Um Entre Dois Caminhos

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

A seção acima descreveu os benefícios pessoais da colaboração. Johnson e Johnson provaram que é mais gratificante trabalhar em grupo do que sozinho. Então, por que nós não agimos cooperativamente todo o tempo? Se nós somos feitos de desejo de receber e podemos receber mais a partir da colaboração, por que, então, não estamos agindo de maneira colaborativa? O que há em nossa natureza que, a despeito dos 1200 estudos que provam ser melhor trabalhar em conjunto do que sozinho, nós ainda não implantamos esse método em nosso sistema educacional? E por que as escolas (e todo o sistema educativo), a mídia, os esportes, a política ainda promovem um comportamento competitivo e individualista, exaltando os indivíduos bem sucedidos? Por que não exaltar as pessoas que promovem união e reciprocidade, se a evidência prova que isso iria beneficiar a todos?

A razão pela qual isso acontece é porque no Estágio Quatro já não ficamos tão satisfeitos apenas em acumular muito. Acumular muito era o que queríamos no Estágio Três. No Estágio Quatro, nosso desejo primário é conseguir mais do que os outros. Queremos ser únicos e superiores, como o Criador. Assim,  poderemos fornecer provas incontestáveis de que é melhor trabalhar juntos que sozinho, mas sem a sensação de que isso é dessa forma, nossos egos não vão sucumbir à ideia. No Estágio Quatro, as soluções devem, em primeiro lugar, saciar o ego antes de implantarmos táticas de vida diária para melhorar nossas conquistas.

Em relação ao parágrafo acima, em “Paz no Mundo”, Baal HaSulam desenvolve uma ideia sobre o nosso sentido de unicidade: “A natureza de cada pessoa deve explorar as vidas de todas as outras pessoas do mundo em benefício próprio. E tudo o que ela dá ao outro é apenas em caso de necessidade; e mesmo assim há exploração dos outros nessa ação, mas  isso acontece de maneira ardilosa, para que seu vizinho  não perceba  e ceda voluntariamente.” A razão para isso ele explica: como “a alma do homem descende do Criador, que é Uno e Único [referindo-se à lei única de doação que cria e sustenta o mundo], (…) o homem (…) sente que todas as pessoas do mundo devem estar sob seu domínio e para seu uso privado. E essa é uma lei inquebrável. A única diferença está nas escolhas das pessoas: uma pessoa escolhe explorar as outras para satisfazer desejos inferior e outra pessoa escolhe obter poder, enquanto uma terceira escolhe obter respeito. Além disso, se uma pessoa pudesse fazê-lo sem muito esforço, ela escolheria explorar o mundo com todos os três combinados — a riqueza, o poder e o  respeito. Ela,  no  entanto, é forçada a escolher de acordo  com suas possibilidades e capacidades. Esse direito pode ser chamado ‘a lei da singularidade no coração do homem’. Ninguém escapa dela, e cada um leva sua parte nessa lei.”173

Em 15 de Outubro de 2006, Sam Roberts, do The New York Times, publicou  um  artigo  intitulado  “Estar Casado  Significa  Estar em Desvantagem”,174  em que  ele se refere ao censo que nós discutimos na Introdução. O texto revela que “pares casados, cujo número declinou por décadas em proporção às famílias americanas, caíram finalmente para a minoria. (…) O American Community Survey, divulgado (…) pela Agência do Censo, (…) revelou que 49,7% [das] famílias em 2005 eram formadas por pares casados (…) caindo em mais de 52% cinco anos antes.” Além disso, revela Roberts, “O número de pares não casados está crescendo. Desde 2000, o número daqueles que se declaram como casais de sexos opostos não casados subiu em torno de 14%; casais masculinos em torno de 24%; e casais femininos, 12%.”

Baal HaSulam escreveu extensivamente sobre o tipo de vida que ele vislumbrava para as pessoas durante o período de correção, a qual começou no final do século XX, como notamos no capítulo anterior. Em seu “Ensaios Sobre a Última Geração”, Baal HaSulam descreveu duas formas pelas quais a humanidade pode revelar a lei da doação (à qual ele se refere como “completude” neste texto) – o caminho da luz (doação) e o caminho do sofrimento. Em suas palavras, “Eu já disse que existem duas maneiras de descobrir a completude: o caminho da luz e o caminho do sofrimento. Então, o Criador (…) deu à humanidade a tecnologia [que ele não diz se é boa ou má em si mesma], até que inventaram as bombas atômica e de hidrogênio. Se a ruína total que elas estão destinadas a trazer ainda não for evidente ao mundo, elas [as pessoas] podem esperar pela terceira guerra mundial ou pela quarta e assim por diante. As bombas cumprirão seu papel e os sobreviventes, após a ruína, não terão outra escolha além de assumir esse trabalho, os indivíduos e as nações não trabalharão para si mesmos mais do que o necessário para seu sustento, mas farão, sim, de tudo para o benefício dos outros [de acordo com a lei de abdicar do interesse próprio em prol do interesse do sistema]. Se todas as nações do mundo concordarem com  isso,  não haverá mais guerras no mundo, ninguém vai mais se preocupar com seu próprio  bem- estar, mas apenas com o bem-estar dos outros.”175

Ashlag conclui essa seção com as seguintes palavras: “Se você segue o caminho da luz, tudo estará bem e, se não, você trilhará o caminho do sofrimento. Em outras palavras, o mundo será arrasado pelas bombas, atômica e de hidrogênio, e procurará por um salvador para escapar da guerra. Então eles virão até o Messias [a força que os retira do egoísmo, como explicado no Capítulo 8] (…) e ele  lhes ensinará sobre essa  lei [da doação].176

Em resumo, nós temos de nos tornar semelhantes ao Criador! A única questão é “Como nós pretendemos alcançar isso?”

Tomando a Lei da Natureza como Guia

Supondo que uma guerra mundial, muito menos que uma guerra atômica, é quase uma opção desejável a ser considerada, é muito melhor explorar a outra possibilidade — o caminho da luz. No Capítulo 2, dissemos que o termo “luz” refere-se a uma ampla sensação de prazer que o desejo de receber (que é nossa essência)  experimenta quando está repleto de prazer. Agora podemos acrescentar que o prazer é sentido quando nós atingimos a qualidade do Criador, porque isso é o que queremos na nossa atual fase do desejo.

Para obter a luz, nós não precisamos em absoluto estudar Cabalá. Nós precisamos imitar a  lei de  doação,  sabendo  o  que  é  isso  que  estamos  imitando  e  o  que nós queremos alcançar quando assim agimos. Exatamente como as crianças aprendem ao imitar os adultos, para adquirir a qualidade de doação nós precisamos imitá-la em nossos relacionamentos.

O livro Shamati (Eu Escutei) contém palestras que Yehuda Ashlag realizou em várias ocasiões, que foram copiadas por seu filho e grande Cabalista, Rabash, em seu próprio estilo. No discurso nº 7, intitulado “O Hábito Torna-se uma Segunda Natureza,” Baal HaSulam declara: “Ao se acostumar a alguma coisa, essa coisa se torna uma segunda natureza para a pessoa. (…) Isso significa que, embora não se tenha nenhuma sensação do fenômeno [referindo-se à lei da doação], ao se acostumar a ele, pode-se ainda experimentá-lo.”177

Imitar a qualidade de doação com o objetivo de obtê-la pode parecer simplista ou ingênuo, mas, em nosso atual nível de egocentrismo, rapidamente está se tornando impossível relacionar-se positivamente com qualquer pessoa, exceto, como acima citamos Ashlag, “em caso de necessidade; e mesmo assim há exploração dos outros nessa ação, mas  isso acontece de maneira ardilosa, para que seu vizinho  não perceba  e ceda voluntariamente.”178

A solução, de acordo com Baal HaSulam em A Nação, o livro que ele publicou em 1940 (ver Capítulo 2, “Estágios Zero e Um”), é “Frequentar a escola uma vez  mais”.179 Em outras palavras, nós precisamos aprender sobre as leis básicas da Natureza e sobre o objetivo da vida:

  1. na base de toda a realidade encontra-se um desejo de doação, também conhecido como “o Criador”.
  2. No fundo do coração do homem encontra-se um desejo de receber aquilo que o desejo de doar deseja transmitir – total poder, total consciência e total controle.
  3. Para receber as dádivas descritas no item anterior, deve-se tornar-se semelhante ao desejo de doação – o Criador – e assim automaticamente ter o que o Criador tem. Esse é o objetivo da vida.

Ao tomarmos consciência de que a recompensa que advém da conduta cooperativa é maior do que a recompensa que advém da conduta individualista, será fácil colaborarmos e compartilharmos, como descrito no ensaio de Johnson e Johnson. Sem essa compreensão, nossos egos tornarão isso cada vez mais difícil e eventualmente impedirão qualquer possibilidade, a despeito de seus óbvios benefícios.

Em uma representação bastante pitoresca do controle do ego sobre nós, Baal HaSulam escreveu que o egoísmo é a inclinação do mal, e que ele se aproxima de nós empunhando uma espada com a ponta envenenada. Ele descreve como a pessoa fica encantada pela espada e se torna um escravo do seu próprio ego, embora sabendo que “(…) no  final,  a gota amarga da ponta da espada a  fere  e assim completa a separação [do Criador] em sua centelha de suspiro de vida.”180

O parágrafo anterior pode induzir à conclusão de que Baal HaSulam acredita que tudo está perdido e que estamos condenados a sofrer. Não é esse o caso, porém. Nós temos meios altamente eficazes que podemos usar em nosso favor: a sociedade. Nós já comentamos brevemente sobre a influência da sociedade, mas, na verdade, a sociedade tem tamanho poder sobre nós que pode moldar-nos em qualquer coisa que ela queira.

Em Os escritos de Baal HaSulam, Ashlag afirma: “O maior de todos os prazeres imagináveis é ser favorecido pelas pessoas. Vale a pena empregar toda nossa energia  e nossos prazeres corpóreos para obter uma pequena quantidade dessa coisa maravilhosa. Esse é o ímã para o qual os maiores em todas as gerações têm sido atraídos e pelo qual eles banalizam a vida da carne.”181

Para modificar nosso comportamento, portanto, precisamos mudar de um ambiente social que promove a individualidade para um que promove a reciprocidade. Falando praticamente, podemos usar a mídia para mostrar como grupos de trabalho produzem resultados melhores do que o trabalho individual, como a concorrência é prejudicial para a carreira, para a saúde e até mesmo, em última análise, para riqueza pessoal. Se pensarmos que é impossível, é porque a mídia está regularmente nos dizendo que é impossível. E se ela nos dissesse o contrário? Precisamos agir de acordo com o estado corrigido e o estado corrigido irá se manifestar.

