura de tempo, espaço e movimento? Se nós nos livrássemos desta limitação, nós poderíamos ter visto todo o processo de forma diferente? Será que o desconhecido se torna conhecido se nós aperfeiçoarmos nossas qualidades?
Dr. Satinover: Nesta conversa, eu escolhi deixar de lado a minha visão pessoal do mundo, da espiritualidade e da Cabala, de propósito. Eu não sou um especialista em nenhum deles. Aqui, eu estou tentando servir como um emissário do mundo científico que continua reticente sobre o que a ciência pode ou não fazer.
É possível que os seres humanos tenham sido emanados como criaturas com potencial espiritual que lhes permite atravessar a fronteira. Como ser humano, eu desejo fazer exatamente isso, e acho que todas as pessoas se esforçarão para isso. Pode ser que a Cabala seja o método científico que torna isso possível.
No entanto, a ciência exata exige que sejamos vigilantes e reconheçamos seus limites. A ciência pode conduzir a humanidade à fronteira, mas não pode nos levar a atravessá-la. Em outras palavras, um cientista não pode usar a teoria quântica como método para atravessar a fronteira, que o próprio método aponta.
Rav Laitman: Quanto ao argumento de que existem infinitas possibilidades à nossa volta, não significa que o cientista observador é quem escolhe entre elas?
Dr. Satinover: Nós não sabemos. A teoria quântica demonstra que certas partículas escolhem uma trajetória e outras escolhem outra; mas nós não podemos dizer de onde vem essa escolha. Nada pode ser dito sobre isso do ponto de vista científico; é um completo mistério.
O truque é reconhecer o mistério e não fingir que temos uma resposta quando não temos. Tal reconhecimento pode nos levar a perceber que existe algo “além” da realidade. Este reconhecimento não nos diz o que é isso, mas pode nos levar a querer saber sobre isso.
A Unidade Familiar
Dr. Satinover: Qual é a abordagem Cabalística das relações entre homens e mulheres no início do século XXI, e qual o prognóstico Cabalístico nessa área?
Rav Laitman: Do ponto de vista da Cabala, é importante que um homem e uma mulher estejam juntos, caminhando juntos no caminho da autocorreção, alcançando equivalência com a Força Superior. Ao fazer isso, eles se complementam tanto material como espiritualmente. Tanto o homem como a mulher tem algumas correções a fazer. Ao fazer sua correção pessoal e recíproca, eles chegarão à conexão correta, de tal forma que sua relação será semelhante à Força Superior.
A diferença entre o que ocorre no século XXI, comparado ao que ocorreu ao longo da história, é que hoje nós estamos envolvidos em uma crise global. Esta crise é evidente em cada nível das relações humanas, incluindo pessoal e familiar.
A causa está na intensificação do ego e do desejo de obter prazer. Hoje, o ego humano está em seu ápice; nós não podemos mais controlá-lo. Como resultado, nós estamos perdendo a capacidade que tínhamos antes de lidar com nós mesmos e com nosso mundo.
Nós já não queremos pertencer a alguém ou a uma família. À medida que o ego se exalta, as pessoas não conseguem suportar estarem perto umas das outras. As relações familiares em geral, e as relações conjugais em particular, são as primeiros a serem prejudicados pela explosão do ego, pois nossos cônjuges são as pessoas mais próximas a nós.
No passado, a família estava a salvo das flutuações: era uma ilha de estabilidade. Quando havia problemas no mundo, nós saíamos de casa e lutávamos, mas queríamos voltar para casa. Quando tínhamos problemas com nossos vizinhos, podíamos mudar de local, mas a nossa família continuava uma unidade considerada um lugar seguro. Mesmo quando nós não desejávamos realmente uma família, nós mantínhamos a unidade familiar viva para cuidar de nossos filhos ou pais idosos.
Hoje, porém, o ego cresceu tanto que nada pode contê-lo. Nós continuamos tentando lidar com nossos egos e falhamos repetidamente. É verdade que em alguns lugares a situação ainda não é tão extrema. No entanto, isto irá mudar em breve, devido ao despertar do ego em todo o mundo.
