Parte II: O Mundo Foi Criado para Mim. Capítulo 6: O Exterior É Interior

 Todos aqueles que maculam, maculam com o seu próprio defeito.

Talmude Babilónico, Kidushin 70b

Não é coincidência que tenhamos sido feitos para percepcionar a realidade como dividida em duas partes, eu e o que está fora de mim. Se a nossa percepção fosse só interior nunca seríamos capazes de nos elevar acima dos nossos egos em direcção à qualidade de amor e doação. Estaríamos cunhados num lugar, “perseguindo as nossas próprias caudas.”

Aqui está um exemplo para clarificar o que isto significa. Cada um de nós tem uma certa quantia de tendências egocêntricas tais como desejos por dominação ou orgulho. Quando nos examinamos a nós mesmos, não reparamos realmente nelas. Mas quando vemos outros a agirem por um desejo de dominar ou de sobressair, na maioria isso incomoda-nos. Fomos predestinados com ódio e repulsa aos outros para nos permitir não sermos tendenciosos e definirmos a nossa atitude para estas tendências de uma maneira sábia e crítica. Como um rigído de perceptivo, o nosso ego ajuda-nos a examinar o mal que aparece perante nós nos outros, o julgar meticulosamente, profundamente e em grande detalhe.

A nossa percepção exterior abre os nossos olhos e permite-nos detectar coisas más fora de nós. Posteriormente, percebemos que na verdade, está tudo dentro de nós. Diz-se que, “Todos os que culpam, culpam o seu próprio defeito.” Contudo, estamos destinados a descobrir que não é que “ele seja arrogante” e “ela seja uma snob,” mas que somos nós que estamos a vê-los desta maneira devido aos nossos próprios desejos mimados.

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A desejada meta do Criador para a criação que Ele criou é doar sobre Suas criaturas para que elas conheçam Sua veracidade e grandeza e recebam todo o deleite e prazer que Ele preparou para elas.

Baal HaSulam, “Introdução a O Livro do Zohar,” Item 39

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Como afirmado acima, é o desejo que forma a nossa percepção da realidade. Agora tentamos compreender que partes perfazem o desejo, porque fomos criados expecificamente como somos e como podemos mudar a nossa realidade para o melhor.

Durante o caminho, descobriremos porque tais emoções como ódio e amor para os outros aparecem em nós; o que nos faz ficar alegres quando vemos que outra pessoa está a sofrer e porque somos invejosos quando o vizinho compra um novo carro.

Pergunta: se o propósito da criação é ser deleitado, porque é que parece que as coisas estão constantemente a piorar? O Livro do Zohar explica que na verdade, nós existimos num sistema perfeito que foi criado pelo Criador. Toda a substância da criação é a vontade de receber e o sistema perfeito é na realidade a vontade abrangente que foi criada. Esta é também chamada “a alma geral” ou “a alma de Adam HaRishon.” Porém, o Criador quebrou a alma geral em muitos pedaços e em cada um de nós há somente uma minúscula fracção da alma geral.

Antes da quebra, todos nós nos sentiamos como órgãos de um único corpo no sistema. Tudo era perfeito e ilimitado, assim, nessa altura, o sistema era chamado “o mundo de Ein Sof [infinito].”

No mundo de Ein Sof, todas as partes do sistema estão conectadas com amor e estão preenchidas de luz. Contudo, o Criador colocou 125 “filtros” sobre este sistema, que oculta os mundos para que agora não possamos sentir que há qualquer luz lá.

É como uma bela imagem coberta com nylon manchado, em cima do qual há outro lençol manchado e outro, então a imagem original torna-se cada vez mais escondida. Nós estamos na camada mais exterior e não temos sensação que se pareça das camadas anteriores, assim a conexão entre nós está completamente distorcida. Em vez de sentir o amor que nos conecta no mundo de Ein Sof, há ódio e repulsa entre nós. Não sentimos a conexão abrangente entre nós, em vez disso, estamos separados e desconexos.

O Criador quis que voltássemos ao estado bom e iluminado por nós mesmos, ao mundo de Ein Sof. Este é o programa da criação que se divide em três fases:

  • Fase um: o estado inicial (o mundo de Ein Sof);
  • Fase Dois: o estado quebrado (este mundo);
  • E Fase Três: o estado perfeito, que temos de criar por nós mesmos (regressar ao mundo de Ein Sof).

É muito similar à maneira como nos comportamos com as crianças. Nós tiramos uma fotografia, cortamos-a em pedaços então deixamos-as voltar a reunir os pedaços. O processo de reunião desenvolve a criança.

