A Era do Ocultamento

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

A Idade Média é um período muito peculiar da história. Opiniões sobre quando ela começa e quando ela termina parecem ordenar do século II – V até o século XV – XVIII respectivamente, dependendo do campo de pesquisa do estudioso. Alguns marcam a queda do Império Romano do Ocidente como seu início e a queda do Império Romano do Oriente como seu fim. Outros marcam o início da Idade Média como o período quando o Imperador Constantino o Grande convocou o Primeiro Concílio de Niceia, em 325 d.C e seu fim como o período quando Martinho Lutero foi excomungado (1521) e a Igreja Protestante foi estabelecida.

A Cabalá não define qualquer era como sendo “a média”, mas ela considera o período compreendido entre a escrita de O Livro do Zohar e a escrita de A Árvore da Vida como um período distinto na evolução da humanidade. Num sentido, o termo, “A Idade das Trevas”, seria mais apropriado para descrever este período da história, uma vez que é aproximadamente o período durante o qual os Cabalistas ocultaram seu conhecimento e o transformaram em um conhecimento secreto, conhecido por apenas poucas pessoas.

Durante este período, e ainda de acordo com a visão panorâmica deste capítulo, nós nos reportaremos mais aos processos que ocorreram entre a escrita desses livros do que aos eventos específicos. Isto tornará mais fácil a identificação de como os desejos, que no nível humano aparecem mais como ambições, orientam os processos que formam a história da humanidade.

Na Cabalá, o período entre a escrita de O Livro do Zohar e a escrita de A Árvore da  Vida tem um papel crucial. Sem ele, o propósito da Criação não seria alcançado. Para reiterar em uma palavra, o propósito da Criação foi que cada pessoa conheça o Criador e torne-se igual a ele. O grupo de Abraão foi o primeiro que conseguiu isto. Entretanto, o objetivo de Abraão não era apenas que o seu grupo conseguisse isto, mas todas as pessoas do mundo. Moisés ajudou na causa de Abraão expandindo a realização do  grupo em realização de toda uma nação.

Mas enquanto o sucesso de Moisés foi momentaneamente verdadeiro, ainda existe um longo caminho a percorrer antes de se atingir o objetivo final. Para que toda a humanidade alcance o Criador, a lei de doação, todos têm que querer que isto aconteça. E para isto, todas as pessoas têm que compreender: a) que o caminho do egoísmo é insustentável, e b) que há outro caminho – reconhecer uma lei da natureza anteriormente desconhecida e aprender como implantá-la.

Durante o Estágio Dois na evolução dos desejos, isto se desenvolve de uma maneira fascinante. De um lado Israel declina de seu estado altruísta e cai no  egoísmo.  O restante das nações, de outro lado, descobre a lei da doação – amai ao teu próximo como a ti mesmo – a qual se torna no princípio de todas as crenças abraânicas. Mesmo que nenhuma das religiões atuais viva através desta lei, o próprio fato de que elas fizeram disto o centro de sua fé significa que as pessoas tomaram consciência de sua importância. Então, as pessoas de fato reconhecem a idéia de Abraão, do amor pelos outros como a cura para as doenças da humanidade. Deste ponto em diante, o destino de Israel e o destino de todas as nações do mundo estarão interligados para sempre.

Como explicado anteriormente, os processos que se desenvolvem nas raízes espirituais se manifestam em seus ramos materiais. Por esta razão, como o desejo de doar tornou-se misturado com o desejo de receber no nível espiritual, a manifestação física deste processo foi a dispersão e miscigenação do povo de Israel entre as nações do mundo.

Isto não significa que os Judeus estavam espalhando a mensagem de amor e união de Abraão aos seus novos vizinhos. Os Judeus não escolheram ser exilados para que pudessem espalhar o método de Abraão. Nem tampouco as nações que os aceitaram em seu meio fizeram isto porque quisessem ouvir, muito menos adotar aquela mensagem. Todavia, como o processo de paridade-dos-desejos entre Israel e as outras nações já estava em curso no nível espiritual, também estava acontecendo no mundo físico.

