Capítulo 6: Em Direções Opostas

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Como mencionado no Capítulo 1, a Mesopotâmia, o berço da civilização, foi também o berço de Abraão, o precursor da Cabalá. O conflito entre Abraão e Nimrod, governante de Babilônia,  significa  muito  mais  que um conflito  entre um governante e um súdito desafiador. É um conflito de percepções. Para Nimrod, a realidade é uma “federação” de forças que ele deve agradar, servir e acalmar por meio de sacrifícios. Para Abraão, há apenas uma força, e adorá-lo significa viver pela sua lei—lei de doação, simples assim. Considerando-se este contraste de pontos de vista, não é de admirar que Nimrod tivesse que destruir a Abraão ou expulsá-lo.

Mas a partida de Abraão da Babilônia não acalmou a polis. As tendências que induziram Abrão a buscar pelo segredo da vida continuaram a se intensificar e se espalhar pela cidade agitada, alimentados pelas mesmas forças que impulsionam o processo de evolução. No entanto, na Babilônia, estas tendências começaram a manifestar uma conduta que é unicamente humana— o egoísmo.

Baal HaSulam explica que o egoísmo é uma característica natural para os seres humanos. Ele declara que é da natureza humana, e que a Cabalá oferece uma maneira de transformar suas evidentes consequências negativas em positivas. Em “Paz no Mundo”, ele escreve: “Em palavras simples diremos, que a natureza de cada e toda pessoa é explorar a vida de todos os outros povos do mundo para seu próprio benefício. E tudo o que ele dá para o outro é apenas por necessidade, e mesmo assim nela há exploração dos outros, mas é feito ardilosamente, para que seu vizinho não note isso e conceda de bom grado “.i

Mas antes de nos aprofundarmos na solução que a Cabalá oferece ao egoísmo humano, precisamos entender como o desejo de receber, inicialmente criado pelo desejo de doar—o Criador—tornou-se egoísmo. “A razão para isso”, continua Ashlag, “é que … a alma do homem [desejo] estende-se do Criador, que é um e único. … Daí, o homem também… sente que todas as pessoas no mundo devem estar sob seu governo “, assim como toda a natureza é regida pela lei de doação, o Criador.

Além disso, ao contrário de todos os outros elementos da Natureza, que são forçados a se comportar em congruência com o seu ambiente, os seres humanos têm o poder de mudar o meio ambiente. Isto nos dá algo que nenhuma outra criatura possui: a livre escolha. Em outras palavras, os seres humanos podem escolher ser como o Criador— doando—e, adquirir o poder e o conhecimento que vêm com ele, ou permanecer como nascemos egocêntricos e limitados.

Quando os estágios de desejos caem em cascata a partir do desejo de doar, o desejo de receber evoluiu com cada nova etapa. No mundo físico, também, a evolução dos desejos se manifesta em diferentes estágios de evolução (Figura 9.): Na parte inferior da pirâmide estão os minerais e os materiais inanimados. Ainda assim este é o Nível Inanimado, correspondente à Primeira Fase. Acima dele está a flora—correspondente a Segunda Fase, encimado pela fauna—Estágio Três, e acima de tudo está o homem (falante) —Estágio Quatro.

Figura 9: Pirâmide dos Desejos. O topo da pirâmide também é a parte que a governa e, portanto, a parte que tem livre escolha de como fazê-lo e a responsabilidade de fazê-lo direito.

Considerando que tudo o que existe é o desejo de doar e seu desdobramento, o desejo de receber, é evidente que o nível falante (nós), possuindo o mais intenso, sofisticado e complexo desejo de receber, não somos apenas uma parte inseparável da Criação, mas o seu ápice e governante. E assim como o cérebro governa todo o corpo, mas também é completamente dependente dele para sua sobrevivência, devemos aprender a governar e cuidar de toda a pirâmide da Criação, se quisermos sobreviver.

O Início do Ego

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

As palavras acima citadas de Ashlag marcam um ponto decisivo não só na história da evolução humana, mas tambem na evolução do universo. A (exclusivamente humana)- evolução por inveja mudou a direção da evolução. Até o surgimento do ego humano, as criaturas evoluíram com sucesso se seus órgãos internos cooperavam, seguindo o princípio de renúncia pelo interesse próprio em favor do interesse do sistema, e  deixando que o sistema cuidasse do bem estar deles.

No entanto, é importante notar que a regra de Renúncia de Interesse próprio em favor do interesse do sistema não se aplica apenas aos órgãos e tecidos dentro  de uma  criatura. Os organismos não existem no vácuo, eles são ramos, como dissemos no capítulo anterior, de raízes que apareceram no reino espiritual. Por esta razão, eles operam da mesma forma que os sistemas espirituais operam – rendendo o auto-interesse perante o interesse do sistema hospedeiro ou sucintamente: altruisticamente. O sistema  hospedeiro deles – os ecosistemas em que organismos vivem, – observa a mesma regra, já que nenhuma outra regra permite a perpetuação da vida.

