Removendo o Véu do Sigilo

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Em sintonia com as mudanças que ocorreram no início do Renascimento, os Cabalistas começaram a remover o véu da Sabedoria da Cabalá, ou pelo menos a falar a favor de removê-lo. Desde a escrita de O Livro do Zohar, os Cabalistas criaram vários obstáculos para aqueles que desejavam estudar. Tudo começou com o ocultamento do Zohar por Rashbi e continuou com o estabelecimento de todo tipo de pré-requisito que a pessoa teria de cumprir antes de receber permissão para estudar. O Mishnah, por exemplo, dá a instrução, aparentemente paradoxal, de se evitar ensinar Cabalá aos estudantes que ainda não sejam sábios e capazes de entender com sua própria mente, mas o texto não especifica como se pode chegar à sabedoria se não é permitido estudar.

No Talmud babilônico existe uma alegoria bem conhecida a respeito de quatro homens que entraram em um PARDES (acrônimo para todas as formas de estudo espiritual ─ Peschat (literal), Remez (implícita), Derush (interpretações) e, sendo o mais alto nível, Sod (Cabalá). Dos quatro, um morreu, outro perdeu a sanidade, outro se tornou herege e apenas um, o rabino Akiva, um gigante entre os Cabalistas, entrou em paz e partiu em paz. Há outras explicações mais profundas e precisas para essa alegoria, mas a história foi, todavia, utilizada para intimidar e dissuadir as pessoas de estudar Cabalá.

Outro pré-requisito que os Cabalistas impuseram foi chamado “para se encher a barriga”, porque exigia que a pessoa fosse proficiente em Mishná e Guemarah antes de iniciar o estudo da Cabalá. Para justificar essa condição, eles citaram o Talmud babilônico, que adverte que é preciso gastar um terço da vida estudando a Bíblia, outro terço estudando o Mishnah e o terço restante estudando o Talmud.

Isso, naturalmente, não deixa tempo para se estudar a Cabalá. Por isso, quando chegou a hora de os Cabalistas permitirem o estudo, eles tiveram de “criar um espaço” durante o dia   para   o   estudo   da   Cabalá.   Assim,   Cabalistas  como   Tzvi  Hirsh  de Zidichov “desviaram” a proibição ao declarar que, a cada dia, deve-se “encher a barriga com” Mishnah e Guemarah e depois estudar a Cabalá.

Há numerosos exemplos para as “proclamações” dos Cabalistas de que a Cabalá é o  meio para a salvação (correção da alma, o que significa dar ao desejo de receber o objetivo de doar), e que não deve ser negligenciado. Além disso, como regra, quanto mais novo é o estudante de Cabalá, maior deverá ser sua preferência pelo estudo da Cabalá acima de qualquer outra forma de estudo.

O Livro do Zohar diz: “No final do dia, quando sua composição (O Livro do Zohar) aparece abaixo, por causa dele você irá libertar a Terra (libertar o desejo do egoísmo, ou seja, corrigi-lo).” Para os Cabalistas, o surgimento de tal método sistematizado e estruturado pelo Ari marcou o começo do fim dos dias, ou o que  eles  chamam de “última geração”.

Em sua introdução ao A Árvore da Vida, Chaim Vital escreveu: “Mesmo nesta última geração, não estamos revoltados e não detestamos violar a aliança Dele (do Criador) conosco”. Em outras palavras, na opinião de Vital, que ele repete várias vezes nessa introdução, estamos na última geração, mas ainda não temos nenhum desejo de correção do egoísmo em altruísmo.

E ele continua: “Quando acontece de os dias do Messias * se aproximarem (para o fim da correção), até mesmo pequenas crianças entenderão os grandes segredos  da sabedoria. Além disso, foi explicado que, até agora, as palavras da sabedoria do Zohar foram escondidas, mas na última geração essa sabedoria vai surgir e se tornar conhecida”.

