O Cabalista (3)

Do livro “O Cabalista”

 

O DOCUMENTÁRIO PASSA LENTAMENTE, EM SILÊNCIO: A GUERRA RÚSSIA-JAPÃO, A BATALHA DE TSUSHIMA. A DERROTA DA FROTA RUSSA. THEODORE ROOSEVELT ALEGRE ACENANDO COM A MÃO DEPOIS DE SER ELEITO PARA O SEGUNDO MANDATO. MARINHEIROS REVOLTAM-SE NO COURAÇADO “POTEMKIN”. O CLUBE INGLÊS DE FUTEBOL “CHELSEA” É FUNDADO. O INÍCIO DA PRIMEIRA REVOLUÇÃO RUSSA – POLÍCIA ATIRA EM MANIFESTANTES PACÍFICOS.

***

UMA RUA DE VARSÓVIA.

RAV32 YEHUDA ASHLAG PARA ABRUPTAMENTE NO MEIO DA RUA.

ATERRORIZADO E PERPLEXO, ELE VÊ COMO AS PESSOAS SÃO FUZILADAS.

ELE OLHA MAIS PERTO. OS MARINHEIROS REVOLUCIONÁRIOS DE 1917 EMERGEM DA NEBLINA E DA GAROA. ELES CORREM EM DIREÇÃO À YEHUDA, SEUS RIFLES EXPELINDO FOGO.

YEHUDA LEVANTA A GOLA DO CASACO. ELE CAMINHA POR UMA RUA ENEVOADA, TREMENDO DE FRIO.

DE REPENTE, ELE VÊ LENIN MARCHANDO AO LADO DELE.

YEHUDA O SEGUE COM OS OLHOS E VÊ VAGÕES CHEIOS DE PRISIONEIROS DESAPARECEM NA NÉVOA.

YEHUDA CONTINUA DESCENDO A RUA.

TROPAS DE ASSALTO ALEMÃS PASSAM POR ELE. O JOVEM HITLER OS SAÚDA COM UM BRAÇO ESTENDIDO.

AGORA ELE ESTÁ ANDANDO PELO BAIRRO JUDEU.

UMA NUVEM DE COGUMELO ATÔMICO SOBE ACIMA DAS CASAS. YEHUDA ENTRA EM UM PRÉDIO.

BEN-GURION PROCLAMA O ESTABELECIMENTO DO ESTADO DE ISRAEL. UM AVIÃO COLIDE COM UM ARRANHA-CÉU.

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Ambientação

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RAV YEHUDA ASHLAG ENTRA EM UMA SALA DE AULA.

SENTADO ENTRE OS ALUNOS, CUJA IDADE VARIA DE VINTE A SESSENTA ANOS, ESTA O RABINO FELDMAN.

RAV ASHLAG COMEÇA A FALAR DO MOMENTO QUE ELE ADENTRA A PORTA.

Rav Ashlag:            Há uma alma unificada. (Ele desenha um círculo no ar com as mãos.) Nela, todas as nossas almas estão ligadas em um conjunto próximo. Elas estão ligadas pela força do amor, a única lei que existe.

RAV ASHLAG EXAMINA OS ROSTOS DE SEUS ALUNOS.

O RABINO FELDMAN ESTÁ SENTADO EM UM CANTO, OUVINDO ATENTAMENTE.

Rav Ashlag:       O Criador quebrou esta alma única e unificada, e agora temos que restaurar aquela união por nós mesmos. Ou seja, nós temos que ir acima de nossos egos, até o grau de Amor.

Chaim (um jovem estudante):

O amor entre todos.

Rav Ashlag:  O amor entre todos.

Chaim:     Todos os judeus.

Rav Ashlag:       O mundo todo.

Chaim:            … o qual nos odeia.

Rav Ashlag:       O mundo inteiro vai subir do nível do ódio ao do amor.

Aaron (outro jovem estudante com um rosto nervoso e olhos ardendo febrilmente): Por que o Criador teve que quebrar essa alma unificada?! Para quê?! Ele quer que sejamos felizes, não é? Estávamos todos felizes, unidos, então por que, então?!

Rav Ashlag:       Para quê?

Aaron:            Sim, sim, sim! Por que Ele nos lançou neste mundo louco, separados em nações, raças, ricos e pobres, judeus e não judeus, para quê?!

Rav Ashlag (parando em frente a Aaron):

Ele queria que nos tornássemos Seus iguais.

Aaron:            Eu não entendo.

Rav Ashlag:       Não Seus escravos, mas Seus iguais.

Aaron (freneticamente):

Eu ainda não entendo!

Rav Ashlag:       Quando você se banha na Luz, quando você está completamente cheio dela, o que mais você deseja?

Aaron:            Estar dentro da Luz o tempo todo. O que há de errado com isso?

Rav Ashlag:            Ele não quer nos transformar em escravos da Luz. Ele quer que nós sejamos livres, para sermos verdadeiramente iguais a ele. Para que servimos como seres irracionais que Ele pode dobrar como Ele deseja? Ele quer seres humanos livres do seu lado, que, voluntariamente, decidam estar ao seu lado, para tornarem-se iguais, amigos, em vez de escravos. Iguais! Como isso pudesse ser feito?!

RAV ASHLAG PARA E OLHA AO REDOR DA SALA. TODO MUNDO ESTÁ ESPERANDO QUE ELE CONTINUE.

Rav Ashlag:

SILÊNCIO.

Há apenas um caminho: quebrar a alma unificada em pequenos pedaços individuais, vestí0-los em corpos deste mundo, mergulhá-los em todo esse egoísmo, esse ódio, torná-los Seus opostos, de modo que a partir desta realidade eles retornem a Ele por si mesmos. Independentemente! Eles precisam querer levantar-se desta escuridão e ir de volta a Ele por si mesmos e voluntariamente viver de acordo com a Sua lei.

Chaim:            Como isso pode ser feito?

***

A CASA DE RAV ASHLAG. NOITE. RAV ASHLAG ESTÁ ESCREVENDO.

LINHAS PERFEITAS APARENCEM NO PAPEL. PODEMOS OUVIR RAV ASHLAG SUSSURRANDO:

– “Como isso pode ser feito?! Como podemos viver de acordo com a Sua Lei, se nascemos como bestas, absolutamente opostos a Ele? Ele é a luz do mundo, e nós, por outro lado, somos o ponto mais baixo e cruel, vivendo apenas para nós mesmos! Como podemos ascender ao Criador”?

UMA BATIDA QUIETA NA PORTA. TODO MUNDO ESTÁ DORMINDO. YEHUDA ATENDE A PORTA.

O COCHEIRO ESTÁ DE PÉ LA FORA SEGURANDO O LIVRO DO ZOHAR EM SUAS MÃOS. YEHUDA OLHA PARA ELE E PERGUNTA SEM HESITAÇÃO:

-Quando?

O cocheiro:       Hoje à noite, há uma hora. A última coisa que ele me disse foi para dar isso a você imediatamente, meu estimado Rav.

ELE ENTREGA O LIVRO DO ZOHAR E UMA MENSAGEM.

O cocheiro (com pressa):

Bem, eu devo voltar, eu não quero deixá-lo sozinho. Ele ficou tão pequeno, de repente…

DE REPENTE, O ROSTO DO COCHEIRO SE CONTORCE E ELE COMEÇA A CHORAR COMO UM MENINO. ELE LIMPA SEUS OLHOS COM UMA LUVA ENLAMEADA MANCHANDO DE SUJEIRA SEU ROSTO.

O cocheiro:       Ele parecia muito maior quando ele estava vivo. Parece que você, querido Rav, acrescentou alguns dias à vida dele. (Então, quase alegremente) Ele morreu em paz. Ele estava sorrindo quando faleceu.

ELE PARA, SACODE AS LUVAS EM SUAS MÃOS, E ABAIXA O OLHAR.

O cocheiro: O que eu irei fazer agora, sem ele? Completamente sozinho… O COCHEIRO VIRA E CANSADO DESCE AS ESCADAS.

RAV ASHLAG ABRE A NOTA.

SEUS OLHOS CORREM AO LONGO DAS LINHAS. ELE LÊ:

– “O Criador está me levando a Ele agora. Mas antes que Ele o fizesse, Ele me deu um presente precioso, a oportunidade de ler um livro tão grandioso! É um livro sobre a minha alma, sobre o mundo inteiro, sobre o caminho para Ele, que todos terão que andar. Ele está nos convidando para ir ao seu banquete. Ele arrumou uma mesa para nós, mas nós não aparecemos. Diga a eles sobre isso. Seja paciente com eles, como com crianças pequenas. Diga a eles sobre a felicidade que o Criador reservou para nós. Eu sou grato a você por ficar aqui para realizar essa tarefa. Eu tenho fé em você, nosso amado Rav Yehuda. Tivemos que nos encontrar, e eu tinha que lhe dizer o que eu fiz. Meu pobre, pobre pai não sabe o quão magnífico o Criador realmente é!”.

UM PAR DE MÃOS ENVOLVE UM EDREDOM EM VOLTA DOS OMBROS DE RAV ASHLAG. ELE VIRA-SE. RIVKA ESTÁ EM PÉ ATRÁS DELE.

Rivka:            Você não pode se dar ao luxo de ficar doente.

ELE OLHA PARA ELA COM GRATIDÃO.

Rivka:            Eu tenho um sentimento de que não era um menino afinal.

Yehuda:           Quem então?

Rivka:            Era Ele…

***

A CASA DE RAV ASHLAG. NAQUELA MESMA NOITE.

RAV ASHLAG ESTÁ SENTADO À MESA, COBERTO PELO O EDREDOM.

O LIVRO DO ZOHAR QUE O COCHEIRO DEVOLVEU ESTA ABERTO EM FRENTE A ELE. UMA FOLHA DE GRAMA SECA SE DESTACA ENTRE AS PÁGINAS.

RAV ASHLAG ABRE O LIVRO ONDE A FOLHA ESTA COLOCADA.

SEU OLHAR CAI DE UMA VEZ EM ALGUMAS LINHAS DE TEXTO RABISCADO PELA MÃO DE UMA CRIANÇA.

ELE CONSEGUE ENTENDER APENAS A PRIMEIRA LINHA: “ENCONTRE ELE EM SI MESMO”…

AS LETRAS APRESSAM-SE ATÉ ELE, E ELE SENTE…

***

***

***

***

***

UMA ESTRADA EMPOEIRADA SE DESDOBRA COMO UM TAPETE DIANTE DE RAV ASHLAG. ATRÁS DELE ENCONTRA-SE A SAÍDA DO TÚNEL E UMA GRANDE ÁRVORE – “A ARCA” – COM SUA CAVIDADE ESCURA VOLTADA PARA CIMA.

POR UM MOMENTO, ELE ESTÁ DE VOLTA EM SEU QUARTO. RAV ASHLAG OLHA PELA JANELA.

ELE MERGULHA SUA PENA NO NANQUIM, ENTÃO UMA LINHA RETA APARECE SOB A PENA:

“É hora de deixar a Arca”.33

UMA EXPLOSÃO DE LUZ.

UM DIA BRILHANTE APÓS UMA FORTE TEMPESTADE.

UMA ESTRADA EMPOEIRADA SE CURVA ENTRE AS MONTANHAS AZUIS. FLORESTAS SOMBREADAS LEVANTAM-SE.

– “A Arca protegeu você de… você mesmo. Agora que você está mais forte, você tem que deixá-la”.

RAV ASHLAG ESTÁ ANDANDO POR CAMPOS DE FLORES FLORESCENDO, CONTEMPLANDO A BELEZA INFINITA.

MAS A SUA PENA ESTÁ PRODUZINDO LINHAS DE UMA NATUREZA DIFERENTE:

-“Espere as descidas,34 e esteja pronto para elas”.

DE VOLTA AO QUARTO, RAV ASHLAG OLHA ATRAVÉS DA JANELA.

-“Você está deixando o seu “eu” dentro de si mesmo” – ele sussurra – “e é escuro, muito escuro lá”.

DE REPENTE, A TERRA SE ABRE DEBAIXO DELE E ELE CAI EM UM BURACO, PRETO PROFUNDO. ARRANHANDO-SE NAS BORDAS AFIADAS DO BURACO, ELE CONTINUA CAINDO MAIS E MAIS, E O ECO MULTIPLICA SEUS GRITOS:

-Aaaaah!

ELE ATERRISSA SOBRE UM CHÃO DE PEDRA PLANO DENTRO DE UMA SALA MAL ILUMINADA.

IMEDIATAMENTE, UMA FORÇA INVISÍVEL O LEVANTA, O COLOCA SOB SEUS CALCANHARES, E O EMPURRA PARA FRENTE. ELE DÁ ALGUNS PASSOS AUTOMÁTICOS.

OUTRA LINHA APARECE NO PAPEL:

-“Você não têm nenhuma ideia de quem você realmente é!”.

***

***

TOCHAS ESTÃO QUEIMANDO NOS QUATRO LADOS DO CORREDOR.

DE REPENTE RAV ASHLAG VÊ UM TRONO DE OURO BEM NA FRENTE DELE E UM HOMEM SENTADO NELE, COM O ROSTO ENVOLTO EM TREVAS. RAV ASHLAG AGARRA UMA DAS TOCHAS E A ELEVA ACIMA DE SUA CABEÇA. O FARAÓ35 ESTÁ SENTADO NO TRONO.  O FARAÓ TEM A CARA DE RAV ASHLAG.