Por esta razão, a regra de auto-interesse que mencionamos ao longo do livro aplica-se tão rigorosamente à funcionalidade da criatura dentro de seu ambiente. Assim, se o físico de uma criatura funciona bem sob certas condições ambientais, mas as condições mudam, o físico desta criatura pode tornar-se inadequado e até mesmo inferior ao das criaturas com uma estrutura interna menos sustentável, porém com uma maior adaptabilidade aos seus ambientes.

Aparentemente, tal era o caso com a extinção dos dinossauros. Durante 165 milhões de anos, os dinossauros dominaram a Terra. Mas cerca de 65 milhões de anos atrás, eles desapareceram dentro de um prazo relativamente curto. Teorias sobre a razão para seu desaparecimento são muitas, mas nenhuma resposta conclusiva foi encontrada.

Uma possibilidade é a teoria do meteorito. De acordo com o Serviço Geológico  dos EUA (USGS), “Há agora uma evidência comumente aceita de que o impacto de um meteorito foi, pelo menos, a causa parcial desta extinção.” Mas, enquanto não há consenso científico em torno da causa ser o impacto de meteorito, há de fato um consenso de que, conforme publicado pela University of California Museum of Paleontology, “Houve uma alteração climática global, o ambiente mudou de quente e suave na era Mesozóica [era dos dinossauros] para mais frio e mais variado na era Cenozóica [era dos mamíferos]”.

Assim, se foi um meteorito ou qualquer outra coisa que mudou o clima, houve uma mudança brusca de ambiente à qual os dinossauros (e cerca de cinquenta por cento das espécies vivas na Terra, na época) não poderiam se adaptar. E assim, elas  se extinguiram.

Para sobreviver, os dinossauros e quase todos os outros animais devem cumprir a  mesma lei em relação a seu meio ambiente como os seus órgãos internos o fazem: ceder o interesse próprio em favor de interesse do sistema, em troca do atendimento do sistema para  eles.  Quando  a regra é  violada  em todo o  ecosistema,  mesmo  que  não intencional por parte dos animais, a extinção ocorre em uma escala colossal, simplesmente porque eles não se adaptaram rápido o suficiente.

Um exemplo mais recente, e muito mais bem-sucedido de adaptação do animal à mudança das circunstâncias foi relatado por Swanne Gordon, da Universidade da Califórnia, em um ensaio intitulado “A evolução pode ocorrer em menos de dez anos”, publicado na Science Daily. “Gordon e seus colegas estudaram guppies – pequenos peixes de água doce (Imagem número 4) que biólogos têm estudado por muito tempo. Eles introduziram os guppies no rio mais proximo, o Damier , em uma seção acima de uma barreira de cachoeira que excluía todos os predadores. Os guppies e seus descendentes também colonizaram a porção inferior do rio, abaixo da barreira da cachoeira, que continha predadores naturais. Oito anos mais tarde …, os pesquisadores descobriram que os guppies que se encontravam no ambiente de baixa predação tinham se adaptado ao seu novo ambiente produzindo descendentes maiores e em menor quantidade, a cada ciclo reprodutivo. Tal adaptação não foi vista nos guppies que colonizaram o ambiente de alta predação … “As fêmeas do ambiente de alta predação investem mais recursos na reprodução atual, porque a alta taxa de mortalidade, causada pelos predadores, significa que essas fêmeas podem não ter outra oportunidade de se reproduzir,” explicou Gordon. “As fêmeas do ambiente de baixa predação, por outro lado, produzem embriões maiores porque os filhotes maiores são mais competitivos em ambientes de recursos limitados, típicos de lugares de predação baixa. Além disso, as fêmeas de predação baixa reproduzem menos embriões não só porque elas têm embriões maiores, mas também porque elas investem menos recursos na reprodução atual. ”

Imagem No.4: O Guppy Trinidad, o tipo usado para a experiencia do Rio Damier (Imagem: Photobank Lori)

 

Em alguns casos, quando necessário, a fim de aumentar suas chances de sobrevivência, os organismos (embora apenas um vírus, neste caso) podem até “devolver” a si mesmos. Tal foi o caso com o vírus Mixoma e os coelhos europeus na Austrália (Imagem No.5) Cerca de 150 anos atrás, duas dúzia de coelhos foram liberadas na selva na Austrália, na esperança de que eles iriam se reproduzir o suficiente para ser caçados por esporte. Mas os coelhos se reproduziram com tanto sucesso que dentro de algumas décadas, eles ameaçaram romper o equilíbrio da vida selvagem em todo o continente australiano. Wendy Zukerman, uma repórter da New Scientist Magazine, publicou uma descrição detalhada do episódio na ABC Science. Em seu relatório, ela escreve: “Por volta de 1920, a população de coelhos da Austrália havia aumentado para 10 bilhões.”