Vital também explica que todos os problemas de Adam ha Rishon ─ a alma coletiva que todos compreendem ─ originam-se em não se conhecer Cabalá. Em suas palavras, “Foi explicado… que o pecado de Adam ha Rishon (embora Cabalistas se refiram a esse pecado como um “erro”, não como um ato deliberadamente malicioso) foi que ele não escolheu se envolver na Árvore da Vida, que é a sabedoria da Cabalá.”.

 

No restante do texto citado, Chaim Vital tenta facilitar a abordagem das pessoas à Cabalá ao esclarecer os equívocos prevalecentes que os Cabalistas  têm promovido desde o ocultamento de O Livro do Zohar. Em suas palavras, “Isto, em si, é o pecado da multidão mista [uma referência àqueles entre os judeus que proíbem o estudo da Cabalá], que diz sobre Moisés: ‘Você fala conosco… e não deixa que Deus fale conosco para que não morramos nos segredos da Torá [um epíteto comum para a sabedoria da Cabalá]’. É como se os errados acreditassem e dissessem que qualquer pessoa que se dedica a ela [Cabalá] terá uma vida curta. Hoje, são eles que caluniam e dão um mau nome à sabedoria da verdade [outro epíteto para a Cabalá]”.

Em outro lugar, ele acrescenta: “Até agora, as palavras da sabedoria d’O Zohar foram escondidas, mas na última geração [que Vital define como sua geração] essa sabedoria aparecerá e se tornará conhecida, e eles estudarão e compreenderão os segredos da Torá [Cabalá], que os antigos não alcançaram. Por isso, a objeção dos  néscios, que dizem: “Se os antigos não sabiam disso, como nós saberemos?”, será revogada. Como é explicado, nessas últimas gerações eles serão alimentados por essa composição [O Livro do Zohar] e a sabedoria aparecerá para eles.”.

Enquanto sob o patrocínio de seu mentor, o Ari, Chaim Vital teve o privilégio de aprender com a mais alta autoridade da Cabalá do seu tempo. Ainda assim, Vital não foi a única voz de sua geração a enaltecer a necessidade de divulgar a Cabalá. O Cabalista Avraham Ben Mordechai Azulai (1570-1644) expressou claramente a necessidade de divulgar a Cabalá do seu tempo em diante: “Eu vi escrito que a proibição … abster-se de estudar abertamente a sabedoria de verdade era só … até o final de 1490. Mas a partir de então a proibição foi anulada e foi dada a permissão para se engajar n’O Livro do Zohar. E a partir de 1540 tem sido uma grande Mitzvá [mandamento, mas também boa ação] para as massas estudarem, velhos e jovens… E já que o Messias virá por causa disso, e por nenhuma outra razão, não devemos ser negligentes.”.

No século XVI, a cidade de Safed, no norte de Israel, era a “capital” da Cabalá. Essa foi também a cidade onde o Ari viveu e ensinou a seus alunos. O maior Cabalista de Safed, até a chegada do Ari, foi Moshe Cordovero (1522-1570), conhecido como “o Ramak”. Ele precedeu o Ari em alguns anos, mas ele já podia sentir a aproximação de uma nova fase do desejo. Em seu livro, Conheça o Deus de teu pai, ele escreveu: “A Torá inteira  só fala de nada mais que a existência do Criador e Seu mérito em Suas Sefirot e Suas operações nelas. E quanto mais a pessoa estuda seus segredos [Cabalá], melhor, já que profere Seu mérito e faz maravilhas nas Sefirot“.

Ao longo do tempo, os Cabalistas sentiram uma urgência cada vez maior de que as pessoas estudassem Cabalá, porque temiam que os problemas e as calamidades se sucedessem se as pessoas não soubessem o modus operandi básico da vida. Eles até começaram a escrever a favor de ensinar às crianças. Yitzhak Yehuda Sarfin de Komarno (1806-1874), por exemplo, escreveu em seu livro, Notzer Hesed (Mantendo a Misericordia): “Se o meu povo tivesse me atendido nesta geração… eles teriam estudado O Livro do Zohar e o Tikkunim [correções, parte do Zohar], e contemplá-los até com crianças de nove anos de idade”.

