A Pirâmide dentro da Pirâmide

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

A razão pela qual Abraão foi o único da sua geração a descobrir a força criativa da vida é que ele era um pedaço do Partzuf de Adão, que estava pronto para revelá-la. Mas o objetivo da Criação não é para apenas uma pessoa atingir o estado-semelhante ao Criador, mas para toda a humanidade alcançá-lo. Assim, a descoberta de Abraão não era algo isolado, mas um antecedente para um novo estágio na evolução espiritual da humanidade.

Abraão percebeu que a vida é uma pirâmide, cujo pico é a característica do Criador, doação. Ele também percebeu que os desejos humanos somente se intensificam, como têm feito desde o início da Criação. E finalmente, Abraão soube que essa consciência, além de ter o método de correção fornecido pela Cabalá, era a única maneira de evitar o colapso do sistema devido ao aumento do egoísmo. Mas na ausência de prova tangível, apenas alguns seguiram Abraão e se uniram em torno do objetivo de alcançar  o Criador. Quando esses que foram com ele cresceram e se tornaram uma nação, eles foram nomeados conforme a sua meta: Ysrael (Israel), a partir das palavras hebraicas Yashar El (Direto a Deus).

Historicamente, Babel não entrou em colapso imediatamente ou mesmo logo após a partida de Abraão. Ela continuou a flutuar na dominância e destaque para mais de um milênio após sua partida, incluindo o reassentamento dos hebreus em Babel depois de seu exílio após a queda do Primeiro Templo. No entanto, do ponto de vista cabalístico espiritual, o triunfo de Nimrod em Babel selou sua condenação porque perpetuou a regra do egoísmo ao invés de altruísmo.

A cura inexistente

Na verdade, o método de Abraão era muito simples: em face do egoísmo elevado, uni- vos e assim descobrireis a qualidade de doação—o Criador. Como temos mostrado ao longo do livro, cada elemento na natureza se comporta desta forma. Os níveis iniciais do desejo de receber requerem organização muito limitada e formam pequenos sistemas, onde cada elemento dedica-se ao seu sistema hospedeiro. Nós chamamos esses sistemas elementares “átomos”. Os níveis mais evoluídos de desejos colocam os átomos em sistemas que chamamos “moléculas”. Como o desejo evolui ainda mais, esses sistemas evoluem e se organizam em sistemas ainda maiores chamados “células”. Esses grupos em criaturas multicelulares, finalmente levando à criação de plantas, animais e seres humanos.

Em tudo isso, há apenas um princípio: o desejo de receber, todos os elementos desejam receber, e a única maneira de criar equilíbrio e sustentabilidade no sistema é se unirem em um sistema de nível superior. Este é o método de Abraão buscou conscientemente emular.

Como já dissemos, o desejo de receber em seres humanos torna-se egoísmo, por causa do nosso senso de individualidade. Assim, o antídoto para o egoísmo é exatamente a mesma cura aplicada pela Natureza—a construção de um sistema ao qual todas as partes contribuirão e semearão seus auto-interesses. Em troca, o sistema irá garantir o bem- estar e sustentabilidade dos seus elementos. Os cientistas hoje desejam descobrir as condições que existiam no início do universo, recriando as condições em escala reduzida, em instalações como o CERN Hadron Collider na Suíça. Da mesma forma, imitando a conduta “natural” da Natureza, descobriremos sua lei de doação.

Na verdade, o modus operandi é muito simples: Se você pensa como um doador e age como um doador, temos que pelo menos considerar a possibilidade que você tem uma pequena quantidade de doação na sua natureza, citando a célebre paráfrase de Douglas Adam do “Dirk Gently’s Holistic Detective Agency“.xix

No entanto, a Natureza não nos fornece os instintos para imitá-la, como faz com o resto dos seus elementos. Porque somos feitos para sermos seus governantes, nossa tarefa é estudar essas regras por nós mesmos e, posteriormente, implantá-las. É por isso que, quando Nimrod expulsou Abraão, o único homem que poderia ensinar essa regra para os babilônios, ele também negou ao seu povo o método de conseguir a unidade—o único antídoto para o egoísmo crescente e a alienação entre o seu povo.

Após a saída de Abraão, Babel continuou exaltando o abandono egocêntrico. Mas, apesar do prazer e diversão não contradizerem o propósito da Criação—como sabemos desde as Fases Três e Um, que receberam o prazer do Criador—receber prazer não é o objetivo final, nem o maior deleite. O maior deleite do homem e objetivo final é tornar- se como o Criador, e a babilônica negação daquele objetivo é o que em última análise, arruinou-os. Enquanto Israel estava se formando como uma nação, como descrito no Capítulo 1, Babel experimentou oscilações violentas enquanto o egoísmo  desenfreado de sua população se intensificava. Sua desintegração final no quarto século AC provou ser um processo longo, mas inevitável.

