Nascimento e Queda de Adão
Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”
Até agora, discutimos a origem da Criação. Explicamos como a Criação recebe o prazer que pode com a finalidade de doar, e se constrói para ser o mais semelhante possível ao seu Criador. Mesmo depois que todos os mundos foram criados no Partzuf (empresa) e todas as luzes que podem ser recebidas a fim de doar são recebidas no Partzuf, resta ainda um desejo que não pode ser posto para trabalhar no Partzuf ─ o desejo de ser como o Criador. Esse é o desejo a que o anfitrião, na alegoria de Ashlag, estava se referindo, quando disse (Capítulo 2): “Nesse caso, nunca nasceu uma pessoa que pudesse satisfazer os seus desejos.”66 Esse é o desejo mais intenso, o desejo central do Estágio Quatro e, ao mesmo tempo, absolutamente inatingível.
Assim, uma vez que todos os desejos foram explorados ao máximo, o departamento de marketing (luz circundante) da Criação (empresa), lembrou ao gerente da companhia ─ o Rosh (Cabeça) da Criação ─ que havia ainda mais luz a ser recebida. Agora era dever do Rosh analisar esse novo desejo e determinar se poderia recebê-lo com a intenção de doar.
Por essa razão, o Rosh convocou uma assembleia especial do conselho para discutir o destino desse último desejo. Nessa reunião, o argumento para não usá-lo era ser ele demasiado forte para se lidar. De fato, como se pode lidar com um desejo de ser como seu pai? Se o Partzuf realmente recebesse o que queria naquele desejo, seria como se uma criança se tornasse um adulto instantaneamente, sem o conhecimento e a experiência adquiridos ao longo dos anos de crescimento. É claro que seria muito complicado e perigoso lidar com tal desejo.
“Por outro lado”, argumentaram outros diretores, “se considerarmos a natureza desse desejo, vamos perceber que não pode haver qualquer perigo nele.” “De fato”, alegaram, “é à prova de erros.”
“Como assim?”, perguntaram os opositores. “É à prova de erros por causa da natureza do próprio desejo — ser como o Criador, um doador. Quão perigoso pode ser querer doar?”
Os defensores convenceram os opositores, e a decisão tomada foi de a Criação contratar o maior desejo — o desejo de ser como o Criador. Para fazer isso, a Criação construiu um Partzuf distinto, chamado Adam ha Rishon (O Primeiro Homem), e atribuiu a ele a tarefa de operar e gerenciar o desejo final e maior de todos.
A decisão de tentar receber o último e maior de todos os prazeres, no entanto, acabou por se revelar um erro fatal. O que a Criação não sabia era que a luz maior, que vem com o maior desejo, tem um dom ligado a ela. Quando você se torna como o Criador, você se torna como o Criador no sentido pleno da palavra, não apenas no seu desejo de doar, mas também na sua capacidade de doar — para criar— você se torna onipotente e onisciente. Esse foi um prazer que a Criação não poderia receber com a intenção de doar.
Assim que Adão, o Partzuf especialmente concebido, começou a receber a luz, ele (Adão) descobriu os dons ligados à luz, e eles eram tão fascinantes que ele esqueceu completamente a intenção de doar.
E no minuto em que Adão começou a pensar dessa maneira, ele tentou agir para ser um criador. Para criar, porém, você precisa do desejo de doar, e Adão não o tinha. Isso despertou a inferioridade e a vergonha que foram cobertos pela Masach inicial no Estágio Quatro e, com isso, a luz desapareceu, tal como aconteceu durante a restrição.
O desejo de Adão, no entanto, não podia mais ser revertido; ele viu que prazeres esperam por aqueles que se tornam como o Criador e não conseguiu esquecê-los. Por essa razão, Adão não podia ser posto para trabalhar a fim de doar, porque sabia que, se conseguisse encontrar uma maneira de ser como o Criador, seria o único governante do universo, de toda a realidade. Assim, em seu cerne, Adão se tornou egoísta, cada parte sua desejando ser como o Criador. Em consequência, as partes egoístas se desintegraram em miríades de frações, cada uma com seu próprio pequeno desejo egoísta de se tornar como o Criador.
A fragmentação do Partzuf de Adão é conhecida como “a quebra da alma de Adão” ou, para encurtar, “a quebra da alma”. Com a fragmentação de Adão, uma nova entidade apareceu na realidade — uma entidade egoísta, cujo desejo é o de doar para si mesmo, em vez de para o Criador, e cujo último desejo é por onipotência e onisciência, ao invés de por total doação.
Na Cabalá, explica Baal HaSulam no “Prefácio à Sabedoria da Cabalá”, a diferença entre espiritualidade e corporeidade é que, no reino espiritual, não há desejo de receber sem um Masach, enquanto na realidade corporal só existe um desejo de receber sem Masach 67. Assim, nosso universo é o único reino corpóreo existente, e tudo o que existe em nosso universo é a descendência da quebra da alma de Adão.
A razão pela qual consideramos o nosso universo um “mundo”, o mesmo termo que atribuímos aos mundos espirituais, é que um “mundo” reflete certa medida de ocultação da luz. A única diferença entre nosso universo corpóreo e os mundos espirituais é que, num mundo espiritual, mesmo quando não há luz em tudo, ainda há consciência da qualidade de doação do Criador e o desejo de possuí-la. Em nosso universo, ocorre uma ocultação tão completa que sequer estamos conscientes do significado da palavra “Criador”, e pensamos nele como uma entidade (se não uma pessoa) que aguarda nossas súplicas, devolvendo-nos uma resposta misericordiosa.
Em hebraico, os seres humanos são chamados de Bnei Adam (os filhos de Adão). Na verdade, somos descendentes do erro de Adão e, portanto, apenas nós poderemos consertá-lo. Sendo a única espécie que pode escolher seu curso na vida, os seres humanos são os únicos que podem determinar o destino de toda a vida na Terra — para melhor ou para pior.
Como veremos nos próximos capítulos, reservada aos humanos, a Natureza como um todo obedece a uma regra que se alinha com as leis do mundo espiritual. Nós, por outro lado, devemos aprender a respeitar essa regra por nós mesmos. Ao desejarmos a intenção de doar mais que a graça que vem da doação (onipotência e onisciência), nós poderemos consertar o erro de Adão. Ou seja, escolhendo a intenção de doar, o dom ainda continua ligado a ele e vamos continuar recebendo onipotência e onisciência. Se tivermos a intenção de doar, receberemos o dom de sermos semelhantes ao Criador, porque sabemos que, fazendo isso, estamos agradando ao Criador, que quer nos dar esse presente. Como resultado, vamos desfrutar a dádiva, mas não nos quebraremos — caindo no egocentrismo — como aconteceu da primeira vez. Esse será o fim da correção para toda a humanidade, e a realização do propósito da Criação, como pretendido no pensamento do Criador da Criação.
No capítulo seguinte, iremos explorar a forma como a vida evoluiu no mundo corpóreo (físico) após a quebra de Adão, que partes da Criação já foram corrigidas e o que ainda aguarda nossa correção: escolher doar em vez de receber.
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