Links Invisíveis

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Em pelo menos três momentos, o mundo testemunhou o efeito dos links invisíveis que nos ligam num único sistema. Nas duas guerras mundiais, praticamente continentes inteiros engajaram-se em luta ativa. A Grande Depressão provocou múltiplos tsunamis financeiros pelo globo, destruindo as vidas e os rendimentos de milhões de pessoas. De acordo com a Enciclopédia Britânica, “Já que os EUA foram o maior credor e financiador do pós-guerra da Europa [Primeira Guerra Mundial], o Crack financeiro dos EUA (1929) provocou fracassos econômicos ao redor do mundo. O isolacionismo se espalhou, enquanto as nações lutavam para proteger a produção doméstica, impondo tarifas e  cotas,  reduzindo  o  valor  do  comércio  internacional  em  mais da metade em 1932.”130

Não obstante as evidências, a humanidade não reconhece que é um sistema fechado, interdependente.   A   cada   adversidade,   os   países   voltam  ao   protecionismo   e ao isolamento, aumentando tarifas, empregando medidas punitivas contra os aparentes infratores e ignorando ou esquecendo que adversidades nunca são criadas ou executadas por um único culpado. Ao contrário, elas sempre são a culminância de um processo prolongado que envolveu muitos participantes.

Consequentemente, quando você percebe o quão profundamente estamos todos conectados, que, no nível mais profundo, somos, na verdade, uma única entidade, torna- se difícil apontar o dedo para qualquer culpado. Nesse ponto, você começa a examinar questões e situações a partir de uma perspectiva ampla, entendendo que cada um de nós afeta cada pessoa no mundo. Para isso, porém, é necessário estar ciente de que todas as pessoas formam uma única alma (desejo de receber), cujo modus operandi autocentrado cega suas partes para a verdade de sua interconexão e interdependência.

Enquanto a humanidade estava evoluindo sob a influência dos desejos Zero a Dois, nosso esquecimento acerca de nossa interconexão era tolerável. No Estágio Zero, não havia basicamente qualquer desejo perceptível de receber; o homem era uma parte da Natureza. No Estágio Um, na época de Abraão, o egoísmo apareceu pela primeira vez. Ainda, nesse ponto, a humanidade estava na sua infância e não havia perigo de causarmos dano irreversível a nós mesmos ou ao ambiente. No Estágio Dois, havia, evidentemente, mais egoísmo, mas também era administrado principalmente pela religião, como mostramos no Capítulo 7.

No Estágio Três, o desejo de receber tornou-se ativo. Como resultado, desde a estreia do Estágio Três no final da Idade Média, a humanidade iniciou freneticamente um processo de desenvolvimento acelerado e crescimento que agora alcançou uma taxa  incontrolável. Como vamos ver a seguir, essa taxa já foi reconhecida há tempos pela ciência, bem como pela Cabalá.

No capítulo anterior, citamos observações de pesquisadores de que a humanidade está avançando exponencialmente. Talvez a evidência mais convincente do reconhecimento dessa tendência pela ciência é a de Charles Darwin. A partir de suas observações e as de seus predecessores, aprendemos que o crescimento exponencial não é um fenômeno recente. Ao contrário, o crescimento exponencial é como o todo da Natureza funciona.

Em A origem das espécies, Darwin aborda o crescimento exponencial e cita o botânico sueco, Carolus Linnaeus (1707-1778), que também observou esse padrão: “Não há exceção à regra de que cada ser orgânico se multiplica a uma taxa tão alta, que, se não for destruído, a terra seria logo coberta pela prole de um único par. Mesmo a reprodução humana, que é lenta, duplicou nos últimos vinte e cinco anos e, nesse ritmo, em poucos milhares de anos, não haverá, literalmente, espaço para sua geração. Linnaeus calculou que  se  uma  planta  anual  produzisse  somente  duas  sementes  –  e  não  há  planta tão improdutiva como essa – e suas sementes produzissem no próximo ano mais duas, e assim em diante, então, em vinte anos, haveria um milhão de plantas.”131

Quando os desejos são pequenos, como em plantas, animais ou até mesmo nos estágios iniciais da evolução dos desejos nos humanos, a Natureza encontra maneiras de equilibrar a taxa de crescimento exponencial, apresentando igualmente poderosos elementos,  como  plantas rivais e  animais,  que  formam um equilíbrio  delicado. É por isso que Darwin escreveu na citação acima: “cada ser orgânico se multiplica a uma taxa tão alta, que, se não for destruído, a terra seria logo coberta…”132

Visto de forma diferente, os próprios mecanismos da Natureza garantem que o excesso de reprodução de plantas e animais seja restringido. Quando, porém, os desejos crescem exponencialmente nas espécies dominantes e, especialmente, quando manifestam uma tendência autocentrada, como começou a se manifestar no Estágio Três, o equilíbrio ambiental é quebrado e um problema sério surge.