A natureza humana é egoísta, então naturalmente tendemos ao isolamento e à competição. A essência da Natureza, no entanto, é holística, naturalmente inclinada à cooperação. Agindo de acordo com o restante da Natureza, a despeito de nossa tendência inata para não agir assim, é nossa livre escolha e é isso que nos tornará similares à Natureza (ao Criador). Usar o ambiente social para nos encorajar a seguir essa direção é a chave que nós não podemos nos permitir perder.

Colaboração e Autorrealização

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Com o objetivo de vivenciar a interconexão, devemos agir sobre ela, e não apenas em nível global ou nacional. A consciência de nossa interdependência deve ser uma constante em nossos processos de tomada de decisão e parte inseparável de nossas ações. Devemos aprender a pensar como uma unidade integrada por vários indivíduos colaboradores, e não por indivíduos isolados que interagem de forma desintegrada. Para tanto, devemos começar a reconhecer os benefícios da colaboração.

Inúmeros experimentos acerca dos benefícios da colaboração no sistema educacional já foram realizados. Em um ensaio intitulado “Uma História de Êxito da Psicologia Educacional: Teoria da Interdependência Social e do Aprendizado Cooperativo”, os professores da Universidade de Minnesota, David W. Johnson e Roger T. Johnson, apresentaram um caso contundente a respeito da teoria da “interdependência social”. Em suas palavras, “Mais de 1200 estudos de pesquisa foram realizados nas últimas décadas  sobre esforços cooperativos,  competitivos e  individualistas.  Os   resultados desses estudos validaram, modificaram, refinaram e ampliaram a teoria.”165

Johnson e Johnson explicam que “A interdependência social existe quando os resultados dos indivíduos são afetados por suas ações ou pelas ações de outros.”166 Isso é o contrário de dependência, em que a parte A depende da parte B, mas a parte B pode não depender da parte A. “Existem dois tipos de interdependência social”, dizem

eles, “positiva – quando as ações dos indivíduos promovem os objetivos comuns ─ e negativa – quando as ações dos indivíduos obstruem a realização dos objetivos de  cada um.”167

Se refletirmos sobre o experimento de Christakis-Fowler mencionado no capítulo anterior, e considerarmos a afirmação dos Cabalistas de que somos todos fragmentos de uma única entidade, torna-se claro que, atualmente, agir de maneira individualista não é apenas imprudente, mas também uma bomba-relógio. Essa atitude não reconhece a realidade de total globalização entre todos os membros da raça humana. E, quando ignoramos esse fato, a realidade nos corrige de forma dura, como a crise financeira de 2008 demonstrou claramente.

Depois de estabelecer o significado da interdependência, Johnson e Johnson compararam  a   eficácia   da   aprendizagem   cooperativa   para   o   indivíduo com  a aprendizagem comum individual, competitiva. Os resultados foram inequívocos. Em termos de responsabilidade individual e pessoal, eles concluíram que “A interdependência positiva que une membros de um grupo gera sentimentos de responsabilidade por (a) completar sua parte do trabalho e (b) facilitar o trabalho dos outros membros do grupo. Além disso, quando o desempenho de uma pessoa afeta os resultados dos trabalhos dos colaboradores, a pessoa se sente responsável pelo bem- estar dos colaboradores e também pelo seu próprio bem-estar. Falhar com  os outros é ruim, mas falhar com os outros e consigo mesmo é ainda pior.”168 Em outras palavras, a interdependência positiva transforma pessoas individualistas em seres colaborativos e generosos, o resultado oposto da tendência de crescente individualismo que chega ao ponto do narcisismo.

Johnson e Johnson definem interdependência positiva como “uma correlação positiva entre objetivos individuais; os indivíduos percebem que podem atingir seus objetivos se, e apenas se, os outros indivíduos com os quais está ligado de forma colaborativa puderem  atingir  seus  objetivos  também.”169  E  definem  interdependência negativa como “uma correlação negativa entre as realizações dos indivíduos; os indivíduos percebem que podem atingir seus objetivos se, e apenas se, os demais indivíduos com quem estão ligados de forma competitiva não conseguirem atingir seus objetivos.”170 Globalização implica interdependência positiva. Em outras palavras, ou todos atingimos nossos objetivos ou nenhum de nós.

Com o propósito de demonstrar os benefícios da colaboração, os pesquisadores mediram as realizações dos estudantes que colaboram entre si comparadas com as dos estudantes que competem entre si. “A média das pessoas cooperativas alcançou dois terços do desvio padrão acima da média das pessoas que atuam dentro de um  ambiente competitivo e individualista.”171

Para entender o significado de tal desvio acima da média, considere, por exemplo,  que, se uma criança é média D-, cooperando, a nota dela vai saltar para uma surpreendente média A+. Além disso, eles escrevem: “A cooperação, quando comparada com os esforços competitivos e individualistas, tendem a promover maior memória a longo prazo, maior motivação intrínseca e expectativa de sucesso, mais pensamentos criativos e atitudes mais positivas diante de desafios e na escola.”172

Também dissemos que, exatamente como as crianças se tornam adultos imitando os adultos, nós nos tornamos semelhantes ao Criador imitando o Criador. Sem perceber,  a partir da colaboração, esses alunos estavam imitando a lei de doação, já que o interesse próprio cedeu lugar ao interesse do ambiente, dos grupos. E em vez de atingirem em linha a capacidade média do grupo, os estudantes tornaram-se alunos nota A+.

O resultado que eles alcançaram, no entanto, empalidece em comparação com os benefícios que esses estudantes poderiam alcançar se agissem com o objetivo de  imitar a lei de doação. Nesse caso, eles descobririam essa lei e alcançariam o propósito da Criação. Ou seja, eles se tornariam semelhantes ao Criador.

As crianças imitam o modelo padrão que elas querem se tornar, seja ele um pop star, um atleta famoso ou qualquer pessoa que elas admirem. Dessa mesma maneira, nós temos de desejar ser como o Criador para nos tornarmos como Ele. Isso não acontece “por engano”. Por mais benéfico e colaborativo que tenha sido o comportamento das crianças no experimento, para alcançar um efeito duradouro elas devem agir com o objetivo de descobrir a lei de colocar o interesse próprio abaixo do interesse  do sistema e aspirar a viver assim, tornar-se assim. Caso contrário, seus egos as controlarão da mesma forma que outras pessoas são dominadas pelos seus egos e elas perderão os grandes benefícios que a interdependência social oferece.

Capítulo 11: Um Novo Modus Operandi

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Até aqui, olhamos de maneira abrangente a história e a estrutura do mundo, como explicadas pela Cabalá. Descrevemos como a Cabalá enxerga a realidade como uma entidade única, na qual os seres humanos representam o nível mais elevado de existência, uma vez que possuem o mais intenso e mais narcisista desejo de receber. É necessário, agora, comentar o que a humanidade pode fazer para mudar essa tendência negativa, tendo em vista que estamos, de forma irreversível, interdependentes e interconectados. E, muito embora esteja fora do escopo deste livro delinear uma estratégia de “fuga” para as crises presente e futura da humanidade, gostaríamos de indicar algumas soluções que poderiam ser adotadas em grande escala e, assim, resolver a maior parte de nossos problemas, caso sejam corretamente implementadas.

Muito embora a humanidade tenha pouca experiência em agir como um sistema  global, já que estamos acostumados a nos definir como indivíduos ou membros de segmentos da sociedade, da família ao estado-nação, a situação atual requer que nossa visão se alargue. A maioria dos líderes políticos e financeiros do mundo já reconhece essa necessidade.

Kofi Annan, ex-Secretário Geral das Nações Unidas, por exemplo, comentou essa questão em uma mensagem no Primeiro Dia Anual de Independência, em 21 de setembro de 2004: “Estamos vivendo uma nova era. No futuro (…) o mundo será transformado (…) pelas forças da globalização e pela crescente interdependência entre os povos do mundo (…) à medida que cresce nossa interdependência, teremos de passar a tomar decisões não mais com base em um único país, mas considerando outros vários, agindo em conjunto. A menos que seja bem administrado, esse processo acarretará um “déficit democrático”, uma vez que os tomadores de decisão estarão mais distantes e serão menos cobrados a responder às pessoas cujas vidas são atingidas. O desafio para todos nós, portanto, é administrar nossa interdependência de forma includente, angariando apoio das pessoas, e não as distanciando. Os cidadãos necessitam pensar e agir globalmente, para influenciar decisões globais.” 162

Mais recentemente, em setembro de 2008, o Primeiro Ministro britânico, Gordon Brown, comentou o tema da globalização e da responsabilidade global em várias declarações. “Cada geração crê que está vivendo mudanças que seus pais não poderiam ter imaginado ─, mas o colapso dos bancos, a crise de crédito, as oscilações do preço do petróleo, a velocidade da tecnologia e a ascensão da Ásia ─ ninguém agora pode duvidar de que estamos vivendo em um mundo diferente, em uma era global.”163

Mais tarde, Brown refletiu sobre a história da globalização: “E nós sabemos que os desafios que enfrentamos nessa nova era global não começaram na semana passada ou nos últimos meses, mas, na realidade, refletem mudanças mais profundas no mundo”.164

Brown está certo ao dizer que uma mudanca mais profunda está em curso. Quando o Estágio Quatro se estabelece, ele induz ao coletivismo  e à  globalidade –  note-se que globalidade é a condição em que o processo de globalização está completo, ao contrário de globalismo, que se compara com imperialismo e nacionalismo. O último estágio no desenvolvimento humano ─ tornar-se como o Criador ─ não pode ser alcançado em isolamento. É necessário que todos os fragmentos da alma de Adão se unam e, a partir de tal união, construir a qualidade da doação, que é o Criador. Todos nós somos partes do desejo que foi criado no Estágio Quatro, o desejo com a intenção de alcancar o propósito da criação ─ ser como o Criador. Devemos, portanto, reconectar o desejo despedaçado, a alma em pedaços, em um trabalho conjunto. Para isso, devemos nos unir, nos tornarmos conscientes da nossa unidade e começarmos a vivenciar a verdade de nossa interconexao de forma muito real, no lugar da nossa  atual percepcao, que é limitada.

A Estreia do Zohar

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Por diversas vezes neste livro nós mencionamos o item 38 da “Introdução ao Livro do Zohar” (Ashlag), que declara: “O homem (Estágio Quatro) que pode sentir os outros se torna carente de tudo o que é dos outros, (…) e é dessa maneira preenchido com a inveja de adquirir tudo o que os outro possuem. Quando ele possui uma centena, ele quer duas centenas, portanto suas necessidades se multiplicam para sempre até ele querer devorar tudo o que há no mundo inteiro”xix.

Mais cedo na introdução (Item 25), Ashlag escreve: “Desde que o Pensamento [da Criação ─ a meta do Criador] foi deliciar Suas criaturas, Ele tinha de criar um desejo esmagadoramente exagerado de receber todas as recompensas, o qual está no Pensamento   da  Criação   [dar-nos  prazer   sem   limites].”xix  E   ele   continua,   “Se o exagerado desejo de receber perecesse no mundo, o Pensamento da Criação não poderia ser realizado ─ ou seja, a recepção de todos os grandes prazeres que  Ele  pensou outorgar a Suas criaturas ─ para o grande desejo de receber e o grande prazer irem de mão em mão. E na mesma extensão que o desejo de receber diminui, também diminui o deleite e o prazer de receber”xix.