Imagem no.5: coelho europeu na Austrália (Imagem: Photobank Lori)

 

As autoridades da Austrália fizeram grandes tentativas para conter a população de coelhos, mas só foram bem sucedidas em 1950. Naquele ano, continua Zukerman, “o agente de controle biológico, o vírus Myxoma foi introduzido no continente da Austrália.” Como resultado, “Mixomatose [a doença causada pelo vírus]  causou enormes reduções no número de coelhos. Em algumas áreas 99 por cento dos coelhos foram mortos.”

Mas, em vez de extinguir os coelhos europeus na Austrália, a sua população se estabilizou gradualmente e até cresceu em algumas áreas. Claramente, o vírus tornou-se menos eficaz. Quando os investigadores procuraram a razão de menor impacto do vírus, eles descobriram que havia sofrido mutação para uma forma mais branda, que matou apenas 40 por cento dos coelhos infectados. Assim, os pesquisadores concluíram que, porque os coelhos foram os unicos hospedeiros do virus, ele se transformou em um tipo menos agressivo, o que garantiu a sobrevivência dos coelhos, e como resultado, a persistência do vírus, também.

Ao enfraquecer-se, o vírus aparentemente agia contra seu próprio interesse, dando ao sistema imunológico dos coelhos uma melhor chance de combatê-lo. Mas o resultado real de seu enfraquecimento auto-induzido foi a garantia de que ele teria um hospedeiro para as gerações vindouras. Na verdade, até hoje, mixomatose é responsável por muitas mortes entre os coelhos, mas não o suficiente para extingui-los por completo. Parece que os coelhos e o vírus alcançaram um equilíbrio e, portanto, uma co-existência.

O homem- a única exceção

Na seção anterior, vimos como o estado de ceder o auto-interesse em prol do interesse do sistema, em troca de atendimento do sistema, aplica-se não só a todos os organismos, mas também à funcionalidade do organismo no seu habitat (ecosistema). No entanto, há uma exceção à regra: o homem. Para entender por que o homem é diferente de todos os outros animais, precisamos refletir sobre as quatro fases. Os Estágios Um a  Três refletem desejos de receber prazer de um doador, seja por receber prazer diretamente ou por retornar o seu prazer. Mas Estágio Quatro é essencialmente diferente: ele reflete um desejo de ser o doador.

Em outras palavras, o Estágio Quatro deseja alcançar um objetivo que é, por definição, inatingível. Assim como um filho não pode ser seu pai, o Estágio Quatro não pode ser o Estágio Zero. Mas, assim como um filho pode ser parecido com seu pai, o Estágio Quatro pode ser parecido com Estágio Zero.

Sendo um desejo de receber, e sabendo que ser como o Estágio Zero, a Raiz, é a recompensa mais alta possível, isto é o que o Estágio Quatro deseja alcançar. Como resultado, nós – a sua personificação corpórea- nos esforçamos para alcançar o mesmo.De forma subconsciente, nossos desejos de fama, poder, riqueza, erudição, e imortalidade são realmente desejos de nos assemelharmos a Deus. Nenhuma pessoa escapa a esses desejos, pois somos todos partes do Estágio Quatro, que foi quebrado, junto com a alma de Adam. As únicas variações entre os seres humanos estão na intensidade e proporção desses desejos, mas não em seus componentes.

Evidentemente, há pessoas cujos desejos de fama, fortuna e brilho são muito pequenos, estas são pessoas simples, satisfeitos com um abrigo, uma família e um sustento muito básico. Em tais pessoas, os desejos do Estágio Quatro são menos dominantes, daí, elas terão metas menos ambiciosas. Porém, mesmo no indivíduo mais calmo existe um “diabo” que deseja um pouco mais do que o seu vizinho possui. Estes são os desejos do Estágio Quatro- o senso de apossamento sobre o qual Twenge e Campbell escreveram –  e eles são quase que exclusivamente humanos.

Estes desejos são também o que nos faz de exceção à regra que governou a evolução até o surgimento do Homo sapiens. Porque os seres humanos possuem uma aspiração inata para se tornarem como o Criador, nós tendemos a ser ativos na nossa abordagem aos desafios, ao invés de nos adaptarmos passivamente às condições, como os outros animais. Assim, em vez de adaptarmos o nosso corpo da melhor forma que pudermos para as mudanças climáticas ou a ameaças, tentamos mudar o clima ou eliminar as ameaças.

