Construindo o Kli (Vaso/Ferramenta) Espiritual
Do livro “Cabala, Ciência e o Sentido da Vida”
Criando o Kli
A essência do nosso trabalho é criar o Kli. Se nós soubermos construir corretamente a nossa ferramenta de percepção, entenderemos onde realmente estamos. Como dissemos na seção anterior deste livro, a nossa substância é constituída de um desejo de receber deleite e prazer.
Se nós conseguirmos tornar essa substância sensível às percepções relativas à recepção e à doação, seremos capazes de usá-la para perceber o mundo espiritual. É semelhante à maneira como um bloco de ferro bruto é derretido para criar peças para motores. Quando juntadas corretamente, elas permitem que o motor funcione.
Da mesma forma, nós devemos trabalhar com nós mesmos para percebermos a espiritualidade. Construir o Kli espiritual é muito parecido com esculpir – você deve entalhar a matéria-prima e poli-la até que surja a forma desejada. A matéria-prima, neste caso, consiste de nossos desejos, pensamentos e intenções.
O Criador criou a Criação com a intenção de fazer o bem às Suas criaturas. Para concretizar Seu objetivo, Ele criou o Kli – o desejo de receber – que receberia Seu benefício. Inicialmente, esse desejo não tem forma. Modelar o desejo de receber é o trabalho de todos nós, até que ele esteja revestido com sua forma final – a doação, a forma do Criador.
A substância em si permanece como no princípio – o desejo de receber prazer – mas mudar a intenção para doação assemelha o seu modo de ação com o do Criador. Assim, a intenção é a forma.
Os livros Cabalísticos descrevem as formas que a pessoa deve criar no desejo de receber, degrau por degrau, para finalmente sentir os benefícios que vêm do Criador. O desejo de receber geral consiste de 613 desejos e cada um deles é coroado ou por um desejo de receber, ou por um objetivo de dar. Essas formas de recepção ou doação que “cobrem” cada desejo determinam o grau de realização espiritual de cada pessoa.
Um degrau é certo nível de resistência da Forma de doação. Isso permite que os benefícios do Criador se manifestem dentro do desejo de receber. Os diversos preenchimentos dentro do desejo de receber são a origem dos muitos nomes do Criador. É a percepção individual que nomeia o Criador conforme o sabor que a pessoa sente dentro da doação do Criador.
Uma vez que os Cabalistas atingiram a natureza da realidade e a estudaram, eles dividiram a forma do reconhecimento da realidade em quatro níveis: Matéria, Forma na Matéria, Forma Abstrata, e Essência. A Cabala é um método de estudo prático que conduz os investigadores de forma profunda e sistemática ao longo do caminho evolutivo. Como em qualquer outro método científico, a Cabala ensina o investigador o que deve ser feito, que resultados devem ser esperados, e comenta as razões de cada resultado. A Cabala não se ocupa em descrever estados teóricos que a pessoa não pode realizar de forma independente e sem plena consciência.
A Cabala define os limites dentro dos quais a realidade pode ser corretamente percebida: Matéria e Forma na Matéria. Os Cabalistas percebem os discernimentos adicionais (Forma Abstrata e Essência) apenas vagamente e sem certeza; portanto, a Cabala não se ocupa dessas formas.
Estes limites se aplicam à investigação em ambos os mundos, corporal e espiritual, de forma que a alma percebe o mundo espiritual exatamente como percebe o mundo físico. Mesmo no nosso mundo, investigadores e cientistas responsáveis não estudam Formas Abstratas ou a Essência, mas exploram apenas a Matéria e Forma na Matéria.
A Reação dos Sentidos
Nós existimos no mundo, mas não sabemos o que está fora de si. Por exemplo, nós não sabemos o que existe fora dos nossos ouvidos, não podemos identificar esse “algo” que pressiona nosso tímpano. Tudo aquilo que sentimos é a nossa própria reação a esse “algo”.