Por isso, se quisermos nos tornar como o Criador, não devemos diminuir nossos desejos. Se nós não diminuirmos nossos desejos, porém, nossa habilidade de eliminar o egocentrismo e nos tornar como o Criador falhará, já que tudo o que temos em nosso armário de remédios são os velhos remédios do fanatismo religioso, da opressão, da tirania ou qualquer outro dos antigos meios de disciplina. Esses métodos foram bons para “domar” o desejo de receber em seus estágios anteriores, mas eles não irão bastar para o nível do desejo de receber de hoje.

Um novo método, um novo código de ação é requerido, alguma coisa que não tente suprimir o insuprimível, mas que aproveite os novos poderes que o extremo egoísmo evoca para melhorar a vida, ao invés de destruir a humanidade e o nosso egoísmo patogênico.

No Estágio Três da evolução dos desejos, nossa inveja criou um mundo interconectado  e interdependente onde nós competimos uns contra os outros, ainda  dependentes uns  dos outros para o sustento. No capítulo anterior, nós citamos Ashlag, que escreveu: “Por causa de cada pessoa no mundo que tira seu sustento de todas as outras pessoas do mundo, ela é coagida a servir e cuidar do bem estar de todo o mundo”.

Nós também citamos a afirmação de McGrew: “Este [sistema global único] define uma condição muito mais complexa, em que os padrões de interação humana, a interconectividade e a conscientização estão reconstituindo o mundo como um único espaço social”. Essas citações refletem acuradamente nossa situação no inicio do século XXI: estamos amarrados e odiando uns aos outros.

Esse estado de interdependência simultânea e competitividade nos trouxe a  uma situação em que não estamos nem dispostos a negociar uns com os outros — como Sahtouris explica que devemos — nem capazes de nos separar uns dos outros, como fez Abraão quando deixou Babel. Ainda, apesar do nosso egocentrismo, nossa interdependência dita que nós de algum modo procuramos uma forma de colaboração. Assim, parece que o único modo de sairmos desse impasse é — como Ashlag colocou – aprender como “Servir e cuidar do bem estar do mundo inteiro”xix.

Como dissemos antes, a recente ascensão do narcisismo não é uma coincidência, mas o resultado do aparecimento do Estágio Quatro na evolução dos desejos. Na Cabalá, esse estágio é também chamado “a última geração”. O termo “última geração” não significa que esta geração verá toda a humanidade extinguir-se. Pelo contrário, na última geração, a humanidade deve começar a viver verdadeiramente, descobrindo sua real vocação — tornando-se como o Criador. O termo “última geração” significa que ela é a ultima geração antes do início da correção final, quando toda a humanidade descobre a força motriz da vida — o Criador. O Livro do Zohar, como dissemos no capítulo 8, descreve esta geração da seguinte maneira: “No final dos dias, na última geração, quando sua composição [O Zohar] aparece abaixo [no nosso mundo], por causa disso vocês irão libertar a nação [libertar do desejo egoísta, corrigi-lo]”xix.

Descrições dos eventos que se desenrolam na última geração são abundantes, a maioria deles predizendo a condenação da humanidade, oferecendo uma infinidade de explicações sobre por que estamos por nos tornar extintos. Em 1992, a Chick Publications publicou uma charge gospel intitulada “A Última Geração”. Eu acredito que o espírito da charge é mais bem refletido nas palavras de uma de suas personagens: “Poderemos mudar para nossas mansões no paraíso em breve”xix.

Outro site oferece “Dez Sinais do Final dos Tempos”. Seu autor afirma:  “Eu acredito que nós somos a última geração”xix. O titulo do livro, A Última Geração: Como a Natureza Vai se Vingar da Mudança Climática,xix do autor científico e jornalista Fred Pearce, fala por si só.

Cabalistas também designam estes tempos como “a última geração”. Na verdade, eles se referem ao final do século XX como o final da última geração, e isso implica que, doravante, entre no estado da Era da Correção. Hillel Shklover, discípulo do grande Cabalista do século XVIII, Vilna Gaon (GRA), escreveu no prefácio do seu livro Kol haTor (Voz da Rola): “Do ano 1241 até o ano 1990 é o período do início da redenção…”xix

Também no capítulo 1, nota de rodapé 53, Shklover escreve: “[relativamente] à última geração, o autor [Vilna Gaon] explica a última geração no verso: ‘Que você deve contar isso para a última geração’ (Psalms, 48:14), referindo-se ao período de 1740 até o ano de 1990”xix.

Igualmente, em 1945, meu professor, Baruch Ashlag, contou-me que seu pai, Baal HaSulam, comentou que em cinquenta anos, portanto em 1995, a sabedoria da Cabalá seria revelada e as pessoas começariam a estudá-la, porque seria tempo de tornar-se conhecida. Na Cabalá, períodos tais como anos e dias frequentemente descrevem a passagem dos estados de correção, ao invés da passagem do tempo físico. Por isso, quando os estudantes de Ashlag perguntaram se ele se referia a anos físicos ou estados de correção, ele respondeu que se referia a anos físicos.

Certamente, ao contrário da maioria das profecias apocalípticas de hoje, a Cabalá tem previsto um cenário inteiramente diferente. Desde o final da Idade Média, Cabalistas têm previsto que, usando o Livro do Zohar, as pessoas irão estudar as leis de doação e assim a humanidade passará do desespero à felicidade. “Agora o tempo dita a aquisição de muitas posses na Torah interna [Cabalá]. O Livro do Zohar abre novos caminhos, como um conjunto de pistas, construindo uma autoestrada no deserto, (…)  e todas as suas colheitas estarão prontas para abrir as portas para a redenção”, escreveu Rav Kook em Orot (Luzes, 1921)xix. “Se meu povo me atender no tempo do Messias, quando o mal [egoísmo]  e  a  heresia  [esquecimento  do  Criador — outorga] aumentam,  eles devem investigar no estudo do Livro do Zohar e a Tikkunim [‘Correção’, parte do Zohar] e os escritos do Ari por todos os seus dias”, também escreveu Rav Yitzhak Yehudah Sarfin de Komarno (1804-1976) em Notzer Hesed (Mantendo a Misericórdia)xix.

Acima de tudo, porém, foi uma realização muito importante de Ashlag fazer a tradução completa do Zohar (do aramaico, a língua original do livro, para o hebraico), um comentário sobre o livro e não menos que quatro introduções, para torná-lo acessível a nossa geração.

 

A Necessidade de Conhecer o Sistema

Nós já demonstramos como o Estágio Quatro implica num desejo fundamentalmente diferente comparado aos estágios precedentes. Esse estágio encoraja-nos não apenas a desfrutar a vida, mas a nos tornar oniscientes e onipotentes como o Criador.  Nós também explicamos por que um novo modus operandi é requerido para corrigi-lo. E por “correção” os Cabalistas não querem dizer proibição, opressão ou supressão de qualquer particularidade, atributo ou qualidade de qualquer individuo. Isso seria repressão, que apenas explodiria com duas vezes mais força na primeira oportunidade.

Conforme mencionado anteriormente, no Estágio Quatro a correção deve ser voluntária. Até agora nós temos nos distanciado tanto da Natureza, temos estado tão destacados do senso de integridade da vida, que simplesmente agimos por nós mesmos, pensamos por nós mesmos e desejamos exclusivamente para nós mesmos. E o pior de tudo, nós sequer sabemos que outro caminho é concebível. Nós não temos consciência de que viver dessa forma não pode render uma vida plena. Se não fosse assim, a letra da música de Little Jackie (que nós mencionamos na introdução), “Sim, senhor, o mundo todo deve girar  em torno de mim”, nunca teria tocado o coração de ninguém e ela nunca faria sucesso.

Em todos os domínios da vida, cada um de nós e, de fato, toda a sociedade global esforçamo-nos para obter o máximo possível, indiferentes às consequências. Em nossas vidas pessoais, muitos de nós sucumbem ao que o Prof. Christopher Lasch se refere como “a cultura do narcisismo”xix: nós nos promovemos no Facebook e no MySpace, divorciamo-nos de nossas esposas mais rapidamente do que nunca e cada vez mais procuramos formas originais de nos expressar.

Em resposta, companhias e prestadores de serviços inventam cada vez mais medidas “narcisistas” para atender a nosso egocentrismo, aumentando exponencialmente nossos desejos por singularidade. A Starbucks, por exemplo, oferece aproximadamente 20 mil combinações diferentes de café em seu cardápio. A Capital One tem o “Card Lab”, em que você pode customizar seu cartão de crédito, incluindo nele qualquer imagem que queira. E o Facebook é tão orientado ao narcisismo que é construído de forma a tornar a autopromoção uma coisa corriqueira. Laura Buffardi e o Prof. W. Keith Campbell publicaram uma pesquisa na Universidade da Geórgia, explicando que “Os narcisistas estão  usando  o  Facebook da  mesma  forma  que  usam seus outros relacionamentos — para autopromoção com ênfase em quantidade ao invés de qualidade”xix (adicionando  o maior número possível de amigos em suas listas, apesar de essas amizades não serem reais e nem ao menos serem um relacionamento).

Pelo motivo de sermos tão narcisistas e destacados da Natureza, nós sentimos que não estamos subordinados a suas regras e podemos fazer qualquer coisa que quisermos (embora desastres naturais nos anos recentes comecem a mudar esse ponto de vista). Como resultado, a única forma de sabermos como a Natureza funciona é fazendo um esforço consciente, voluntário, de estudá-la. O conhecimento de como operar dentro do sistema e lucrar por interesse próprio à frente do interesse do sistema, portanto recebendo suporte e até mesmo o conhecimento do sistema, está oculto por trás de um véu de egocentrismo, e remover esse véu é precisamente o papel da Cabalá.

Cabalistas como Rabash explicam como nós podemos imitar o Criador, imitar o altruísmo verdadeiro, e assim nos introduzir em um nível atualmente imperceptível e torná-lo tão tangível quanto a Natureza a nossa frente. Sem vermos ou conhecermos a outra metade da realidade, nós nos mantemos errantes até infligirmos tamanha dor a nós mesmos que, então, seremos forçados a estudá-la.

Para entendermos quão crucial essa informação é para nossas vidas, consideremos o seguinte cenário: você é um homem das cavernas, de pé em frente a uma parede branca, seca e dura como rocha, dentro de uma casa. Na parede, projeta-se o que parece ser um ramo cinza brilhante de rocha sólida, não há tronco nenhum à vista. Enquanto você fica perplexo com essa visão ímpar, uma mulher se aproxima casualmente do ramo, torce-o com a mão como se fosse um galho novo e então ele começa a jorrar água abundantemente! Você provavelmente pensaria: “Ela deve ser uma deusa!”