O QUARTO DE RAV ASHLAG.

O LIVRO DO ZOHAR ESTÁ ABERTO NA PARTE “NO FINAL”, PRECISAMENTE SOBRE A LINHA QUE SE LÊ, “E ELE ENFRENTOU O FARAÓ DO EGITO”.

ELE PODE LER ALGUMAS PALAVRAS COM A LETRA DE UMA CRIANÇA:

-“Enfrente-o e derrote-o”. 36

NO DIA SEGUINTE. SALA DE AULA DE RAV ASHLAG.

NOVAMENTE, TODOS OS OLHOS ESTÃO FIXOS NELE. O RABINO FELDMAN ESTÁ SENTADO NO CANTO. RAV ASHLAG PARA DIANTE DE CHAIM.

Rav Ashlag:       Você perguntou como podemos voltar ao Criador?

Chaim:            Sim. Eu não consegui dormir. Eu pensei sobre isso a noite toda.

Rav Ashlag:       Você sente que este estado é insuportável?

Chaim:            Sim, eu sinto.

Rav Ashlag:       Por quê?

Chaim:            Eu sinto que não há fim para esses sofrimentos.

Rav Ashlag:       Você sabe por que você está sofrendo?

Chaim:            Eu não sei. Tudo é tão vazio, sem gosto, que nada me traz alegria.

Rav Ashlag (rispidamente):

Você é o culpado por tudo isso!

Chaim (perplexo):

Eu?!

Rav Ashlag:       Sim, você, quem mais? É você que não deixa que Ele se manifeste!

Chaim:            Mas eu amo o Criador!

Rav Ashlag:       Você ama a si mesmo, não ao Criador.

Chaim:            Essa não é minha experiência.

Rav Ashlag (bruscamente apontando o dedo a ele):

Esta é a primeira etapa que temos de percorrer. (Ele dá um passo para trás e observa a classe) Nós precisamos entender que não somos justos em tudo, somos mentirosos e ladrões que não amam ninguém além de nós mesmos.

***

UM CLARÃO DE LUZ. A CÂMARA DO FARAÓ.

O FARAÓ COM O ROSTO DE RAV ASHLAG OLHA PARA O RAV DO SEU TRONO DE OURO SOB A LUZ DE TOCHAS.

A voz de Rav Ashlag:

-Não é dado a qualquer um. Ninguém entra lá por acaso. Apenas aqueles cujo coração está partido entram lá, aqueles que não podem suportar viver sem uma resposta para a pergunta do por que eles estão vivendo. A verdade pode ser revelada somente para essas pessoas. Somente elas podem suportar. Apenas elas serão autorizadas a descer ao abismo, o lugar onde ninguém jamais ousou olhar: para o próprio ego, para a escuridão do egoísmo. E o que eles veem lá?

UM CLARÃO DE LUZ.

UM FARAÓ COM O ROSTO DE RAV ASHLAG ESTÁ SENTADO NO TRONO.

A voz de Rav Ashlag:

– O horrível sorriso irônico de seu mestre.

O FARAÓ SORRI.

ELE APONTA PARA UMA CADEIRA DE OURO AO LADO DE SEU TRONO.

UMA FORÇA INVISÍVEL PUXA RAV ASHLAG PARA FRENTE E NUM INSTANTE DEPOIS, ELE ESTÁ SENTADO AO LADO DO FARAÓ.

ELE TENTA LEVANTAR, MAS GRILHÕES DOURADOS PRENDEM SUAS MÃOS E PÉS NA CADEIRA.

A voz de Rav Ashlag:

-O Faraó é a nossa essência. Trabalhamos toda a nossa vida para satisfazer ninguém mais além dele. Ele nos governa. Ele é a nossa natureza, o nosso “eu”.

O FARAÓ NO TRONO ESTÁ RINDO.

ELE TIRA UM ANEL DE OURO DE UM DEDO E O OFERECE À RAV ASHLAG. ESTE SE ANEXA AO SEU DEDO COMO SE COLADO POR UMA FORÇA PODEROSA.

***

SALA DE AULA.

Aaron:            Mas não é o Faraó um homem? É dito na Torá…

Rav Ashlag:       A Torá não fala de pessoas.

Aaron:            Eu não compreendo. Não houve nenhum Abraão, nenhum Moisés, e a história do exilo egípcio?

Rav Ashlag:       Se você lê a Torá dessa maneira, você a está matando e a você mesmo. Não há uma só palavra lá sobre este mundo. Não há pessoas. A Torá fala de forças que podem guiá-lo ao Criador. É uma instrução secreta para a revelação do Criador. O livro do Zohar é a chave para essa instrução.

Aaron:            Então o Faraó é uma força?

Rav Ashlag:       E uma força enorme.

Aaron:            Esta força está dentro de mim?

Rav Ashlag:       O Faraó vive dentro de cada um de nós.

Aaron:            Nós somos escravos desta força, não somos?

Rav Ashlag:       Isso nos domina. É nosso cada pensamento e ação; isso é a nossa vida. Se nós percebemos isso, se nós sentirmos que isso é insuportável, isso significará que nós não concordamos com o seu domínio sobre nós. Isso significará que nós escolhemos o Criador. Ao odiar nosso ego nós damos o primeiro passo ao Criador.

ELE OLHA AO REDOR DA CLASSE NOVAMENTE. PAUSA.

Chaim (muito distintamente, quase sílaba por sílaba):

Como eu posso ir ao Faraó? Como eu posso vir a odiar ao meu ego? Como?!

 

A PORTA DA SALA DE AULA SE ABRE E UM VELHO JUDEU OBSEQUIOSAMENTE ABORDA RAV ASHLAG:

 

-O serviço de oração está para começar, venerável Rav Ashlag.

Rav Ashlag (para seus alunos):

Vá, orem e ponderem sobre o que nós conversamos.

***

OS ALUNOS DEIXAM A SALA DE AULA.

RAV ASHLAG SENTA-SE E OLHA SUAS MÃOS FIXAMENTE; ELAS ESTÃO TREMENDO.

SINAGOGA.

RAV ASHLAG ENTRA.

OS PAROQUIANOS SUSSURRAM UNS AOS OUTROS ANIMADOS QUANDO ELES O VÊEM. UM VELHO JUDEU OFERECE A ELE O SEU ASSENTO.

RAV ASHLAG CONTINUA A CAMINHAR.

OS SEUS ALUNOS, CHAIM E AARON, LEVANTAM-SE PARA CUMPRIMENTÁ-LO. ELE ANDA PASSANDO POR ELES SEM PARAR.

ELE É GUIADO ATÉ O GABINETE ONDE OS LIVROS DA TORÁ SÃO MANTIDOS.

PESSOAS ABREM ESPAÇO PARA ELE EM FRENTE, MAS ELE DESVIA E ANDA EM DIREÇÃO À JANELA.

ELES NÃO O DEIXAM EM PAZ NEM MESMO LÁ.

O ANCIÃO DA COMUNIDADE VEM ATÉ ELE E APERTA A MÃO DELE.

O ancião:         Honorável Rav, seus alunos me dizem que você é um grande mestre. Eu gostaria de pedir-lhe para dar a nós, homens velhos, algumas aulas. Você pode escolher qualquer tópico que desejar.

TODOS ESTÃO OLHANDO PARA ELE, ESPERANDO SUA RESPOSTA. ELE ESTÁ QUIETO.

O ancião (dirigindo-se a todos):

O honorável Rav Ashlag irá guiar o serviço hoje.

RAV ASHLAG PERMANECE IMÓVEL.

O ancião:         Bem, Rav Ashlag, todos estão esperando por você.

Rav Ashlag (inesperadamente alto e claro):

Vocês precisam de alguém para fazer reverência?

A CONGREGAÇÃO SE AQUIETA ABRUPTAMENTE E TODOS SE VOLTAM PARA ELE.

O ancião:         Eu não compreendo…

Rav Ashlag:       O Criador não é bom o bastante para vocês?! (Olha ao redor) Bem, é claro, Ele está em algum lugar lá em cima! Vocês precisam de alguém próximo, à mão, alguém que vocês possam ter no seus bolsos, para ver, para olhar em sua boca, oferecer a sua cadeira, beijar a sua mão! Vocês precisam de alguém para honrar aqui, nesta terra, nesta sinagoga!

UM SUSSURRO ALTO. ALGUÉM DÁ UMA RALHADA DO FUNDO, A MULTIDÃO SE AGITA, SURPRESA E MEDO APARECEM NA FACE DAS PESSOAS.

Rav Ashlag:       Mas saibam disso – não serei eu.

Chaim: Você está se sentindo bem, mestre?

Rav Ashlag:     Eu me sinto ótimo, Chaim.

O ancião:         Você tem certeza?

Rav Ashlag:       Sim, eu tenho certeza.

UM SILÊNCIO PESADO NO AR.

O ancião (olhando ao redor com um leve sorriso):

E este é o homem que se responsabilizou a nos ensinar algo?!

Uma voz:          Botem-no para fora!

Um velho judeu (que participava das aulas de Rav Ashlag):

Tamanha arrogância! Momentos atrás ele cantou sermões tão doces para nós! Oh, como ele condenou o ego! Você facilmente poderia crer que um homem justo estava diante de você, mas agora nós podemos ver a sua verdadeira cara!

Uma voz:          Fora!

Vozes:            Fooora!

 

RAV ASHLAG CAMINHA PELA MULTIDÃO.

PESSOAS DÃO PASSOS PARA TRÁS PARA QUE ELE PASSE. CHAIM E AARON TENTAM SEGUÍ-LO, MAS O ANCIÃO OS DETÉM.

O ancião (em alta voz):

Se vocês saírem agora, vocês podem esquecer o caminho de volta.

IMEDIATAMENTE, ALGUNS HOMENS CERCAM CHAIM E AARON, FIRMEMENTE BLOQUEANDO O CAMINHO DELES PARA FORA.

AARON TOMA UM ASSENTO DE VEZ.

CHAIM PERMANECE EM PÉ, CERCADO PELOS HOMENS, OBSERVANDO COM ANGÚSTIA E DOR À MEDIDA QUE RAV ASHLAG VAI EMBORA.

A PORTA SE FECHA ATRÁS DE RAV ASHLAG.

***

LÁ FORA, EM FRENTE À SINAGOGA. RAV ASHLAG SAI DA SINAGOGA. RABINO FELDMAN O SEGUE.

Rabino Feldman:   Espere.

RAV ASHLAG PARA.

Rabino Feldman:   Se apenas eu pudesse continuar sendo seu aluno…

O ANCIÃO OLHA PARA FORA DA SINAGOGA, ATRÁS DELE ESTÃO ALGUNS OUTROS JUDEUS E CHAIM ENTRE ELES.

O ancião (firmemente):

Rabino Feldman, a prece começou. Deixem-no em paz, ele não irá entender de maneira alguma. (Agora, firmemente, quase como numa ordem.) Venha para dentro agora, honorável rabino, nós estamos esperando por você.

RABINO FELDMAN FAZ UM GESTO PARA DAR A MÃO A ASHLAG, MAS A SUA MÃO PARA EM MEIO AR. ELE DÁ A VOLTA, ABAIXA SUA CABEÇA, E RAPIDAMENTE ANDA DE VOLTA À SINAGOGA.

CHAIM, EM PÉ SOZINHO NA PORTA DA SINAGOGA, OBSERVA RAV ASHLAG INDO EMBORA. UMA MÃO APARECE DAS SOMBRAS DETRÁS DELE E O PUXA PARA DENTRO PELO OMBRO. ELE NÃO RESISTE.

***

O QUARTO DE RAV ASHLAG. NOITE.

PÉS DESCALÇOS ESTÃO EM PÉ NUMA CAMA DE PEDRAS AFIADAS. RAV ASHLAG ESTÁ DEBRUÇADO SOBRE UM LIVRO.

RIVKA SENTA-SE NO ESCURO, UM PEQUENO BEBÊ EM SEUS BRAÇOS.

BARUCH SHALOM37 DE OITO DIAS DE IDADE ESTÁ DORMINDO, TENDO SE ACONCHEGADO PRÓXIMO A ELA.

ELA ESTÁ BALANÇANDO O BEBÊ E OLHANDO PARA O SEU MARIDO.

Rivka:            Eles estão pedindo para que deixemos esta casa o mais rápido possível. O senhorio se recusa a esperar mais um dia.

Rav Ashlag (encontrando o olhar dela):

Não vê que estou estudando?

 

Rivka:            Me perdoe, eu só quero lhe dizer que eu terei que perturbá-lo pela manhã. Eu devo fazer as malas. Eu encontrei uma nova casa. O cocheiro estará aqui pela manhã para nos levar.

Rav Ashlag (olhando para ela por um longo momento):

Eu sinto muito por fazer isso tão difícil para você.

RAV ASHLAG LEVANTA-SE, E DE REPENTE…

***

***

***

***

***

***

UM CLARÃO DE LUZ. A CÂMARA MAL ILUMINADA DO FARAÓ.

AS ALGEMAS DOURADAS QUE PRENDEM AS MÃOS E OS PÉS DE RAV ASHLAG DE REPENTE SE TRANSFORMAM EM POEIRA. ELE TENTA SE LEVANTAR, MAS ELE NÃO PODE SE MEXER.