Portanto, o nome que nós damos a um fenômeno exterior é, na verdade, o nome de nossa própria reação a ele. Muito provavelmente, existem freqüências ou fenômenos diferentes daqueles que nós criamos dentro nossos ouvidos. No entanto, os nossos ouvidos reagem de uma forma única em relação ao “algo” desconhecido que está do lado de fora, e é através dessa reação que nós definimos esse fenômeno. Tudo o que podemos fazer é estudar as nossas próprias reações aos fenômenos, ou seja, o que acontece dentro de nós.
Resulta que a nossa percepção do mundo é muito limitada. Se nós começarmos a compreender que aquilo que vemos não é o que está realmente acontecendo fora de nós, poderemos abordar a investigação sobre como percebemos a realidade de uma forma totalmente nova. Na verdade, existe certa Essência que atua sobre nós, mas nós nunca a sentimos em sua forma verdadeira. Tudo o que podemos sentir é a nossa reação interior a ele. Nossa imagem do mundo é a soma das nossas reações internas, mas não temos como saber o que está realmente presente fora de nós.
Se nós queremos nos relacionar corretamente com a realidade, devemos reconhecer os limites de nossa percepção. Nós não podemos nos iludir pensando que percebemos a imagem real, pois não temos nenhuma percepção verdadeira de sua Essência ou Forma Abstrata. Nós só podemos reconhecer a Forma que reveste a nossa própria Matéria. Embora seja lamentável que nós precisemos nos limitar, é assim como as coisas são.
Como já dissemos, nós não podemos perceber a imagem completa, só a nossa reação a ela. Nós também não podemos saber o quão perto a Forma percebida em nossa Matéria está da Forma Abstrata que existe fora da nossa Matéria, e a afeta.
Da mesma forma que sentimos o que está a nossa volta, o Kli espiritual percebe a realidade espiritual. Este Kli só consegue sentir a sua própria reação à Luz que está dentro dele, mas não pode dizer nada sobre a Luz que está fora.
É através de sua reação intrínseca que o Kli compreende e determina o que é a Luz, o que ele é, o que a Luz quer dele, e o que o Kli quer da Luz. Todas essas representações não têm nenhuma conexão com o fenômeno, pois ele ocorre fora do Kli.
O Baal HaSulam insiste bastante em explicar estas questões em seu Prefácio ao Livro do Zohar, uma vez que a Cabala lida exclusivamente com a construção de um Kli para a percepção da realidade:
Por exemplo, o sentido da visão nos oferece apenas sombras da essência visível, de acordo com a forma como elas são formadas em oposição à Luz. Da mesma forma, o sentido da audição não é mais que uma força de golpe de alguma essência no ar. O ar é rejeitado por causa de sua força, bate no tambor dos nossos ouvidos, e nós ouvimos que há certa essência próxima a nós.
O sentido do olfato não é mais que o ar que surge da essência, bate nos nervos do olfato, e nós cheiramos. Além disso, o sentido do paladar não é mais que o resultado do toque de alguma essência em nossos nervos do paladar.
Assim, tudo o que estes quatro sentidos nos oferecem são apenas manifestações das operações que se originam de uma essência, e nada da essência em si.
Mesmo no sentido do tato, o mais forte dos sentidos, que separa o quente do frio, o sólido e o líquido, tudo isso não é mais que a manifestação de operações dentro da essência; são incidentes da essência. O quente pode ser esfriado, o frio pode ser aquecido, o sólido pode ser transformado em líquido através de operações químicas, e o líquido em ar, isto é, apenas gás, onde qualquer discernimento em nossos cinco sentidos termina. No entanto, a essência ainda existe, porque você pode transformar o ar em líquido, e o líquido em sólido.
Assim, você vê que, evidentemente, os cinco sentidos não nos revelam qualquer essência, mas apenas os incidentes e manifestações de operações da essência.
– Rabino Yehuda Ashlag (Baal HaSulam), Prefácio ao Livro do Zohar, item 12
Assim, uma percepção adequada da realidade é de fundamental importância para nós. Os limites não são fixados para limitar ou diminuir o nosso conhecimento, ou para nos impedir de participar de algum assunto proibido. Pelo contrário, quando nós nos afastamos das partes que não controlamos, poupamos a nós mesmos de uma confusão. Se limitarmos o nosso campo de visão ao intervalo que podemos controlar, nós perceberemos a verdadeira imagem da realidade. Ao seguir rigorosamente esta condição poderemos progredir corretamente.