Se, no entanto, você pudesse falar o idioma da mulher e lhe perguntasse como ela fez aquilo, ela explicaria que aquele ramo é uma coisa chama “torneira”, que se conecta a um tubo, que por sua vez é conectado a um tubo maior, que se conecta a todos os outros tubos das casas vizinhas e continua assim por todo o caminho até um rio. No rio,  há  uma grande máquina que bombeia a água, enviando-a pelos tubos para todas as casas da vizinhança.

Sem entender o sistema todo, nós somos como aquele homem das cavernas, contemplando o mundo visível, tentando descobrir como tudo aquilo funciona. E sem aprender com aqueles que já sabem, os Cabalistas, nós temos tanta chance de descobrir como funciona o sistema quanto aquele homem das cavernas, tentando descobrir como   a água viajava por aquelas mangueiras, do rio até as casas.

Todo o exposto acima, contudo, e isso é importante, não significa que nós devemos estudar toda a Cabalá ou O Zohar. Apenas significa que nós temos de conhecer as leis básicas da vida no nosso mundo de hoje, que é um mundo conectado. Similarmente, nós não precisamos de um PhD em Física para saber que não podemos ficar  suspensos no ar, porque há uma força que puxa tudo para o chão e faz com que pular de lugares altos seja extremamente perigoso.

Assim como é bom saber onde nós podemos aprender mais sobre a lei que nos puxa  para baixo, porque pode ser útil para fazermos coisas com ela, assim também é bom que saibamos onde aprender mais sobre a parte oculta da realidade, porque, a conhecendo, podemos trazer alguns benefícios para nós. Aprender como operar em um mundo interconectado e interdependente será, portanto, nosso próximo tópico e último capítulo.

Livre Escolha Obrigatória

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Nos níveis mais baixos do desejo ─ Estágios de Um a Três ─ A Natureza corrige os laços descritos no trecho anterior por si só. No processo de evolução, os elementos da Natureza que seguem a regra de ceder ao interesse próprio frente ao interesse do seu sistema hospedeiro sobrevivem e formam a base para o próximo nível de evolução. Os que não cedem ao seu próprio interesse perecem.

Assim, gradualmente, a Natureza construiu o universo, as galáxias, o nosso sistema  solar e o planeta Terra. Então, camada por camada, como mostramos no capítulo 4, a vida na Terra foi formada.

Como o biólogo Sahtouris explicou de forma eloquente, inicialmente cada nova criatura se comporta de maneira egoísta, ignorando a existência e as necessidades de outras criaturas. A luta entre as criaturas, porém, obriga-as, como ele mesmo disse, a “negociar”, levando eventualmente à criação de homeostase ─ a estabilidade necessária para a persistência da vida.

Dessa forma, a vida na Terra evoluiu etapa por etapa até a Quarta Etapa na evolução dos desejos e o Homo sapiens apareceu. Inicialmente os seres humanos eram como todas as outras criaturas. Assim como os desejos evoluem em toda a Natureza, os nossos desejos também evoluem etapa por etapa a partir de Zero até Quatro. Nos Estágios de Zero a Dois, os desejos de ganância , controle e conhecimento não eram potentes o suficiente para nos separar da Natureza a ponto de ameaçarem a nossa existência. Como todos os outros elementos da Natureza, fomos forçados a negociar e aceitar o poder dos elementos como uma das necessidades da vida. A história, no entanto, mostra que não fomos tão flexíveis e tolerantes para com os outros seres humanos.

Como descrito no Capítulo 8, aproximadamente desde o século XV, porém, o Terceiro Estágio prevaleceu. Desde então, os desejos de autoexpressão e excelência pessoal têm crescido em nós e se expandido de forma exponencial.

Há uma qualidade peculiar aos desejos de reconhecimento e distinção pessoal. Embora esses desejos reflitam uma natureza autocentrada, uma vez que visam a apresentar o indivíduo que os possui como superior aos outros, eles também obrigam aqueles que os possuem a se conectarem aos outros. Isso é assim porque, para sermos superiores aos outros, devemos mensurar nossas qualidades, nossas realizações, nossos esforços e nossas posses em comparação com os dos outros. Se eu não me  comparar  com os outros, a quem poderei ser superior?

Assim, a superioridade dita a comparação e, portanto, obriga o homem egocêntrico do Estágio Quatro a perpetuar conexões com os outros. E quanto mais egocêntrico somos, mais queremos nos sentir superiores aos outros e, portanto, mais obrigados a reforçar nossas conexões com os outros.

Na verdade, a própria palavra “egocêntrico” implica que pode haver também outro centro para os nossos pensamentos. E o estigma negativo ligado ao egoísmo implica que nós instintivamente sabemos que direção é melhor para nós ─ o altruísmo, sendo “outro-cêntrico”.

A pergunta é: “Por que não estamos agindo como o restante da Natureza, da maneira que parece ser em nosso próprio interesse também?” A resposta é que parece que seria melhor se todos fossem altruístas, mas (com exceção de poucos), por causa de nossos egos, queremos que todos o sejam primeiro. Todos nós concordamos com a ideia de altruísmo, mas estamos paralisados quando se trata de executá-la. Até vermos que todo mundo está cumprindo isso e até sabermos com certeza que nada perderemos doando, não poderemos doar.

Como resultado, o altruísmo não parece ser uma boa ideia, mas ingênua e até mesmo perigosa ─ e se eu for o primeiro e depois for explorado? Em consequência, a maneira da Natureza, que parece ser o caminho certo para nós, na verdade parece ser o caminho errado na prática. É por isso que não parece razoável escolhê-lo.

Ao mesmo tempo, porém, como temos demonstrado ao longo deste livro, apenas os altruístas sobrevivem. Já estamos conectados e já nos afetamos uns aos outros, portanto, já estamos nos prejudicando mutuamente com nossas intenções enganosas para com os outros. Em outras palavras, o nosso egoísmo já está causando seus efeitos sobre nós, assim, como podemos ver, a escolha do altruísmo é ao mesmo tempo obrigatória e totalmente desagradável.

É essa falta de atrativos, no entanto, que a torna uma livre escolha. Se fosse atraente, o faríamos automaticamente, seguindo nossas intenções egocêntricas, e isso já não seria altruísmo, mas novamente egoísmo disfarçado, o que nos levaria a nossa destruição final.

Há outra razão, porém, pela qual o livre arbítrio é uma obrigação para nós, seres humanos. No início do livro, dissemos que, segundo a Cabalá, o propósito da Criação é assemelhar-se ao Criador, assim como o propósito de uma criança é tornar-se um adulto como seus pais. E assim como uma criança deve aprender a fazer escolhas livremente sobre questões que dizem respeito à vida corporal, a Criação, ou seja, nós, devemos aprender a fazer escolhas livremente no que diz respeito à vida espiritual.

Quando os Cabalistas se referem à vida espiritual, eles se referem a escolhas para agir por motivos egocêntricos ou por motivos sociocêntricos ou por  motivos Criadorcêntricos. Ao optarmos por sermos sociocêntricos, alcançamos o propósito da nossa existência de nos assemelharmos ao Criador, com todas as capacidades e responsabilidades implicadas.

No capítulo 2, mencionamos o livro de Meltzoff e Prinz, Perspectivas sobre a Imitação, no  qual  eles  descrevem  a  importância  da  imitação  e  da  identificação com modelos padrão na educação das crianças. Não são apenas as crianças, contudo, que aprendem dessa forma, é como todos nós aprendemos. Se não formos afetados uns pelos outros, pelos nossos desejos e comportamentos, a moda teria sido impossível, porque ninguém iria seguir qualquer outra pessoa. Além disso, não teríamos progredido, já que nada em nossos vizinhos evocaria nossa inveja e nos conduziria a melhorar nossas próprias  vidas. Isso iria parar as rodas do progresso instantaneamente. Ao realizarmos atos de altruísmo, nós imitamos o Criador ─ a força da vida que cria e impulsiona tudo o que acontece. E assim como as crianças aprendem a ser adultos, imitando-os, vamos aprender a ser como o Criador, imitando-O, também.

Pode-se discutir com alto grau de mérito que muitas pessoas realizam atos de altruísmo, mas nenhuma delas parece ter adquirido as qualidades ou as capacidades do Criador. De fato, a diferença entre o altruísmo que encontramos no  dia-a-dia entre muitas pessoas e o altruísmo proposto pelos Cabalistas é a intenção. No texto “Paz no Mundo”, Baal HaSulam mencionou o atual tipo de altruísmo: “Eu não estou dizendo que a singularidade em nós (a sensação de que cada um de nós é único) nunca vai agir em nós em forma de doação.Você não pode negar que entre nós há pessoas cuja singularidade opera nelas na forma de doação aos outros também, como aqueles que gastam todo seu dinheiro para o bem comum, e aqueles que dedicam todos os seus esforços para o bem comum.”

Quando essas pessoas fazem o bem aos outros, elas o fazem, no entanto, porque assim  se sentem bem. Elas são, por conseguinte, iguais a qualquer pessoa egocêntrica ─  egoísta que gosta de dar. Se elas nasceram com uma natureza de desfrutar e ferir os outros, elas iriam ferir os outros tão prontamente quanto elas agora doam.

Baal HaSulam e em particular seu filho, Baruch (Rabash), sugerem uma motivação completamente diferente para fazer o bem aos outros. Eles sugerem que pessoas que concordam com o propósito da Criação e desejam alcançá-lo se unam e façam o  bem uns aos outros a fim de se tornarem semelhantes ao Criador. Claramente, elas são tão egoístas como todos nós, mas seu objetivo é diferente.

“Praticando” o altruísmo a fim de se tornarem como tal, essas pessoas descobrem sua verdadeira natureza, a natureza do Criador e assim adquirem a capacidade de escolher livremente entre elas. E da mesma forma como as crianças aprendem por imitação, melhorando gradualmente à medida que “praticam”, as pessoas que desejam ser como o Criador “praticam” sendo doadoras, até que adquirem essa natureza e assim atingem o objetivo da Criação.

Capítulo 10: A Era da Livre Escolha

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

No capítulo 6, dissemos que, ao contrário de todos os outros elementos na Natureza, os seres humanos têm o poder de mudar o meio ambiente. Isso nos dá algo que nenhuma outra criatura possui: a liberdade de escolha. Em outras palavras, os seres humanos podem escolher se assemelhar ao Criador, dando e adquirindo o poder e o conhecimento que vêm com ele ao adotar a lei de ceder ao próprio interesse ante ao interesse do meio ambiente, ou podem permanecer como nasceram ─ auto-centrados, com compreensão limitada da Natureza e pagando o preço por seus caminhos errantes ao longo da história. Para escolher ser como o Criador, que, como dissemos no Capítulo 1, é sinônimo de Natureza, as pessoas devem, porém, saber o que o termo “Criador” significa e como elas podem se tornar como Ele.