O QUARTO DE RAV ASHLAG.

ELE DÁ UM PASSO EM DIREÇÃO À RIVKA E DE REPENTE CAI NO CHÃO ANTES QUE RIVKA POSSA PEGÁ-LO.

UM CLARÃO DE LUZ.

A FACE DO FARAÓ ESTÁ RINDO A CENTÍMETROS DA DELE.

DE VOLTA AO QUARTO.

RAV ASHLAG CAI NO CHÃO. ELE TENTA LEVANTAR-SE, MAS FALHA. RIVKA AJOELHA-SE, SEGURANDO A CABEÇA DELE EM SUAS MÃOS.

-O que está acontecendo com você? – ela grita assustada.

UM CLARÃO DE LUZ.

O FARAÓ TOCA RAV ASHLAG COM DEDO DELE E RAV É ARREMESSADO DE VOLTA À SUA CADEIRA, BATENDO CONTRA A PAREDE DISTANTE.

O FARAÓ LEVANTA UMA MÃO, E PARA SEU HORROR, RAV ASHLAG VÊ A SUA PRÓPRIA MÃO LEVANTANDO-SE TAMBÉM. ELE DÁ UM PASSO EM DIREÇÃO AO RAV E O RAV DÁ UM PASSO EM DIREÇÃO AO FARAÓ. ELE ESTÁ INDEFESO. ELE ESTÁ IMPOTENTE.

O QUARTO.

RAV ASHLAG NÃO CONSEGUE FICAR EM PÉ.

 

-O que é isso? É o seu coração?! – os grandes olhos de Rivka agora estão cheios de preocupação.

-As primeiras linhas… – ele murmura – as primeiras palavras são…

RAV ASHLAG ENRRUGA A FACE, TENTANDO LEMBRÁ-LAS.38 A SUA MENTE ESTÁ EM BRANCO… UM VAZIO COMPLETO…

-“Eis que, antes de”… ELE FICA QUIETO.

… ”as emanações”…- Rivka continua em apreensão.

ELE OLHA PARA ELA.

-Não me assuste, querido, ela diz, “as emanações foram emanadas e as criaturas foram criadas”… por favor, repita depois de mim, “as emanações foram emanadas e as criaturas foram criadas”…

Rav Ashlag (fracamente repetindo depois dela):

… “as emanações foram emanadas… (rugas na sua testa) e as criaturas foram criadas…

Rivka:            … ”a simples Luz Superior”…

RAV ASHLAG MURMURA À MEDIDA QUE ELE TENTA PRONUNCIAR AS PALAVRAS.

Rivka (gentilmente):    Não se apresse! Acalme-se…

Rav Ashlag:        “A simples Luz Superior”…

Rivka:                   “Preenchia toda a existência”…

Rav Ashlag:                   “Preenchia toda a existência”…

RIVKA SEGURA A CABEÇA DELE. ELA OLHA NOS OLHOS DELE E FALA COM ELE COM SE FALASSE COM UMA CRIANÇA:

Rivka:             “E não havia nenhum”… (Repete) “Não havia nenhum”…

Rav Ashlag:        “E não havia nenhum”…

Rivka:             …“vazio”…

Rav Ashlag:        …“vazio”… (Em desespero) Eu não consigo lembrar!

Rivka:            Sim, você consegue! Você se lembra de tudo! “Mas tudo estava preenchido com uma simples… Simples”…?!

Rav Ashlag (esgotado, quase sussurrando):

“Mas tudo estava preenchido com aquela simples”… (Fazendo um esforço para lembrar-se) Simples…

Rivka:            Agora, por si mesmo… lembre-se, por favor, tente lembrar-se, meu amor! O que vem depois?

Rav Ashlag (com uma última gota de determinação):

“Mas tudo estava preenchido com aquela simples”…

Rivka:            Sim!

Rav Ashlag (com esforço):

“Sem limites”…

Rivka:            Sim, sim!

Rav Ashlag:        “Luz”.

Rivka:            Muito bem!

Rav Ashlag (exala, e repete depois dela):

Muito bem.

RAV ASHLAG ESTÁ BALANÇANDO A CABEÇA PARA FRENTE E PARA TRÁS NUMA CADEIRA. RIVKA LHE DÁ UM TAPINHA NA CABEÇA E REPETE:

-Vê, tudo está bem! Você lembrou tudo. Mais alguns minutos e isso irá passar.

ELE TRAZ O LIVRO PARA PERTO DELE. AS LINHAS PARECEM TURVAS.

Rav Ashlag (para Rivka):

Vá… vá. Eu ficarei bem.

OS DEDOS DELE MOVEM-SE AO LONGO DAS LINHAS DO LIVRO; SEUS LÁBIOS MOVEM-SE, FORMANDO PALAVRAS DAS LETRAS, MAS ELE NÃO CONSEGUE PRONUNCIÁ-LAS EM VOZ ALTA.

A MÃO DELE CAI. RAV ASHLAG ESTÁ DORMINDO.

AURORA.

A LÂMPADA DE QUEROSENE ESTÁ APAGADA. PLUMAS PÁLIDAS DE FUMAÇA SOBEM DO SEU PAVIO ENEGRECIDO.

RAV ASHLAG ABRE OS OLHOS.

ELE ESTÁ DEITADO NUMA CAMA, SOZINHO NO QUARTO.

ELE LEVANTA-SE FAZENDO UM ESFORÇO, ABRE A JANELA, E UM AR GELADO DE INVERNO COBRE A FACE DELE. ELE RESPIRA FUNDO.

***

MANHÃ. A CARROÇA ESTÁ PERCORRENDO AS RUAS ASSIMÉTRICAS DE PEDRAS PARALELEPÍPEDO.

O COCHEIRO ESTÁ RECITANDO VERSOS DO “ECLESIASTES”.

O cocheiro:        “As palavras do pregador, o filho de Davi, rei de Jerusalém: vaidade das vaidades, diz o pregador, vaidade das vaidades; tudo é vaidade. Que lucro tem um homem pelo seu trabalho, que ele faz sob o sol”?

RAV ASHLAG ESTÁ SENTADO SOBRE SACOS CHEIOS DOS PERTENCES MAGROS DE SUA FAMÍLIA.

SUA FACE ESQUELÉTICA REVELA QUE ELE PERDEU MUITOS QUILOS NAQUELA NOITE. SENTANDO-SE PRÓXIMO DELE ESTÁ SEU FILHO DE OITO ANOS, BARUCH SHALOM, E RIVKA, COM UM BEBÊ EM SEUS BRAÇOS.

AS RUAS DE VARSÓVIA ESTÃO À DERIVA.

A voz do cocheiro:

“Uma geração vai e outra geração vem, mas a terra permanece para sempre”…

DE REPENTE A RUA PAVIMENTADA SAI DE FOCO, E A VISÃO DE RAV ASHLAG SE TORNA TURVA.

ELE VÊ QUATRO SILHUETAS DE ÁRVORES DA FLORESTA BALANÇAREM-SE CONTRA O FUNDO CINZA DO CÉU DE OUTONO.

TRANSEUNTES ESTÃO OLHANDO PARA ELE. A VOZ DO COCHEIRO VEM DISTANTE:

“O que foi é o que há de ser; e o que tem sido feito é o que deve ser feito: e não há nada de novo sob o sol”.

-Eu desejo… – Rav Ashlag sussurra. – Eu preciso… – ele mal pronuncia as palavras, – ver o velho Baruch.

-Bom! – Rivka compreende o que ele resmunga. – Dê a volta! – ela ordena ao cocheiro. – Eu sei o caminho.

***

TARDE. UMA RUA CAMPESTRE.

A CARROÇA APPROXIMA-SE DA VELHA CASA DE BARUCH COM A SUA CAÍDA FAMILIAR.

-Pare aqui. Espere por mim aqui.Rav Ashlag murmura baixinho.

A CARROÇA PARA. RAV ASHLAG DESCE E ANDA ATÉ A CASA.

A CASA COM SUAS JANELAS COBERTAS, PRETA POR CAUSA DA CHUVA, ESTÁ FICANDO PRÓXIMA. OS OLHOS AZUIS-BEBÊ DE BARUCH ESTÃO OBSERVANDO RAV ASHLAG ATRAVÉS DAS FENDAS.

Rav Ashlag (sua língua pesada):

Deixe-me entrar.

Baruch (secamente): O que você está fazendo aqui? Não há nada que eu possa lhe dar!

Rav Ashlag:       Eu estou cansa-a-a-do…

Baruch:           Eu lhe falei alguma vez que seria fácil?

Rav Ashlag:       Um pequeno descanso…

Baruch:           Besteira! Cai fora daqui! Dê a volta, você está me ouvindo?

Rav Ashlag:       Eu não consigo ver nada! Ele jamais me deixará partir.

Baruch:           Chorão! Como Ele poderia possivelmente ter escolhido você, tão fracote. Ele é cego? Ele não pode ver quem está diante Dele?! (Gritando agudamente.) Suma daqui!

RAV ASHLAG DÁ A VOLTA COMO SE EM UM SONHO.

Baruch (mais suavemente):

Eu não lhe disse que eu não sou mais o seu professor, Yehuda?

RAV ASHLAG SENTA-SE ESGOTADO NA PILHA DE LENHA, SUAS COSTAS PRESSIONADAS CONTRA O LADO DA CASA, ELE FECHA OS OLHOS EM EXAUSTÃO.

NAQUELE INSTANTE, ÁGUA SUJA É ESPIRRADA EM SUA FACE. O VELHO BARUCH DE APARÊNCIA CANSADA ESTÁ EM PÉ PRÓXIMO A ELE, COM UM BALDE VAZIO EM MÃOS.

Baruch:           Eu lhe disse para continuar andando e não sentar-se! Vá, continue andando! Eu lhe mostrei o caminho!

RIVKA ESTÁ CORRENDO EM DIREÇÃO A ELES SAINDO DA CARROÇA QUE ESTÁ ESPERANDO NAS PROXIMIDADES. ELA SE DEBRUÇA SOBRE RAV ASHLAG ENCHARCADO.

Rivka:            O que ele está fazendo com você?! (voltando-se a Baruch.) Este é meu marido! O que você está fazendo?!

Baruch (casualmente):

Leve-o embora!

RIVKA AJUDA RAV ASHLAG LEVANTAR-SE.

Rivka:            Tudo ficará bem, meu querido. Isso terminará logo.

DE REPENTE BARUCH PULA EM RAV ASHLAG, TIRANDO-O DE RIVKA, E SUSSURRA NO OUVIDO DELE, VENENOSAMENTE:

-Antes de cada ascensão haverá uma descida. Eu não lhe disse isso?! Não há subida sem um abismo!

Rav Ashlag (mal movendo os lábios):

Ele não deixará… eu ir.

Baruch:           Você não está exigindo o bastante. Existe apenas uma só força.

Exija!

Rav Ashlag:       Eu… estou…

Baruch:           Então exija mais forte!

Rav Ashlag:       Eu estou exi-gin-do… que o Criador… me ajude….

RAV ASHLAG CAI MOLE NAS MÃOS DE BARUCH. RIVKA O SEGURA.

Rivka:            Você pode ajudá-lo?

Baruch (sacudindo a cabeça):

Eu não posso mais ajudá-lo.

Rav Ashlag (resmunga para si mesmo):

Eu estou gritando… mas Ele não me ouve. Ele me abandonou… O Faraó… me encontrou…ao invés.

Rivka:            Sobre o que ele está falando?

Baruch:           Ele está bem. É somente porque ele está em tal nível elevado.

Verdadeiramente grande. Minha cabeça está girando com essas alturas. Leve ele embora. Tudo ficará bem, mulher!

RIVKA AJUDA RAV ASHLAG A LEVANTAR-SE.

ELE ESTÁ APOIANDO-SE NELA, SUAS PERNAS MAL SE MOVEM.

Baruch (por trás):

Veja,Deus lhe recompensou, e a mim também – em minha idade avançada – ter tamanho milagre crescer em nossas mãos.

ELE OLHA RIVKA PUXANDO RAV ASHLAG EMBORA, ELE SACODE A CABEÇA.

***

***

***

CINCO LONGOS ANOS SE PASSAM EM PERSISTENTE BUSCA POR UM PROFESSOR. RAV ASHLAG PENTEIA A PÔLONIA DE LESTE À OESTE E DE NORTE A SUL.

ELE SE DEPAROU COM PESSOAS DE GRANDE SABEDORIA, SÁBIOS E RAV FAMOSOS. ÀS VEZES ELE PRECISA DE ALGUMAS HORAS, OUTRAS VEZES ELE PRECISA SOMENTE DE ALGUNS MINUTOS PARA PERCEBER QUE ELE ESTÁ MUITO MAIS À FRENTE DELES.

DE QUANDO EM QUANDO ELES O MANDAM EMBORA DIZENDO:

-O que mais eu posso dar-lhe, Rav Ashlag? Eu não acho que tem alguém que pode tornar-se seu professor. Peça ao Criador. Não há mais nada que você possa fazer.

RAV ASHLAG CONTINUA PEDINDO, MAS UM PROFESSOR NÃO APARECE.

DOCUMENTÁRIO DOS ANOS 1912-1914.

