Descrevendo a Realidade

Do livro “Cabala, Ciência e o Sentido da Vida”

Nós poderíamos comparar o ser humano a uma caixa fechada com sensores: olhos, ouvidos, nariz, boca e mãos, representando os cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato.

Como nós dissemos anteriormente, o principio fundamental na percepção da realidade é o da “equivalência de Forma”, o que significa equilíbrio de pressões. Os sentidos funcionam como sensores, cada um com reações diferentes a essa pressão, dependendo da composição do sensor. O sentido da visão evoca uma reação à luz, escuridão e cores; o sentido da audição evoca sons; o olfato evoca odores; o paladar, sabores; e o tato, sensações como macio, duro, quente e frio.

A reação dos sentidos é transferida ao centro de controle do cérebro, onde a informação é comparada com a informação que já existe na memória, o reservatório das impressões anteriores. Dessa maneira, nós processamos o que os nossos sentidos acumulam, determinamos a reação mais vantajosa e analisamos onde estamos e como agimos melhor em nosso ambiente. Quando o processo é completado, a informação é “projetada” numa “tela”, dentro do cérebro, retratando o que está ostensivamente à nossa frente (Figura 15).

Figura 15

Nesse processo, a parte circundante desconhecida se torna “conhecida”, e a imagem da realidade externa é criada. Todavia, a imagem não é a da realidade externa, mas apenas uma imagem interna, um resultado da estrutura dos sentidos humanos e dos dados preexistentes. Se nós tivéssemos sentidos diferentes, produziríamos uma imagem totalmente diferente. Provavelmente, se nós percebêssemos através de sentidos diferentes, que o que parece ser luz parecesse escuridão, ou mesmo algo tão fundamentalmente diferente que não podemos nem imaginar como isso pareceria para nós.

A ciência conhece esses fatos há algum tempo. Hoje, nós podemos substituir os sentidos usando recursos feitos pelo homem, como aparelhos eletrônicos. Apesar da ciência ainda ter que dominar totalmente essas técnicas, com o tempo ela será capaz de expandir o alcance dos nossos sentidos, de criar novos órgãos e até mesmo produzir um corpo completamente novo. Apesar disso, mesmo com um corpo novo, as imagens permanecerão internas. A ciência tem provado há muito tempo, que as sensações de estar em certos lugares e situações podem ser provocadas por estímulos elétricos no cérebro, em conjunto com o armazenamento de dados na memória.

Isso nos ensina que tudo o que nós sentimos vem de dentro, independente da realidade à nossa volta. Nós nem podemos ter certeza que existe uma realidade externa. Como a imagem do mundo “externo” está dentro de nós, os Cabalistas se referem ao mundo que vemos como “o mundo imaginário”.

Tudo é composto do desejo de desfrutar. Nos seres humanos, esse desejo geral de desfrutar perpetuamente, provoca desejos de tirar prazer de certas coisas, que mudam a qualquer momento. Combinado com as informações armazenadas na memória, esse desejo opera nossos sentidos em direção ao que desejamos momentaneamente. A evolução do desejo por prazer através das gerações, finalmente nos leva ao desejo por algo desconhecido, chamado “o ponto no coração”. Hoje, esse desejo está despertando em muitos de nós.

O problema com esse desejo é que não há dados correspondentes que se relacionem com ele em nossa memória. Mesmo os nossos sentidos não conseguem localizar uma fonte que satisfaça esse novo anseio. Quando esse desejo desperta em nós, nós ficamos impotentes, porque não há nada no mundo à nossa volta que possa satisfazê-lo. Mas quando este desejo desperta, ele torna nossas vidas anteriores à sua aparição parecerem repulsivas.

O ponto no coração é o início de um sistema sensorial totalmente novo, completamente desconectado do atual sistema natural. Quando esse sistema novo estiver totalmente desenvolvido, ele será chamado de “alma”. A alma conterá um cérebro novo, uma nova memória e uma nova “tela”. Usando-a, a pessoa vê uma imagem completamente nova do mundo, a imagem do mundo espiritual. Por isso, existem dois sistemas sensoriais separados que operam igualmente: o sistema natural corpóreo, e o sistema espiritual.

No sistema natural, a imagem do mundo surge no momento do nascimento. Nós não precisamos fazer nada para criá-la, o que já é uma diferença substancial do sistema espiritual. Nós experimentamos muitas coisas na vida, experiências que enriquecem e desenvolvem nossa memória, aumentam nossa capacidade de processar maiores sutilezas e fazer inúmeras conexões e conotações. Como resultado, a imagem criada em nossa mente torna-se cada vez mais lúcida. Essa é a diferença entre a percepção de mundo do bebê e a percepção do adulto.