 

O Efeito Exponencial

Para entender melhor a mudança que se desenrolou durante o século XX, e que ainda se desenrola, precisamos entender a natureza do crescimento exponencial. O fator decisivo para o crescimento exponencial não é a quantidade inicial, mas o que é conhecido como “duplicação da velocidade do tempo”. Isso remete ao período de tempo que se gasta  para duplicar a quantidade do objeto medido.

Para entender a diferença entre crescimento exponencial e crescimento linear, considere o seguinte cenário: a Sra. A é uma mulher pobre com apenas um dólar na sua poupança. O Sr. B, por outro lado, não é tão pobre e possui dez mil dólares em sua poupança. Ambos salvam o que podem para uma emergência e têm trinta anos de trabalho pela frente antes que se aposentem e retirem sua pensão.

A poupança da Sra. A cresce exponencialmente e seu tempo de duplicação é de um ano. Então, após um ano, ela tem dois dólares na sua conta ($1 x 21(ano) = $2); após dois anos, ela terá quatro dólares ($1 x 22(anos) = $4) e, após três anos, ela terá míseros oito dólares em sua conta ($4 x 23(anos) = $8).

A poupança do  Sr.  B cresce  linearmente,  adicionando,  portanto,  uma bela quantia de $10.000 dólares em sua conta a cada ano.

Após cinco anos, parece que a Sra. A está destinada a uma vida de indigência com somente 32 dólares em sua conta, enquanto o Sr. B parece caminhar para uma vida de abundância relativa com uma quantia próxima de 50.000 dólares no banco. Se, no entanto, eles continuarem a poupar por mais trinta anos até a aposentadoria, no fim  desse  tempo, o  Sr.  B terá acumulado  a considerável quantia de  $10.000 x 30  anos  = $300.000 em sua conta poupança.

A Sra. A, por outro lado, não será mais pobre. Após trinta anos de poupança exponencial,  sua conta terá acumulado  a enorme  quantia de 1.073.741.824$ ($1 x 230) – mais que um bilhão de dólares!

Como dissemos anteriormente, os Cabalistas há muito tempo conhecem o padrão de crescimento exponencial da natureza humana. Eles o descreveram na frase frequentemente citada do texto de 1.500 anos de idade, Midrash Rabbah: “Se alguém tem 100, desejará torná-los 200, e se tiver 200, desejará torná-los 400.”133

Há, no entanto, uma diferença não tão sutil entre o tempo de duplicação exponencial em uma fórmula exponencial comum e o tempo de duplicação cabalístico. Em uma fórmula exponencial tradicional, o tempo de duplicação é fixo. Quando o crescimento anual do PIB de um país, por exemplo, é de 7%, o tempo de duplicação para o PIB é de dez anos.

Assim, economistas podem planejar com antecedência, mesmo quando o crescimento é rápido, já que ainda é previsível e, portanto, algo controlável.

O crescimento dos desejos, no entanto, é imprevisível. Nos desejos, como a citação anterior exemplificou, o que duplica o desejo não é uma medida fixa de tempo, mas o fato de alguém ter satisfeito o seu desejo. Note o que a citação diz: “Se alguém tem 100, desejará torná-los 200”, etc. Isso significa que a condição para adquirir um desejo duplamente mais forte é a realização do anterior. Em outras palavras,  você nunca pode ter o que quer, porque no minuto em que você o consegue, vai querer o dobro.

Então, se o desejo da Sra. A de ter um dólar na sua conta fosse satisfeito, ela imediatamente gostaria de ter dois dólares. E logo que ela tivesse dois, imediatamente desejaria quatro em sua conta. Por isso, a fórmula Cabalística exponencial dita que os desejos da Sra. A sempre duplicam um passo à frente de suas conquistas. Por conseguinte, como suas conquistas duplicaram, seus desejos também, deixando-a não apenas com um senso de deficiência eterna, mas que duplica cada vez que ela obtém o que deseja.

Se o desejo do Sr. B fosse guardar $10.000 por ano, então, pelos últimos trinta anos, ele seria um homem contente (senão feliz) e pode agora aposentar-se em paz. A Sra. A, no entanto, cujo desejo inicial era somente por mais um dólar, agora tem um déficit  de  mais de um bilhão de dólares, porque é o que ela tem em sua conta.

