A Dispersão da Judéia

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

A derrota da revolta dos Judeus contra os Romanos (66-73 d.C.) causou a destruição do Segundo Templo e a dispersão da Judéia. (o Primeiro Templo foi construído pelo Rei Salomão no século X a.C. e foi destruído pelos babilônicos em 586 a.C.) Esta dispersão significou algo muito mais importante do que a conquista de uma nação por outra. Refletiu-se na medida do declínio espiritual da nação de Israel. A palavra hebraica Yehudi (judeu) deriva da palavra Yechudi (unido ou único), referindo-se ao estado da nação de Israel do tempo: percebendo (e aderindo à) única força de doação que governa toda vida.

Todavia, como explicamos nos capítulos anteriores, o desejo de receber é uma força em constante evolução e requer adaptação também constante. Um esforço constante é requerido para atrelar os novos desejos emergentes ao trabalho em uníssono – com a intenção de doar, e aderindo à lei de submissão do interesse próprio em favor dos interesses do sistema circundante. E como os desejos evoluem, os meios para subordiná-los devem evoluir correspondentemente.

Como explicado nos capítulos anteriores, ao contrário dos animais, os seres humanos  têm que constantemente tomar consciência do seu lugar na Natureza e escolher serem partes construtivas dela. Entretanto, se nós agirmos ao contrário, o resultado negativo não será imediatamente evidente. Isto nos permite um espaço para manobrar e calcular.

Ao mesmo tempo, se nós escolhemos agir de acordo com a lei da Natureza, nós não notaremos de imediato o resultado positivo. Assim, como a recompensa ou punição não são imediatamente discerníveis, se mesmo assim escolhermos agir de acordo com a lei da N?atureza, será apenas porque queremos descobrir a lei da Natureza de união e doação, e não porque nós esperamos uma recompensa imediata. Neste sentido, nós agimos em razão de uma intenção de nos tornarmos doadores ao invés de agirmos em razão de nosso inerente desejo de receber.

Mas durante o primeiro século da EC, a evolução do desejo de receber incitou a emergência de um novo nível de desejo. Até a chegada deste nível, os judeus que retornavam do exílio na Babilônia – depois da queda do Primeiro Templo  –  continuaram sua união e sua percepção de coesão da lei da vida.

Na verdade, apenas duas das 12 tribos retornaram de seu exílio babilônico porque o nível de egoísmo estava crescendo também em Israel, e a maioria das tribos não pôde resistir o movimento egoísta dentro delas. Este movimento as separou da nação de Israel a qual consiste como explicado de pessoas que vivem pela lei da união, e não de indivíduos geneticamente ligados. Mas quando o Estágio Dois na evolução dos desejos começou a se manifestar em Israel, mesmo aqueles que retornavam da Babilônia não conseguiram manter seu altruísmo. Em vez disso, eles caíram vítimas de seus desejos egocêntricos.

O Talmud Babilônico explica que a única razão para a derrota de Israel e para a queda do Segundo Templo foi o ódio infundado: “O Segundo Templo, por que ele ruiu, uma vez que eles praticaram a Torá e as Mitzvot (aprendizado espiritual) e boas ações? Foi porque havia um ódio infundado nele.”  Na ausência de união e por que muitos judeus queriam imitar ou mesmo fazer parte da cultura romana, a revolta judaica era impossível desde o princípio.

Entretanto, mesmo depois da revolta, muitos entre Israel mantiveram sua percepção de coesão da realidade. Rabbi Akiva, por exemplo, cujo epíteto talmúdico era “Chefe de todos os Sábios”, viveu e ensinou nos anos que se seguiram à queda. De acordo com o Talmud Babilônico, Rabbi Akiva teve 24.000 alunos, mas eles, também, morreram (de acordo com o Talmud) porque eles não se uniram.

Dos 24.000 alunos, apenas quatro sobreviveram. E destes quatro, dois tornaram-se os maiores sábios de sua geração, e possivelmente de todos os tempos. O primeiro foi Rabbi Yehuda, conhecido como Rabbi Yehuda HaNassi (o presidente), que se tornou presidente do Sanhedrin e chefe redator e editor da Mishnah, a coleção de livros que é a base na qual ambas as partes do Talmud foram construídas. O outro aluno foi Rabbi Shimon Bar-Yochai (Rashbi), que se tornou conhecido como o autor de “O Livro do Zohar” [O Livro do Esplendor] – o influente livro de Cabalá, o qual todos os Cabalistas estudam até hoje e de onde derivam sua sabedoria.