Também dissemos (capítulo 3) que toda a realidade consiste de uma entidade única, quebrada, chamada de “a alma quebrada de Adão” ou “a alma quebrada”, e o termo “alma” refere-se a um desejo de receber com a intenção de doar. Quando os Cabalistas dizem que algo está quebrado, eles não estão se referindo a qualquer quebra física, mas à ruptura das ligações entre todas as partes da alma, o desejo coletivo que constitui a nossa realidade. Essa ruptura ocorre quando as peças na alma começam a operar no seu próprio interesse e não no interesse do sistema. É como se as células em um organismo começassem a operar por si mesmas, causando a morte e a desintegração do organismo.

Ao contrário dos organismos, a alma, no entanto, não  pode se desintegrar, por ela  ser um desejo único. Assim, enquanto as ligações estão lá, podemos desfrutar dos  benefícios da conexão. As células saudáveis beneficiam umas às outras em um organismo, apoiando mutuamente suas existências, mas as células cancerosas competem umas com as outras por sangue e alimento, prejudicando-se, assim, constantemente, umas às outras. No caso da humanidade, nem sequer somos conscientes de que estamos conectados, o que nos impede de tentar nos conectar da maneira correta.

Independentemente, porém, de nossa consciência, somos muito ligados. No dia 10 de setembro de 2009, O New York Times publicou uma reportagem intitulada “Seus  Amigos o Tornam mais Gordo?”, por Clive Thompson. Na sua história, Thompson descreve uma experiência fascinante realizada em Framingham, Massachusetts. No experimento, certos detalhes da vida de cerca de 15000 pessoas foram documentados e registrados periodicamente ao longo de mais de 50 anos. Isso permitiu aos pesquisadores, Dr. Nicholas Christakis, médico e sociólogo de Harvard,  e  James Fowler, na época um estudante diplomado em Ciência Política, por Harvard, criar um mapa de interconexões e examinar o impacto a longo prazo que as pessoas causavam umas às outras.

Christakis e Fowler constataram que havia uma rede de inter-relações entre mais de 5000 dos participantes. Christakis e Fowler descobriram que, na rede, as pessoas se afetavam entre si e  eram afetadas umas  pelas  outras.  Esses efeitos pareciam funcionar não apenas em questões sociais, mas, surpreendentemente, com problemas físicos também.

“Ao analisar os dados de Framingham”, Thompson escreveu, “Christakis  e  Fowler dizem ter, pela primeira vez, encontrado uma base sólida para uma  teoria potencialmente poderosa em epidemiologia: que os bons comportamentos ─ como parar de fumar ou se manter esbelto ou ser feliz ─ passam de amigo para amigo quase como  se fossem vírus contagiosos. Os participantes de Framingham, os dados sugeriam, influenciavam a saúde uns dos outros apenas por socializarem. E o mesmo era verdadeiro quando se tratava de maus comportamentos ─ grupos de amigos pareciam “contagiar” uns aos outros com a obesidade, a infelicidade e o tabagismo. Permanecer saudável, ao que parece, não é apenas uma questão de seus genes e sua dieta. Boa saúde é também um produto, em parte, de sua proximidade com outras pessoas saudáveis.”

Ainda mais surpreendente foi a descoberta dos pesquisadores de que essas infecções poderiam saltar por sobre as conexões. Eles explicaram que as pessoas podiam afetar umas às outras até mesmo sem se conhecerem. Além disso, Christakis e Fowler encontraram evidências desses efeitos até mesmo com três graus de separação (amigo  de um amigo de um amigo). Nas palavras de Thompson, “Quando um residente de Framingham se tornava obeso, provavelmente 57% de seus amigos ou amigas estariam propensos a se tornarem obesos também. Ainda mais surpreendente… até parecia que as conexões eram ignoradas. Um residente de Framingham era cerca de 20% mais  propenso a se tornar obeso se o amigo de um amigo fosse obeso ─ mesmo se o amigo que os conectava não houvesse engordado uma única libra. De fato, o risco de uma pessoa ser obesa subia cerca de 10%, mesmo se um amigo de um amigo de um amigo ganhasse peso.”

Como Christakis e Fowler descreveram em Connected: O Poder Surpreendente das Nossas Redes Sociais e como Elas Moldam as Nossas Vidas, o seu (então a ser publicado e agora comemorado) livro sobre suas descobertas: “Você não pode conhecê- lo pessoalmente, mas o marido da amiga de sua colega de trabalho pode torná-lo gordo. E o amigo do namorado de sua irmã pode torná-lo magro.”

Citando Christakis, Thompson escreveu: “Em certo sentido, podemos começar a entender as emoções humanas, como a felicidade, da mesma maneira que podemos estudar o debandar de um búfalo. Você não pode perguntar a um único búfalo ‘Por que você está correndo para a esquerda?’ A resposta é que o bando todo está correndo para a esquerda.”

Da mesma  forma, em seu ensaio  “A Liberdade”, Baal HaSulam escreveu  “Aquele que se esforça continuamente para escolher um melhor ambiente é digno de louvor e recompensa. Mas aqui, também, não é por causa de seus bons pensamentos e ações, que vêm até ele sem sua escolha, mas por causa de seu esforço em adquirir um bom ambiente, que lhe traz esses bons pensamentos e ações.”

Assim, enquanto as ligações existirem, como o estudo acima demonstra, o nosso egocentrismo nos impedirá de sermos conscientes delas. “O achado estranho de Christakis e Fowler”, escreveu Thompson, “é a ideia de que um comportamento pode ignorar  ligações,  se espalhando  de um amigo  a um amigo,  sem afetar a pessoa que os conecta. Se as pessoas no meio de uma cadeia estão de alguma forma passando por um contágio social, não faz sentido, em face disso, que elas não sejam afetadas também. Os dois pesquisadores dizem que eles não sabem ao certo como funciona a conexão de saltos “.

De fato, agimos como se não estivéssemos conectados, quando na realidade estamos e muito. Hoje, a nossa interconexão tornou-se uma interdependência e, portanto, o abismo entre a realidade e a nossa incessante negação representa uma ameaça real. Essa é a verdadeira causa da crise mundial que estamos vivendo.

Links Invisíveis

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Em pelo menos três momentos, o mundo testemunhou o efeito dos links invisíveis que nos ligam num único sistema. Nas duas guerras mundiais, praticamente continentes inteiros engajaram-se em luta ativa. A Grande Depressão provocou múltiplos tsunamis financeiros pelo globo, destruindo as vidas e os rendimentos de milhões de pessoas. De acordo com a Enciclopédia Britânica, “Já que os EUA foram o maior credor e financiador do pós-guerra da Europa [Primeira Guerra Mundial], o Crack financeiro dos EUA (1929) provocou fracassos econômicos ao redor do mundo. O isolacionismo se espalhou, enquanto as nações lutavam para proteger a produção doméstica, impondo tarifas e  cotas,  reduzindo  o  valor  do  comércio  internacional  em  mais da metade em 1932.”130

Não obstante as evidências, a humanidade não reconhece que é um sistema fechado, interdependente.   A   cada   adversidade,   os   países   voltam  ao   protecionismo   e ao isolamento, aumentando tarifas, empregando medidas punitivas contra os aparentes infratores e ignorando ou esquecendo que adversidades nunca são criadas ou executadas por um único culpado. Ao contrário, elas sempre são a culminância de um processo prolongado que envolveu muitos participantes.

Consequentemente, quando você percebe o quão profundamente estamos todos conectados, que, no nível mais profundo, somos, na verdade, uma única entidade, torna- se difícil apontar o dedo para qualquer culpado. Nesse ponto, você começa a examinar questões e situações a partir de uma perspectiva ampla, entendendo que cada um de nós afeta cada pessoa no mundo. Para isso, porém, é necessário estar ciente de que todas as pessoas formam uma única alma (desejo de receber), cujo modus operandi autocentrado cega suas partes para a verdade de sua interconexão e interdependência.

Enquanto a humanidade estava evoluindo sob a influência dos desejos Zero a Dois, nosso esquecimento acerca de nossa interconexão era tolerável. No Estágio Zero, não havia basicamente qualquer desejo perceptível de receber; o homem era uma parte da Natureza. No Estágio Um, na época de Abraão, o egoísmo apareceu pela primeira vez. Ainda, nesse ponto, a humanidade estava na sua infância e não havia perigo de causarmos dano irreversível a nós mesmos ou ao ambiente. No Estágio Dois, havia, evidentemente, mais egoísmo, mas também era administrado principalmente pela religião, como mostramos no Capítulo 7.

No Estágio Três, o desejo de receber tornou-se ativo. Como resultado, desde a estreia do Estágio Três no final da Idade Média, a humanidade iniciou freneticamente um processo de desenvolvimento acelerado e crescimento que agora alcançou uma taxa  incontrolável. Como vamos ver a seguir, essa taxa já foi reconhecida há tempos pela ciência, bem como pela Cabalá.

No capítulo anterior, citamos observações de pesquisadores de que a humanidade está avançando exponencialmente. Talvez a evidência mais convincente do reconhecimento dessa tendência pela ciência é a de Charles Darwin. A partir de suas observações e as de seus predecessores, aprendemos que o crescimento exponencial não é um fenômeno recente. Ao contrário, o crescimento exponencial é como o todo da Natureza funciona.

Em A origem das espécies, Darwin aborda o crescimento exponencial e cita o botânico sueco, Carolus Linnaeus (1707-1778), que também observou esse padrão: “Não há exceção à regra de que cada ser orgânico se multiplica a uma taxa tão alta, que, se não for destruído, a terra seria logo coberta pela prole de um único par. Mesmo a reprodução humana, que é lenta, duplicou nos últimos vinte e cinco anos e, nesse ritmo, em poucos milhares de anos, não haverá, literalmente, espaço para sua geração. Linnaeus calculou que  se  uma  planta  anual  produzisse  somente  duas  sementes  –  e  não  há  planta tão improdutiva como essa – e suas sementes produzissem no próximo ano mais duas, e assim em diante, então, em vinte anos, haveria um milhão de plantas.”131

Quando os desejos são pequenos, como em plantas, animais ou até mesmo nos estágios iniciais da evolução dos desejos nos humanos, a Natureza encontra maneiras de equilibrar a taxa de crescimento exponencial, apresentando igualmente poderosos elementos,  como  plantas rivais e  animais,  que  formam um equilíbrio  delicado. É por isso que Darwin escreveu na citação acima: “cada ser orgânico se multiplica a uma taxa tão alta, que, se não for destruído, a terra seria logo coberta…”132

Visto de forma diferente, os próprios mecanismos da Natureza garantem que o excesso de reprodução de plantas e animais seja restringido. Quando, porém, os desejos crescem exponencialmente nas espécies dominantes e, especialmente, quando manifestam uma tendência autocentrada, como começou a se manifestar no Estágio Três, o equilíbrio ambiental é quebrado e um problema sério surge.