Além do mais, com o crescimento  exponencial da sua riqueza (e consequente  morte), ela está destinada a uma vida de procura sem fim por riqueza e felicidade, que vai somente  levar  à  miséria  e à dor  pelo  resto  de sua vida. O Talmude Babilônico diz de alguém com esse tipo de desejo: “Qualquer um que for maior que seu amigo [neste  caso, financeiramente], seu desejo é maior que ele mesmo”134; e (Midrash Rabbah, como citado anteriormente) “Uma pessoa não deixa o mundo com metade do seu desejo em uma mão.”135

A Ampla Rede Mundial

Como notamos, os desejos humanos duplicam cada vez que os satisfazemos. Isso nos força continuamente a inovar, inventar novos instrumentos, explorar novos mares e conceber novas ideias para obter o que desejamos. Durante o Estágio Três na evolução dos desejos, quando eles ficam ativos pela primeira vez, os efeitos do  padrão exponencial vão claramente mostrando o ritmo acelerado do progresso.

Assim, na busca por novas vias de prazer, transformamos o mundo numa rede de rotas comerciais por ar e mar e por várias tecnologias de comunicação. O World Wide Web não é somente uma entidade virtual que vive nos nossos computadores; é um nome que descreve a realidade de nossas vidas. Isso foi reconhecido há muitos anos por sociólogos, bem como pelos Cabalistas.

Hoje, a globalização e a interdependência financeira são fatos bem reconhecidos. A globalização, no entanto, é muito mais que interdependência financeira; ela implica em uma profunda mistura de cultura, sociedade, civilização como um todo e, no fim, um destino   comum.   Professor   de   Relações   Internacionais   e   autor   prolífico   sobre globalização, Anthony McGraw fez relatos muito claros sobre o impacto desse processo na sociedade humana. No ensaio intitulado “Uma Sociedade Global?”, ele escreve: “Em comparação com épocas históricas anteriores, a era moderna suportou uma globalização progressiva dos interesses humanos. As instituições primárias da modernidade ocidental – industrialização, capitalismo e estado nação – adquiriram, no século XX, um alcance verdadeiramente global. Isso, porém, não foi alcançado sem um enorme custo humano. (…) Enquanto as fases iniciais da globalização promoveram a unificação física do mundo, fases mais recentes transformaram o mundo em um único sistema global, no qual sociedades históricas ou civilizações anteriormente distintas foram unidas. Isso (…) define uma condição mais complexa, na qual padrões de interação humana, interconectividade e consciência estão reconstituindo o mundo como um único espaço social.”136

O cabalista Yehuda Ashlag também reconheceu a tendência e seus perigos e a explicou da perspectiva da evolução dos desejos. Em seu ensaio “Paz no Mundo”,  Ashlag fornece tanto sua observação acerca do estado do mundo em seu tempo, como a atitude que a humanidade deve adotar para lidar com a situação. Nesse ensaio, ele escreve:  “Nós já chegamos a um nível em que o mundo inteiro é considerado uma coletividade e uma sociedade. Isso significa que, como cada pessoa no mundo extrai essência e subsistência das demais pessoas do mundo, somos forçados a servir e cuidar do bem estar de todo o mundo”137

Posteriormente, Ashlag explica como nós todos estamos conectados e interdependentes  e conclui: “Portanto, a possibilidade de criar condutas felizes e pacíficas em apenas um estado é inconcebível, quando não é assim em todos os países do mundo, e vice versa. Em nossa tempo [ele escreveu o ensaio em 1934], todos os países estão ligados à satisfação de suas necessidades de vida, assim como indivíduos estiveram a suas famílias em tempos anteriores. Nós, por conseguinte, não podemos falar ou lidar com condutas que garantam o bem estar de um único país ou nação, mas somente com o bem estar de todo o mundo, porque o benefício ou prejuízo de toda e qualquer pessoa no mundo depende e é medido pelo benefício de todas as pessoas no mundo.” 138

No último parágrafo, Ashlag prediz que a mera compreensão intelectual, escolástica da situação não será suficiente para que as pessoas internalizem sua interdependência. Em vez disso, as experiências da vida irão obrigá-las a fazê-lo: “E embora tal [interdependência] é de fato conhecida e sentida, as pessoas no mundo ainda não a compreenderam completamente (…) porque essa é a conduta do desenvolvimento na natureza, que o ato [impacto da interdependência em nossas vidas] vem antes do entendimento, e somente ações vão evidenciar e levar a humanidade à frente”139

Em retrospectiva, podemos dizer que, lamentavelmente, a previsão de Ashlag se mostrou verdadeira em mais de uma ocasião no século XX, e de formas horríveis. Em “Paz no Mundo”, bem como em outros ensaios, Ashlag prediz o que vai acontecer se continuarmos a deixar o ato preceder o entendimento. Ele sugere como devemos nos conduzir para forjar uma existência sustentável e, sem dúvida, desejável. Agora que entendemos a nossa interdependência, tais sugestões serão o tópico de discussão pelo restante deste livro.

 

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