A solução para este problema é nós começarmos a corrigir a nossa natureza: a correção dos nossos egos. Se nós não fizermos nada para corrigir nossos egos, mergulharemos no abuso de drogas ou no suicídio, ou experimentaremos a violência do terrorismo global. Nós certamente não vamos querer ter filhos ou construir famílias, uma tendência que já estamos vendo. Mesmo sem catástrofes ecológicas, cairemos no caos e na autodestruição. A nossa situação atual exige que nos perguntemos pra que estamos realmente vivendo, e se há saída para a nossa situação.
Este é o ponto onde chegamos à sabedoria da Cabala. Os Cabalistas escreveram que em épocas como a nossa, a Cabala surge para ajudar a corrigir nossa natureza. Assim, nós podemos usar a Cabala para nos elevar a um novo nível de existência eterna e completa.
Destino Pessoal e Destino Coletivo
Dr. Satinover: Qual é a explicação Cabalística sobre o destino pessoal e o destino coletivo? Eu entendo a importância da união entre as pessoas, mas será que a Cabala tem uma posição com respeito a cada indivíduo, apesar do destino dos outros?
Rav Laitman: A sabedoria da Cabala, especificamente, promove o crescimento pessoal. Nós podemos demonstrar isso através da abordagem Cabalística da educação; a Cabala afirma que a educação apropriada é obtida exclusivamente por meio do exemplo pessoal. É inútil tentar mandar nas pessoas.
A educação apropriada baseia-se na construção de um ambiente correto e eficaz, além de fornecer bons exemplos pessoais. As pessoas agirão de acordo com os exemplos que observam, e os utilizarão conforme o seu nível de desenvolvimento pessoal. Nós devemos tratar cada indivíduo de acordo com a sua força individual, visto que todo e qualquer indivíduo no mundo é único.
Todos nós somos partes de uma alma coletiva, e cada um de nós possui uma parte única do todo. Mesmo que uma parte da alma geral esteja ausente, a estrutura estará incompleta e não atingiremos o propósito da Criação. Portanto, nós devemos cuidar da parte pessoal de toda e qualquer pessoa. Nós devemos permitir que todos evoluam de uma forma adequada para se desenvolverem.
A Cabala faz uma distinção entre uma vida social adequada e a evolução individual. Para manter a sociedade, todos devem certamente obedecer às regras que ela estabelece. Mas quando se trata do crescimento pessoal, a singularidade de cada pessoa deve ser preservada com fervor. A Cabala explica em detalhes como o crescimento pessoal e a adesão às regras da sociedade devem ser misturados, e especifica como se constrói uma sociedade que permita a todos os seus membros evoluir à sua própria maneira.
A Cabala opõe-se totalmente a qualquer coerção cultural ou educacional dos países Ocidentais em relação aos países do terceiro mundo. Isso é prejudicial a ambos. A coerção destrói a singularidade desses povos, porque não os deixa evoluir em seu próprio ritmo e de acordo com suas próprias regras e cultura. Esta situação cria uma verdadeira deformidade na humanidade e produz resultados deploráveis.
O Tzadik (Justo)
Dr. Satinover: Qual é a natureza e o papel do Tzadik (pessoa justa)?
Rav Laitman: O termo Tzadik refere-se à pessoa que está em um grau em que Matzdik (justifica) as ações da Força Superior. O Tzadik justifica tudo o que acontece na Criação, porque ele conseguiu sentir a totalidade da Criação, e não apenas a parte acessível aos nossos cinco sentidos. O justo percebe as leis que governam o reino mais além das fronteiras dos nossos cinco sentidos: as leis que afetam o nosso mundo, criam tudo dentro dele, governam o desenrolar de cada evento, e o conduzem ao fim desejado pelo Criador.
Assim, um Tzadik é, obviamente, um Cabalista, aquele que revela o Mundo Superior, o Mundo das Forças, o nível no qual são feitos os planos relativos a este mundo, e do qual elas descem para operá-lo.
A natureza do Tzadik corresponde ao nível que o Tzadik alcançou. A Cabala explica que tudo o que sentimos na realidade adere ao princípio da “equivalência de forma”, o “princípio da congruência”.
Em cada um dos nossos cinco sentidos, nós percebemos certos lapsos de realidade. Por exemplo, o nosso sentido da audição nos permite ouvir certa gama de freqüências, e os nossos olhos podem ver um intervalo finito de cores. Se nós tivéssemos sentidos adicionais, poderíamos perceber a realidade de forma diferente e, talvez, perceberíamos outras dimensões.