Da mesma forma, o Cabalista Rav Yaakov Yitzhak Ben Shabtai Lifshitz (1845-1910) escreveu em seu livro, Segulot Israel (A Virtude de Israel): “Que eles comecem  a ensinar o livro sagrado do Zohar para as crianças quando elas ainda são pequenas, com  a idade de nove ou dez anos, como foi escrito pelo grande Cabalista … e a redenção… [a correção completa] virá certamente logo a seguir”.

Em certa medida, os Cabalistas foram bem sucedidos em seus esforços. A Chassidut (Chassidismo), movimento estabelecido no século XVIII na República Polonesa- Lituana (Ucrânia de hoje) pelo rabino Israel ben Eliezer (1698-1760), conhecido como Baal Shem Tov (Dono do Bom Nome), produziu um grande número de Cabalistas. Quando os estudantes do Baal Shem Tov alcançavam proficiência suficiente na Cabalá  e uma percepção bastante clara do mundo espiritual, ele os mandava a outras cidades para continuarem espalhando a Sabedoria. Os alunos do Baal Shem Tov alimentaram mais estudantes, ajudaram-nos a também atingir a percepção espiritual e, por sua vez, enviaram-nos em seus caminhos para disseminarem ainda mais a Sabedoria. Assim, um vasto movimento, cujos líderes eram todos Cabalistas, foi formado.

Com o tempo, no entanto, assim como aconteceu com o povo de Israel antes da destruição do Segundo Templo, o nível espiritual dos professores diminuiu, até que perderam completamente sua realização espiritual. Mesmo assim, os efeitos positivos da Chassidut não podem ser superestimados, quando se considera o sucesso do Baal Sham Tov em introduzir a Sabedoria até então oculta para as massas.

O Alcance da Cabalá se Estende

Embora a Cabalá tenha sido uma Sabedoria secreta por mais de um milênio, textos cabalísticos poderiam sempre ser encontrados se a pessoa realmente quisesse estudá-los. Durante o Renascimento, muitos estudiosos não só descobriram os livros de Cabalá, mas, aparentemente, os estudaram com entusiasmo e trataram a Cabalá como uma Sabedoria de grande mérito.

No capítulo anterior, mencionamos Johannes Reuchlin (1455-1522), que alegou que Pitágoras recebeu o seu conhecimento dos judeus, ou seja, dos Cabalistas, e que o termo “filosofia” surgiu quando Pitágoras traduziu a palavra “Cabalá” para o nome grego “filosofia”. Reuchlin, porém, não foi o único. Muitos cientistas e pensadores aclamados falaram favoravelmente da Cabalá e pediram a seus leitores para explorá-la, esforçando- se para limpar equívocos e estigmas que a rodeavam.

Um dos filósofos mais notáveis que mostrou grande interesse na Cabalá foi o aclamado dramaturgo, escritor e cientista Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). Em Materialien zur Geschichte der Farbenlehre, Goethe escreveu: “O coro todo [assembleia] daqueles que se reúnem ─ judeus, cristãos, pagãos e homens santos, padres da Igreja e os hereges, os Conselhos [Sínodo] e papas, reformadores e todos os adversários, enquanto eles explicam… [Eles] fazem isso pela maneira de Platão ou Aristóteles, conscientemente ou inconscientemente, como … o Talmud e o tratamento cabalístico da Bíblia nos convencem”.

*A força que puxa para fora o egoísmo. Na Cabalá, o termo “Messias” refere-se à palavra hebraica Moshech (puxando), que denota uma força que puxa a pessoa do egoísmo ao altruísmo, corrigindo a alma. Os termos “redenção” e “libertação” também são nomes de códigos para a mudança do egoísmo em altruísmo. Também o advento do Messias refere-se ao tempo em que isso irá acontecer a toda a humanidade.

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