Assim, pelo final da Idade Média, a mistura dos desejos alcançou tal estágio que no  nível físico isto se manifestou em três religiões cujos seguidores não se dizem altruístas, ainda que citem uma lei fundamentalmente altruísta como um de seus pilares: “Amai ao teu próximo como a ti mesmo.” Além disso, estas religiões – Cristianismo, Islamismo e Judaísmo – não apenas citavam esta lei como sendo seu princípio, mas também declaravam Abraão como seu patriarca espiritual, daí então o epíteto, “Religiões Abraânicas”.

No Capítulo 4, nós mencionamos a apresentação de Tokyo da bióloga evolucionista Elisabet Sahtouris, a respeito do interesse próprio e colaboração – que cada molécula, cada célula, cada órgão e todo o corpo têm interesse próprio. E quando cada nível mostra seu interesse próprio, isto exige negociações entre os níveis, as quais geram harmonia em todo o sistema. Na verdade, mesmo que estejamos inconscientes do objetivo final da existência, inconscientemente todos nós sentimos que a harmonia e o cuidado mútuo são os únicos caminhos para criarmos uma humanidade sustentável. Nós todos temos os quatro estágios do desejo dentro de nós porque nós todos somos, no final das contas, ramificações destes quatro estágios.

Por isso, como o Estágio Dois – o estágio governante do desejo durante a Idade Média – prescreve, todas as três religiões Abraânicas adotaram o mandamento, “Amai ao teu próximo como a ti mesmo” (Lev. 19: 18) como um princípio. Assim, embora “as negociações” (para usar o termo de Sahtouris para relações) entre pessoas e nações durante a Idade Média frequentemente estavam muito longe de serem julgadas harmônicas, o resultado final foi uma razoável consolidação da Europa com respeito à religião, cujo princípio básico (declarado) é altruísta – respeitando a lei de submissão do interesse próprio, mesmo se sua manifestação estivesse longe do altruísmo.

Nós já sabemos que o Estágio Dois na evolução dos desejos marca o primeiro aparecimento do desejo de doar dentro do desejo de receber. De fato, o mandamento para amar aos outros tanto quanto amamos a nós mesmos está em perfeita congruência com o Estágio Dois. Entretanto, nosso universo foi criado quando a alma de Adão foi fragmentada, quando seus “órgãos” tornaram-se egocêntricos. Como resultado disto, a lei do amor aos outros aparece no nosso mundo como um mandamento que as pessoas precisam se esforçar para conseguir seguir. Se nossa natureza fosse aquela da doação verdadeira, nós não precisaríamos desta lei porque nós naturalmente adoraríamos doar tanto quanto nós normalmente amamos receber.

Assim, se nossa natureza fosse a de doação, nós nunca nos tornaríamos iguais  ao Criador. O máximo que conseguiríamos alcançar seria a similaridade com os desejos do Criador, mas seríamos privados de tudo que ganhamos ao lutarmos com nossos desejos. Esta luta, por mais árdua que seja, nos garante observações únicas. Ao compararmos nossa própria  natureza com a Natureza universal,  aprendemos a diferença entre doar  e receber, o aprendizado de que pode haver doação na recepção e a alegria e o contentamento que sentimos por sermos capazes de amar. Essas emoções só podem surgir quando se experimentou a incapacidade de amar.

Mas além de todos estes presentes existe o maior presente, exclusivamente humano: a liberdade de escolha. A diferença entre um adulto maduro e um jovem no nosso mundo é a permissão, a capacidade e a liberdade de fazer suas próprias escolhas. No reino espiritual, apenas os humanos possuem esta capacidade porque apenas os humanos possuem as duas naturezas – a de receber e a de doar – assumindo que eles tenham adquirido esta natureza por seguirem a lei da submissão do interesse próprio.

Uma vez que tenhamos obtido a natureza de doação, nós compreendemos por que é necessário que ambas as naturezas existam dentro de nós, por que precisamos começar com a natureza de recepção, adquirir a natureza de doação e colocar a última sobre a primeira por nossa livre escolha. Apenas agindo assim nós poderemos perceber realmente o trabalho da Natureza, com todas as suas facetas e sutilezas. E somente quando nós percebermos tudo isto, nós seremos capazes de viver conscientemente através da lei de submissão do interesse próprio em favor do interesse da Natureza, pois teremos alcançado o Pensamento da Criação. E quando nós alcançarmos este pensamento, nós nos tornaremos semelhantes ao Criador.