No entanto, Babel foi apenas a primeira etapa na construção do mais alto nível na pirâmide de desejos—o nível falante. Como com todos os outros elementos da Criação, o nível final da pirâmide consiste em uma raiz e quatro estágios de evolução dos desejos. Abraão é considerado o Estágio Raiz, daí seu epíteto, Avraham Avinu (Abraão Nosso Patriarca), referindo-se a ele como o progenitor da nação que se esforçou para chegar ao Criador. Mais tarde, como sabemos, ele se tornou conhecido como o pai de todas as três fés abraâmicas, as religiões monoteístas do judaísmo, cristianismo e islamismo.

Como os desejos continuaram a evoluir na humanidade, um novo nível de desejo na pirâmide surgiu no topo do nível Raiz, aproximadamente, quando o Egito estava em seu apogeu. Este nível corresponde à Etapa Um, e como a Etapa Raiz teve  seu prenúncio  em Abraão, a Etapa Um teve o prenúncio de si própria: Moisés. E assim como Abraão foi forçado por Nimrod a sair de Babel, Moisés teve de fugir do faraó e sair do Egito, como descrito no Pentateuco, “Mas Moisés fugiu da presença de Faraó, e habitou na  terra de Midiã” (Êxodo 02:15 ). Para entender a importância da missão de Moisés, precisamos entender um conceito que inicialmente parece não estar relacionado — o conceito de livre escolha, como explica a Cabalá.

Livre Escolha

Como já foi discutido, a evolução da humanidade corresponde ao Estágio Quatro na evolução dos desejos. Nesta fase, o desejo de receber percebe que por trás de tudo o que ocorre está um pensamento, um propósito que dita esta série de mudanças. Em nossas vidas, isso se traduz na tendência de uma criança não apenas imitar as ações dos pais, mas querer saber o que eles sabem.

Para obter o pensamento do Criador, Estágio Quatro precisa de liberdade de pensamento e livre arbítrio, para que possa desenvolver suas percepções de forma independente. Da mesma forma, se você ensina uma criança a pensar e ver o mundo através de uma perspectiva estreita, ela será um soldado muito leal, mas provavelmente não um grande estrategista ou general. Esta também é a razão por que as crianças — especialmente na primeira infância, antes de nós as acostumarmos à indolência — desejam fazer as coisas por si mesmas em vez de deixar seus pais faze-las por eles.

Assim, a necessidade de livre escolha requer a nossa ignorância sobre a lei pela qual todas as criaturas alcançam o equilíbrio e sustentabilidade através da submissão do interesse pessoal ao interesse do sistema hospedeiro, para que possamos descobri-la por nós mesmos. Se soubéssemos que esta era a lei em vigor, e que é tão rígida quanto a lei da gravidade, não nos atreveríamos a desafiá-la. E se nós não tivéssemos escolha, senão segui-la, teríamos, na melhor das hipóteses, nos transformado em crianças obedientes, mas permaneceríamos crianças, sempre inferiores ao desejo de  doar, que criou essa  lei.

Para nos igualarmos ao Criador, devemos aprender como “construir” a Criação por nós mesmos, cada  elemento  dentro  dela, a razão  para sua existência, como  e  quando  ela

 

surgiu, e se e quando vai expirar. Para aprendermos isto, a evolução criou a infra- estrutura perfeita para nosso aprendizado: ela construiu um universo no qual cada elemento obedece à lei de submeter o interesse pessoal ao interesse do sistema. Além disso, a evolução nos negou o conhecimento dessa lei, e nos deu o poder de agir contrariamente a ela, ou não, dependendo da nossa escolha. E acima de tudo, a evolução não nos revela a recompensa pela observação desta lei.

Células do corpo simpatizam com a vida de seu organismo hospedeiro, não com a sua própria. Se não fosse assim, não seriam capazes de operar em favor dele e se tornariam malignas ou até mesmo impediriam o início da vida por completo. Essa simpatia é tão completa que as células estão mesmo dispostas a terminar as suas próprias vidas para promover o crescimento de todo o corpo em um processo conhecido como “apoptose” ou “morte celular programada” (MCP). Em embriões, por exemplo, a forma dos pés é determinada por apoptose, que finaliza a diferenciação dos dedos das mãos e dos pés quando as células entre os dedos são deliberadamente mortas por seu organismo hospedeiro.

Em troca de sua simpatia, as células são “recompensadas” com a percepção do mundo de seu organismo hospedeiro, em vez dos seus próprios organismos. Isto é, as células se comportam como se elas estivessem equipadas com uma percepção inata de todo o organismo do qual fazem parte. Se elas não funcionassem desta forma, elas instintivamente tentariam combater suas células vizinhas para o fornecimento de nutrientes e oxigênio, como fazem as criaturas unicelulares. Quando esse tipo de disfunção ocorre em uma célula dentro de um organismo, pode se transformar em câncer.