Um desses esforços foi mudar o nosso “microclima pessoal”, nosso entorno imediato, cobrindo nossas peles com as de animais, cuja pele nos dá melhor proteção contra os elementos do que a nossa. E, em vez de confiar em nossa força física (claramente insuficiente) para conseguir o nosso alimento, desenvolvemos ferramentas cada vez  mais sofisticadas para nos ajudar na caça, bem como para proteger-nos contra animais predatores. Hoje há evidências inequívocas de que os primatas, alguns mamíferos, e até mesmo pássaros usaram ferramentas tais como pedras, ramos e galhos para ajudá-los  em adquirir alimentos e para lutar. Mas a produção sistemática de ferramentas e de armas, tais como entalhar pedras e ossos para lanças, é uma habilidade exclusivamente humana (Imagem no.6)

Imagem no. 6: machados de mão de Kent (Inglaterra), feitos durante o período Paleolítico Inferior (Idade da Pedra Lascada), 2,5 milhões e 200 anos atrás.

 

Outra descoberta muito importante que os primeiros seres humanos (Homo erectus) fiseram foi o controle do fogo. O fogo permitiu aos humanos manter o seu habitat quente, afastar animais predadores, e até mesmo cozinhar. A descoberta de maneiras de fazer e de controlar o fogo marca uma mudança drástica na evolução. O homem era agora um animal que podia mudar seu ambiente para adaptá-lo às suas necessidades, em vez de mudar a si mesmo para se ajustar ao ambiente.

De acordo com um documento intitulado “A Grande Era Glacial”, lançado pelo Serviço Geológico dos EUA, “A Grande Era Glacial … começou há cerca de um milhão ou mais de anos atrás. ” Os vastos lençóis de gelo permitiram aos humanos migrar da África e, aos poucos, se se espalharem por todo o mundo. Com fogo e roupas, eles poderiam se sustentar em climas menos hospitaleiros e, assim, tornaram-se os mamíferos mais adaptáveis e onipresentes na terra.

O Corpo versus a mente

Um aspecto mais profundo e muito mais importante da mudança na evolução que o aparecimento do homem representa é que, diferentemente de outros animais que desenvolvem os seus corpos, os seres humanos desenvolvem as suas mentes. Para lidar com o perigo ou para obter alimento, os animais tentam fugir ou combater seus atacantes ou presas.

Os seres humanos, em vez disso, construíram armas. Para enfrentar o frio, os animais criam uma pele grossa e camadas de gordura hipodérmica. Humanos acendem  fogueiras.

O uso do intelecto em vez do corpo para obter o que desejam também permite aos seres humanos planejar o futuro. Enquanto alguns animais armazenavam alimentos para o inverno, somente os seres humanos cultivavam alimentos e se livravam da vegetação indesejável  limpando  a  terra  para  dar  espaço  para  as plantas que  lhes  serviriam de alimento.  De acordo  com a  maioria  dos pesquisadores,  a agricultura   começou  entre

10.000 e 15.000 anos atrás no Crescente Fértil (apesar de novos dados coletados por uma equipe liderada pelo Dr. Robin Allaby da Universidade de Warwick que encontrou provas de que a agricultura de plantas começou na Síria algo como 23 mil anos atrás ).

Embora a capacidade do homem para cultivar alimentos possa parecer muito barulho  por nada hoje, foi quando os humanos começaram a cultivar a terra, que, em certo sentido, tornaram-se criadores – eles começaram a mudar seu meio ambiente. Este é um feito que apenas o desejo de Estágio Quatro pode conceber.

No entanto, junto com o progresso chegam os problemas. Todas as criaturas, com exceção do homem, devem aderir às regras do seu ecossistema, ou perecerão. O homem é o único organismo que pode planejar e executar a mudança em seu ambiente conforme sua própria vontade. Quando isso acontece, o homem deve aprender as regras pelas  quais os ecosistemas funcionam, ou as alterações podem revelar-se desastrosas para o ecosistema e, consequentemente, para seus habitantes, incluindo o homem.

No Capítulo 4, dissemos que no corpo humano, como em qualquer organismo, cada célula tem um papel particular. Além disso, nós escrevemos: “Para que o organismo possa persistir, cada célula deve desempenhar sua função … e atender ao objetivo de manter a sua própria vida, antes do objetivo de manter a vida de seu organismo hospedeiro. Se a célula começa a agir de forma contrária a este princípio, os seus interesses entram logo em conflito com os do corpo e os mecanismos de defesa do  corpo … a destróem. ”

Da mesma forma, quando o homem tornou-se potente o suficiente para alterar o seu ecossistema, ele teve que aprender a se comportar como uma célula de um organismo, abstendo-se de pôr em risco a sustentabilidade do sistema ao risco  do sistema precisar  se livrar do perigo eradicando a raça humana por completo, ou por se auto-eliminar, matando a raça humana no processo, como descrito em relação ao câncer. Hoje, eu acredito que é bastante evidente que a Natureza já está “tomando medidas compensatórias” para equilibrar as ações prejudiciais dos seres humanos.