 

O Efeito Exponencial

Para entender melhor a mudança que se desenrolou durante o século XX, e que ainda se desenrola, precisamos entender a natureza do crescimento exponencial. O fator decisivo para o crescimento exponencial não é a quantidade inicial, mas o que é conhecido como “duplicação da velocidade do tempo”. Isso remete ao período de tempo que se gasta  para duplicar a quantidade do objeto medido.

Para entender a diferença entre crescimento exponencial e crescimento linear, considere o seguinte cenário: a Sra. A é uma mulher pobre com apenas um dólar na sua poupança. O Sr. B, por outro lado, não é tão pobre e possui dez mil dólares em sua poupança. Ambos salvam o que podem para uma emergência e têm trinta anos de trabalho pela frente antes que se aposentem e retirem sua pensão.

A poupança da Sra. A cresce exponencialmente e seu tempo de duplicação é de um ano. Então, após um ano, ela tem dois dólares na sua conta ($1 x 21(ano) = $2); após dois anos, ela terá quatro dólares ($1 x 22(anos) = $4) e, após três anos, ela terá míseros oito dólares em sua conta ($4 x 23(anos) = $8).

A poupança do  Sr.  B cresce  linearmente,  adicionando,  portanto,  uma bela quantia de $10.000 dólares em sua conta a cada ano.

Após cinco anos, parece que a Sra. A está destinada a uma vida de indigência com somente 32 dólares em sua conta, enquanto o Sr. B parece caminhar para uma vida de abundância relativa com uma quantia próxima de 50.000 dólares no banco. Se, no entanto, eles continuarem a poupar por mais trinta anos até a aposentadoria, no fim  desse  tempo, o  Sr.  B terá acumulado  a considerável quantia de  $10.000 x 30  anos  = $300.000 em sua conta poupança.

A Sra. A, por outro lado, não será mais pobre. Após trinta anos de poupança exponencial,  sua conta terá acumulado  a enorme  quantia de 1.073.741.824$ ($1 x 230) – mais que um bilhão de dólares!

Como dissemos anteriormente, os Cabalistas há muito tempo conhecem o padrão de crescimento exponencial da natureza humana. Eles o descreveram na frase frequentemente citada do texto de 1.500 anos de idade, Midrash Rabbah: “Se alguém tem 100, desejará torná-los 200, e se tiver 200, desejará torná-los 400.”133

Há, no entanto, uma diferença não tão sutil entre o tempo de duplicação exponencial em uma fórmula exponencial comum e o tempo de duplicação cabalístico. Em uma fórmula exponencial tradicional, o tempo de duplicação é fixo. Quando o crescimento anual do PIB de um país, por exemplo, é de 7%, o tempo de duplicação para o PIB é de dez anos.

Assim, economistas podem planejar com antecedência, mesmo quando o crescimento é rápido, já que ainda é previsível e, portanto, algo controlável.

O crescimento dos desejos, no entanto, é imprevisível. Nos desejos, como a citação anterior exemplificou, o que duplica o desejo não é uma medida fixa de tempo, mas o fato de alguém ter satisfeito o seu desejo. Note o que a citação diz: “Se alguém tem 100, desejará torná-los 200”, etc. Isso significa que a condição para adquirir um desejo duplamente mais forte é a realização do anterior. Em outras palavras,  você nunca pode ter o que quer, porque no minuto em que você o consegue, vai querer o dobro.

Então, se o desejo da Sra. A de ter um dólar na sua conta fosse satisfeito, ela imediatamente gostaria de ter dois dólares. E logo que ela tivesse dois, imediatamente desejaria quatro em sua conta. Por isso, a fórmula Cabalística exponencial dita que os desejos da Sra. A sempre duplicam um passo à frente de suas conquistas. Por conseguinte, como suas conquistas duplicaram, seus desejos também, deixando-a não apenas com um senso de deficiência eterna, mas que duplica cada vez que ela obtém o que deseja.

Se o desejo do Sr. B fosse guardar $10.000 por ano, então, pelos últimos trinta anos, ele seria um homem contente (senão feliz) e pode agora aposentar-se em paz. A Sra. A, no entanto, cujo desejo inicial era somente por mais um dólar, agora tem um déficit  de  mais de um bilhão de dólares, porque é o que ela tem em sua conta.

Além do mais, com o crescimento  exponencial da sua riqueza (e consequente  morte), ela está destinada a uma vida de procura sem fim por riqueza e felicidade, que vai somente  levar  à  miséria  e à dor  pelo  resto  de sua vida. O Talmude Babilônico diz de alguém com esse tipo de desejo: “Qualquer um que for maior que seu amigo [neste  caso, financeiramente], seu desejo é maior que ele mesmo”134; e (Midrash Rabbah, como citado anteriormente) “Uma pessoa não deixa o mundo com metade do seu desejo em uma mão.”135

A Ampla Rede Mundial

Como notamos, os desejos humanos duplicam cada vez que os satisfazemos. Isso nos força continuamente a inovar, inventar novos instrumentos, explorar novos mares e conceber novas ideias para obter o que desejamos. Durante o Estágio Três na evolução dos desejos, quando eles ficam ativos pela primeira vez, os efeitos do  padrão exponencial vão claramente mostrando o ritmo acelerado do progresso.

Assim, na busca por novas vias de prazer, transformamos o mundo numa rede de rotas comerciais por ar e mar e por várias tecnologias de comunicação. O World Wide Web não é somente uma entidade virtual que vive nos nossos computadores; é um nome que descreve a realidade de nossas vidas. Isso foi reconhecido há muitos anos por sociólogos, bem como pelos Cabalistas.

Hoje, a globalização e a interdependência financeira são fatos bem reconhecidos. A globalização, no entanto, é muito mais que interdependência financeira; ela implica em uma profunda mistura de cultura, sociedade, civilização como um todo e, no fim, um destino   comum.   Professor   de   Relações   Internacionais   e   autor   prolífico   sobre globalização, Anthony McGraw fez relatos muito claros sobre o impacto desse processo na sociedade humana. No ensaio intitulado “Uma Sociedade Global?”, ele escreve: “Em comparação com épocas históricas anteriores, a era moderna suportou uma globalização progressiva dos interesses humanos. As instituições primárias da modernidade ocidental – industrialização, capitalismo e estado nação – adquiriram, no século XX, um alcance verdadeiramente global. Isso, porém, não foi alcançado sem um enorme custo humano. (…) Enquanto as fases iniciais da globalização promoveram a unificação física do mundo, fases mais recentes transformaram o mundo em um único sistema global, no qual sociedades históricas ou civilizações anteriormente distintas foram unidas. Isso (…) define uma condição mais complexa, na qual padrões de interação humana, interconectividade e consciência estão reconstituindo o mundo como um único espaço social.”136

O cabalista Yehuda Ashlag também reconheceu a tendência e seus perigos e a explicou da perspectiva da evolução dos desejos. Em seu ensaio “Paz no Mundo”,  Ashlag fornece tanto sua observação acerca do estado do mundo em seu tempo, como a atitude que a humanidade deve adotar para lidar com a situação. Nesse ensaio, ele escreve:  “Nós já chegamos a um nível em que o mundo inteiro é considerado uma coletividade e uma sociedade. Isso significa que, como cada pessoa no mundo extrai essência e subsistência das demais pessoas do mundo, somos forçados a servir e cuidar do bem estar de todo o mundo”137

Posteriormente, Ashlag explica como nós todos estamos conectados e interdependentes  e conclui: “Portanto, a possibilidade de criar condutas felizes e pacíficas em apenas um estado é inconcebível, quando não é assim em todos os países do mundo, e vice versa. Em nossa tempo [ele escreveu o ensaio em 1934], todos os países estão ligados à satisfação de suas necessidades de vida, assim como indivíduos estiveram a suas famílias em tempos anteriores. Nós, por conseguinte, não podemos falar ou lidar com condutas que garantam o bem estar de um único país ou nação, mas somente com o bem estar de todo o mundo, porque o benefício ou prejuízo de toda e qualquer pessoa no mundo depende e é medido pelo benefício de todas as pessoas no mundo.” 138

No último parágrafo, Ashlag prediz que a mera compreensão intelectual, escolástica da situação não será suficiente para que as pessoas internalizem sua interdependência. Em vez disso, as experiências da vida irão obrigá-las a fazê-lo: “E embora tal [interdependência] é de fato conhecida e sentida, as pessoas no mundo ainda não a compreenderam completamente (…) porque essa é a conduta do desenvolvimento na natureza, que o ato [impacto da interdependência em nossas vidas] vem antes do entendimento, e somente ações vão evidenciar e levar a humanidade à frente”139

Em retrospectiva, podemos dizer que, lamentavelmente, a previsão de Ashlag se mostrou verdadeira em mais de uma ocasião no século XX, e de formas horríveis. Em “Paz no Mundo”, bem como em outros ensaios, Ashlag prediz o que vai acontecer se continuarmos a deixar o ato preceder o entendimento. Ele sugere como devemos nos conduzir para forjar uma existência sustentável e, sem dúvida, desejável. Agora que entendemos a nossa interdependência, tais sugestões serão o tópico de discussão pelo restante deste livro.

 

Capítulo 9: Um Mundo

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Diante disso, o século XX parece ser o começo de um novo estado na evolução dos desejos. Cada âmbito de vínculo humano foi revolucionado (frequentemente re- ou contra- revolucionado) durante esse século. De fato, o ritmo da mudança nesse século se intensificou tanto, que a vida começou a mudar em ritmo exponencial.

Mais surpreendente, porém, que o ritmo do progresso foi o ritmo da globalização. O processo de se tornar um único sistema econômico, que teve início na Era dos Descobrimentos e do Colonialismo, culminou no século XX. No final do século, praticamente nenhum país permaneceu completamente autossuficiente.

Embora a rápida expansão e a mudança em todos os domínios da vida sejam claramente evidentes, seu escopo e velocidade são tão alarmantes que, do meu ponto de vista, isso merece uma pequena reflexão. Se você, no entanto, acha desnecessário analisar alguns dos maiores desenvolvimentos ocorridos no século XX, está convidado a ir diretamente para a próxima seção, intitulada “Links invisíveis”.

Em 1900, a população mundial era de, aproximadamente, 1.6 bilhões de pessoas. No final do século, era superior a seis bilhões. Em 1900, a velocidade média de um carro era de 11 quilômetros por hora. Cem anos depois, até mesmo um carro familiar poderia alcançar a velocidade média de 130 quilômetros por hora. Além disso, os principais meios de transporte mudaram de carruagens, bicicletas e caminhada para conduções motorizadas. Na virada do século XX, a maior parte das caminhadas era feita nas esteiras elétricas em casa, parques ou academias. E o mesmo pode ser dito em relação à bicicleta.