Como resultado da quebra, a vontade (conhecida como Kli [vaso]) de cada pessoa foi dividida em duas partes principais: Kelim internos [vasos], conhecidos como “raiz,” “alma,” e “corpo,” e Kelim externos, conhecidos como “vestes” e “palácio.” Eu percepciono os meus Kelim internos como “eu,” desta forma eu cuido deles e eu percepciono os Kelim externos como estranhos, não meus. Os Kelim internos e os Kelim externos contradizem-se uns aos outros, quanto mais eu amo os meus Kelim internos, mais eu odeio os meus Kelim externos.

Há uma fronteira entre esses dois tipos de Kelim, a margem da quebra. Ela é uma espécie de partição que me faz olhar para fora só com uma mentalidade de “O que posso eu receber de lá para melhorar a minha situação? O que é que isso me dá?” Ela compele-me a me relacionar sempre aos outros de maneira egoísta, desejando os explorar.

Eu avalio sempre a minha situação pela diferença entre mim mesmo e o resto do mundo. Assim, por muito surpreendente como estranho que possa soar, quanto pior é para o mundo, melhor é para mim, desde que isso não coloque a minha segurança pessoal em qualquer perigo.

Eu não consigo tolerar o preenchimento dos Kelim externos. Eu não consigo permanecer indiferente para outro ou me comportar como se não me preocupasse com ele ou ela. Quando outra pessoa tem sucesso, é me muito doloroso, isso destrói-me realmente. Eu comparo constantemente. Se, por exemplo, eu ganho 100 mil dólares por ano e as pessoas ao meu redor ganham 50 mil, eu sinto grande satisfação. Eu não me consigo livrar a mim mesmo deste pensamento e acomodo-me ao que tenho porque é tão importante para mim que os outros tenham menos que eu.

Eu simplesmente não consigo ignorar esses Kelim externos porque nós os sentimos como nos pertencendo. Se não houvesse conexão entre nós, isso seria outra estória. Porém, a quebra criou uma conexão negativa entre nós para que se até se não fizéssemos nada de mau uns aos outros, a força da quebra torna-nos de facto inimigos.

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Mas o lado igual em todas as pessoas do mundo é que cada um de nós encontra-se pronto para abusar e explorar todas as pessoas pelo seu próprio benefício privado com todos os meios possíveis, sem tomar qualquer consideração que ele se vai edificar a si mesmo sobre a ruína do seu amigo.

Baal HaSulam, “Paz no Mundo”

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Compreender como estas questões funcionam é extremamente importante porque isso serve como um meio para mudar, uma alavanca para o desenvolvimento. Examinemos outro exemplo que, precisamente por ser extremo, nos ajuda a compreender o problema com mais precisão.

Todos os vilões da humanidade agiam sobre o mesmo impulso interno para expandir a fenda entre os seus próprios Kelim internos e os seus Kelim externos. A alemanha Nazi, por exemplo, não se ficou por realizar o grande potencial humano do povo alemão de criar um país próspero. Em vez disso, um impulso apareceu nela de ser superior aos outros, de os governar, de os destruir. Apenas então sentiria ela que era verdadeiramente grande.

O egoísmo humano sente que matar outras pessoas, explorá-las e as dominar é prazenteiro para ele. Este é o resultado da quebra, o homem está a magoar-se a si mesmo, aos seus próprios Kelim externos, mas ele não o sabe. Quando descobrirmos que todo o mal que temos tentado infligir aos outros foi na realidade inflingido em nós mesmos, experimentaremos imensa desilusão e dor. Todavia, é precisamente esta dor e desilusão que nos ajudam a levar a cabo a própria correcção.

Não estamos acostumados a discutir estas matérias e temos tendência a esconde-las, mas onde é distintamente visível é na política. Até encontrámos um nome respeitável para este mundo de mentiras, “diplomacia.” Cada lado se esforça por dominar o outro, mas pela falta de outras escolhas, assina uma aliança com o outro lado. Na sociedade humana, construímos muitos sistemas para nos permitir viver com a fricção mínima entre os Kelim internos e os Kelim externos de cada um. Compreendemos que caso contrário seremos todos prejudicados. Estabelecemos a Segurança Social, sistemas de bem-estar e caridades porque estamos todos aterrorizados que amanhã nós, também, estaremos nesse estado de carência. Logo, preparamos a cura antes do golpe.

Ódio entre os Kelim internos e externos é um fenómeno humano que não existe no reino animal. Quando um leão come uma zebra, ele não a odeia e a zebra não odeia o leão. O leão considera a zebra como alimento e a zebra tenta não ser comida. Mas não há ódio entre eles. A Natureza governa ambos perfeitamente.