O estabelecimento das religiões Abraânicas no coração de milhões criou a primeiríssima ponte entre as pessoas inerentemente egocêntricas e o princípio da doação. Pois num primeiro momento, as pessoas sentiram que doar lhes renderia benefícios. Embora este seja um tipo egocêntrico de altruísmo, naquela altura dos acontecimentos e naquele estágio da evolução do desejo de receber, isto era o mais próximo do altruísmo que as pessoas conseguiriam chegar.

Então, ainda que os épicos e profetas se diferenciem um do outro, o resultado final é que todas as três religiões Abraânicas atribuem grande importância a Israel, porque toda pessoa cuja alma tenha sido tocada pelo princípio Abraânico “amai ao teu próximo  como a ti mesmo”, inconscientemente esforça-se por aquele estágio como ele realmente é na espiritualidade.

Atualmente, a miscigenação se expandiu tão fortemente que a busca pela espiritualidade virtualmente existe dentro de cada pessoa no mundo. Isto, como Baal HaSulam explica em seu ensaio, “O Amor do Criador e o Amor do Homem”,  é resultado do propósito da Criação, que “Todas as nações fluirão para Ele” (Isaias 2:2), o que quer dizer que todas as pessoas atingirão a força da criação da vida. E para que isto aconteça todas as nações, todas as formas de desejo no mundo terão que estar incorporadas com o desejo de doar.

A Carta Magna

Na medida em que o desejo de receber é uma força em constante evolução, as religiões abraânicas não foram o único fenômeno que evoluiu durante a Idade Média. Especialmente durante o final da Idade Média, cada vez mais pessoas começaram a se esforçar por uma emancipação pessoal e expressão pessoal também – na arte, erudição, bem como independência econômica.

Em 1088, a primeira universidade Européia foi instituída na Bolonha, Itália. Então,  entre 1150 e 1229, apareceram universidades em Paris, Oxford, Cambridge, Salamanca, Montpellier, Pádua, Nápoles e Toulouse.

Na lei civil, também, o surgimento de significativas mudanças estava a caminho para mudar a face da sociedade Europeia. A Carta Magna Liberatum emitida em 1215 e subsequentemente o habeas corpus, forneceram a primeiríssima proteção aos sujeitos, mesmo os agrilhoados (embora ainda limitada, a princípio), contra o capricho do então todo poderoso rei. E embora estas mudanças fossem inicialmente aplicadas apenas na Inglaterra, elas lançaram os fundamentos para a democracia e para a Idade da Razão através de toda a Europa.

A invenção da ampulheta no século XI e do compasso, inventado em cerca de 1300, permitiu a navegação através dos mares e oceanos. Isto também permitiu que os Europeus explorassem o mundo e levassem o Cristianismo para os continentes mais distantes tais como a América e a África, difundindo assim o princípio Abraânico para mais nações ainda.

Outra ajuda para divulgar o conhecimento e as idéias, foi a revolucionária invenção de Gutenberg a imprensa em meados do século XV. Ainda que a alfabetização tenha se tornado predominante apenas no século XIX, quando o preço do papel se tornou mais acessível, a relativa facilidade de imprimir livros ajudou a divulgar o conhecimento e as idéias através da Europa. Como resultado, os conceitos da Renascença, que surgiram na Itália no século XIV, puderam circular muito mais rapidamente, o que preparou o  terreno para uma nova era. E enquanto a população ainda estava sob o domínio arbitrário dos feudalistas, muitos corações e mentes das pessoas estavam começando  a se associar e se relacionar de forma evidente, quase tangível.

Em seu “Prefácio à Sabedoria da Cabalá”  Baal HaSulam descreve como, no seu final, cada estágio prepara o terreno para o próximo. Em muito, da mesma forma, os desenvolvimentos e mudanças durante o final da Idade Média marcam o final da era, bem como o início da próxima – a Renascença. E uma vez que, como a Cabalá explica, os eventos que ocorrem em nosso mundo são decorrência da evolução do desejo de receber, esses eventos demonstraram que o mundo estava então pronto para o próximo estágio da evolução dos desejos – o Estágio Três – cujo início é marcado pela próxima importante composição da Cabalá, A Árvore da Vida.

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