SOLDADOS CHINESES LIDERAM A CAPTURA DE MONGES À BALA. TIBETE É PROCLAMADO UM TERRITÓRIO CHINÊS.

UMA MULTIDÃO DE PESSOAS SOLUÇANDO NAS RUAS DE LONDRES EM LUTO PELA MORTE DE SEUS FAMILIARES NO TITANIC.

WOODROW WILSON TORNA-SE PRESIDENTE DA AMÉRICA.

CHARLIE CHAPLIN FILMA SEU PRIMEIRO FILME, “CAUGHT IN THE RAIN” – CARLITOS E A SONÂMBULA.

UM TERRORISTA SÉRVIO MATA O PRÍNCIPE FRANZ FERDINAND DA ÁUSTRIA. COMEÇA A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL.

SOLDADOS SE DEFRONTAM COM ARAME FARPADO.

UM CABO ALEMÃO JOVEM E BAIXO ESTÁ CORRENDO EM DIREÇÃO À CÂMERA E PARA ABRUPTAMENTE EM FRENTE DELA, COM UM SORRISO NO ROSTO. É O JOVEM, E AINDA ANÔNIMO:ADOLPH HITLER.

AS RUAS DE VARSÓVIA.

RAV ASHLAG VAGA ESGOTADAMENTE PELAS RUAS. ELE SENTE QUE ALGUÉM ESTÁ O OBSERVANDO. ELE ESTÁ CORRETO.

UM HOMEM VELHO DE APARÊNCIA MARCANTE O ESTÁ OBSERVANDO.

Voz do narrador:

Esta carta foi descoberta somente depois da morte de Rav Ashlag.

***

UMA CARTA VELHA E MANCHADA, SEUS LADOS AMASSADOS, APARECE DEVAGAR.

A CÂMERA SE MOVE AO LONGO DE SUAS LINHAS ORGANIZADAS DE DENSA CALIGRAFIA.

Voz do narrador:

***

Foi escrita por ele e ele ordenou que fosse destruída logo após sua morte juntamente com muitas outras cartas e composições que ele escreveu. Milagrosamente, a carta sobreviveu.

RAV ASHLAG ENTRA NUMA PEQUENA VIELA. UM HOMEM O ESTÁ SEGUINDO.

OUTRA VOLTA.

O VELHO HOMEM PERMANECE PRÓXIMO ATRÁS DELE.

Voz de Rav Ashlag:

Numa sexta-feira pela manhã, no dia 12 de Cheshvan,39 um homem veio até mim.

***

UMA BATIDA NA PORTA.

RAV ASHLAG, SUA FACE PÁLIDA DE EXAUSTÃO, ABRE A PORTA. NÓS NÃO PODEMOS VER O ROSTO DO HOMEM.

RAV ASHLAG OLHA PARA O HOMEM, E O HOMEM ENTRA PELA PORTA.

A voz de Rav Ashlag:

Ele se revelou para mim como um grande sábio e bem versado em Cabalá.

O HOMEM ENTRA NA SALA DE RAV ASHLAG. RAV ASHLAG DÁ ALGUNS PASSOS PARA TRÁS.

NÓS AINDA NÃO PODEMOS VER O ROSTO DO HOMEM.

A voz de Rav Ashlag:

E assim que ele começou a falar, eu pude sentir que suas palavras eram cheias de sabedoria Divina. Tudo o que ele disse era como uma cachoeira jorrando Sua grandeza.

***

VARSÓVIA. NOITE.

DENTRO DA PEQUENA SALA DO PROFESSOR COM UMA MESA, DUAS CADEIRAS, PAREDES VAZIAS, E UM COLCHÃO NO CHÃO.

RAV ASHLAG E SEU PROFESSOR ESTÃO SENTADOS NUMA GRANDE MESA. O PROFESSOR ESTÁ SENTADO COM AS COSTAS PARA NÓS.

RAV ASHLAG ESTÁ OUVINDO ATENTAMENTE, ABSORVENDO CADA PALAVRA DELE.

A voz do professor (suave,incolor):

A fuga40 acontece à noite, num estado de exaustão absoluta.

***

UM CLARÃO DE LUZ.

TOCHAS PISCANDO AO LONGO DE UMA CÂMARA ESCURA. UM EXAUSTO RAV ASHLAG ESTÁ SENTADO NUMA CADEIRA.

SUA CABEÇA CAI NO SEU PEITO.

A voz do professor:

Ele virá à meia-noite. Não perca a sua chegada. Ele é pequeno, mas forte; ele é afiado, portanto preciso. Ele é a resposta de suas preces. Ele é Moshe (Moisés).41

RAV ASHLAG LEVANTA A CABEÇA.

ELE VÊ O FARAÓ. O FARAÓ ESTÁ OLHANDO PARA ELE ATENTAMENTE.

A voz do professor:

“Moisés” é o seu grande desejo de libertar-se do Faraó.

***

VARSÓVIA. NOITE. A SALA DO PROFESSOR.

RAV ASHLAG E SEU PROFESSOR SENTAM-SE À MESA DE UM FRENTE PARA O OUTRO. O DEDO DO PROFESSOR FLUTUA NA ESCURIDÃO E RETRAÍ-SE DE VOLTA A ELA.

OS OLHOS DE RAV ASHLAG ESTÃO QUEIMANDO.

A voz de Rav Ashlag:

Eu tenho estudado com ele em sua casa por três meses, noite após noite, da meia-noite à aurora. A cada vez ele revelou um novo segredo para mim.

O ROSTO DO PROFESSOR PODE SER VISTO SOMENTE DO LADO DE FORA DO CÍRCULO DE LUZ FORMADO PELA LÂMPADA DE QUEROSENE.

RAV ASHLAG GENTILMENTE REDIRECIONA SEU PESO EM UMA TENTATIVA DE VÊ-LO. MAS, NÓS DE REPENTE PODEMOS VER QUE NÃO HÁ NINGUÉM SENTADO NA CADEIRA EM FRENTE A ELE. O PROFESSOR ESTÁ SENTADO SOZINHO COM SUAS COSTAS CONTRA A PAREDE, NA ESCURIDÃO, EM SEGREDO.

NÓS PODEMOS OUVIR A VOZ SUAVE E INCOLOR DO PROFESSOR:

-A oração consiste de duas partes.

UMA MÃO SEGURANDO UM LÁPIS DESENHA UM RETÂNGULO E DIVIDE EM DOIS. A PONTA DO LÁPIS APONTA PARA A PARTE DE BAIXO.

A voz do professor:

O primeiro pensamento…

O LÁPIS DESENHA UMA SETA SOBRE O RETÂNGULO ABAIXO, APONTANDO PARA CIMA.

A voz do professor:

O primeiro pensamento faz “pai e mãe42” voltarem-se face a face um com o outro.

NO RETÂNGULO SUPERIOR, O LÁPIS RAPIDAMENTE DESENHA DOIS SEMICÍRCULOS VOLTADOS UM AO OUTRO.

ESTE ESCREVE “PAI” NO SEMICÍRCULO DE CIMA, E “MÃE” NO SEMICÍRCULO ABAIXO.

A voz do professor:

O Segundo causa a união deles.43 Ambos eles ouvem a sua oração pedindo ajuda!

OS DOIS SEMICÍRCULOS MERGEM EM UM SÓ CÍRCULO DIANTE DOS OLHOS DE RAV ASHLAG.

A voz do professor:

O estado de “concepção” inicia-se instantaneamente. As águas superiores quebram-se e Moisés nasce. Esta é a força que você mereceu.

A PONTA DO LÁPIS MARCA UM PONTO ENTRE O PONTO DE ENCONTRO DOS DOIS SEMICÍRCULOS, ENTÃO PRECISAMENTE EXTENDE UMA LINHA ABAIXO.

A voz do professor:

Moisés irá pôr a força do mal para dormir. Mas somente por um curto período.

***

UM CLARÃO DE LUZ.

RAV ASHLAG OLHA NOS OLHOS DO FARAÓ, QUEM ESTÁ SENTADO OPOSTO A ELE. DE REPENTE O FARAÓ FECHA OS OLHOS.

A voz do professor (bem baixa):

Não perca Moisés. Ele está aqui somente por um momento.

UM CLARÃO DE LUZ.

UM RAIO DE LUZ PASSA ATRAVÉS DA CÂMARA SOBRE O PISO DO CHÃO, SOBRE OS PÉS DE RAV ASHLAG, E APONTA PARA A PORTA.

A voz do professor (agudamente):

Siga-o!

RAV ASHLAG LANÇA-SE DA CADEIRA DELE E CORRE PELO CORREDOR MAL ILUMINADO ATRÁS DO RAIO.

NAQUELE EXATO MOMENTO, O FARAÓ ABRE OS OLHOS. RAV ASHLAG ALCANÇA A PORTA.

O FARAÓ ABRE A BOCA EM UM RUGIDO:

-Pa-re-eeee!

RAV ASHLAG CONGELA, SEUS BRAÇOS ESTENDIDOS.

O RAIO DE LUZ PISCA E BRILHA NOS OLHOS DO FARAÓ, CEGANDO-O.

RAV ASHLAG DÁ UM MERGULHO DESESPERADO EM DIREÇÃO À PORTA E JOGA SEU PESO CONTRA ELA.

A PORTA CAI.

UM CORREDOR LONGO E ESCURO ESTENDE-SE À DIANTE.

RAV ASHLAG CORRE AO LONGO DELE, SEUS OLHOS FIXOS NO RAIO DE LUZ ZIGZAGUEANDO À FRENTE DELE.

***

***

VARSÓVIA. A SALA DO PROFESSOR.

NÓS PODEMOS VER O ROSTO DO PROFESSOR MEIO ILUMINADO, A LÂMPADA REFLETINDO EM SEUS OLHOS.

SEUS LÁBIOS ESTÃO MOVENDO-SE:

-E tudo isto está dentro de você.

UM CLARÃO DE LUZ.

RAV ASHLAG ESTÁ CORRENDO AO LONGO DO CORREDOR ESTREITO, APROXIMANDO-SE DE UMA PORTA.

ELE EXPLODE ATRAVÉS DELA PARA ENCONTRAR-SE NUMA RUA ESCURA. AS CASAS ESTÃO UMAS PRÓXIMAS DAS OUTRAS.

ELE OLHA PARA TRÁS.

O BRILHO DE TOCHAS DE LUZ RAPIDAMENTE SE APROXIMA DELE.

NA LINHA DE FRENTE NÓS PODEMOS VER A FACE FURIOSA DO FARAÓ ILUMINADA PELA TOCHA QUE ELE ESTÁ CARREGANDO.

A voz do professor:

Não pare, não pense, não tenha medo!

RAV ASHLAG VIRA-SE E COMEÇA A CORRER.

UM UIVO HEDIONDO PENETRA A ESCURIDÃO ATRÁS DELE:

-Pa-re-eee!

***

***

VARSÓVIA.

RAV ASHLAG ESTÁ ANDANDO AO LONGO DE UMA RUA ESCURA E VAZIA. ESTÁ CHOVENDO MUITO.

RAV ASHLAG ESTÁ ENCHARCADO.

ELE OLHA PARA CIMA E A CHUVA CORRE PELO SEU ROSTO. ELE ESTÁ SORRINDO.

AS LINHAS PAREADAS DA CARTA ROLAM PARA CIMA.

A voz de Rav Ashlag:

Uma vez, depois de repetidas implorações, meu professor revelou um segredo para mim. Minha alegria era sem fim.

***

VARSÓVIA. RAV ASHLAG ESTÁ CORRENDO RUA ABAIXO, SEUS PÉS PISANDO EM POÇAS, ESPRIRRANDO ÁGUA POR TODA A PARTE.

A voz de Rav Ashlag:

Daquele momento em diante eu comecei a ganhar minha independência.

***

UM CLARÃO DE LUZ.

RAV ASHLAG ESTÁ CORRENDO PELAS RUAS ESTREITAS DA CIDADE SEM VIDA. SEUS PERSEGUIDORES NÃO ESTÃO MUITO ATRÁS.

UMA RUA DESFOCA-SE EM OUTRA. MEXENDO E VIRANDO, RAV ASHLAG SEGUE O RAIO DE LUZ ATÉ QUE ELE DE REPENDE VÊ O MAR EM SUA FRENTE.

RAV ASHLAG CORRE ATÉ A PRAIA E PARA.

O RAIO DE LUZ MERGULHA NO MAR, E SOMENTE ENTÃO RAV ASHLAG PERCEBE QUE É UM MAR DE LAVA DERRETIDA.

É IMPOSSÍVEL SEQUER FICAR PRÓXIMO DELE.

AS FORÇAS DO INFERNO FORÇAM RAV ASHLAG A DAR ALGUNS PASSOS PARA TRÁS.

-Sua razão44 não irá deixá-lo ir tão facilmente, – ele ouve a voz do Professor. – Esta serve ao Faraó.

AGORA A LUZ DE MIL TOCHAS APARECE NA ESCURIDÃO POR TRÁS DELE. SEUS INIMIGOS ESTÃO SE APROXIMANDO.

-Não é fácil escapar! – a voz do Professor diz.

O RAIO DE LUZ APONTA PARA A LAVA PERSISTENTEMENTE.

-Não é fácil!

