A Estreia do Zohar

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Por diversas vezes neste livro nós mencionamos o item 38 da “Introdução ao Livro do Zohar” (Ashlag), que declara: “O homem (Estágio Quatro) que pode sentir os outros se torna carente de tudo o que é dos outros, (…) e é dessa maneira preenchido com a inveja de adquirir tudo o que os outro possuem. Quando ele possui uma centena, ele quer duas centenas, portanto suas necessidades se multiplicam para sempre até ele querer devorar tudo o que há no mundo inteiro”xix.

Mais cedo na introdução (Item 25), Ashlag escreve: “Desde que o Pensamento [da Criação ─ a meta do Criador] foi deliciar Suas criaturas, Ele tinha de criar um desejo esmagadoramente exagerado de receber todas as recompensas, o qual está no Pensamento   da  Criação   [dar-nos  prazer   sem   limites].”xix  E   ele   continua,   “Se o exagerado desejo de receber perecesse no mundo, o Pensamento da Criação não poderia ser realizado ─ ou seja, a recepção de todos os grandes prazeres que  Ele  pensou outorgar a Suas criaturas ─ para o grande desejo de receber e o grande prazer irem de mão em mão. E na mesma extensão que o desejo de receber diminui, também diminui o deleite e o prazer de receber”xix.

Por isso, se quisermos nos tornar como o Criador, não devemos diminuir nossos desejos. Se nós não diminuirmos nossos desejos, porém, nossa habilidade de eliminar o egocentrismo e nos tornar como o Criador falhará, já que tudo o que temos em nosso armário de remédios são os velhos remédios do fanatismo religioso, da opressão, da tirania ou qualquer outro dos antigos meios de disciplina. Esses métodos foram bons para “domar” o desejo de receber em seus estágios anteriores, mas eles não irão bastar para o nível do desejo de receber de hoje.

Um novo método, um novo código de ação é requerido, alguma coisa que não tente suprimir o insuprimível, mas que aproveite os novos poderes que o extremo egoísmo evoca para melhorar a vida, ao invés de destruir a humanidade e o nosso egoísmo patogênico.

No Estágio Três da evolução dos desejos, nossa inveja criou um mundo interconectado  e interdependente onde nós competimos uns contra os outros, ainda  dependentes uns  dos outros para o sustento. No capítulo anterior, nós citamos Ashlag, que escreveu: “Por causa de cada pessoa no mundo que tira seu sustento de todas as outras pessoas do mundo, ela é coagida a servir e cuidar do bem estar de todo o mundo”.

Nós também citamos a afirmação de McGrew: “Este [sistema global único] define uma condição muito mais complexa, em que os padrões de interação humana, a interconectividade e a conscientização estão reconstituindo o mundo como um único espaço social”. Essas citações refletem acuradamente nossa situação no inicio do século XXI: estamos amarrados e odiando uns aos outros.

Esse estado de interdependência simultânea e competitividade nos trouxe a  uma situação em que não estamos nem dispostos a negociar uns com os outros — como Sahtouris explica que devemos — nem capazes de nos separar uns dos outros, como fez Abraão quando deixou Babel. Ainda, apesar do nosso egocentrismo, nossa interdependência dita que nós de algum modo procuramos uma forma de colaboração. Assim, parece que o único modo de sairmos desse impasse é — como Ashlag colocou – aprender como “Servir e cuidar do bem estar do mundo inteiro”xix.

Como dissemos antes, a recente ascensão do narcisismo não é uma coincidência, mas o resultado do aparecimento do Estágio Quatro na evolução dos desejos. Na Cabalá, esse estágio é também chamado “a última geração”. O termo “última geração” não significa que esta geração verá toda a humanidade extinguir-se. Pelo contrário, na última geração, a humanidade deve começar a viver verdadeiramente, descobrindo sua real vocação — tornando-se como o Criador. O termo “última geração” significa que ela é a ultima geração antes do início da correção final, quando toda a humanidade descobre a força motriz da vida — o Criador. O Livro do Zohar, como dissemos no capítulo 8, descreve esta geração da seguinte maneira: “No final dos dias, na última geração, quando sua composição [O Zohar] aparece abaixo [no nosso mundo], por causa disso vocês irão libertar a nação [libertar do desejo egoísta, corrigi-lo]”xix.

Descrições dos eventos que se desenrolam na última geração são abundantes, a maioria deles predizendo a condenação da humanidade, oferecendo uma infinidade de explicações sobre por que estamos por nos tornar extintos. Em 1992, a Chick Publications publicou uma charge gospel intitulada “A Última Geração”. Eu acredito que o espírito da charge é mais bem refletido nas palavras de uma de suas personagens: “Poderemos mudar para nossas mansões no paraíso em breve”xix.