Em nosso estado atual, nós não temos nenhuma percepção da Luz Superior. Isto ocorre devido à oposição entre os nossos vasos egoístas e a Luz altruísta. Se os nossos vasos combinassem com a Luz, ou seja, se nós combinássemos o desejo de receber com a Luz, nós seríamos capazes de percebê-la. Tal “combinação” chama-se “vestir” (ou revestir). Vestir significa atingir a intenção de doar acima do desejo de receber, uma intenção que a pessoa só pode receber da luz.
Para receber essa intenção da Luz, é preciso ter “o ponto no coração”, um fragmento de Luz dentro do desejo de receber. Usando isto, a pessoa pode começar a cultivar a combinação entre o seu Kli e a Luz. O ponto no coração é um fragmento da intenção de doar, e com ele a pessoa pode começar a usar o resto do “coração”, ou seja, o resto do desejo de receber. Se ela conseguir usar o desejo com a intenção de doar, isso será considerado “vestir a Luz”.
Voltemos por um minuto para a maneira como o nosso sentido da audição funciona: para ouvir, nós devemos sempre manter o equilíbrio das pressões entre nós e nosso entorno. Para equilibrar a pressão que vem do exterior sobre o nosso tímpano, um delicado mecanismo cria igual pressão na direção oposta, do interior. Por isso, nós aparentemente medimos a pressão do lado de fora, mas na verdade, medimos a pressão que criamos dentro, em resposta à pressão externa.
Todas as nossas ferramentas de medição funcionam de acordo com este princípio. Nós podemos demonstrar isso usando um peso mecânico. Vários objetos participam desta demonstração: uma mola, um mostrador e o objeto a ser pesado. Colocando o objeto sobre o dispositivo cria- se uma pressão para baixo (figura 13). Para equilibrar a pressão, a mola puxa para cima. Então, o mostrador mede a pressão ascendente que a mola está aplicando, e apresenta-a como o peso do objeto.
Medir a pressão do nosso mecanismo interno é definido como “medir a Forma na Matéria e a Matéria”.
Agora vamos voltar ao Kli espiritual. Na espiritualidade, a Forma na Matéria é a reação do Kli ao que está fora dele. Ela é chamada de “intenção”. A intenção com a qual a substância (o desejo de receber) é usada equilibra o que vem do Alto, ou seja, do Criador. Com isso, um Cabalista pode medir a equivalência de intenção com a intenção do Criador em relação a ele.
Um Cabalista percebe toda a extensão do desejo de receber deleite e prazer. Se o Cabalista pudesse usar parte dele com a intenção de doar, isso seria um ato espiritual. Isso ocorre porque a utilização de qualquer parte do desejo de receber com a intenção de doar demonstra que ele equilibrou a pressão do Criador. Tal ato é chamado de “construir um Partzuf espiritual” (face), um termo que indica a medida de equivalência entre o Criador e a criatura, entre a Luz e o Kli.
Os Cabalistas usam os Partzufim (plural de Partzuf) para testar o quanto o Criador quer dar prazer e o quanto eles podem dar de volta ao Criador. Por exemplo, se a força da intenção de doar com a qual uma pessoa pode trabalhar reveste vinte por cento da Luz, os restantes oitenta por cento da Luz serão rejeitados sem ser recebidos. Em outras palavras, a pessoa só pode se equilibrar com o Criador em vinte por cento de seu desejo de receber, sua substância. É por isso que essa pessoa não ativará os oitenta por cento restantes do desejo de receber, e os restringirá.
A nossa percepção do Criador depende do poder de nossa intenção sobre a nossa Matéria. Assim como o peso e a mola, nós só conseguimos medir a nossa própria intenção. A intenção de doar é a Forma que medimos, daí o termo “Aprendizagem Formativa”, que os Cabalistas usam para descrever como nós aprendemos.
Nós geralmente chamamos a intenção de doar de “sexto sentido”. Este termo enfatiza que com a intenção de doar, a pessoa pode sentir o que está presente para além dos nossos cinco sentidos naturais.