RAV ASHLAG PROTEGE O ROSTO COM AS MÃOS CONTRA O CALOR ESCALDANTE. ELE DÁ UM PASSO À FRENTE, MAS ENTÃO se RETIRA.

-Nós somos os escravos do Faraó! – a voz do Professor se torna mais alta.

O FARAÓ APROXIMA-SE.

***

***

AGORA ELE ESTÁ PISANDO NA PRAIA VAGAROSAMENTE.

ELE PODE VER QUE SUA PRESA NÃO TEM LUGAR NENHUM PARA CORRER.

-Ele é toda a nossa vida!

O FARAÓ SORRI.

-Passada em vão!

O FARAÓ ABRE OS BRAÇOS E APROXIMA-SE DE RAV ASHLAG.

DE REPENTE NÓS ESTAMOS DE VOLTA À VARSÓVIA NOVAMENTE. NOITE. A CASA DO PROFESSOR.

RAV ASHLAG CAMINHA RAPIDAMENTE NAS ESCADAS PARA O SEGUNDO ANDAR E BATE À PORTA. NINGUÉM RESPONDE.

ELE OUVE.

NADA.

AS LINHAS DA CARTA PASSAM APRESSADAMENTE.

A voz de Rav Ashlag:

À medida que meu “Eu” se engrandeceu, meu professor distanciou-se de mim, mas eu não pude sentir isso.

***

VARSÓVIA. RAV ASHLAG EMPURRA A PORTA. ESTA SE ABRE COM UM RANGIDO.

ELE ENTRA NA SALA DO PROFESSOR E OLHA AO REDOR. A SALA ESTÁ VAZIA.

A voz de Rav Ashlag:

…Até que um dia eu não o encontrei mais em casa.

UMA RAJADA DE VENTO SOPRA AS FINAS CORTINAS E JOGA DENTRO UM PEDAÇO DE PAPEL COM ALGUM DESENHO.

A voz de Rav Ashlag:

Eu procurei por ele por todos os lugares, mas ele não estava em lugar nenhum para ser encontrado.

RAV ASHLAG ESTÁ SENTADO SOZINHO NA CASA DO PROFESSOR.

***

***

UM CLARÃO DE LUZ. PRAIA.

O FARAÓ ABRAÇA RAV ASHLAG.

VARSÓVIA. RAV ASHLAG ESTÁ ANDANDO NAS RUAS SOZINHO. ELE OLHA NO ROSTO DOS TRANSEUNTES.

ESTA NÃO É A PRIMEIRA VEZ QUE ELE SAI DE CASA PELA MANHÃ E RETORNA TARDE DA NOITE.

ELE ESTÁ PROCURANDO POR SEU PROFESSOR.

TODO O SEU TRABALHO ROTINEIRO ESTÁ NUM IMPASSE: ESCREVER À NOITE, LECIONAR.

ELE MAL ESTÁ COMENDO; ELE NÃO CONSEGUE DORMIR. TRÊS SEMANAS SE PASSAM.

***

***

***

UM DIA, ENQUANTO ELE CAMINHAVA PELA RUA, COMPLETAMENTE ESGOTADO, UMA SENSAÇÃO FAMILIAR DOMINA RAV ASHLAG: ELE PODE SENTIR QUE ALGUÉM O ESTÁ OBSERVANDO. ELE VIRA PRECISAMENTE PARA OLHAR PARA O FIM DA RUA ONDE UM HOMEM ESTAVA PARADO UM MOMENTO ATRÁS.

MAS NÃO HÁ NINGUÉM.

NOITE. RAV ASHLAG ABRE A JANELA EM SEU QUARTO E NOVAMENTE VÊ A SILHUETA DE UM HOMEM PARADO NO OUTRO LADO DA RUA.

DESTA VEZ O HOMEM NÃO DESAPARECE MAS, VIRA-SE E COMEÇA IR EMBORA.

RAV ASHLAG CORRE PARA A RUA. ELE OLHA AO REDOR, MAS NÃO ENCONTRA NINGUÉM. ELE COMEÇA A CORRER NAS RUAS ESCURAS DE VARSÓVIA, OS SALTOS DE SEUS SAPATOS ECOAM ALTO NOS PARALELEPÍPEDOS VAZIOS. UM TRANSEUNTE SOZINHO PRESSIONA-SE CONTRA A PAREDE ALARMADO À MEDIDA QUE ELE PASSA POR ELE.

RAV ASHLAG SOMENTE PARA PRÓXIMO DA CASA DE SEU PROFESSOR. ELE VÊ UMA LUZ NA JANELA DO SEGUNDO ANDAR.

ELE VÔA ESCADA ACIMA E SE ATIRA ATRAVÉS DA PORTA.

O PROFESSOR ESTÁ SENTADO À MESA; SOMENTE SUAS MÃOS ESTÃO ILUMINADAS.

A voz de Rav Ashlag:

No nono dia de Nissan,45 Eu encontrei meu professor em sua casa. Eu me desculpei, profundamente, e tentei fazer remendos pelo passado.

RAV ASHLAG ESTÁ DIANTE DO PROFESSOR, CHORANDO.

A voz de Rav Ashlag:

Ele cedeu, como antes, e revelou um grande segredo de fé para mim. Minha alegria era imensurável.

O ROSTO DE RAV ASHLAG.

A MÃO DO PROFESSOR ESTÁ DESENHANDO CÍRCULOS EM UM PEDAÇO DE PAPEL.

A voz do Professor:

O círculo de fé acima da razão.

***

UM CLARÃO DE LUZ. PRAIA.

RAV ASHLAG EMPURRA O FARAÓ E VOLTA-SE PARA A LAVA SUFOCANTE.

A voz do Professor:

Fé acima da razão!46

RAV ASHLAG FECHA OS OLHOS E PULA NO FOGO.

A voz do Professor:

Você me ouviu, Rav Ashlag.

O CORPO DE RAV ASHLAG AFUNDA DEVAGAR NA ÁGUA.

***

ELE ESTÁ NADANDO EM ÁGUAS BRILHANTES.

O FARAÓ APONTA SUA MÃO PARA ELE E CENTENAS DE SOMBRAS ESCURAS PULAM ATRÁS DE RAV ASHLAG, SOMENTE PARA SEREM QUEIMADAS NA LAVA.

VARSÓVIA. A SALA DO PROFESSOR.

UM BRAÇO PÁLIDO PENDURA-SE DO LADO DA CAMA.

UM PEQUENO FRASCO COM REMÉDIO ESTÁ SOBRE UM BANQUINHO.

A CABEÇA DO PROFESSOR ESTÁ DESCANSANDO, IMÓVEL, NO TRAVESSEIRO. SEU ROSTO ESTÁ SOMBREADO.

A voz de Rav Ashlag:

Mas meu grande professor parecia estar perdendo sua força. Eu não deixei o seu lado, e no dia seguinte, no décimo dia de Nissan, seu tempo neste mundo se acabou.

O CORPO DO PROFESSOR ESTÁ DEITADO NA CAMA.

OPOSTO A ELE, BALANÇANDO PARA FRENTE E PARA TRÁS, SENTA-SE RAV ASHLAG.

***

UMA PÁGINA AMARELA DA CARTA; AS LINHAS SE TORNAM TURVAS.

A voz de Rav Ashlag:

É impossível descrever minha dor e minha angústia. Meu coração foi preenchido de esperança de merecer sabedoria suprema.

***

***

***

UM CLARÃO DE LUZ. O MAR. RAV ASHLAG ESTÁ NADANDO.

UM PEQUENO PONTO NO OCEANO SEM FIM.

–Mas ao invés aqui estou eu, sozinho e despido, sem nenhuma realização…

O NADADOR SOLITÁRIO ESTÁ PERDENDO FORÇA E ESPERANÇA À MEDIDA QUE ELE NADA MAIS E MAIS DEVAGAR.

-Até mesmo a sabedoria que eu recebi dele temporariamente evaporou-se de minha mente por causa da minha profunda dor.

SEU CORPO TORNA-SE MAIS E MAIS PESADO. SUAS MÃOS E PERNAS TORNAM-SE DORMENTES.

RAV ASHLAG COMEÇA A AFUNDAR NA ÁGUA AZUL. MAS SUA VOZ É OUVIDA:

-Meus olhos procuraram famintos a visão dos céus em grande antecipação e esperança.

RAV ASHLAG CONSEGUE OLHAR PARA FRENTE UMA ÚLTIMA VEZ.

ATRAVÉS DE SEUS OLHOS TURVOS, DE REPENTE, ELE VÊ DE RELANCE O LITORAL.

– Eu não me permiti um momento de pausa até que eu achei graça aos olhos do Criador.

VARSÓVIA. RAV ASHLAG ESTÁ ANDANDO RUA ABAIXO APRESSADAMENTE. UM VENTO FORTE ESTÁ SOPRANDO AS ABAS DE SEU CASACO.

***

DOCUMENTÁRIO POR VOLTA DE 1917: RÚSSIA, A REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO. KERENSKY E OUTROS MEMBROS DO GOVERNO PROVISÓRIO SORRIEM PARA A CÂMERA.

AMÉRICA. O PRESIDENTE DE CABELOS LISOS DA GRAVADORA “VICTROLA” APRESENTA A PRIMEIRA GRAVAÇÃO DE GRAMOFONE DA BANDA ORIGINAL DE JAZZ DIXIELAND PARA UMA MULTIDÃO APLAUDINDO.

BERLIN. ESTAÇÃO DE TREM. ALGUMAS PESSOAS PULAM NUM VAGÃO DE CARGA POUCO ANTES DAS PORTAS SE FECHAREM. E ANTES QUE SE FECHEM, NÓS TEMOS UM VISLUMBRE DO ROSTO DO JOVEM LENIN ENTRE OS PASSAGEIROS.

UMA RUA EM VARSÓVIA.

RAV ASHLAG PARA NO MEIO DA RUA E OLHA PARA UMA NUVEM CINZA NO FORMATO DE UMA ILHA PAIRANDO BAIXO SOBRE A CIDADE.

UM HOMEM CORRE DO OUTRO LADO DA RUA.

DE REPENTE ELE DIMINUI O PASSO PARA UMA CAMINHADA E FINALMENTE PARA. ELE OLHA PARA RAV ASHLAG, MAS NÃO SE APROXIMA.

O VENTO SOPRA O CHAPÉU DA CABEÇA DELE E O ROLA PARA O OUTROO LADO DA RUA. ELE TENTA PEGAR O CHAPÉU, MAS NÃO CONSEGUE.

O HOMEM DO OUTRO LADO PEGA O CHAPÉU E O ESTENDE PARA RAV ASHLAG, QUE VÊM CORRENDO ATÉ ELE.

ESTE É YAN.

Yan:              Eu não consegui decidir-me se eu deveria abordá-lo ou deixá-lo em paz com o seu Deus, mas então o seu Deus tirou o chapéu da sua cabeça e resolveu o meu dilema. Lênin está vindo à cidade. Você ouviu falar dele?

Rav Ashlag:       Eu li alguns de seus trabalhos.

Yan:              Então?

Rav Ashlag:       Ele é um homem inteligente.

Yan (sorrindo):   Inteligente?! Ele é um gênio! Você ouviu a respeito do que está acontecendo na Rússia?

Rav Ashlag:       Uma revolução.

Yan:              Um fogo está começando lá. Está iniciando-se na Rússia, e então se espalhará por todo o mundo. Você quer que eu arranje uma reunião com o Lênin para você? Agora mesmo? Entenda, essa é a sua única chance. Diga “sim”.

Rav Ashlag:       Sim.

YAN E RAV ASHLAG ENTRAM NUMA RUA LATERAL.

ELES CAMINHAM ATÉ A ENTRADA DE UMA PEQUENA CASA MODESTA. IMEDIATAMENTE ELES ESTÃO CERCADOS POR QUATRO HOMENS AUSTEROS.

Yan:              Ele está comigo.

UM DOS HOMENS COMEÇA REVISTAR RAV ASHLAG COMO SE ELE NÃO TIVESSE OUVIDO YAN.

QUANDO ELE TERMINA, ELE FICA DE LADO MANTENDO SUA EXPRESSÃO SEVERA.

O homem:          Entre.

***

UMA CASA SEGURA.

LENIN ESTÁ SENTADO ATRÁS DA MESA.

ELE ESTÁ MUITO EMOTIVO E ABERTO, IRRADIANDO UM TREMENDO CARISMA.

TODOS QUE ESTÃO NA SALA, A MAIORIA BASTANTE JOVENS, O ESTÃO OBSERVANDO COM ADMIRAÇÃO.

RAV ASHLAG DESTACA-SE COM SUA VESTIMENTA RELIGIOSA.

Lênin:            Pessoas querem ações de nós, não apenas conversa vazia. Nós devemos jogar fora o governo burguês apodrecido e levantar a bandeira da justiça e criar o primeiro estado de trabalhadores e camponeses no mundo! Esta é nossa missão,camaradas!

TODOS APLAUDEM.

Yan:              Camaradas, por favor, mantenham o tom baixo. Não se esqueçam de que nós ainda não estamos na Polônia comunista, mas num país governado por um governo burguês. Agentes policiais estão tentando farejar o camarada Lênin por toda a Varsóvia.