Outro site oferece “Dez Sinais do Final dos Tempos”. Seu autor afirma:  “Eu acredito que nós somos a última geração”xix. O titulo do livro, A Última Geração: Como a Natureza Vai se Vingar da Mudança Climática,xix do autor científico e jornalista Fred Pearce, fala por si só.

Cabalistas também designam estes tempos como “a última geração”. Na verdade, eles se referem ao final do século XX como o final da última geração, e isso implica que, doravante, entre no estado da Era da Correção. Hillel Shklover, discípulo do grande Cabalista do século XVIII, Vilna Gaon (GRA), escreveu no prefácio do seu livro Kol haTor (Voz da Rola): “Do ano 1241 até o ano 1990 é o período do início da redenção…”xix

Também no capítulo 1, nota de rodapé 53, Shklover escreve: “[relativamente] à última geração, o autor [Vilna Gaon] explica a última geração no verso: ‘Que você deve contar isso para a última geração’ (Psalms, 48:14), referindo-se ao período de 1740 até o ano de 1990”xix.

Igualmente, em 1945, meu professor, Baruch Ashlag, contou-me que seu pai, Baal HaSulam, comentou que em cinquenta anos, portanto em 1995, a sabedoria da Cabalá seria revelada e as pessoas começariam a estudá-la, porque seria tempo de tornar-se conhecida. Na Cabalá, períodos tais como anos e dias frequentemente descrevem a passagem dos estados de correção, ao invés da passagem do tempo físico. Por isso, quando os estudantes de Ashlag perguntaram se ele se referia a anos físicos ou estados de correção, ele respondeu que se referia a anos físicos.

Certamente, ao contrário da maioria das profecias apocalípticas de hoje, a Cabalá tem previsto um cenário inteiramente diferente. Desde o final da Idade Média, Cabalistas têm previsto que, usando o Livro do Zohar, as pessoas irão estudar as leis de doação e assim a humanidade passará do desespero à felicidade. “Agora o tempo dita a aquisição de muitas posses na Torah interna [Cabalá]. O Livro do Zohar abre novos caminhos, como um conjunto de pistas, construindo uma autoestrada no deserto, (…)  e todas as suas colheitas estarão prontas para abrir as portas para a redenção”, escreveu Rav Kook em Orot (Luzes, 1921)xix. “Se meu povo me atender no tempo do Messias, quando o mal [egoísmo]  e  a  heresia  [esquecimento  do  Criador — outorga] aumentam,  eles devem investigar no estudo do Livro do Zohar e a Tikkunim [‘Correção’, parte do Zohar] e os escritos do Ari por todos os seus dias”, também escreveu Rav Yitzhak Yehudah Sarfin de Komarno (1804-1976) em Notzer Hesed (Mantendo a Misericórdia)xix.

Acima de tudo, porém, foi uma realização muito importante de Ashlag fazer a tradução completa do Zohar (do aramaico, a língua original do livro, para o hebraico), um comentário sobre o livro e não menos que quatro introduções, para torná-lo acessível a nossa geração.

 

A Necessidade de Conhecer o Sistema

Nós já demonstramos como o Estágio Quatro implica num desejo fundamentalmente diferente comparado aos estágios precedentes. Esse estágio encoraja-nos não apenas a desfrutar a vida, mas a nos tornar oniscientes e onipotentes como o Criador.  Nós também explicamos por que um novo modus operandi é requerido para corrigi-lo. E por “correção” os Cabalistas não querem dizer proibição, opressão ou supressão de qualquer particularidade, atributo ou qualidade de qualquer individuo. Isso seria repressão, que apenas explodiria com duas vezes mais força na primeira oportunidade.

Conforme mencionado anteriormente, no Estágio Quatro a correção deve ser voluntária. Até agora nós temos nos distanciado tanto da Natureza, temos estado tão destacados do senso de integridade da vida, que simplesmente agimos por nós mesmos, pensamos por nós mesmos e desejamos exclusivamente para nós mesmos. E o pior de tudo, nós sequer sabemos que outro caminho é concebível. Nós não temos consciência de que viver dessa forma não pode render uma vida plena. Se não fosse assim, a letra da música de Little Jackie (que nós mencionamos na introdução), “Sim, senhor, o mundo todo deve girar  em torno de mim”, nunca teria tocado o coração de ninguém e ela nunca faria sucesso.