Nas viagens para o exterior, aviões comerciais substituíram completamente os navios de passageiros, e o tempo de viagem entre os continentes diminuiu de várias semanas para algumas horas (embora os navios de carga, e não os aviões, ainda sejam o principal  meio de transporte de mercadorias). E (muito literalmente) acima de tudo, para ajudar carros e navios a navegar, para alertá-los sobre o mau tempo e para o levantamento de território inimigo, temos satélites posicionados no espaço.

Com respeito à tecnologia, a vida mudou não somente em relação à rapidez e ao  conforto de nossas viagens, mas também nos instrumentos que usamos diariamente. Aparelhos como telefones (e mais tarde os celulares), lâmpadas elétricas, rádios, televisores e computadores não existiam ou estavam estreando no inicio de 1900. Em casa, a vida nunca foi tão fácil. Máquinas de lavar roupa, secadoras, refrigeradores, freezers, aspiradores de pó, fogão elétrico, e (desde os anos 1970) forno de micro-ondas – todos esses aparelhos se tornaram ferramentas caseiras.

Em 1900, o entretenimento popular era o vaudeville (um circuito itinerante de apresentações ao vivo, com mágicos, acrobatas, comediantes, animais  treinados, cantores e dançarinos), bem como filmes mudos em preto e branco e o ragtime. No ano 2000, os filmes “enlatados” já eram totalmente coloridos, além de terem som Dolby Surround Stereo, e os esportes profissionais se tornaram uma grande alternativa de entretenimento. A música ofereceu inúmeros estilos, cada um com seus numerosos subtítulos: rock, folk, blues, clássica, jazz, pop, hip-hop, trance, música étnica de todos os tipos, e a lista é interminável. Não somente música, mas teatro, artes visuais, fotografia e qualquer outra forma de arte têm se expandido exponencialmente em diversidade. Jogos de computador também se tornaram bem populares no  final  do século XX, e a internet começava a expandir sua presença nas casas das pessoas. Além disso, as pessoas não precisavam sair de suas casas para se entreter ou se informar, porque possuíam rádios, televisores, reprodutores de CD/Fitas K7, VCRs ou DVDs.

Infelizmente, os avanços tecnológicos do século XX foram (e ainda são) usados de forma prejudicial, com resultados devastadores: guerra, ocupação, opressão e tirania se tornaram exponencialmente mais efetivas e destrutivas, resultando em duas guerras mundiais e muitos genocídios no espaço de tempo de um único século.

As duas guerras mundiais mudaram o mapa mundial dramaticamente e  extinguiram a Era do Colonialismo (com algumas exceções, como a Índia, que ficou independente da Inglaterra em 1947, ou a Argélia e outras nações sob o domínio francês, que se independentizaram nos anos 1950 e 1960).  Tal fato  permitiu que  vários  novos  países experimentassem a independência pela primeira vez, embora as diferenças de salário, de infraestrutura e de padrão de vida entre o poderoso império e os novos países liberados não só permaneceram, mas também se ampliaram.

No século XX, a ciência mudou drasticamente a maneira como nós vemos o mundo. A Especial e Geral Teoria da Relatividade de Einstein, seguida pelo advento da mecânica quântica, revolucionizaram a maneira como os cientistas percebem o mundo, pavimentando o caminho para numerosas inovações, desde lasers até microprocessadores e tudo derivou daí. A genética foi significativamente desenvolvida,  a estrutura do DNA foi determinada e, na virada do século, o primeiro mamífero, Dolly, a ovelha, foi clonada.

Na astronomia, a teoria do Big Bang foi proposta e a idade do universo foi determinada em cerca de 14 bilhões de anos. Além disso, nossa capacidade de observação melhorou dramaticamente desde o lançamento, em 1990, do Telescópio Espacial Hubble.

E os últimos tópicos da lista, mas certamente não os menos importantes, a medicina e a saúde. De acordo com o Relatório Nacional de Estatísticas Vitais, de 28 de dezembro de 2001, escrito por Elizabeth Arias, PhD, do Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC), um bebê macho americano caucasiano nascido em 1900 poderia esperar atingir a idade de 46 anos (32, se fosse afro-americano). Em 2000, os números eram 74 e 68 anos, respectivamente!129 Isso foi possível graças ao aprimoramento da higiene médica, com a esterilização dos instrumentos usados em cirurgia e o uso de roupa protetora pelo

pessoal da medicina; da higiene pessoal, com o hábito de lavar as mãos; bem como à grande série de vacinas que foram desenvolvidas e à rápida disseminação de medicamentos antibióticos.

Além disso, avanços tecnológicos tornaram os raios-X uma poderosa ferramenta de diagnósticos para um amplo espectro de doenças, desde fraturas ósseas até câncer. Nos anos de 1960, a tomografia computadorizada (CT) foi inventada e, uma década depois, a Imagem por Ressonância Magnética (IRM) foi desenvolvida. Tudo isso e muitas outras inovações do século XX e mudanças ocorridas no século passado o tornaram um marco, com uma posição única na história.

Conectando e Comunicando

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Os primeiros séculos da Terceira Fase na evolução dos desejos forneceu a base para a expansão de terras e ideias. A Era das Descobertas, a Revolução Científica, o Humanismo, a Reforma e o Movimento Iluminista foram partes de uma profunda mudança que abriu a mente das pessoas e expandiu sua visão acerca do mundo. Esses movimentos e ideologias permitiram às pessoas explorarem além de sua criação na infância e refletirem sobre a vida e seu significado. O período romântico na música clássica, o Sturm und Drang (tempestade e ímpeto) na literatura do  mesmo  movimento e o estilo impressionista de pintura ressaltaram experiências pessoais e emoções na arte e, de fato, apresentaram uma tendência que só iria se fortalecer no século XX. Essa tendência, que acabou por produzir a epidemia de narcisismo à qual Twenge e Campbell se referem (veja Introdução e Capítulo 5), foi uma precursora do Estágio Quatro na evolução dos desejos.

A existência de ideias nobres como igualdade de oportunidades, direitos humanos e liberdade de expressão não foi suficiente, porém, para desencadear uma nova era. Para isso, eram necessários meios para comunicar essas ideias. O século XVIII e, especialmente, o XIX facilitaram exatamente isto ─ a comunicação e o transporte de massa.

O motor a vapor, inventado no século XVII, foi melhorado drasticamente nos dois séculos seguintes e se tornou o provedor principal de força motriz para a indústria e o transporte. Perto do final do século XVIII, motores a vapor começaram a ser usados em barcos. No século seguinte, esses motores haviam melhorado tanto que se tornaram a principal fonte de força motriz em barcos e navios.

Em terra, a locomotiva a vapor mudou a face do transporte do século XIX. As primeiras tentativas de se desenvolver uma locomotiva a vapor datam da segunda metade do século XVIII. Foi, no entanto, somente após George e Robert Stephenson e da caldeira Rocket de multitubos que uma locomotiva a vapor, comercialmente viável, foi construída. De fato, a locomotiva Rocket foi tão bem sucedida que versões aprimoradas ainda eram usadas comercialmente no século XX e até no começo do XXI (Ilustração nº 8). E embora tenham se tornado uma visão rara, motores a vapor ainda estão em uso até os dias hoje em locomotivas. Assim, com tal meio eficiente de trânsito, o deslocamento se tornou fácil e a migração de pessoas muito mais frequente.

 

Imagem no. 8: Nova locomotiva a vapor 60163 Tornado, fabricada na Inglaterra, em 2008.

 

O Transporte privado também estava se desenvolvendo na mesma  época.  Viam-se várias formas de “carruagens sem cavalos”, como eram chamados os automóveis, que já existiam desde o final do século XVIII. Até o último quarto do século XIX, porém, eles eram tratados como estranhos e frequentemente considerados um incômodo. Em 1865, a Lei da Locomotiva na Grã-Bretanha restringiu a velocidade dos veículos sem cavalos a 4 mph em campo aberto e a 2 mph nas cidades. Além disso, a Lei exigia três motoristas para cada veículo ─ dois para viajarem no veículo e um para andar a  sua  frente, agitando uma bandeira vermelha.

Em 1876, porém, Nikolaus August Otto inventou com sucesso um motor de quatro tempos, conhecido como o “ciclo Otto”, e, nesse mesmo ano, o primeiro motor de dois tempos bem sucedido foi inventado pelo engenheiro escocês Sir Dugald Clerk.  Dez  anos mais tarde, os primeiros veículos com motor de combustão interna foram desenvolvidos aproximadamente ao mesmo tempo por dois engenheiros  que trabalhavam em lugares diferentes da Alemanha ─ Gottlieb Daimler e Karl Benz. Eles simultaneamente criaram veículos de grande sucesso e praticamente potenciaram veículos que funcionavam de maneira muito parecida com a dos carros que usamos hoje. Esse foi o início da Idade dos Carros Motorizados.

No início do século XX, a fronteira final terrestre foi conquistada ─ o céu. Segundo o Smithsonian National Air and Space Museum, “Em 17 de dezembro de 1903, em Kitty Hawk, na Carolina do Norte, o Flyer Wright [Orville] se tornou a primeira máquina motorizada mais pesada que o ar para alcançar um vôo, sustentado e controlado com um piloto a bordo.”. A partir daí, nem mesmo o céu estava fora dos limites para a humanidade.

No período de tempo entre a escrita de A Árvore da Vida e o início do século XX, o nosso  desejo  de  governar  e de  lucrar  nos  levou a desenvolver  tais  capacidades  em ciência, tecnologia, comunicação e transporte que, já no início do século XX, todas as principais massas de terra eram conhecidas, conectadas e negociavam  regularmente umas com as outras. Assim, o mundo tinha se tornado efetivamente uma única entidade, uma aldeia global. E embora isso não tenha sido evidente para os cidadãos comuns na época, o século XX, com suas alegrias e tristezas, demonstraria de maneira profunda nossa conexão e interdependência.

Como dissemos no início deste capítulo, precedendo cada nova etapa na evolução dos desejos aparece o precursor apropriado. No caso do Estágio Quatro, seu precursor não era apenas um Cabalista que poderia explicar as coisas melhor do que qualquer um de seus predecessores, mas quase todo um século serviu como um precursor de uma nova era. O século XX não só previu, mas até facilitou o advento do novo desejo. Por essa razão, o século XX merece ser coberto por um capítulo inteiro.

 

Removendo o Véu do Sigilo

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Em sintonia com as mudanças que ocorreram no início do Renascimento, os Cabalistas começaram a remover o véu da Sabedoria da Cabalá, ou pelo menos a falar a favor de removê-lo. Desde a escrita de O Livro do Zohar, os Cabalistas criaram vários obstáculos para aqueles que desejavam estudar. Tudo começou com o ocultamento do Zohar por Rashbi e continuou com o estabelecimento de todo tipo de pré-requisito que a pessoa teria de cumprir antes de receber permissão para estudar. O Mishnah, por exemplo, dá a instrução, aparentemente paradoxal, de se evitar ensinar Cabalá aos estudantes que ainda não sejam sábios e capazes de entender com sua própria mente, mas o texto não especifica como se pode chegar à sabedoria se não é permitido estudar.