Na verdade, nós não podemos sequer imaginar como poderíamos perceber a realidade se tivéssemos outros sentidos. Acontece que os nossos cinco sentidos, com seus lapsos específicos criam limites que definem o nosso sentido de realidade. Nós não podemos ultrapassar esse limite.
No entanto, existe um método que permite a percepção para além desta imagem da realidade, incluindo as forças que governam nossa realidade, que chamamos de “Mundo Superior”. O modo como somos capazes de percebê-las é baseado no mesmo princípio que se aplica à nossa percepção da realidade, ou seja, a “equivalência de forma”. Em outras palavras, nós devemos nos igualar a essas forças.
A nossa tarefa é cultivar os atributos que habitam a Esfera Superior, a qual conduz o nosso mundo. No entanto, é impossível conhecer estes atributos antes de alcançá-los. Portanto, aqui nós somos assistidos pelos Cabalistas, aqueles que já estão “lá”, que nos ensinam como adquirir esses atributos. Eles explicam como a pessoa pode desenvolver um sentido interno e adicional, uma “alma”, através de atividades especiais. Usando esse sentido nós podemos perceber uma realidade adicional que estava previamente oculta; daí o epíteto da Cabala: “a sabedoria do oculto”.
Perceber essa realidade oculta nos leva a compreender as fórmulas com as quais ela age sobre nós, a meta para a qual está nos levando, e a maneira com que está executando essas fórmulas. O Cabalista está dentro dessa realidade e é parte integrante dela, uma parte que a justifica. Nesse estado, a pessoa é chamada de Tzadik, e esta é a natureza do Tzadik.
A justificação das ações do Criador engloba 125 níveis. A concordância total com as ações do Criador é alcançada no último nível. Cada pessoa deve alcançar esse nível final. Este processo de vida e morte, que repetidamente nos “recicla” neste mundo, é que nos permite subir ao nível da retidão absoluta, daquele que justifica totalmente o Criador.
Sofrimento Humano
Dr. Satinover: Eu acho que o assunto que as pessoas acham mais difícil de aceitar é o sofrimento humano. Por um lado, o sofrimento motiva as pessoas a buscar a espiritualidade. Por outro lado, é muito difícil aceitar o sofrimento. Como é que a Cabala se identifica com essa questão?
Rav Laitman: Certamente, esta é uma questão que confunde a todos. Por um lado, nós estamos falando de uma Força Superior benevolente, mas se ela é “Superior”, significa que é melhor do que nós. No entanto, o nosso mundo está cheio de angústia e sofrimento. Será que a angústia e o sofrimento também vêm dessa Força? Existe mais de uma Força? Se for assim, elas estão em guerra uma com a outra?
Dr. Satinover: Eu me refiro não só à questão filosófica da natureza do sofrimento, mas também do aspecto prático.
Rav Laitman: A realidade é feita do nosso desejo de desfrutar e do prazer que motiva este desejo a agir. Estes são os dois únicos componentes em todos os níveis da realidade: o prazer e o desejo de receber prazer. Em termos Cabalísticos podemos denominá-los “a Luz e o Kli (vaso)”.
Quando o prazer está ausente, ele cria a sensação do desejo de desfrutar. Mas, às vezes, a falta de prazer é tão intensa que cria a sensação de sofrimento. Como tudo é composto por determinada medida e qualidade do desejo de receber prazer, tudo também sofre quando ele está ausente: minerais, plantas, animais, e pessoas.
Na verdade, o sofrimento é uma sensação necessária que impulsiona a criatura a abandonar o seu estado atual e avançar para o próximo. Sem sofrimento, não há movimento. Na verdade, o movimento significa que o meu estado atual é insatisfatório, de modo que eu decido que ficarei melhor em um estado diferente. O sofrimento nos permite realizar o esforço necessário para nos movermos em direção a uma situação que parece melhor. Assim, é impossível progredir sem sofrimento.
A Força Superior não tem outra maneira de nos elevar a estados melhores, exceto através do sofrimento. Se ela nos criou egoístas, com um desejo de nos satisfazermos no prazer, então a única maneira que ela pode nos levar de um estado para o outro é através da sensação de sofrimento.