Através dos séculos, sempre existiram sábios que mantiveram a sabedoria vibrante e em evolução. Eles entendiam a natureza do desejo de receber e produziram textos que interpretaram O Zohar, bem como outros livros de Cabalá. Porém, em sua maior parte, seus livros – escritos com uma percepção da realidade Cabalística-altruísta – foram mal entendidos por todos, exceto pelos companheiros Cabalistas, porque eles eram lidos  com uma percepção egoísta. Isso impediu os leitores de compreenderem o verdadeiro significado dos textos. E da mesma maneira que uma pessoa que é cega de nascença não pode entender o significado da visão, muito menos ela entenderá a alegria que se sente ao observar uma bela paisagem ou o poder cativante da visão da costa de uma tempestade oceânica.

Assim, por causa do declínio da percepção espiritual (altruísmo) entre Israel, o sonho de Abraão de ensinar ao mundo inteiro, a única lei da existência, teve que ser postergado até que as pessoas estivessem novamente prontas para aprender a respeito dessa lei. O Zohar foi ocultado logo depois de sua conclusão e permaneceu oculto por mais de um milênio. Os Cabalistas, também, encobriram a sabedoria com mistério e equívocos, e declararam que apenas aqueles que atendessem a rigorosas condições teriam permissão para estudá-la. Uma vez que eles sabiam que a maioria das pessoas estava muito distanciada da percepção espiritual para entenderem corretamente os conceitos da Cabalá, os Cabalistas distraíram a mente das pessoas com histórias de milagres e encantamentos, e estabeleciam limites tais como idade, sexo e estado civil para deter os possíveis estudantes de explorar a Cabalá.

Na verdade, as percepções equivocadas da Cabalá ficaram tão profundamente enraizadas que mesmo depois do reaparecimento de O Zohar (Imagem nr. 7) no século XII, na Espanha, na posse de Rabbi Moshe de León, o livro foi frequentemente incompreendido e considerado um texto sombrio até que alguns Cabalistas tais como o Gaon de Vilna (GRA), Rabbi Isaac Safrin dentre outros forneceram interpretações mais claras. Ainda assim, não antes dos anos 40, quando Yehuda Ashlag (Baal HaSulam) forneceu seu comentário Sulam (Escada) completo, sobre O Livro do Zohar – com quatro introduções explicativas – que aquela complexa composição pode ser apropriadamente estudada e compreendida.


Imagem nr. 7: A página de rosto da Edição 1558 de O Livro do Zohar, Mantua, Itália. O texto começa, “O Livro do Zohar na Torá, do divino sábio, Rabbi Shimon Bar-Yochai…”

 

Mas nos primeiros anos que se seguiram à queda do Segundo Templo, o mundo estava trilhando um rumo totalmente diferente. Os romanos se tornaram o império no Mediterrâneo, no Oriente Próximo e na Europa e sua cultura e filosofia (essencialmente Gregas) reinavam. A percepção Helenística do mundo não concordava com aquilo dos rebeldes da terra de Israel. Além disso, a maioria dos judeus não concordava com os princípios dos seus antepassados e os abandonaram em favor da egocêntrica cultura Greco-Romana Helenística.

Dito isto, diversos renomados estudiosos da renascença acreditavam que os gregos adotaram pelo menos alguns de seus conceitos da Cabalá. Johannes Reuchlin (1455- 1522),  por  exemplo,  o  grande  humanista  e  conselheiro  político  para   o  Chanceler, escreveu o seguinte em seu De Arte Cabbalistica (Sobre a Arte da Cabalá): “Não obstante, sua [de Pitágoras] proeminência não derivou dos gregos, mas, novamente, dos judeus. Como ‘aquele que recebeu’, ele pode muito justamente ser denominado um Cabalista. …Ele mesmo foi o primeiro a converter o nome Cabalá, desconhecido dos gregos, no nome grego filosofia.”