Mas dez ou mais milênios atrás, as coisas eram muito diferentes do que são agora. O Homo sapiens estava apenas começando a desfrutar dos benefícios do conhecimento e da tecnologia e o conceito de seres humanos arriscando seu habitat não estava na mente de ninguém. O desenvolvimento da agricultura mudou os estilos de vida das pessoas, da caça e coleta para um comportamento mais sedentário, e uma das conseqüências disso foi a aceleração do desenvolvimento tecnológico.

Outra questão importante que estava na mente das pessoas naquela época (e ainda está, para muitos) é a religião. Prof Jared Diamond, autor do aclamado Armas de fogo, Germes, e Aço: O Destino das sociedades Humanas disse em uma palestra intitulada “A Evolução das Religiões” na University of Southern California, que cerca de dez mil e quinhentos anos atrás, a religião mudou suas funções. Ele explicou que a religião tinha adotado um papel de explicar as coisas. A religião começou a explicar tudo o que era desconhecido e pouco familiar, e, portanto, provia consolo e confiança nas pessoas.

Mas a coisa importante a notar sobre religião nesse ponto não é tanto a direção na qual ela se desenvolveu, mas o próprio fato de que ela se desenvolveu. A existência de uma entidade, institucionalizada organizada que fornecia respostas significava que as pessoas estavam começando a fazer perguntas – perguntas profundas sobre o propósito da vida e as leis que a regem. Isto mais tarde levou ao surgimento da Cabalá, precisamente na mesma área que o Crescente Fértil, como vimos no Capítulo 1.

Além da evolução da religião, e porque os avanços agrícolas que acabamos de mencionar encorajaram as pessoas a abandonarem seu estilo de vida nômade para um estilo mais sedentário, a população no Crescente Fértil começou a crescer. E quando os desenvolvimentos tecnológicos, como a invenção da roda, incentivaram um maior desenvolvimento e urbanização, as formas mais organizadas de governo e religião seguiram. Assim, a Mesopotâmia tornou-se gradualmente o que hoje chamamos  o “berço da civilização.”

I (ibid.)
ii (ibid.) iii (ibid.) iv (ibid.)
v United States Geological Survey (USGS), “Por que os dinossauros morreram?”(17 de maio de 2001), http://pubs.usgs.gov/gip/dinosaurs/die.html
vi University of California Museum of Paleontology “, o que matou os dinossauros?”(Janeiro 2009), http://www.ucmp.berkeley.edu/diapsids/extinctheory.html
vii “A evolução pode ocorrer em menos de dez anos,” Science Daily (15 de junho de 2009), http://www.sciencedaily.com/releases/2009/06/090610185526.htm
viii Wendy Zukerman, batalha da Austrália com o coelho, a ABC Science (08 de abril de 2009), http://www.abc.net.au/science/articles/2009/04/08/2538860.htm
ix (ibid.)
x (ibid)
xi Louis L. Ray, “A Grande Era Glacial,” Pesquisa Geológica dos EUA (27 de setembro de 1999), http://pubs.usgs.gov/gip/ice_age/ice_age.pdf
xii Robin Allaby, “Investigação empurra para trás a história do desenvolvimento da cultura 10 mil anos”, Universidade de Warwick (19 de setembro de 2008), http://www2.warwick.ac.uk/newsandevents/pressreleases/research_pushes_back/
xiii Jared Diamond, Guns, Germs, and Steel: O Destino das Sociedades Humanas (NY: Norton & Company, 1997)
Jared Diamond, “A Evolução das Religiões” (Enviado por RabidApe, 26 de maio de 2009), http://www.youtube.com/watch?v=GWXr7pXoCTs

Capítulo 5: Gênero Homo

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Assim como o Estágio Quatro é uma evolução natural do desejo de receber, o seu paralelo corpóreo, os seres humanos, surgiu através de um processo natural de evolução seguindo os mesmos princípios explicados nos capítulos anteriores.O gênero Homo (humanóide macaco) apareceu pela primeira vez cerca de 2,5 milhões de anos, e evoluiu como todas as outras espécies, por seleção natural. Tal como acontece com os animais, os hominídeos que eram mais saudáveis e mais fortes sobreviveram e aqueles que eram menos pereceram.

No entanto, os hominídeos, e principalmente a mais recente evolução da espécie, Homo sapiens, investiu muito mais energia e tempo sobre as relações sociais do que qualquer outra espécie. Embora muitas espécies, como os golfinhos, os chimpanzés e os lobos, cultivem relações sociais intrincadas, as estruturas sociais nas sociedades humanas são dinâmicas e evolutivas por natureza.