Se nós, assim como células em um organismo, pudéssemos nos simpatizar com o nosso sistema hospedeiro—Planeta Terra—mas ainda mais do que isso, com as forças que construíram e sustentam a Terra, obteríamos a percepção mais ampla possível e transcenderíamos conceitos como tempo, espaço, vida e morte, tal como os conhecemos. Nossa percepção revelaria que somos parte de um sistema muito mais amplo que o nosso entorno imediato, assim como as células são parte de todo o organismo. Nesse estado, seríamos capazes de pensar e agir como o Criador — o desejo de doar. E alcançado isso, alcançaríamos o propósito da Criação — tornarmo-nos como o Criador.

No entanto, se pudéssemos ver que por submetermos o nosso interesse pessoal, estamos sendo recompensados com sermos semelhantes ao Criador, iriamos fazê-lo, a fim de receber prazer, sem o objetivo de doar, e sem o objetivo de doar ficaríamos

egocêntricos, diferentes do Criador. Para alcançarmos um estado semelhante ao Criador, devemos escolhê-lo livremente, sem sermos seduzidos xixde alguma forma em direção  ao altruísmo. Porque, como explicamos sobre os quatro estágios, o objetivo de doar é o que nos faz semelhantes ao Criador, o desejo de receber não deve sentir que nós vamos receber prazer ou benefício ao doar, para não criar motivação egoísta.

Quando entendermos isso, vamos entender o quão importante é a restrição do prazer pelo Estágio Quatro para nós. Se o Estágio Quatro não o repelisse, iríamos sucumbir ao prazer, assim como um bebê desfruta a força de seus pais e sua benevolência para com ele, e nós não seriamos capazes de nos tornarmos como o Criador. Em vez disso, seriamos tomados pelo prazer, assim como as mariposas são seduzidas pela luz de uma lâmpada em uma noite escura.

Diante da Expansão dos Desejos—Uni-vos

Anteriormente, dissemos que quando os desejos evoluíram na Natureza, eles criaram estruturas cada vez mais complexas. Cada novo nível se eleva a um grau mais elevado do desejo de receber quando as criaturas do nível atual se juntam para formar um agregado de colaboradores. Ao fazerem isso, as criaturas do nível atual (e presentemente, o mais alto) criam um sistema ao qual possam submeter seus  próprios interesses, o que lhes proporciona sustentabilidade e adesão à lei da Natureza de doação. Quando isso acontece aos seres humanos, nós também iniciamos a partir da menor estrutura—uma única pessoa—e trabalhamos ao nosso modo em direção a sociedades cada vez mais complexas. A única diferença é que devemos criar por nós mesmos essas estruturas sociais que aderem à lei de doar.

De fato a família de Abraão foi o primeiro grupo a criar esse sistema e, depois  aproveitar seus membros em um sistema cujas partes foram unidas pela dedicação  ao seu sistema hospedeiro. Como narra Maimônides (Capítulo 1), este sistema inicial se transformou em um grupo. No entanto, apenas no Egito—quando o seu número se  tornou suficiente—o sistema se transformou em uma nação. Quando Moisés tirou Israel do Egito, a família dos setenta, que tinha ido para o Egito agora consistia de vários milhões (há muitos pontos de vista sobre exatamente quantos saíram do Egito, mas os números comuns são entre 2 e 6 milhões de homens, mulheres, e crianças, excluindo a multidão mista).

Claramente, o trabalho de Moisés foi muito mais desafiador que o de Abraão. Ele não podia reunir toda a nação na sua tenda, como fez Abraão com sua família e poucos discípulos e ensinar-lhes as leis da vida. Em vez disso, deu-lhes o que nós referimos como os Cinco Livros de Moisés, conhecidos em hebraico como a Torah, que significa tanto “Lei” (de doação) quanto “Luz”. Em seus livros, Moisés fornece representações de todos os estados que uma pessoa experimenta no caminho de se tornar como o Criador.

A primeira parte do caminho para imitar o Criador era sair do Egito, aventurar-se no Deserto do Sinai, e permanecer ao pé do Monte Sinai. De acordo com fontes antigas, o nome “Sinai,” vem da palavra hebraica, Sinaá (ódio). Em outras palavras, Moisés reuniu o povo no sopé do Monte Sinai—a montanha de ódio.