Para que o ponto no coração se desenvolva num sistema de percepção espiritual, a pessoa deve adquirir um grande desejo por isso. Como o mundo espiritual está oculto, o único jeito de intensificar o desejo por ele é através do ambiente apropriado. Quando a pessoa quer progredir espiritualmente, ela é levada a um ambiente apropriado, conforme a medida do desejo de receber. Este é um processo natural que acontece como resultado da lei de equivalência de Forma, na qual a pessoa está situada no sistema espiritual de acordo com seu desejo de participar dele.

Esse ambiente compreende três elementos: um guia Cabalista, textos Cabalísticos e uma sociedade de pessoas com desejos semelhantes. A partir de agora, a evolução da pessoa depende do seu desejo de utilizar esse ambiente corretamente, ou seja, para aumentar o desejo pela espiritualidade. Quando, e somente quando, o desejo pela espiritualidade crescer até a intensidade exigida para criar outro sistema sensorial, é que a imagem do mundo espiritual será criada nela.

Este é o único propósito pelo qual os textos Cabalísticos foram escritos. Ao estudar corretamente esses textos, a construção da alma é facilitada. O Baal HaSulam (Cabalista Rabbi Yehuda Ashlag) descreve isso da seguinte maneira:

Portanto nós devemos perguntar: Por que os Cabalistas obrigam cada pessoa a estudar a sabedoria da Cabala? Certamente existe uma grande importância nisso, digno de ser publicado: existe um remédio maravilhoso e inestimável para aqueles que se empenham na sabedoria da Cabala. Apesar deles não entenderem o que estão aprendendo, através do anseio e de um grande desejo de entender o que estão aprendendo, eles despertam sobre si mesmos a Luz que circunda suas almas.

…quando a pessoa se ocupa com essa sabedoria, mencionando os nomes das Luzes e dos vasos relacionados com a sua alma, estes imediatamente brilham sobre ela em certa medida. Porém, eles brilham para ela sem revestir o interior de sua alma, por falta de vasos capazes de recebê- los. Apesar disso, a iluminação que a pessoa recebe continuamente durante o empenho atrai sobre si bênçãos do alto, transmitindo-lhe abundancia de santidade e pureza, que a aproximará de alcançar a perfeição.

–Baal HaSulam, Introdução ao Estudo das Dez Sefirot, item 155

Uma vez que a primeira imagem da nova realidade surge, o restante da evolução se revela num processo que os Cabalistas chamam de “a alma da pessoa a ensina”. A imagem do  mundo corpóreo torna-se mais nítida à medida que a pessoa amadurece e acumula impressões. Aqui também a pessoa acumula sensações e impressões do mundo espiritual que enriquecem a nova memória e as capacidades analíticas da nova mente. Conseqüentemente, a imagem do mundo criada dentro do novo sistema sensorial se torna muito mais clara.

A morte do corpo biológico significa que o sistema natural deixou de funcionar. Os sentidos não transferem as informações para o cérebro, e o cérebro pára de projetar as imagens do mundo corpóreo na “tela” dentro dele. Como nem os desejos ou satisfações no ponto do coração – a partir do qual evolui o sistema espiritual – pertencem a esse mundo, esse ponto continua existindo depois da morte do corpo.

Se a pessoa chega a perceber sua existência no sistema espiritual e se identifica com ele antes da morte do seu corpo, ela continuará sentindo sua existência espiritual depois da morte do corpo. Este é o significado de existência na alma.

*

De acordo com os Cabalistas Baal HaSulam e o Santo Ari, para citar apenas dois, tudo que existe fora de nós é a Luz que preenche toda a realidade, e que está em completo repouso. Apesar de nós estarmos dentro dessa Luz, nós sentimos como se existíssemos dentro de um corpo situado dentro de um universo circundante.

Todavia, como declarado anteriormente, as impressões nos preenchem através dos cinco sentidos. Portanto, se tudo que existe a nossa volta é a Luz imutável, o que é que nos faz perceber mudanças constantes?

Para responder essa pergunta, nós devemos retornar às Reshimot (recordações). Como nós dissemos antes, dentro do desejo de receber existe uma cadeia de Reshimot, uma cadeia que evoca continuamente novas Reshimot. A imagem interna do mundo que nós experimentamos é, na verdade, uma manifestação da diferença, das contradições entre a atual Reshimo ativa (singular de Reshimot) e a Luz.

A Luz fora de nós não muda; somente as Reshimot dentro de nós mudam. Nossa percepção de nós mesmos, e do mundo a nossa volta, resulta da projeção das mudanças internas que se revelam em nosso desejo sob a Luz constante e em repouso. A renovação das Reshimot e a forma como a pessoa as percebe cria nossas imagens mutáveis do mundo.

 

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