A este respeito, Baal HaSulam escreveu na “Introdução ao Livro do Zohar”, que ao contrário dos animais, os seres humanos têm a capacidade de simpatizar com as dores e alegrias dos outros, e os animais não. Ao declarar isso, Baal HaSulam não estava se referindo à empatia como muitas vezes é exibida por animais entre mães e filhos, e mesmo entre os espécimes não relacionados de uma mesma espécie. Em vez disso, aqui ele fala de um mecanismo inteiramente novo do desejo de receber: a evolução por inveja.

No item 38 da introdução que acabamos de mencionar, Ashlag explica a diferença entre desejos em humanos e animais, e como a inveja aumenta nossos desejos: “O desejo de receber no animal, que não tem a sensação de outros, só pode gerar necessidades e desejos na medida em que eles são impressos nessa mesma criatura. ”

Em outras palavras, se um animal sabe que comer é bom, ele pode querer ajudar a um outro animal obter comida, também. “Mas o homem”, continua Ashlag “, que pode sentir os outros, torna-se carente de tudo o que os outros possuem, também, e  é, portanto, cheioxix de inveja para adquirir tudo o que os outros têm.”

Assim, mesmo quando já tivemos a nossa porção de comida, abrigo, e todos os outros bens essenciais, nossa inveja constantemente nos obriga a querer mais: uma casa maior, crianças mais fortes, saudáveis, mais bonitas (e de preferência todos os acima), um grande lote de terra … a lista é tão longa quanto a lista de desejos humanos. A este respeito, Ashlag cita um texto que data de 1.500 anos atrás, do Midrash, “Aquele que tem cem, deseja ter 200, assim as necessidades sempre se multiplicam, até que a pessoa queira devorar tudo o que há no mundo inteiro.”

De fato, o aparecimento do Homo sapiens marcou o que parece ser uma mudança em direção da evolução. Os Homo sapiens, ao que parece, não estavam focados em desenvolver um físico mais forte, mais adaptável e ágil, mas no desenvolvimento  de  seus intelectos, e ainda mais surpreendentemente, na auto-expressão. Hoje, como Twenge e Campbell mostraram no acima mencionado O Narcisismo Epidemico, isso se tornou uma epidemia de auto – apoderamento. Assim, vemos como o Homo sapiens é a representação terrena do Estágio Quatro do desejo de receber – o desejo de tornar-se onipotente e onisciente.

 

Big Bang

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

O tempo, como nós o conhecemos, começou há aproximadamente quatorze bilhões de anos. Da perspectiva espiritual cabalística, o “big bang” foi a quebra da alma de Adão. A razão por vermos isso como um evento material é porque vemos o mundo com olhos corporais (egocêntricos). Se pudéssemos ver da perspectiva da força que induziu essa explosão massiva a que chamamos “big bang”, veríamos isso como resultado da tentativa de Adão de receber, usando o último e maior de todos os desejos,  como descrito no capítulo anterior.

Os Quatro Estágios em Questão

Assim como os desejos originais evoluíram em estágios, seus paralelos mundanos apareceram e foram corrigidos um de cada vez, do mais fácil ao mais  duro.  Agora, como cada desejo manifesta-se em nosso universo, a Natureza, que, como falamos no Capítulo 1, é sinônimo de Criador, deve “ensiná-lo” a trabalhar de modo a contribuir para o bem estar e a sustentabilidade do universo.

Para realizar isso, a Natureza aplica um método muito similar ao principio de seleção natural de Darwin. De fato, muitos dos principais estudiosos agora reconhecem a existência do processo de seleção natural em um período anterior ao advento da vida na Terra. O professor Ada Yonath, Prêmio Nobel em Química, fez a seguinte afirmação em uma convenção internacional que celebrava o 150° aniversário da publicação de A Origem das Espécies, de Darwin: “A sobrevivência do mais apto e a seleção natural desempenharam   um   papel   importante   do   mundo   pré-biótico,   mesmo   que essas qualidades estejam relacionadas primariamente à evolução das espécies.”xix

Assim como no principio de seleção natural de Darwin, o mérito de qualquer novo desenvolvimento na Natureza é julgado por sua contribuição à sustentabilidade de seu beneficiário. A diferença entre o princípio darwinista e o cabalista é o beneficiário: na teoria clássica de Darwin, os beneficiários são as espécies; na Cabalá, o beneficiário é a Natureza — o todo da Natureza, significando o Criador.

Se esse conceito soa um pouco artificial, pense em espécies como parte de um ecossistema. Na biologia contemporânea, é comum ver uma espécie em relação a seu meio ambiente, em vez de independente dele. E uma vez que sabemos que todos os ecossistemas estão interconectados, é fácil entender que um distúrbio em um sistema pode e irá afetar adversamente os demais sistemas do planeta.