Se não houvesse conexões entre nós, não seríamos capazes de descobrir a razão para o que está mal nas nossas vidas. Porém, porque estamos a descobrir que as conexões entre nós são más, podemos então torná-las boas.

Examinemos o presente estado da humanidade. No passado, laços entre países praticamente não existiam. Cada país estava conectado só a alguns poucos outros países. Quando estávamos longe uns dos outros, não havia muito contacto, logo o mal não era tão evidente. Mas quando o mundo se tornou globalizado, todos se tornaram conectados, afectando todos os outros. Subitamente, não havia lugar para onde fugir. Não temos outra terra, logo o ódio entre nós está a vir à superfície. Todavia, é precisamente este ódio que nos compelirá a corrigir os nossos relacionamentos.

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Mesmo que vejamos tudo como estando na realidade à nossa frente, toda a pessoa razoável sabe de certeza que tudo o que vemos está somente dentro dos nossos próprios cérebros.

Baal HaSulam, “Prefácio a O Livro do Zohar”

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Agora que a imagem das nossas relações com os outros se tornou um pouco mais clara, podemos avançar. Como dissemos acima, a força que divide a nossa imagem da realidade em duas partes, interna e externa, é a força da quebra. Antes da quebra, parte dos nossos desejos (os nossos Kelim externos, “vestes” e “palácio”) não eram sentidos como sendo nossos. É como uma pessoa que recebeu um anestésico na perna e enquanto a sua perna era amputada, ela ria-se e falava, comportando-se como se nada lhe estivesse a acontecer porque ela não sentia nada.

Nestas partes da vontade, “vestes” e “palácio,” nós sentimos tudo o que não somos nós, ou seja o mundo exterior. Ao nosso redor estão pessoas, processos em desenvolvimento e o mundo inteiro quando na realidade, eles são todos partes do nosso próprio desejo.

Estamos a viver numa longa metragem na qual os nossos desejos são projectados perante os nossos olhos e o que determina a imagem que vemos em cada momento do filme são os Reshimot [recordações].

Como mencionado no capítulo 2, Reshimot são pedaços de informação que definem o nosso plano pessoal de desenvolvimento. Revejamos o que dissemos antes para restaurar alguma ordem.

A realidade consiste de três elementos: a luz, o poder do amor e dar (o Criador), a vontade de receber (a criatura) e os Reshimot (o plano de desenvolvimento da criatura). Primeiro, o Criador criou a criatura, ou seja um desejo de receber prazer. Então o Criador quebrou o desejo numa parte interna (raiz, alma, corpo) e uma parte externa (vestes, palácio), e criou nela uma sensação egoísta de “eu versus o mundo.”

Dentro do desejo está o seu plano de desenvolvimento, que consiste de Reshimot. Cada tal Reshimo [singular de Reshimot] constitui um certo estado que a criatura tem de experimentar até que ela corrija a quebra, se equalize com as qualidades do Criador e realize o propósito da criação.

Se regressarmos ao filme, o que vejo agora é uma realização dos Reshimo que eu sinto nas cinco partes do meu desejo e não há mais nada senão isso.

Em cada momento, novos Reshimot despertam no meu desejo e evocam novas impressões em mim, que imediatamente me fazem ver um mundo diferente. A minha vida inteira, o todo da realidade são Reshimot que passam através de mim e se tornam realizados. A luz afecta-me, ao meu desejo, através do qual os Reshimot começam a atravessar numa corrente como se em frames de uma película de celulóide.

Eu sinto que a minha vida é o que estou a viver, mas sou realmente eu a vivê-la? Se eu olhar anos atrás, acreditarei que era realmente eu? Parece como se um filme de cinema me tivesse atravessado. Muitas pessoas se sentem dessa maneira, que a vida passa por elas como se num sonho, que não eram elas a fazerem e a experimentarem, mas certa projecção, um filme que foi projectado e elas estavam a desempenhar os seus papeis nele.

O Zohar explica que não há nada senão Reshimot, luz e desejo. Cada Reshimo que passa divide o desejo em dois, interno e externo. Nós experimentamos-nos a nós mesmos e a outro algo, que parece estar fora de nós, árvores, sol, lua, pessoas. Temos filhos, estamos no trabalho, há sempre nós e outra coisa. Porquê?

A sensação da realidade foi como que dividida em dois que nos permite reconhecer que além de nós há outra força, a luz, o Criador, que nos compele a procurá-la.