Lênin:            Geração após geração de pessoas oprimidas tem sonhado com tal estado. Controle sobre fábricas, plantas e terras será dado aos trabalhadores e camponeses. Nós iremos criar a nossa própria polícia e o Exército Vermelho das pessoas. Nosso partido será chamado de Partido Comunista dos Trabalhadores e Camponeses, e liderará a nobre luta por liberdade, igualdade e independência para todos os oprimidos em todo o mundo.

UM BAIXO GEMIDO DE ADMIRAÇÃO ROLA PELA MULTIDÃO. RAV ASHLAG ERGUE SUA MÃO.

Lênin:            Sim, o camarada de traje religioso…

Rav Ashlag:                  Eu acho suas ideias muito apeladoras.

Lênin (dirigindo-se a todos):

Normalmente ambos os nossos bispos e rabinos se opõem às minhas ideias!

Rav Ashlag:       Você está falando de igualdade, irmandade e amor,não há nada mais exaltado do que isso.

Lênin (dirigindo-se a todos):

Parece que existem alguns rabinos progressistas também. Eu estou ouvindo, faça a sua pergunta.

Rav Ashlag:       Minha pergunta é: Quem irá construir esta sociedade justa?

Lênin:            Os oprimidos, os que não têm nada, aqueles que sabem de primeira mão o que é injustiça.

Rav Ashlag:       O que irá acontecer com a burguesia?

Lênin:            Eles terão que dar preferência e trabalhar para o benefício do jovem estado; caso contrário nós teremos que exercitar força. Qual é o problema? Algo a respeito deste cenário incomoda você?

Rav Ashlag:       Somente o fato de que isso levará à maior derramamento de sangue e maior injustiça.

Lênin:            Bem, eu ouvi isso muitas vezes e eu chamo isso de covardia e especulação vazia.

Yan (sussurra para Rav Ashlag):

Cala a boca!

Rav Ashlag:       Cedo ou tarde, os seus trabalhadores e camponeses irão começar a roubar, matar e odiar. Não imediatamente, mas tudo inevitavelmente irá chegar a isso.

Lênin:            Besteira! Nós devemos erguer um novo sistema educacional, baseado nos valores comunistas, e exemplos de igualdade e justiça.

Rav Ashlag:       Não existe nenhum, e não poderá haver justiça nesta terra.

Lênin:            Então é assim?

Rav Ashlag:       O homem é egoísta por natureza. A interferência de outro tipo de força é necessária para transformá-lo.

Lênin:            É essa força Deus?

Rav Ashlag:       Você pode chamá-la de Deus se você gostar. Eu prefiro chamá-la de lei superior de justiça. Ou de lei suprema do amor. Isso existe. Nós estamos cercados por ela. É a lei fundamental de toda a criação. Você somente precisa saber como chamá-la, só isso.

Lênin:            Como você sabe disso?

Rav Ashlag:       Eu sei.

Lênin:            Você leu a respeito disso em algum lugar?

Rav Ashlag:       Existe um livro que fala sobre este mesmo conceito,O livro do Zohar.

Lênin:            De-nos o livro, nós queremos lê-lo.

Rav Ashlag:       Ele requer preparação preliminar.

Lênin:            Um longo preparo?

Rav Ashlag:       Alguns anos.

Lênin:            Eu tenho boa educação, meu querido, e eu tentarei entender.

Rav Ashlag:  É impossível, a mente não é o instrumento que pode fazê-lo.

Lênin: Então qual é o instrumento?

Rav Ashlag:       O coração. Você tem que preparar seu coração para ler este livro. Da mesma maneira que você tem que preparar o seu coração para liderar um governo.

Lênin:            O que eu terei que fazer?

Rav Ashlag:       Corrigir o seu coração, fazê-lo altruísta e amável. Uma pessoa não pode fazê-lo por si mesma, mas existe um método pelo qual a pessoa pode invocar outras forças para fazer a correção.

Lênin:            Bem, eu suponho que nós temos que ir à diante.(Volta-se para Yan) Sim?

Yan:              Sim, é chegada a hora, camarada Lênin.

Lênin (levanta-se e dirige-se à Rav Ashlag):

Meu querido rabino, eu sou um ateísta jurado e não acredito em nenhuma força superior ou nenhuma lei superior. Nós vamos erguer o novo homem por nós mesmos – sem a sua lei superior.

Rav Ashlag:       Você falhará.

Lênin (pegando o chapéu dele sobre a mesa):

Meu querido,visite-nos em dez anos e você verá.

Rav Ashlag:       Você derramará muito sangue, e essa grande ideia será desvalorizada por um longo tempo. Por favor, escute!

LENIN OLHA AO REDOR, NÃO MAIS OUVINDO A ELE.

RAV ASHLAG LEVANTA-SE, TENTANDO PRENDER A ATENÇÃO DE LENIN SOMENTE POR MAIS UM POUCO.

Rav Ashlag:       Isto será um experimento terrível!

Lênin:            Infelizmente eu estou com pressa. Até logo. Por favor, deixe seu contato com Yan então quem sabe possamos ter uma chance de nos falar novamente… talvez… algum dia…

ELE APERTA A MÃO RAV ASHLAG E ELES DIZEM ADEUS UM AO OUTRO. IMEDIATAMENTE UM GRUPO DE PESSOAS CERCA LENIN. UM DELES ESCONDE O ROSTO DEBAIXO DE UMA ATADURA PARA DOR DE DENTE.

LENIN ACENA PARA TODOS E SAI DO APARTAMENTO SEGUIDO POR UM GRUPO DE HOMENS.

YAN ABORDA RAV ASHLAG.

Yan:              Tamanha lástima. Você teve a chance de escutar o maior dos homens de nosso tempo.

Rav Ashlag:       É uma lástima que ele não me ouviu.

Yan:              Você tem uma autoestima agigantada. Eu acho que este foi o nosso último encontro.

Rav Ashlag:       É uma pena que ele não pôde ouvir o que eu estava dizendo. Eu não tive tempo de explicar. Eu queria dizer-lhe tanto.

Yan:              Ele não necessita de seus sermões!

Rav Ashlag:            Não se deve colher a fruta verde, Yankele, você deve deixá-la amadurecer! As pessoas precisam ter um desejo de mudança e então tudo será possível.

Yan (rispidamente): A revolução não pode esperar! Isso é certo. E também, eu não sou Yankele, meu nome é Yan. Lembre-se disso. Eu acho que você pode achar o caminho da saída por si mesmo. Eu ficarei. Adeus, sua triste vítima da religião. Talvez um dia nós nos encontraremos novamente.(Afasta-se sem apertar a mão de Rav Ashlag.)

***

UM FLUXO DE DOCUMENTÁRIOS APARECE.

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917. O ASSALTO AO PALÁCIO DE INVERNO. LENIN FAZENDO UM DISCURSO DIANTE DE UMA ENORME REUNIÃO DE PESSOAS. TROTSKY ESTÁ CAVALGANDO UM GARANHÃO BRANCO EM FRENTE ÀS TROPAS QUE O APLAUDEM. O INÍCIO DA GUERRA CÍVIL. A EXECUÇÃO DO KSAR, SUA ESPOSA, E CINCO FILHOS. MAIS EXECUÇÕES NAS PRAÇAS PÚBLICAS DAS PRINCIPAIS CIDADES DA RÚSSIA. UMA FOME TERRÍVEL NA UCRÂNIA. O OLHAR SILENCIOSO DE LENIN DIRETAMENTE PARA A CÂMERA. ATRÁS DE SUAS COSTAS, UM JOVEM STALIN ESTÁ EM PÉ.

VARSÓVIA. A SALA DE RAV ASHLAG.

Rav Ashlag (virando-se da mesa):

Rivka!

RIVKA ENTRA E NÓS PODEMOS VER QUE A FAMÍLIA ASHLAG ESTÁ ESPERANDO MAIS UMA CRIANÇA.

Rav Ashlag:       Rivka, comece a fazer as malas. Nós estamos indo para a Terra de Israel.

Rivka (confusa):  Mas…

Rav Ashlag:       Eu quero que partamos o mais breve possível.

Rivka:            Você irá deixar seus alunos?

Rav Ashlag:       Eles irão comigo.

Rivka:            Com famílias, filhos, esposas?

Rav Ashlag:       Eu vou explicar a eles porque eles têm que partir, e eles irão entender.

Rivka:            Eu estou no sétimo mês, Yehuda.

Rav Ashlag:       Eu sei que você pode aguentar.

Rivka (uma pausa, uma tentativa de entender o que está acontecendo): Isso pode esperar?

Rav Ashlag:       Isso não pode esperar. Você vem comigo?

Rivka:            Eles não vão deixá-lo ir. Você é o mediador deles. Você é o professor deles.

Rav Ashlag:       Não são eles que decidem se eu devo partir. Eu tenho um trabalho importante para fazer na terra de Israel.

Rivka:            Yehuda…

Rav Ashlag (interrompendo ela):

Se eu não for, eu morrerei.

Rivka (irritada):

Você está dizendo isso para mim de propósito!

Rav Ashlag:       Eu fiz tudo o que eu podia fazer aqui. Você virá comigo?!

Rivka:            E as crianças?

Rav Ashlag:       Nós os levaremos conosco.

Rivka:            Não, nós não podemos. A jornada é dura.

Rav Ashlag:       Como você quiser.

Rivka:            Yehuda, nós apenas começamos a assentar raízes e eu pensei…

Rav Ashlag (interrompendo ela):

Quanto tempo você precisa para se aprontar?

RIVKA ESTÁ QUIETA.

Rav Ashlag:       Rivka?

Rivka (levanta a cabeça e olha diretamente nos olhos de seu marido):

Eu estou pronta. Eu deixarei as crianças com meus pais. Somente Baruch Shalom virá conosco.

***

A CORTE RABÍNICA.

DEZ RABINOS ESTÃO SENTADOS OPOSTOS À RAV ASHLAG ATRAS DE UMA LONGA MESA. SHMUEL, O PROFESSOR, ESTÁ ENTRE ELES.

ELES ESTÃO FALANDO QUIETAMENTE ENTRE ELES.

Rav Epstein:      Nós recebemos um boletim que 300 famílias concordaram em partir com você….

Rav Ashlag:       Está correto.

Rav Epstein:      E que você fretou um navio na Suíça para levar todos vocês para a Terra de Israel.

Rav Ashlag:       Sim, tudo está pronto. Tudo o que é preciso agora é a sua decisão.

Rav Epstein (consulta novamente os rabinos sentados próximos a ele, finalmente volta-se para Rav Ashlag):

Honorável Rav Yehuda Leib Halevi Ashlag, nós decidimos dizer lhe uma coisa: Um mediador, um professor, não pode deixar sua comunidade para imigrar livremente para a terra de Israel.

Você tem que permanecer aqui. Este é o veredito da corte rabínica, e eu aconselho a acatá-la e retratar a sua decisão.

Rav Ashlag:       Eu não posso fazer isso porque eu não sou senhor de mim mesmo.

Eu devo partir daqui e eu devo avisá-los que eu farei tudo o que eu puder para levar o maior número pessoas possível comigo. Se estivesse em meu poder, eu levaria comigo até o último de todos vocês.

SHMUEL, O PROFESSOR, LEVANTA-SE E OLHA AO REDOR PARA AS PESSOAS NA SALA.

Professor Shmuel:

Vocês estão encarando o destruidor de nossa comunidade. Eu já lhes falei centenas de vezes.

Rav Ashlag:       Os judeus precisam deixar a Europa o mais breve possível. Se eles não o fizerem, eles perecerão e trarão indizível sofrimento para todos.

Rav Zilber:       Nossa comunidade é mais forte do que jamais foi. Há três milhões de nós, judeus; nós somos uma força a ser reconhecida!

Rav Epstein:      Por que nós temos sempre que nadar contra a corrente?! Quem precisa desses conflitos sem fim? Você não pode domar este seu orgulho que não lhe traz nada além de destruição?!

Rav Ashlag:       Como eu posso explicar isso a vocês?!

Professor Shmuel: O quê?! Explicar o quê?! O seu ódio contra nós, contra nossas leis, contra a nossa Torá?!

Rav Ashlag:       Nós judeus estamos ocultando a Luz do mundo. O mundo não nos deixará continuar a viver da maneira que vivemos.

RAV ASHLAG FICA SILENCIOSO. ELE OLHA PARA TODOS ELES, UM DE CADA VEZ. NO SILÊNCIO, NÓS PODEMOS OUVIR A VOZ DE SHMUEL.

Professor Shmuel: Você precisa de mais provas? Um criminoso está diante de nós e deve ser trazido à justiça.

Rav Zilber:       Rav Ashlag, por favor, espere no corredor para a nossa decisão final. Nós temos que ponderar sobre o que você disse.

***

RAV ASHLAG SAI DA SALA.

ELE ENCONTRA-SE SOZINHO NUM LONGO CORREDOR VAZIO.

UM MÚRMURIO DE VOZES VEM DETRÁS DAS PORTAS FECHADAS.

RAV ASHLAG SAI DA PORTA. ANDANDO DEVAGAR, ELE COMEÇA A FALAR CONSIGO MESMO. ELE ESTÁ ANDANDO E ACENANDO SUAS MÃOS NO AR.

AS PORTAS SE ABREM E SHMUEL, RABINO ZILBER, RABINO EPSTEIN, E OS OUTROS ESTÃO NA ENTRADA, OBSERVANDO ELE.