No Talmud babilônico existe uma alegoria bem conhecida a respeito de quatro homens que entraram em um PARDES (acrônimo para todas as formas de estudo espiritual ─ Peschat (literal), Remez (implícita), Derush (interpretações) e, sendo o mais alto nível, Sod (Cabalá). Dos quatro, um morreu, outro perdeu a sanidade, outro se tornou herege e apenas um, o rabino Akiva, um gigante entre os Cabalistas, entrou em paz e partiu em paz. Há outras explicações mais profundas e precisas para essa alegoria, mas a história foi, todavia, utilizada para intimidar e dissuadir as pessoas de estudar Cabalá.

Outro pré-requisito que os Cabalistas impuseram foi chamado “para se encher a barriga”, porque exigia que a pessoa fosse proficiente em Mishná e Guemarah antes de iniciar o estudo da Cabalá. Para justificar essa condição, eles citaram o Talmud babilônico, que adverte que é preciso gastar um terço da vida estudando a Bíblia, outro terço estudando o Mishnah e o terço restante estudando o Talmud.

Isso, naturalmente, não deixa tempo para se estudar a Cabalá. Por isso, quando chegou a hora de os Cabalistas permitirem o estudo, eles tiveram de “criar um espaço” durante o dia   para   o   estudo   da   Cabalá.   Assim,   Cabalistas  como   Tzvi  Hirsh  de Zidichov “desviaram” a proibição ao declarar que, a cada dia, deve-se “encher a barriga com” Mishnah e Guemarah e depois estudar a Cabalá.

Há numerosos exemplos para as “proclamações” dos Cabalistas de que a Cabalá é o  meio para a salvação (correção da alma, o que significa dar ao desejo de receber o objetivo de doar), e que não deve ser negligenciado. Além disso, como regra, quanto mais novo é o estudante de Cabalá, maior deverá ser sua preferência pelo estudo da Cabalá acima de qualquer outra forma de estudo.

O Livro do Zohar diz: “No final do dia, quando sua composição (O Livro do Zohar) aparece abaixo, por causa dele você irá libertar a Terra (libertar o desejo do egoísmo, ou seja, corrigi-lo).” Para os Cabalistas, o surgimento de tal método sistematizado e estruturado pelo Ari marcou o começo do fim dos dias, ou o que  eles  chamam de “última geração”.

Em sua introdução ao A Árvore da Vida, Chaim Vital escreveu: “Mesmo nesta última geração, não estamos revoltados e não detestamos violar a aliança Dele (do Criador) conosco”. Em outras palavras, na opinião de Vital, que ele repete várias vezes nessa introdução, estamos na última geração, mas ainda não temos nenhum desejo de correção do egoísmo em altruísmo.

E ele continua: “Quando acontece de os dias do Messias * se aproximarem (para o fim da correção), até mesmo pequenas crianças entenderão os grandes segredos  da sabedoria. Além disso, foi explicado que, até agora, as palavras da sabedoria do Zohar foram escondidas, mas na última geração essa sabedoria vai surgir e se tornar conhecida”.

Vital também explica que todos os problemas de Adam ha Rishon ─ a alma coletiva que todos compreendem ─ originam-se em não se conhecer Cabalá. Em suas palavras, “Foi explicado… que o pecado de Adam ha Rishon (embora Cabalistas se refiram a esse pecado como um “erro”, não como um ato deliberadamente malicioso) foi que ele não escolheu se envolver na Árvore da Vida, que é a sabedoria da Cabalá.”.

 

No restante do texto citado, Chaim Vital tenta facilitar a abordagem das pessoas à Cabalá ao esclarecer os equívocos prevalecentes que os Cabalistas  têm promovido desde o ocultamento de O Livro do Zohar. Em suas palavras, “Isto, em si, é o pecado da multidão mista [uma referência àqueles entre os judeus que proíbem o estudo da Cabalá], que diz sobre Moisés: ‘Você fala conosco… e não deixa que Deus fale conosco para que não morramos nos segredos da Torá [um epíteto comum para a sabedoria da Cabalá]’. É como se os errados acreditassem e dissessem que qualquer pessoa que se dedica a ela [Cabalá] terá uma vida curta. Hoje, são eles que caluniam e dão um mau nome à sabedoria da verdade [outro epíteto para a Cabalá]”.

Em outro lugar, ele acrescenta: “Até agora, as palavras da sabedoria d’O Zohar foram escondidas, mas na última geração [que Vital define como sua geração] essa sabedoria aparecerá e se tornará conhecida, e eles estudarão e compreenderão os segredos da Torá [Cabalá], que os antigos não alcançaram. Por isso, a objeção dos  néscios, que dizem: “Se os antigos não sabiam disso, como nós saberemos?”, será revogada. Como é explicado, nessas últimas gerações eles serão alimentados por essa composição [O Livro do Zohar] e a sabedoria aparecerá para eles.”.

Enquanto sob o patrocínio de seu mentor, o Ari, Chaim Vital teve o privilégio de aprender com a mais alta autoridade da Cabalá do seu tempo. Ainda assim, Vital não foi a única voz de sua geração a enaltecer a necessidade de divulgar a Cabalá. O Cabalista Avraham Ben Mordechai Azulai (1570-1644) expressou claramente a necessidade de divulgar a Cabalá do seu tempo em diante: “Eu vi escrito que a proibição … abster-se de estudar abertamente a sabedoria de verdade era só … até o final de 1490. Mas a partir de então a proibição foi anulada e foi dada a permissão para se engajar n’O Livro do Zohar. E a partir de 1540 tem sido uma grande Mitzvá [mandamento, mas também boa ação] para as massas estudarem, velhos e jovens… E já que o Messias virá por causa disso, e por nenhuma outra razão, não devemos ser negligentes.”.

No século XVI, a cidade de Safed, no norte de Israel, era a “capital” da Cabalá. Essa foi também a cidade onde o Ari viveu e ensinou a seus alunos. O maior Cabalista de Safed, até a chegada do Ari, foi Moshe Cordovero (1522-1570), conhecido como “o Ramak”. Ele precedeu o Ari em alguns anos, mas ele já podia sentir a aproximação de uma nova fase do desejo. Em seu livro, Conheça o Deus de teu pai, ele escreveu: “A Torá inteira  só fala de nada mais que a existência do Criador e Seu mérito em Suas Sefirot e Suas operações nelas. E quanto mais a pessoa estuda seus segredos [Cabalá], melhor, já que profere Seu mérito e faz maravilhas nas Sefirot“.

Ao longo do tempo, os Cabalistas sentiram uma urgência cada vez maior de que as pessoas estudassem Cabalá, porque temiam que os problemas e as calamidades se sucedessem se as pessoas não soubessem o modus operandi básico da vida. Eles até começaram a escrever a favor de ensinar às crianças. Yitzhak Yehuda Sarfin de Komarno (1806-1874), por exemplo, escreveu em seu livro, Notzer Hesed (Mantendo a Misericordia): “Se o meu povo tivesse me atendido nesta geração… eles teriam estudado O Livro do Zohar e o Tikkunim [correções, parte do Zohar], e contemplá-los até com crianças de nove anos de idade”.

Da mesma forma, o Cabalista Rav Yaakov Yitzhak Ben Shabtai Lifshitz (1845-1910) escreveu em seu livro, Segulot Israel (A Virtude de Israel): “Que eles comecem  a ensinar o livro sagrado do Zohar para as crianças quando elas ainda são pequenas, com  a idade de nove ou dez anos, como foi escrito pelo grande Cabalista … e a redenção… [a correção completa] virá certamente logo a seguir”.

Em certa medida, os Cabalistas foram bem sucedidos em seus esforços. A Chassidut (Chassidismo), movimento estabelecido no século XVIII na República Polonesa- Lituana (Ucrânia de hoje) pelo rabino Israel ben Eliezer (1698-1760), conhecido como Baal Shem Tov (Dono do Bom Nome), produziu um grande número de Cabalistas. Quando os estudantes do Baal Shem Tov alcançavam proficiência suficiente na Cabalá  e uma percepção bastante clara do mundo espiritual, ele os mandava a outras cidades para continuarem espalhando a Sabedoria. Os alunos do Baal Shem Tov alimentaram mais estudantes, ajudaram-nos a também atingir a percepção espiritual e, por sua vez, enviaram-nos em seus caminhos para disseminarem ainda mais a Sabedoria. Assim, um vasto movimento, cujos líderes eram todos Cabalistas, foi formado.

Com o tempo, no entanto, assim como aconteceu com o povo de Israel antes da destruição do Segundo Templo, o nível espiritual dos professores diminuiu, até que perderam completamente sua realização espiritual. Mesmo assim, os efeitos positivos da Chassidut não podem ser superestimados, quando se considera o sucesso do Baal Sham Tov em introduzir a Sabedoria até então oculta para as massas.

O Alcance da Cabalá se Estende

Embora a Cabalá tenha sido uma Sabedoria secreta por mais de um milênio, textos cabalísticos poderiam sempre ser encontrados se a pessoa realmente quisesse estudá-los. Durante o Renascimento, muitos estudiosos não só descobriram os livros de Cabalá, mas, aparentemente, os estudaram com entusiasmo e trataram a Cabalá como uma Sabedoria de grande mérito.

No capítulo anterior, mencionamos Johannes Reuchlin (1455-1522), que alegou que Pitágoras recebeu o seu conhecimento dos judeus, ou seja, dos Cabalistas, e que o termo “filosofia” surgiu quando Pitágoras traduziu a palavra “Cabalá” para o nome grego “filosofia”. Reuchlin, porém, não foi o único. Muitos cientistas e pensadores aclamados falaram favoravelmente da Cabalá e pediram a seus leitores para explorá-la, esforçando- se para limpar equívocos e estigmas que a rodeavam.

Um dos filósofos mais notáveis que mostrou grande interesse na Cabalá foi o aclamado dramaturgo, escritor e cientista Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). Em Materialien zur Geschichte der Farbenlehre, Goethe escreveu: “O coro todo [assembleia] daqueles que se reúnem ─ judeus, cristãos, pagãos e homens santos, padres da Igreja e os hereges, os Conselhos [Sínodo] e papas, reformadores e todos os adversários, enquanto eles explicam… [Eles] fazem isso pela maneira de Platão ou Aristóteles, conscientemente ou inconscientemente, como … o Talmud e o tratamento cabalístico da Bíblia nos convencem”.

*A força que puxa para fora o egoísmo. Na Cabalá, o termo “Messias” refere-se à palavra hebraica Moshech (puxando), que denota uma força que puxa a pessoa do egoísmo ao altruísmo, corrigindo a alma. Os termos “redenção” e “libertação” também são nomes de códigos para a mudança do egoísmo em altruísmo. Também o advento do Messias refere-se ao tempo em que isso irá acontecer a toda a humanidade.