O nosso sexto sentido funciona exatamente como os nossos cinco sentidos. A única diferença entre eles é que os cinco sentidos originais estão naturalmente presentes em nós, enquanto que o sexto sentido é aquele que nós temos que construir por nós mesmos. Embora a sensibilidade dos sentidos naturais possa variar com a idade ou outros elementos, em geral é verdade que para nós é natural termos os cinco sentidos funcionando corretamente.
Como foi mencionado acima, somos nós que devemos construir o sexto sentido. Isso ocorre porque o sexto sentido não é um sentido na acepção habitual da palavra, mas sim uma intenção. Nossa tarefa é estudar as formas pelas quais o Criador doa, e quando fazemos isso de forma independente, nós nos desenvolvemos como “criaturas” que existem por direito próprio. Esta é a diferença entre a humanidade e todas as outras partes da Criação.
Construindo As Formas Corretas
O mundo espiritual nós é oculto. Portanto, nós não podemos entender como sintonizar nossos instrumentos de percepção corretamente; nós simplesmente não sabemos o que devemos perceber. Por esta razão os Cabalistas vêm em nosso auxílio e nos aconselham sobre a forma como devemos posicionar nossos instrumentos de percepção para que possamos perceber a Luz Superior.
Os Cabalistas dizem que a Luz Superior é abstrata. No entanto, isso não significa que qualquer forma que os seres humanos possam criar lhes permitirá perceber algo da Luz Superior. A percepção da Luz Superior só é possível quando ajustamos nosso próprio Kli a uma das 125 Formas destinadas exatamente para esse propósito.
Assim, a escada espiritual consiste de 125 degraus. Cada degrau indica uma forma mais avançada de receber a Luz em nosso Kli. Os Cabalistas descrevem como podemos localizar estas formas, estudá-las, e aplicá-las à nossa Matéria. Eles também nos ensinam como devemos projetar nosso desejo de receber de tal maneira que possamos “apresentar-nos” diante da Luz Superior em formas que são “adequadas” à Luz.
Há um fenômeno semelhante que se manifesta no nível corpóreo. Muitos pesquisadores afirmam que o ser humano não pode perceber um fenômeno externo enquanto ele não estiver presente de forma semelhante na mente dessa pessoa.
O filme, What the Bleep Do We Know? (Quem somos nós?), oferece um bom exemplo desse conceito com uma história sobre os Indígenas da América que viram a armada de Colombo chegar ao litoral da América. A história conta que os índios que estavam à beira-mar não podiam realmente ver os navios que ancoravam não muito longe da terra. O xamã, um homem imaginativo, foi perturbado pelo movimento estranho das ondas, sem qualquer razão aparente. Por muitas horas ele olhou fixamente para a água tentando descobrir o que causava as ondulações.
Através de seus esforços, ele finalmente conseguiu discernir a forma do corpo que produzia as ondulações e assim foi capaz de ver as embarcações. Posteriormente, ele descreveu o que tinha visto aos homens de sua tribo, e como confiavam nele, eles também conseguiram criar a forma dos navios, até que todos viram os navios de Colombo.
A Cabala afirma que nada existe fora da mente humana. Criando o modelo do navio na mente do xamã constrói-se a imagem do navio para ele, que o xamã pensava existir fora dele. Na verdade, o navio não existe fora, em absoluto; somente nós é que estamos condicionados a relacionar a realidade como existindo de forma independente em uma realidade exterior, na qual fazemos descobertas diariamente. Os Cabalistas, no entanto, dizem que todas as inovações são apenas novos modelos dentro das nossas mentes.
Uma vez que nós adquirimos uma visão verdadeira da realidade, sentimos que a visão anterior era completamente fictícia, como um sonho. Se nós quisermos perceber a verdadeira realidade, temos de construir modelos reais dentro de nós. Este é o significado da ascensão do mundo fictício para o mundo real. É realmente por isso que foi dada à humanidade a sabedoria da Cabala, o que evoca estes modelos dentro de nós.
My perception has extended since the contact with the knowledge of Kabbalah. I want to understand the difference between my personal desires and the correction to be made to align it with the Creator.