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Todos os mundos, Superiores e inferiores, estão incluídos no homem.

Baal HaSulam, “Introdução ao Prefácio à Sabedoria da Cabala,” Item 1

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O Livro do Zohar está escondido no sentido que as pessoas não sabem como ler e compreender o que está escrito nele porque a chave para o ler está na percepção da realidade. O Zohar exige que compreendamos que a realidade que percebemos está a acontecer dentro, não fora. Até o mundo superior, para o qual O Zohar nos está a levar, será experimentado dentro de nós. É inútil procurar o letreiro para o mundo superior além do horizonte. Em vez disso, ele é somente uma mudança nas nossas qualidades internas.

O Zohar fala de uma realidade que existe “acima” do que sentimos neste momento, “acima” do tempo, espaço e movimento. Esta realidade externa que ele descreve e que parece estar fora de nós não se encontra em lado algum. Está tudo dentro da nossa vontade. Todos os fenómenos, sensações do passado, presente e futuro são retratadas dentro dela. História é meramente um processo que visualizamos como algo que ocorreu algures no passado, quando na verdade, não há tempo de todo, nem movimento e todos os lugares são imaginários. Há somente um lugar onde tudo ocorre, o desejo.

O curso natural das coisas, as diferentes partes do nosso desejo (interno e externo, eu e os outros) colidem uma com a outra. O Livro do Zohar assiste-nos a corrigir a conexão entre elas, ao as juntar até que elas se tornem uma e não sintamos qualquer diferença entre elas. Esta é a almejada mudança na nossa percepção da realidade.

É assim que descobrimos o mundo superior, também conhecido como “o mundo vindouro.” Não é que nos preparemos a nós mesmos aqui e subsequentemente alcancemos certo outro lugar. Em vez disso, quando mais mostramos amor uns para os outros em vez de ódio, mais começamos a sentir o que é chamado “o mundo superior” ou “o mundo vindouro.” Todos os mundos estão aqui na conexão entre nós e no que presentemente nos parece estar fora de nós, afastado.

Desejos que nos parecem como outros estão divididos em vários círculos em respeito ao nosso ego. No círculo mais próximo são família, familiares e amigos. No próximo círculo são pessoas que nos ajudam e que nos beneficiam pela sua existência, tais como médicos. Então são pessoas que só queremos usar, prejudicar, mas as mantermos vivas. E no mais afastado são pessoas que odiamos verdadeiramente e podemos até estar preparados a matar.

Todavia, todas elas são os nossos próprios desejos. Quando os reconectarmos a nós mesmos, iremos tornar-nos a alma geral que o Criador criou e regressaremos ao mundo de Ein Sof.

É importante salientar que o processo da correcção da percepção da realidade não é suposto ser levado a cabo artificialmente. Se o meu vizinho me gritasse amanhã, eu não responderia com algo como, “Relaxa, meu amigo. Afinal, somos todos uma vontade.” Não é uma mudança simplista de “interior em vez de exterior.” Em vez disso, é uma profunda transformação e para a executar precisamos de O Livro do Zohar para nos ajudar a construir essa nova percepção dentro de nós, bem como da companhia das pessoas que nos apoiarão no processo de correcção.

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O mais escondido é dado aos sábios de coração.

Zohar para Todos, Lech Lechá [Vai em Diante], Item 96

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7 replies
  1. Angelo Ramos Jesus
    Angelo Ramos Jesus says:

    Ou seja, não adianta fugirmos para uma caverna e vivermos só, necessitamos das pessoas e das percepções externas para que possamos compreender e avançar dentro deste trabalho, que não tem a finalidade de anular os desejos, mas sim transformá-los.

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  2. Marco Mesquita De Souza
    Marco Mesquita De Souza says:

    Pelo que entendi, a realidade que percebemos é forjada de acordo com nossos desejos e o livro do Zorah e a sabedoria da Cabalá oferecem o caminho para a correção deste desejo. O desejo corrigido dissipa as camadas de ilusão que ofuscam nossa visão da verdadeira realidade e assim podemos experimentar a real conexão com tudo e com todos.

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  3. Pedro Neves
    Pedro Neves says:

    A nossa transformação deve começar pelo interior e o amor para com os outros é que descortina o “mundo superior”.

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  4. sergio alexandre izarnotegui duarte
    sergio alexandre izarnotegui duarte says:

    muito bom!! estou muito feliz em aprender a sabedoria da verdade com vocês!!

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  5. André Santos
    André Santos says:

    Daí vem a elevação de ser doador e compreender a simplicidade do conhecimento da alma universal

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