No entanto, ainda é preciso explicar porque existe muito mais sofrimento hoje do que antes. O propósito da Criação é que a humanidade alcance o grau mais elevado da realidade.
A única forma de enfrentar esse objetivo é através de um imenso impulso para alcançá-lo, ou posto de modo diferente, a partir de grandes sofrimentos. Isso não se refere necessariamente ao sofrimento físico. Aparentemente, nós temos tudo hoje, mas sentimos que algo está faltando, e essa sensação de ausência é o nível mais elevado de sofrimento.
Para avançarmos, para sairmos das fronteiras deste mundo e começarmos a buscar algo maior, nós devemos sofrer. Nós devemos sentir o sofrimento no nível mais profundo, para que possamos, respectivamente, atingir o estado mais elevado. Esse estado sublime de ser que existe em comparação a este mundo é o mundo espiritual; portanto, o sofrimento também deve ser espiritual, e não físico.
No sofrimento espiritual, a pessoa não sofre por falta de realizações mundanas. Embora existam realizações mundanas, elas não fornecem uma sensação de subsistência, ou mesmo uma sensação de estar vivo. Aqueles que especificamente lamentam a falta de “sentirem-se vivos” terão a força para pedir alguma coisa além desta vida.
Por esta razão, nós não veremos uma humanidade satisfeita no futuro próximo. Pelo contrário, o sofrimento intensificará e assumirá uma forma mais espiritual. A sensação de falta de satisfação espiritual ofuscará qualquer abundância física. Não haverá nada gratificante e prazeroso para nós. A depressão se espalhará por todo o mundo e a sensação de angústia não nos deixará viver nossas vidas em paz.
O resultado dessa angústia será o aumento de conflitos, medos, surtos de diversos problemas psicológicos e psiquiátricos. Essas coisas acontecerão especificamente com a abundância de material de base, mostrando-nos que o que nos falta em nosso mundo não é o sustento material, mas a sensação de viver. É assim que a Cabala explica o processo que se avizinha.
O caminho para enfrentar este desafio é utilizar a Cabala para entender a fonte do sofrimento. Isso suavizará o sofrimento, uma vez que veremos que existe uma razão para ele. Isto nos permitirá começar a correção antes de mergulharmos na aflição. É por isso que estamos trabalhando duro para prevenir, ao invés de curar; e prevenção, significa permitir que a humanidade se dê conta da sabedoria da Cabala antes que ela caia em depressão profunda.
Talvez seja mais fácil encarar o conceito Cabalístico e o propósito do sofrimento se nós entendermos o seu ponto de vista sobre a morte em geral. Eis o que a Cabala diz sobre a morte: nós somos peças individuais de um Kli espiritual, chamado Adam ha Rishon (O Primeiro Homem). A alma de Adam ha Rishon foi dividida em bilhões de almas que desceram a este mundo. Este mundo é constituído por uma série de corpos, cada um com sua própria alma. O objetivo é que cada pessoa volte à mesma raiz em Adam ha Rishon do qual ela desceu.
Quando nós chegamos pela primeira vez a este mundo, nossas almas são apenas um “ponto”. Se nós não construirmos um Kli espiritual a partir deste ponto, enquanto vivemos neste mundo, as nossas almas regressarão às suas raízes em Adam ha Rishon como sementes que não evoluíram, inconscientes e sem vida. Em outras palavras, nós não sentimos nossa própria existência até que nossas almas revistam um novo corpo neste mundo.
No entanto, se nós cultivarmos este ponto por meio da intenção altruísta, até que ele se torne um Kli espiritual, esse Kli permanecerá após a morte de nossos corpos físicos, já que começamos a sentir a Força Superior enquanto vivemos neste mundo. Essa conexão permanece, pois não faz parte do nosso corpo biológico.
O Kli espiritual percebe o que está fora de nós, independentemente das nossas percepções sensoriais naturais. Uma vez que estamos fora de nós, a vida e a morte física não afetam o modo como a alma percebe. Portanto, nós não sentimos a vida e a morte neste mundo tão intensamente, já que as sensações espirituais permanecem intactas. Mais precisamente, com o tempo nós devemos transcender essa alternância biológica entre a vida e a morte a ponto de não sermos afetados por ela, em absoluto.
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