Em todos os domínios da vida, cada um de nós e, de fato, toda a sociedade global esforçamo-nos para obter o máximo possível, indiferentes às consequências. Em nossas vidas pessoais, muitos de nós sucumbem ao que o Prof. Christopher Lasch se refere como “a cultura do narcisismo”xix: nós nos promovemos no Facebook e no MySpace, divorciamo-nos de nossas esposas mais rapidamente do que nunca e cada vez mais procuramos formas originais de nos expressar.

Em resposta, companhias e prestadores de serviços inventam cada vez mais medidas “narcisistas” para atender a nosso egocentrismo, aumentando exponencialmente nossos desejos por singularidade. A Starbucks, por exemplo, oferece aproximadamente 20 mil combinações diferentes de café em seu cardápio. A Capital One tem o “Card Lab”, em que você pode customizar seu cartão de crédito, incluindo nele qualquer imagem que queira. E o Facebook é tão orientado ao narcisismo que é construído de forma a tornar a autopromoção uma coisa corriqueira. Laura Buffardi e o Prof. W. Keith Campbell publicaram uma pesquisa na Universidade da Geórgia, explicando que “Os narcisistas estão  usando  o  Facebook da  mesma  forma  que  usam seus outros relacionamentos — para autopromoção com ênfase em quantidade ao invés de qualidade”xix (adicionando  o maior número possível de amigos em suas listas, apesar de essas amizades não serem reais e nem ao menos serem um relacionamento).

Pelo motivo de sermos tão narcisistas e destacados da Natureza, nós sentimos que não estamos subordinados a suas regras e podemos fazer qualquer coisa que quisermos (embora desastres naturais nos anos recentes comecem a mudar esse ponto de vista). Como resultado, a única forma de sabermos como a Natureza funciona é fazendo um esforço consciente, voluntário, de estudá-la. O conhecimento de como operar dentro do sistema e lucrar por interesse próprio à frente do interesse do sistema, portanto recebendo suporte e até mesmo o conhecimento do sistema, está oculto por trás de um véu de egocentrismo, e remover esse véu é precisamente o papel da Cabalá.

Cabalistas como Rabash explicam como nós podemos imitar o Criador, imitar o altruísmo verdadeiro, e assim nos introduzir em um nível atualmente imperceptível e torná-lo tão tangível quanto a Natureza a nossa frente. Sem vermos ou conhecermos a outra metade da realidade, nós nos mantemos errantes até infligirmos tamanha dor a nós mesmos que, então, seremos forçados a estudá-la.

Para entendermos quão crucial essa informação é para nossas vidas, consideremos o seguinte cenário: você é um homem das cavernas, de pé em frente a uma parede branca, seca e dura como rocha, dentro de uma casa. Na parede, projeta-se o que parece ser um ramo cinza brilhante de rocha sólida, não há tronco nenhum à vista. Enquanto você fica perplexo com essa visão ímpar, uma mulher se aproxima casualmente do ramo, torce-o com a mão como se fosse um galho novo e então ele começa a jorrar água abundantemente! Você provavelmente pensaria: “Ela deve ser uma deusa!”

Se, no entanto, você pudesse falar o idioma da mulher e lhe perguntasse como ela fez aquilo, ela explicaria que aquele ramo é uma coisa chama “torneira”, que se conecta a um tubo, que por sua vez é conectado a um tubo maior, que se conecta a todos os outros tubos das casas vizinhas e continua assim por todo o caminho até um rio. No rio,  há  uma grande máquina que bombeia a água, enviando-a pelos tubos para todas as casas da vizinhança.

Sem entender o sistema todo, nós somos como aquele homem das cavernas, contemplando o mundo visível, tentando descobrir como tudo aquilo funciona. E sem aprender com aqueles que já sabem, os Cabalistas, nós temos tanta chance de descobrir como funciona o sistema quanto aquele homem das cavernas, tentando descobrir como   a água viajava por aquelas mangueiras, do rio até as casas.

Todo o exposto acima, contudo, e isso é importante, não significa que nós devemos estudar toda a Cabalá ou O Zohar. Apenas significa que nós temos de conhecer as leis básicas da vida no nosso mundo de hoje, que é um mundo conectado. Similarmente, nós não precisamos de um PhD em Física para saber que não podemos ficar  suspensos no ar, porque há uma força que puxa tudo para o chão e faz com que pular de lugares altos seja extremamente perigoso.

Assim como é bom saber onde nós podemos aprender mais sobre a lei que nos puxa  para baixo, porque pode ser útil para fazermos coisas com ela, assim também é bom que saibamos onde aprender mais sobre a parte oculta da realidade, porque, a conhecendo, podemos trazer alguns benefícios para nós. Aprender como operar em um mundo interconectado e interdependente será, portanto, nosso próximo tópico e último capítulo.

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