Um antecessor de Reuchlin, Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494), um estudioso italiano e filósofo platônico, escreveu em seu De Hominis Dignitate Oratio (Oração sobre a Dignidade do Homem), “Esta verdadeira interpretação da lei, a qual foi revelada a Moisés na Divina tradição, é chamada ‘Cabalá’.

Mas o princípio que os gregos não adotaram foi o mais importante dentre todos: a intenção de anular o egocentrismo em favor do sistema centralizado a fim de tornar-se como o Criador. A última parte desta frase, a razão para alterar o foco da pessoa, é a razão pela qual a sabedoria da Cabalá foi concebida, para começar. Tivessem os gregos adotado aquele princípio, a história teria se desenrolado muito diferentemente.

Ainda, não foi por erro dos gregos que eles não o adotaram. Eles não o conheciam, uma vez que não havia nenhum professor Cabalista dentre eles, e por isso ninguém que os educaria corretamente. Além disso, tendo eles mesmos enormes egos, os judeus, também, estavam adotando as maneiras greco-romanas, e aqueles que não adotavam eram considerados os mais ferozes inimigos na Judéia. Em consequência, não havia ninguém para mostrar aos romanos que eles estavam esquecendo-se de algo que poderia ser de muito valor para eles. E então os romanos seguirama cultura Helenística até quando o Imperador Constantino o Grande adotou o Cristianismo no século IV d.C.

A adoção da cultura Helenística pelos judeus não foi coincidência. O estabelecimento  do Primeiro Templo marcou o ponto espiritual mais alto (a percepção da lei de doação) na história da nação de Israel. A partir de então, um processo gradual de declínio estava em andamento. A evolução dos desejos estava afetando os judeus da mesma forma como estava afetando todas as outras nações. Como resultado, muitos dos judeus não conseguiram manter sua percepção espiritual, altruísta, de uma força unificada, e voltaram-se para culturas mais auto-centradas que se adequavam à sua percepção egoísta.

Então, a conquista babilônica e subseqüente exílio dos hebreus na época do Primeiro Templo foram apenas manifestação do estado espiritual deles naquele momento. E devido ao estado de declínio espiritual dos hebreus no cativeiro babilônico, apenas duas das doze tribos que estavam no exílio, Judá e Benjamin, retornaram. As dez tribos que permaneceram no exílio tornaram-se tão totalmente miscigenadas com as tribos locais que esqueceram completamente seus princípios e seus vestígios estão totalmente perdidos para nós atualmente.

Contudo, a evolução dos desejos não parou aí. Judá e Benjamin gradualmente declinaram também, e a completa dispersão dos judeus era apenas uma questão de tempo. Na verdade, a perda da percepção espiritual dos judeus foi um longo processo que levou séculos, mas seu curso estava definido. Quando os romanos finalmente conquistaram Israel e destruíram o Segundo Templo, Israel já era uma nação cuja maioria não queria manter a mentalidade espiritual (Cabalística) e preferia os conceitos helenísticos em seu lugar. Em consequência, eles também foram exilados e dispersos. E enquanto muitos judeus permaneceram nas terras de Israel mesmo depois da conquista romana, e compilaram alguns dos mais significativos textos do judaísmo, os judeus como um povo já estavam se espalhando por Roma e subsequentemente pela Europa.

Em A Guerra dos Judeus, Capítulo 1, traduzido por Willian Whiston, Josephus Flavius descreve a expulsão dos judeus pelos romanos: “E como ele se lembrou de que a décima-segunda legião havia dado passagem para os judeus, sob seu general Cestius, ele os expulsou para fora de toda a Síria, pois eles ficaram anteriormente em Raphanea, e os enviou para um lugar chamado Meletine, próximo do Eufrates, que fica nos  limites  entre a Armênia e a Capadócia.”

No Capítulo 3 do mesmo libro, Flavius elaborou: “Dado que a nação judaica está totalmente espalhada por toda a terra habitável dentre os habitantes locais, como ela está muito miscigenada com a Siria por causa de sua vizinhança, e tinha grandiosa multidão na Antióquia em razão da amplidão da cidade, onde os reis, depois de Antioco, concederam a eles uma habitação com sossegada tranquilidade.

Assim, gradualmente, os Judeus migraram por toda Europa e para a maior parte do atual Oriente Próximo. Como resultado a história dos Judeus e a história da Europa se tornaram intimamente ligadas.

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