RAV ASHLAG VOLTA-SE E OS VÊ OLHANDO PARA ELE.

Rav Zilber:       Entre, Rav Ashlag.

***

A SALA DA CORTE RABÍNICA.

RAV ASHLAG ENCARANDO OS RABINOS.

Rav Ashlag:       Eu gostaria que vocês ouvissem o que eu tenho a dizer, então eu queria acrescentar ao que eu tenho dito…

Rav Zilber:       Não é necessário. Por decisão da Corte Rabínica você será aqui excomungado. Deste momento em diante, ninguém tem permissão para falar com você. Amanhã nós iremos colher todas as noventa assinaturas dos membros do conselho, e a decisão será levada a toda Polônia. Você pode ir.

Rav Ashlag:       Vocês estão sentenciando incontáveis pessoas a sofrimentos terríveis. Vocês estão se responsabilizando pelo que irá acontecer.

Professor Shmuel: Por que deveríamos lhe escutar? Já lhe foi dito para ir embora, então saia! Fora!

***

AS RUAS DE VARSÓVIA.

PESSOAS ESTÃO PASSANDO POR RAV ASHLAG.

ELE OLHA NOS OLHOS DELAS COMO SE QUISESSE DIZER-LHES ALGO OU DIZER ADEUS.

ELE ANDA EM DIREÇÃO A CASA.

OS PAIS DE RIVKA VÊM ATÉ A PORTA.

O PAI DE RIVKA ESTÁ SEGURANDO DUAS CRIANÇAS PEQUENAS PELAS MÃOS. ELES SÃO O FILHO E A FILHA DE RAV ASHLAG – DAVID E BRACHA.

A MÃE DE RIVKA ESTÁ CHORANDO QUIETAMENTE NUM LENÇO. ELES PASSAM POR ELE EM SILÊNCIO.

RAV ASHLAG OS SEGUE COM OS OLHOS.

DE REPENTE, O PAI DE RIVKA PARA DE ANDAR E VOLTA-SE PARA GRITAR AO RAV ASHLAG:

-Você destruiu a vida dela! Você não se importa com seus próprios filhos! Você não é um judeu; você é um monstro! Nós estamos apagando você de nossa memória. Nós não tivemos uma filha e você nunca existiu para nós. É isso!

A MÃE DE RIVKA ESTÁ AOS PRANTOS AGORA. O PAI DE RIVKA ORDENA QUE ELA O SIGA. A MÃE DE RIVKA CONSEGUE DIZER:

-Por favor, tenha pena dela… mesmo que um pouco.

RAV ASHLAG ENTRA NA CASA DELE. PAREDES VAZIAS, SALA VAZIA.

NO CENTRO DA SALA ESTÁ UMA PEQUENA PILHA DOS SEUS PERTENCES RESTANTES; O FILHO MAIS VELHO, BARUCH, ESTÁ DORMINDO NO TOPO DELA.

RIVKA LEVANTA-SE PARA CUMPRIMENTAR O SEU MARIDO.

Rivka:            Eu consegui vender tudo. Por centavos, claro, mas ainda… Nós estamos prontos agora. (Ela olha o rosto de Yehuda.) Você parece estranho.

Rav Ashlag:       Eu não pude explicar nada a eles.

Rivka:            David e Bracha ficarão com meus pais por enquanto. Eles queriam tanto juntar-se a nós, mas como nós poderíamos levá- los?!

Rav Ashlag:       Não se preocupe. Nós os buscaremos, assim que nos fixarmos.

Rivka:            Ainda assim, eles realmente queriam tanto vir conosco!

Rav Ashlag (emaranhado em seus pensamentos):

Eu não posso explicar nada a ninguém – nem aos meus amigos, nem aos meus inimigos, nem aos professores. Ninguém.

Rivka:            Eu não consigo suportar deixar as crianças aqui.

Rav Ashlag:       Eles não me ouvem. Como eu posso explicar isso a eles.

Rivka:            Eu tenho um mau pressentimento sobre eles, Yehuda.

Rav Ashlag:       Eles não creem em mim. É como se eu tivesse atingido uma parede.

RIVKA OLHA PARA ELE EM SILÊNCIO.

Rav Ashlag:       Como eu posso explicar isso a eles? Como?!

RIVKA DÁ UM PASSO PRÓXIMO A ELE. ELA TENTA ENCONTRAR SEUS OLHOS. ELA SUSPIRA E QUIETAMENTE DIZ:

-Você explicou tudo. Foram eles que não quiseram lhe ouvir.

RAV ASHLAG VÊ O ROSTO DE RIVKA.

ELA ACENA COM A CABEÇA E TENTA CONFORTÁ-LO.

-Eu encontrei os seus pais na entrada, ele diz de repente.

-Eles são pessoas simples, não fique bravo com eles,responde Rivka.

-Eu não estou bravo. Eu os compreendo.

ELE DÁ MAIS UNS PASSOS ENTRANDO NA SALA E OLHA PARA AS PAREDES VAZIAS. RIVKA DEBRUÇA-SE SOBRE A PEQUENA TROUXA DELES E APERTA MAIS ALGUNS NÓS. ELA PERCEBE UMA PEQUENA BONECA DE PANO ESFARRAPADA NO CHÃO. ELA PEGA A BONECA E A EXAMINA.

DE REPENTE ELA SE ENDIREITA E DIZ:

-Você está dizendo que eles não o ouviram. Eles não poderiam ouvi-lo.

RAV ASHLAG VIRA-SE PARA OLHAR PARA RIVKA.

-Você tem que entendê-los. Eles estão vivendo neste mundo, eles tem desejos pequenos, simples, deste mundo: trabalhar, rezar, ter família, filhos, netos, abraçar uns aos outros como eles tem feito por séculos, assim como o Criador nos comandou. E você quer tirar isso deles.

OS OLHOS DE RIVKA ENCHEM-SE DE LÁGRIMAS.

-Eles estão corretos por não quererem render a você a única coisa que eles têm. Eu sinto muito. Desculpe-me por dizer isso a você, mas eles são pequenos, pessoas comuns, e você é um gigante comparado a eles. Eles jamais irão lhe entender; eles não podem entender suas palavras. Não é possível que se unão ao Criador, Yehuda. Deixem que fiquem. Desculpe-me por não estar ao seu lado nisso.

SILÊNCIO PAIRA NA SALA.

NÓS SOMENTE PODEMOS OUVIR A RESPIRAÇÃO TRABALHOSA DE RIVKA. ELA MAL SE SEGURA PARA NÃO EXPLODIR EM LÁGRIMAS.

Rav Ashlag:       Você se arrepende de ter se casado comigo?

Rivka:            Eu nunca, jamais me arrependerei por isso.

RAV ASHLAG DÁ UM PASSO EM DIREÇÃO A ELA, A ABRAÇA, E ASSIM ELES FICAM NO MEIO DA SALA VAZIA.

UMA TARDE QUIETA ATRÁS DA JANELA ABERTA.

RIVKA ACALMA-SE NOS BRAÇOS DE SEU MARIDO E PRESSIONA-SE CONTRA ELE.

UMA BATIDA NA PORTA.

OS ALUNOS DE RAV ASHLAG, TANTO JOVENS QUANTO VELHOS JUDEUS, CUIDADOSAMENTE ENTRAM NA SALA. RIVKA SAI.

OS ALUNOS ESTÃO PARADOS LÁ TENTANDO EVITAR O OLHAR DE RAV ASHLAG. NO FUNDO DO GRUPO CHAIM E AARON SE ESCONDEM.

Aluno idoso:      Nós viemos lhe dizer que não podemos partir com você… para a Terra de Israel.

RAV ASHLAG OS OBSERVA SILENCIOSAMENTE.

Aluno idoso:      Nós cremos em você, e você é um grande professor, mas nós não podemos ir contra a decisão da comunidade.

RAV ASHLAG SACODE A CABEÇA. ELE PERMANECE EM SILÊNCIO POR UM LONGO PERÍODO.

Vozes:            Nos perdoe.

Rav Ashlag:       Eu não posso força-los a partir. Se eu pudesse, eu me colocaria de joelhos e imploraria para irem comigo. Mas eu sei que vocês não irão me ouvir. O Criador selou seus ouvidos com cera. (Silêncio) Todos nós teremos que sofrer terrivelmente!

Vocês me escutam?

Vozes:            Sim, nós o escutamos.

Rav Ashlag:       E vocês não creem em mim, ou creem?

Vozes:            Nós cremos.

Rav Ashlag:       E mesmo assim vocês não virão?

Aluno idoso:      Como podemos partir? Nossos familiares estão aqui, nós somos muito apegados uns aos outros. Você sabe como é isso entre nós judeus.

Rav Ashlag:       Sim, judeus, infelizes judeus… (para Aaron e Chaim) Por que vocês dois estão se escondendo atrás deles?

AARON E CHAIM PERMANECEM COM A LÍNGUA PRESA, SEM SE ATREVER A ENCONTRAR COM OS OLHOS DE RAV ASHLAG.

DE REPENTE CHAIM SACODE A CABEÇA DECIDIDAMENTE.

Chaim:            Eu irei!

TODOS SE VOLTAM PARA ELE.

ELE APERTA SUAS MÃOS EM PUNHOS E A ACENA NO AR GRITANDO:

Sim, eu irei! Vou deixar este lugar! Eu partirei com o nosso professor, e vocês podem ficar aqui se quiserem! (Ele olha para todos) Eu irei! Sim, eu irei!

ELE PUXA AARON PELA MANGA.

Chaim:            Aaron! Vamos!

Aluno idoso:      Aaron não irá para lugar nenhum.

Chaim:            Aaron, não dê ouvido a ninguém!

Aluno idoso:      Aaron, você ficará, Uma só palavra sua e você sabe o que irá acontecer; você não verá um centavo da fortuna de seu tio. Nós doaremos tudo aos pedintes da cidade. Você compreende?

Chaim:            Aaron, nós iremos!

Aluno idoso:      Não, você ficará.

Chaim:            Você se arrependerá, Aaron!

Aaron (suspirando pesado):

Eu não posso.

Chaim:            Você se tornará um milionário, Aaron, mas o mais infeliz milionário tudo porque você não se juntou ao Rav Ashlag.

Rav Ashlag:       Chaim, corra para casa para fazer as malas, eu o estarei esperando em duas horas. (Ele olha para todos) Somente não amaldiçoem ao Criador quando Ele vier para vocês.

***

TARDE. UMA RUA SEM ASFALTO EM VARSÓVIA.

UMA CARROÇA MOVENDO-SE DEVAGAR CARREGA RAV ASHLAG E RIVKA, O FILHO DELES,BARUCH, E UM DESPREOCUPADO CHAIM COM UMA GARRAFA DE VODKA NAS MÃOS. DE VEZ EM QUANDO, CHAIM TOMA UM GOLE, ESTREMECE, E EMPURRA PARA BAIXO COM UM PEDAÇO DE PÃO E CEBOLAS.

PESSOAS ESTÃO OLHANDO PARA ELES. ALGUÉM PARA, OUTRO APONTA O DEDO PARA ELES, OUTROS SAEM DO CAMINHO.

O COCHEIRO ESTÁ QUIETO.

Chaim:            Adeus, Varsóvia, adeus para sempre! Nós estamos indo para a Terra de Israel!

RAV ASHLAG TIRA A GARRAFA DELE,TOMA UM GOLE, E PASSA PARA O SEU FILHO. BARUCH TAMBÉM BEBE, COM UMA CARETA, E PASSA A GARRFA AO COCHEIRO. O COCHEIRO TOMA O ÚLTIMO GOLE E DÁ UM GRANIDO DE PRAZER.

RIVKA ESTÁ OLHANDO PARA ELES COM UM SORRISO.

Rav Ashlag (para o cocheiro):

Como você pode estar tão quieto hoje?

O cocheiro: Eu não sei o que recitar para tal ocasião.

Rav Ashlag:       Não há lugar para tristeza se você está conectado ao criador. Lembre-se das palavras de seu filho, Moshe: “O Criador,é um, único e unificado. Somente o bem vem Dele”.

O cocheiro: Eu me sinto bem quando estou com você.

Chaim (num discurso enrolado): Bem, venha conosco então!

O cocheiro:       Eu não posso. Eu não posso deixar Moshe para trás. Eu reservei um lugar próximo a ele. Ele está frio deitado lá sozinho.

O COCHEIRO PUXA AS RÉDEAS E ALEGREMENTE GRITA COM O CAVALO. DE REPENTE ELE COMEÇA A RECITAR.

  • “Quem observa o vento, não semeará e aquele que olha para as nuvens não colherá”…

RAV ASHLAG JUNTA-SE A ELE E AGORA AMBOS ESTÃO RECITANDO AS PALAVRAS DO ECLESIASTES MELODICAMENTE, MEXENDO AS MÃOS NO RÍTMO:

  • “Semeie sua semente pela manhã e não seja ocioso à noite”…

CHAIM JUNTA-SE A ELES. ELE PULA DA CARROÇA QUE SE MOVE LENTAMENTE E TROTA PRÓXIMO A ELA, OBSERVANDO OS LÁBIOS DE RAV ASHLAG À MEDIDA QUE ELE FORMA CADA SÍLABA.

TODOS OS TRÊS ESTÃO REPETINDO COM ALEGRIA.