Talvez a melhor descrição que eu tenha ouvido até hoje, explicando como a Natureza muda seus elementos de receptores do ambiente em doadores, veio da biólogia evolucionista Elisabet Sahtouris, PhD. Em uma conferência em Tóquio, em novembro de 2005, a Dra. Sahtouris afirmou: “No seu corpo, cada molécula, cada célula, cada órgão e todo o corpo têm interesse próprio. Quando cada nível (…) mostra seu interesse próprio, ele força negociações entre todos os níveis. Esse é o segredo da Natureza. A cada momento em seu corpo, essas negociações levam seu sistema à harmonia.”

Claramente, o equilíbrio e o bem estar de todo o sistema são imperativos para a sobrevivência do corpo humano. Por isso o equilíbrio é tão imperativo para a sobrevivência de cada um dos sistemas do corpo. Hoje, a visão da Natureza como um sistema e não como uma coleção de elementos separados vem ganhando terreno entre os principais pesquisadores. Isso levou ao surgimento de campos da ciência tais como ecologia, cibernética, teoria de sistemas e complexidade.

Como vimos, a Cabalá sempre considerou toda a Natureza como uma unidade única. Essa totalidade não se aplica apenas à Terra e à vida sobre ela, mas ao universo inteiro — à parte corporal e também à espiritual.

Assim, as mesmas regras que se aplicam ao mundo espiritual — o mundo do altruísmo — se aplicam a nosso mundo corporal — o mundo do egoísmo. A diferença entre nosso mundo e o espiritual é que os desejos do mundo espiritual são todos sobre doação, enquanto nós somos descendentes da quebra de Adão. Como tal, somos inerentemente egocêntricos, às vezes a ponto de esquecermos o que somos de fato.

E porque estamos tão absortos em nós mesmos, ficamos alheios aos fatos que ocorrem em níveis mais profundos, a Natureza é governada por regras altruístas. O papel da Cabalá é descobrir essas regras e apresentá-las como uma forma de entendermos nosso mundo e administrá-lo em um novo nível de consciência. Por essa razão, tudo o que doravante discutiremos, da formação do universo à correção das relações humanas, derivarão e dependerão do conceito de evolução dos desejos, que expliquei até agora.

Inanimado

Depois da quebra de Adão, cada parte do desejo de receber começa a se sentir independente, separada de seu ambiente e desejando absorver dele. Esse desejo de absorver, essa força de atração ou gravidade — o paralelo físico do desejo de receber — formou os primeiros aglomerados do universo, que depois se tornaram a substância das primeiras galáxias do universo.

Com espaço e campo de gravidade surgiram formas mais estruturadas do desejo de absorver (ou seja, do desejo de receber), e as partículas apareceram. O processo de absorção continuou, e as estrelas nasceram com planetas ao seu redor. Dessa forma, a gravidade, a  força  mais  fraca da  Natureza, criou a  infraestrutura do  universo  inteiro, assim como o Estágio Um, o mais fraco desejo de receber, criou a infraestrutura para os Quatro Estágios e todos os mundos espirituais que se seguiram.

Como no Estágio Um, o desejo de receber no corporal inanimado consiste basicamente no desejo de assegurar sua própria sobrevivência, sustentar a si mesmo. Sua  única relação com os outros é que ele resiste a qualquer tentativa de quebra, dissolução ou mudança. Ainda, como resultado do nível inanimado e sua aspiração por manter sua própria sobrevivência, algumas partículas “descobriram” que elas poderiam assegurar melhor seu futuro, colaborando com outros elementos.

Contrariamente à teoria da evolução de Darwin, a Cabalá afirma que não há coincidência. Na realidade, as partículas não “descobrem” ou por acaso colaboram e subsequentemente se beneficiam ao fazê-lo. Isso implicaria que a Natureza não tem propósito, é randômica, e que não há meta pré-determinada no final do  processo. Em vez disso, Baal HaSulam explica (em “Prefácio à Sabedoria da Cabalá”xix, Estudo das Dez Sefirotxix e outros lugares) que, sendo o nosso mundo o último em uma série de eventos de causa-e-efeito, o desejo que aparece em nosso mundo já contém (embora não conscientemente)  reminiscências  dos  estados  anteriores,  uma  vez  que  eles  são suas

ramificações. Por isso, o desejo de receber neste mundo já contém reminiscências dos Quatro Estágios, o Partzuf, e todos os mundos espirituais. Como  resultado,  a preparação, a configuração para a descoberta dos benefícios da colaboração existe previamente em todos os níveis de desejo neste mundo. É isso que lhes permite “miraculosamente” descobrir os benefícios da “negociação em harmonia”, como coloca Sahtouris.