Para interpretar a alegoria da montanha de ódio, os ensinamentos de Moisés mostraram ao povo quão odiosos foram em relação ao outro, como era remota para eles a lei de doação. Para reconectar-se com a lei de doação, ou o Criador, eles se uniram, como descrito pelo comentarista do século 11 e cabalista, Rashi, “Como um homem em um só coração.” xix

Baal HaSulam desenvolve mais a respeito desse processo em seu ensaio, “A Garantia Mútua”xix, onde explica que em troca de seu compromisso de cuidarem uns dos outros, ao povo de Moisés foi dada a Torá. Eles atingiram a lei de doação e obtiveram a luz, a natureza altruísta do Criador. Nas palavras de Baal HaSulam, “Uma vez que toda a nação por unanimidade concordou e disse:” Faremos e ouviremos: “… só então eles se tornam dignos de receber a Torá, e não antes.”xix

Agora podemos ver o quão importante foi missão de Moisés, e porque a livre escolha é um pré-requisito para realizá-la. Os líderes do grupo de Abraão eram todos da família e eram naturalmente unidos. Moisés, porém, teve que unir uma nação. Para isso, toda a nação teve que concordar num caminho. Fazendo uma escolha livre para unir-se, apesar do egoísmo evidente (alegoricamente descrito como “ao pé do Monte Sinai”), uma nação foi admitida na lei de doação. Esta foi a primeira vez na história da humanidade que as pessoas em massa atingiram a qualidade do Criador, e deste ponto em diante, a escolha da unidade em face do egoísmo crescente será a única forma de alcançar o Criador.

A outra maneira

Os sábios do Talmud, escreveram: “Aquele que tem cem, deseja duzentos”. xix Desde o alvorecer da Cabalá, afirmaram seus praticantes que nossos desejos evoluem. Eles crescem tanto em intensidade quanto em qualidade, o que significa não apenas o quanto queremos, mas também o que queremos. No final, estes desejos evoluem para se tornarem o desejo final—ser como o Criador.

Mas os cabalistas também afirmaram que temos a livre escolha em como chegarmos ao maior desejo, que também produz o maior prazer. Eles disseram que existem duas maneiras de atingir esse objetivo:

  1. Seguirmos o exemplo de Moisés e nos unirmos. Fazemos isso através do estudo de como a Natureza funciona nos seus níveis mais fundamentais, como nós, sendo ramificações da lei que a Natureza, operamos, e então tentarmos trabalhar como a Natureza, em unidade, como uma criança imita seus pais.
  2.  Ignorarmos as informações disponíveis e tentarmos descobrir o segredo para uma vida boa e sustentável por nós mesmos. Isso pode ser comparado a uma criança sentada ao volante de um carro, mas muito pequena para ver pela janela. Naturalmente, isto irá resultar em acidentes recorrentes com consequências terríveis.

Os  Cabalistas  chamam  o  primeiro  caminho,  luminoso,  “O  Caminho  da  Luz”,  e o segundo caminho, tortuoso, “o Caminho do Sofrimento.” xix

A evolução dos desejos ocorre independentemente de nossas escolhas. Quando não é acompanhada por um esforço calculado para nos unirmos e escolhermos o caminho da luz, de forma a descobrir a lei da doação, não há nada para regular o desejo crescente e afunilá-lo em direções construtivas. O resultado é um egoísmo intensificado e imprevisto. Isto é normalmente acompanhado por “um acidente”—desintegração e derrota como aconteceu na Babilônia e no Egito.

Na verdade, a história da nação israelita é o melhor exemplo dessa afirmação. Enquanto eles seguiram o ensino de Abraão, eles foram bem sucedidos. Quando não, foram derrotados e exilados.

Há aproximadamente 1.900 anos atrás, um novo nível de desejo de receber surgiu. Isso exigiu um esforço renovado e uma escolha renovada para união. No entanto, o povo de Israel  não  estava  pronto  para  fazer  o  esforço.  Em  vez disso,  eles caíram  em ódio e

egoísmo. O Talmud Babilônico, escrito por volta do quinto século EC, explica que a única razão para a derrota de Israel e a queda do Templo era o ódio infundado. xix

Desde aquela queda, o mundo teve apenas um caminho a trilhar—o caminho do sofrimento. O caminho da luz era conhecido por pouquíssimas pessoas nas gerações que se seguiram, e em poucas décadas eles tentaram cautelosamente expô-lo. Mas, vendo que as pessoas ainda não estavam prontas para contemplar as verdades que esse caminho continha sobre a realidade, eles o mantiveram para si e para aqueles raros e dedicados estudantes que procuraram a verdade a todo custo.

No entanto, como veremos no próximo capítulo, os anos de esquecimento para a Cabala não foram em vão. Eles nos deram muito conhecimento e uma miríade de observações da Natureza como um todo e da natureza humana em particular. Sem esses anos, a retomada da aceitação do conhecimento que a Cabala fornece não seria possível.

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