Livre Escolha Obrigatória

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Nos níveis mais baixos do desejo ─ Estágios de Um a Três ─ A Natureza corrige os laços descritos no trecho anterior por si só. No processo de evolução, os elementos da Natureza que seguem a regra de ceder ao interesse próprio frente ao interesse do seu sistema hospedeiro sobrevivem e formam a base para o próximo nível de evolução. Os que não cedem ao seu próprio interesse perecem.

Assim, gradualmente, a Natureza construiu o universo, as galáxias, o nosso sistema  solar e o planeta Terra. Então, camada por camada, como mostramos no capítulo 4, a vida na Terra foi formada.

Como o biólogo Sahtouris explicou de forma eloquente, inicialmente cada nova criatura se comporta de maneira egoísta, ignorando a existência e as necessidades de outras criaturas. A luta entre as criaturas, porém, obriga-as, como ele mesmo disse, a “negociar”, levando eventualmente à criação de homeostase ─ a estabilidade necessária para a persistência da vida.

Dessa forma, a vida na Terra evoluiu etapa por etapa até a Quarta Etapa na evolução dos desejos e o Homo sapiens apareceu. Inicialmente os seres humanos eram como todas as outras criaturas. Assim como os desejos evoluem em toda a Natureza, os nossos desejos também evoluem etapa por etapa a partir de Zero até Quatro. Nos Estágios de Zero a Dois, os desejos de ganância , controle e conhecimento não eram potentes o suficiente para nos separar da Natureza a ponto de ameaçarem a nossa existência. Como todos os outros elementos da Natureza, fomos forçados a negociar e aceitar o poder dos elementos como uma das necessidades da vida. A história, no entanto, mostra que não fomos tão flexíveis e tolerantes para com os outros seres humanos.

Como descrito no Capítulo 8, aproximadamente desde o século XV, porém, o Terceiro Estágio prevaleceu. Desde então, os desejos de autoexpressão e excelência pessoal têm crescido em nós e se expandido de forma exponencial.

Há uma qualidade peculiar aos desejos de reconhecimento e distinção pessoal. Embora esses desejos reflitam uma natureza autocentrada, uma vez que visam a apresentar o indivíduo que os possui como superior aos outros, eles também obrigam aqueles que os possuem a se conectarem aos outros. Isso é assim porque, para sermos superiores aos outros, devemos mensurar nossas qualidades, nossas realizações, nossos esforços e nossas posses em comparação com os dos outros. Se eu não me  comparar  com os outros, a quem poderei ser superior?

Assim, a superioridade dita a comparação e, portanto, obriga o homem egocêntrico do Estágio Quatro a perpetuar conexões com os outros. E quanto mais egocêntrico somos, mais queremos nos sentir superiores aos outros e, portanto, mais obrigados a reforçar nossas conexões com os outros.

Na verdade, a própria palavra “egocêntrico” implica que pode haver também outro centro para os nossos pensamentos. E o estigma negativo ligado ao egoísmo implica que nós instintivamente sabemos que direção é melhor para nós ─ o altruísmo, sendo “outro-cêntrico”.

A pergunta é: “Por que não estamos agindo como o restante da Natureza, da maneira que parece ser em nosso próprio interesse também?” A resposta é que parece que seria melhor se todos fossem altruístas, mas (com exceção de poucos), por causa de nossos egos, queremos que todos o sejam primeiro. Todos nós concordamos com a ideia de altruísmo, mas estamos paralisados quando se trata de executá-la. Até vermos que todo mundo está cumprindo isso e até sabermos com certeza que nada perderemos doando, não poderemos doar.

Como resultado, o altruísmo não parece ser uma boa ideia, mas ingênua e até mesmo perigosa ─ e se eu for o primeiro e depois for explorado? Em consequência, a maneira da Natureza, que parece ser o caminho certo para nós, na verdade parece ser o caminho errado na prática. É por isso que não parece razoável escolhê-lo.

Ao mesmo tempo, porém, como temos demonstrado ao longo deste livro, apenas os altruístas sobrevivem. Já estamos conectados e já nos afetamos uns aos outros, portanto, já estamos nos prejudicando mutuamente com nossas intenções enganosas para com os outros. Em outras palavras, o nosso egoísmo já está causando seus efeitos sobre nós, assim, como podemos ver, a escolha do altruísmo é ao mesmo tempo obrigatória e totalmente desagradável.