  • “A luz é agradável e é bom para os olhos ver o sol. Na verdade, se um homem viver muitos anos, deixe-o regozijar-se em todos eles, e deixe-o lembrar dos dias de trevas, porque serão muitos. Tudo o que está por vir será futilidade”.

NUMA RUA ESBURACADA, A CARROÇA BALANÇA PASSANDO A FLORESTA.

OS LONGOS BRAÇOS DE RAV ASHLAG ESTÃO DESCANÇANDO NA BORDA DA CARROÇA, E UM LARGO SORRISO ADORNA O ROSTO DO COCHEIRO.

CHAIM PULA AO REDOR DA CARROÇA NUMA DANÇA HASSÍDICA; NUM MOMENTO ELE ESTÁ COORRENDO À FRENTE, NUM OUTRO ELE ESTÁ TRILHANDO ATRÁS.

AGORA ELE FAZ PARADA PRÓXIMO À RAV ASHLAG.

DE REPENTE, O COCHEIRO PUXA PRECISAMENTE AS RÉDEAS.

O cocheiro: Upaa!

UM HOMEM BAIXO VEM DA FLORESTA E PARA NO MEIO DA ESTRADA, SEGURANDO FIRME UMA PEQUENA TROUXA ENROLADA EM PANO.

RAV ASHLAG ESFORÇA-SE PARA VER O ROSTO DO ESTRANHO, PULA DA CARROÇA, E ANDA ATÉ ELE.

É O VELHO BARUCH. RAV ASHLAG O ABORDA.

BARUCH ESTÁ OBSERVANDO RAV ASHLAG ZANGADAMENTE.

Baruch:           Leve isso com você.

ELE ENTREGA A TROUXA PARA RAV ASHLAG.

Rav Ashlag:       O que é isso?

Baruch:           Este é O Livro do Zohar. Tem quase trezentos anos. Este é um livro que pertenceu ao meu professor o Rabino de Kotzk. Não tem preço. Você pode vendê-lo se a situação ficar difícil.

Rav Ashlag:       Obrigada, mestre.

Baruch:           Nós não nos veremos novamente.

ELE VIRA-SE E DESAPARECE NA FLORESTA.

***

***

DOCUMENTÁRIO DE 1920.

UM NAVIO, SUPERLOTADO ESTÁ BALANÇANDO SOBRE AS ONDAS DO MEDITERRÂNEO, EM DIREÇÃO À TERRA DE ISRAEL.

NOITE. AS ESTRELAS ESTÃO BRILHANDO NAS ONDAS ESCURAS.

OS ASHLAGS E CHAIM ESTÃO AMONTOADOS JUNTOS NO CONVÉS ABARROTADO.

RAV ASHLAG ESTÁ DEITADO OS OBSERVANDO, SEUS BRAÇOS SOB SUA CABEÇA. DE REPENTE A MÃO DE RIVKA O TOCA.

Rivka (sussurra): Está começando.

RAV ASHLAG ACORDA BARUCH E CHAIM.

Rav Ashlag:       Procure um médico ou um paramédico – rápido!

BARUCH SHALOM CORRE PARA PONTE DO CAPITÃO; CHAIM CORRE PARA O CONVÉS INFERIOR.

NÓS PODEMOS VER BARUCH GESTICULANDO FRENETICAMENTE PARA O OFICIAL DE NAVEGAÇÃO, MAS O HOMEM BALANÇA A CABEÇA NEGATIVAMENTE.

RIVKA OLHA PARA O SEU MARIDO.

SEU ROSTO É UMA MÁSCARA DE DOR E RESIGNAÇÃO.

RAV ASHLAG A ABRAÇA, PRESSIONANDO-A CONTRA ELE. ELA ESTÁ GEMENDO QUIETAMENTE.

BARUCH E CHAIM VOLTAM CORRENDO QUASE AO MESMO TEMPO.

Baruch:           Não há um médico a bordo!

Chaim:            Não há ninguém que possa ajudar!

RIVKA EMPURRA TODOS BRUSCAMENTE E OLHA PARA BAIXO.

Rivka (através da dor):

Tire eles daqui, Yehuda! Agora!

AS ROUPAS DE CHAIM VÔAM PELO AR E CAEM NO CONVÉS. AS TROUXAS DOS ASHLAGS ESTÃO VAZIAS.

RAPIDAMENTE, CHAIM E BARUCH CONSTROEM UMA TENDA AO REDOR DE RAV ASHLAG E RIVKA FEITA DE LENÇÓIS, CAMISAS, SAIAS E CALÇAS.

RAV ASHLAG ESTICA SUA CABEÇA PARA FORA POR UM MOMENTO.

Rav Ashlag:       Água quente, rápido!

BARUCH CORRE PARA BUSCAR ÁGUA.

Chaim:            Mas como… Você nunca fez isso antes.

Rav Ashlag (calmamente):

Receber vida não é uma tarefa tão difícil. Viver, agora sim, é onde você precisa de habilidade de verdade.

RIVKA ESTÁ GEMENDO DENTRO DA TENDA.

BARUCH CORRE DE VOLTA COM UM BALDE DE ÁGUA QUENTE. RAV ASHLAG DOBRA SUAS MANGAS.

Rav Ashlag:       É isso aí, meninos; deem uma volta ou duas. Em breve a nossa filha nascerá.

ELE MERGULHA NA TENDA.

O ROSTO DE RIVKA ESTÁ PÁLIDO.

OS OLHOS DELA SEGUEM CADA MOVIMENTO DE SEU MARIDO. ENORMES GOTAS DE SUOR SE CONDENSAM NA TESTA DELA.

RAV ASHLAG GENTILMENTE LIMPA A TESTA DELA COM UMA TOALHA.

LÁ FORA, CHAIM E BARUCH ESTÃO ANDANDO EM CÍRCULOS SOB O CÉU ACESO PELAS ESTRELAS.

DENTRO DA TENDA, RIVKA ESTÁ MORDENDO UMA TOALHA DOBRADA PARA SUFOCAR OS GRITOS, OS OLHOS DELA ESTÃO CHEIOS DE DOR.

AS ONDAS TROVEJAM E SE QUEBRAM CONTRA O LADO DO VELHO NAVIO. A LUA CHEIA PENDURA-SE SOBRE AS ÁGUAS.

DE REPENTE NÓS OUVIMOS O CHORO DE UMA RESCÉM-NASCIDA. RIVKA ESTÁ CHORANDO DE DOR E ALEGRIA.

Rav Ashlag (balançando a recém-nascida em seus braços):

Bem, olá, Bat Sheva!

Rivka (quietamente, com amor):

Bat Sheva.

***

O NAVIO BALANÇA FORTE COM AS ONDAS.

AMARRADO AO MASTRO, UM BERÇO IMPROVISADO FEITO DE TRAPOS, ESTÁ BALANÇANDO DE UM LADO PARA O OUTRO.

RIVKA ESTÁ DORMINDO PERTO DELE.

RAV ASHLAG ESTÁ SENTADO A POUCOS METROS DE DISTÂNCIA. NA FRENTE DELES – CHAIM E BARUCH.

Rav Ashlag (explicando ao Baruch):

O nome, Israel, é feito de duas palavras – Yashar (direto) e El (Deus), significando direto em direção ao Criador. Somente aqueles que desejam encontrar o Criador moram nesta terra.

Baruch:           E aqueles que não desejam?

Rav Ashlag:       Eles simplesmente não podem viver nela.

Baruch:           Mas há muitas pessoas vivendo lá.

Rav Ashlag:       Não, não há.

Baruch:           Eu não entendo, muitos tipos de pessoas vivem lá agora mesmo.

Rav Ashlag:       Baruch, deixe eu lhe dar um exemplo. Vamos pegar duas pessoas que estão andando numa mesma rua. Para uma delas, essa é uma rua de pedras, um asfaltamento cheio de poças sujas, com pobres pedindo nas esquinas. Mas para a outra, essa é uma estrada que leva ao Criador. Bem, diga-me, estão elas andando na mesma rua ou não?

Baruch:           Claramente que elas não estão. Aquele que está procurando pelo Criador vê diante dele a rua mais bonita e cheia de luz em todo o mundo.

Rav Ashlag:       Assim é essa terra. É muito bonita, cheia de luz, florescendo, e abundante. A Terra de Israel é um desejo de estar ao lado do Criador – é uma terra interior.

RIVKA ABRE OS OLHOS E SORRI PARA SEU MARIDO. ELA NUNCA O VIU TÃO INSPIRADO.

Baruch:           A Terra de Israel também está dentro de mim?

Rav Ashlag:       Cada indivíduo tem essa terra dentro dele.

Baruch:           Então essa terra é para todo mundo?

Rav Ashlag:       Sim, ela é.

Baruch:           Para cada um e para todos?

Rav Ashlag:       Para todas as pessoas.

Baruch:           E não somente para os judeus?

Rav Ashlag:       Para judeus e não judeus, pretos, brancos, amarelos, e vermelhos. É para todos.

Baruch:           Então, um dia todo o mundo virá para a Terra de Israel?

Rav Ashlag:       Precisamente. Toda pessoa que desejar encontrar o Criador irá morar neste país.

Baruch:           Então por que estamos indo lá, se essa terra está dentro de cada um de nós?

Rav Ashlag:       Porque estamos ficando sem tempo. Nós não podemos esperar. Nós fomos marcados pelo Criador, e não podemos evitar isso. Nós queremos encontrar a Terra de Israel espiritual enquanto vivendo no ponto geográfico chamado de “a Terra de Israel”.

Ela nos dará forças adicionais, sim dará!

Baruch:           Eu gostaria que isso já tivesse acontecido.

32 Em hebraico, tanto “Rav” e “Rabino” podem ser usados como um título antes do nome de alguém. Mas desde que o termo “rabino” tem uma conotação mais ortodoxa do que “Rav”, o último será usado aqui para denotar rabinos que também são conhecidos como Cabalistas. As exceções são os Cabalistas que já são conhecidos como rabinos, como Rabino Shimon Bar Yochai e Rabino Akiva.

33 Uma pessoa deixa a arca quando os pensamentos puros com que ele viveu até o momento o preparam para o nascimento, depois de nove meses e um dia. Isto não se refere ao tempo físico, mas à um estado espiritual: Uma pessoa contempla doação e amor, vive nesses pensamentos como um feto no útero, e fica mais forte. Quando a estrutura inicial da alma é concebida, é hora de deixar a arca e trabalhar (receber) com os desejos egoístas, que até agora têm sido colocados de lado.

34 Uma descida é uma perda de contato com a espiritualidade. Isto acontece quando uma nova porção de egoísmo é adicionado à uma pessoa, que deve agora ser tratada e corrigida. A nossa missão é encurtar a duração dessas descidas, tanto quanto possível, mas elas não podem ser evitadas.

35 Faraó é a força egoísta de amor próprio que governa uma pessoa.

36 Uma pessoa que vê o Faraó é aquele que sente aquela força dentro de si, e a si próprio como um servo daquela força. Derrotar o Faraó significa direcionar as forças internas à uma direção de doação e amor, ao invés de  gratificação  pessoal. Quando isso acontece o Criador tomará o lugar do Faraó dentro dessa pessoa.

37 Rav Baruch Shalom, o Rabash, o primogênito de Rav Yehuda Ashlag e seu sucessor. Rabash foi autorizado a transmitir os princípios do trabalho espiritual, que foi, até agora, apenas transmitidos oralmente por meio de cartas pessoais. O grupo de Cabalá Bnei Baruch (filhos de Baruch), é nomeado em sua homenagem.

38 Descidas, onde o Cabalista completamente esquece de tudo, são as vezes dadas precedendo uma grande ascensão.

39 O 2º mês no calendário hebreu, normalmente entre os meses de Outubro e Novembro.

40 Escapando à noite: Quando se percebe que se está completamente sob o domínio do egoísmo, esta a sensação é chamado de “a noite.” O desejo de correr, juntamente com a incapacidade de fazê-lo, produz uma oração, uma ladainha, um pedido de ajuda. Quando isso acontece, a oração é atendida e a pessoa recebe a força de escapar.

41 Moisés (Moshe) vem da palavra Limshoch ( retirar). Na Cabalá, Moisés é a força que puxa a pessoa para fora do  reino do egoísmo.

42 “Pai e Mãe” são as forças de doação e amor em uma pessoa. Somente uma oração pode ativar essa força.

43 Um Zivug (acasalamento, união) é uma resposta à uma oração. Daquele Zivug, a força de Moisés é nasce, após a qual Moisés irá puxar um indivíduo para fora do detestável estado egoísta no qual o indivíduo se encontra.

44 Nossa mente corporal, ou razão, sempre serve aos desejos egoístas, procurando maneiras do egoísmo ser satisfeito. Isto é tudo o que ela faz. O intelecto é produto do nosso egoísmo.

45 Nissan— o sétimo mês no calendário hebreu.

46 Fé acima da razão: Na sabedoria da Cabalá, fé é a sensação de contato com o Criador, a qualidade de doação e amor que aparece numa pessoa. A razão simboliza a qualidade de receber para si mesmo.  Fé acima da razão não é fé cega.  Ao contrário, é um estado no qual o indivíduo ativa a sua mente, contempla, examina a situação,  e somente então assume a fé – doação e amor. Ao aumentar a importância de fé acima da razão um indivíduo se torna mais sábio.

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