É essa falta de atrativos, no entanto, que a torna uma livre escolha. Se fosse atraente, o faríamos automaticamente, seguindo nossas intenções egocêntricas, e isso já não seria altruísmo, mas novamente egoísmo disfarçado, o que nos levaria a nossa destruição final.

Há outra razão, porém, pela qual o livre arbítrio é uma obrigação para nós, seres humanos. No início do livro, dissemos que, segundo a Cabalá, o propósito da Criação é assemelhar-se ao Criador, assim como o propósito de uma criança é tornar-se um adulto como seus pais. E assim como uma criança deve aprender a fazer escolhas livremente sobre questões que dizem respeito à vida corporal, a Criação, ou seja, nós, devemos aprender a fazer escolhas livremente no que diz respeito à vida espiritual.

Quando os Cabalistas se referem à vida espiritual, eles se referem a escolhas para agir por motivos egocêntricos ou por motivos sociocêntricos ou por  motivos Criadorcêntricos. Ao optarmos por sermos sociocêntricos, alcançamos o propósito da nossa existência de nos assemelharmos ao Criador, com todas as capacidades e responsabilidades implicadas.

No capítulo 2, mencionamos o livro de Meltzoff e Prinz, Perspectivas sobre a Imitação, no  qual  eles  descrevem  a  importância  da  imitação  e  da  identificação com modelos padrão na educação das crianças. Não são apenas as crianças, contudo, que aprendem dessa forma, é como todos nós aprendemos. Se não formos afetados uns pelos outros, pelos nossos desejos e comportamentos, a moda teria sido impossível, porque ninguém iria seguir qualquer outra pessoa. Além disso, não teríamos progredido, já que nada em nossos vizinhos evocaria nossa inveja e nos conduziria a melhorar nossas próprias  vidas. Isso iria parar as rodas do progresso instantaneamente. Ao realizarmos atos de altruísmo, nós imitamos o Criador ─ a força da vida que cria e impulsiona tudo o que acontece. E assim como as crianças aprendem a ser adultos, imitando-os, vamos aprender a ser como o Criador, imitando-O, também.

Pode-se discutir com alto grau de mérito que muitas pessoas realizam atos de altruísmo, mas nenhuma delas parece ter adquirido as qualidades ou as capacidades do Criador. De fato, a diferença entre o altruísmo que encontramos no  dia-a-dia entre muitas pessoas e o altruísmo proposto pelos Cabalistas é a intenção. No texto “Paz no Mundo”, Baal HaSulam mencionou o atual tipo de altruísmo: “Eu não estou dizendo que a singularidade em nós (a sensação de que cada um de nós é único) nunca vai agir em nós em forma de doação.Você não pode negar que entre nós há pessoas cuja singularidade opera nelas na forma de doação aos outros também, como aqueles que gastam todo seu dinheiro para o bem comum, e aqueles que dedicam todos os seus esforços para o bem comum.”

Quando essas pessoas fazem o bem aos outros, elas o fazem, no entanto, porque assim  se sentem bem. Elas são, por conseguinte, iguais a qualquer pessoa egocêntrica ─  egoísta que gosta de dar. Se elas nasceram com uma natureza de desfrutar e ferir os outros, elas iriam ferir os outros tão prontamente quanto elas agora doam.

Baal HaSulam e em particular seu filho, Baruch (Rabash), sugerem uma motivação completamente diferente para fazer o bem aos outros. Eles sugerem que pessoas que concordam com o propósito da Criação e desejam alcançá-lo se unam e façam o  bem uns aos outros a fim de se tornarem semelhantes ao Criador. Claramente, elas são tão egoístas como todos nós, mas seu objetivo é diferente.

“Praticando” o altruísmo a fim de se tornarem como tal, essas pessoas descobrem sua verdadeira natureza, a natureza do Criador e assim adquirem a capacidade de escolher livremente entre elas. E da mesma forma como as crianças aprendem por imitação, melhorando gradualmente à medida que “praticam”, as pessoas que desejam ser como o Criador “praticam” sendo doadoras, até que adquirem essa natureza e assim atingem o objetivo da Criação.

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