Muitos físicos concordam que as partículas não necessitam de muito tempo para “descobrir” os benefícios da colaboração. Uma publicação do Observatório  de Haystack, um centro de pesquisas do MIT, explica: “Quando o universo tinha 3 minutos de idade, ele já havia resfriado o suficiente para que prótons e nêutrons se combinassem em núcleos.”xix Para se desenvolver ainda mais, no entanto, tiveram de forjar colaborações adicionais, que se manifestaram na forma de elétrons, e equilibraram a carga positiva do núcleo. Assim foi como os primeiros átomos apareceram.

Para essas partículas, ser parte de um átomo ─ diminuindo, portanto, seu interesse próprio em favor do interesse do átomo ─ era toda a correção de que necessitavam. Agindo para o bem do sistema e não para seu próprio bem, deixaram de estar centradas em si mesmas e começaram a se centrar no sistema. Elas se tornaram “conscientes” do seu ambiente e de como poderiam contribuir com ele. Assim, elas se tornaram “altruístas”, embora pela razão egoísta de perpetuar sua própria existência.

A “recompensa” das partículas que primam em doar para o seu ambiente é a criação de um ambiente forte, resultando em átomos estáveis. E isso garante a  sua  existência futura.

Além disso, como os átomos precisam de todas as suas partículas para se manter, internamente eles protegem suas partículas. Dessa forma, abdicando do  interesse próprio em prol do interesse de seus átomos, as partículas angariam o  interesse de todo o sistema no bem estar desses átomos. Esse “acordo” provou ser tão bem sucedido, que, “Momentos depois do Big Bang, prótons e nêutrons começaram a se combinar para formar o hélio-3 e outros elementos básicos”, disse Robert Rood, da Universidade da Virgínia, conforme citado em um comunicado da Rádio Nacional do Observatório de Astronomia.xix Assim os primeiros minerais surgiram.

O corpo humano é possivelmente o exemplo mais vívido do modus operandi de abdicar do interesse próprio em benefício do interesse do sistema hospedeiro, recebendo em troca a proteção desse sistema. No corpo humano, assim como em qualquer organismo, cada célula tem uma função específica. Para o organismo sobreviver, cada célula deve desempenhar sua função com o melhor de suas habilidades e substituir a meta de manter sua própria vida pela meta de manter a vida do seu organismo hospedeiro.  Se uma  célula começar a agir contrariamente a esse princípio, seus interesses logo irão conflitar com os do corpo, e os mecanismos de defesa do corpo irão destruí-la. Assim, é provável que se origine um tumor de células insubordinadas, que lutam para consumir os  recursos do corpo em seu próprio benefício. Quando esse tipo de processo ocorre, nós o diagnosticamos como “câncer”.

Se o câncer vencer, o corpo morre e o tumor morre junto com ele. Se o corpo vence e o câncer morre, o corpo sobrevive com as células do corpo que não se tornaram malignas, e as células egoístas são extintas. Esse é o mecanismo de segurança contra falhas com o qual a Natureza assegura que sistemas egocêntricos não existam. Aqui, também, não há nada de milagroso, simplesmente os mecanismos egoístas invariavelmente se  consomem até a extinção, porque consomem sua fonte de alimento.

Por conseguinte, é interesse de todas as células do corpo curar o tumor. Colocado de outra forma, garantindo a sobrevivência dos elementos do sistema,  os  elementos naquele sistema promovem o bem estar do sistema antes de prover seu próprio bem estar. Em troca, o sistema irá prover o bem estar deles e garantir sua sobrevivência.

O princípio que acabamos de explicar não é válido apenas para partículas, átomos e organismos, mas para toda a vida. Aplicando-o, todos os elementos da Natureza aprendem a trocar sua natureza egoísta por uma natureza altruísta, que considera o bem coletivo antes de seu próprio bem.

Assim, voltando ao nosso tópico de observar o universo primordial, uma vez que as partículas juntaram-se para criar átomos, átomos começaram a se unir, criando, dessa forma, as primeiras moléculas. Estas aderiram à mesma regra, e as que sobreviveram foram aquelas cujos átomos estavam fortemente conectados, assim como com os átomos, abdicando de seu próprio interesse frente ao interesse de seu sistema hospedeiro – as moléculas.

Em todo esse processo, não há liberdade de escolha. Nem átomo nem molécula podem optar por não serem criados, porque os elementos que os constituem procuram o melhor modo de formá-los para melhor proteger seus interesses. Ainda, criando moléculas, os átomos realizam algo muito mais significativo do que proteger a si mesmo  e  às partículas que os criaram. Assim como as partículas, eles construíram um sistema antes de atender a seu interesse próprio e, ao fazê-lo, os átomos se transformam de entidades auto-orientadas em orientadas para o sistema, o que significa altruísmo.

Desse modo, outra camada do nível inanimado do desejo de receber foi corrigida. E embora não haja liberdade de escolha nessa correção, o modus operandi altruístico é todo o requerido para os minerais serem considerados corrigidos. Como o Estágio Um não tem qualquer liberdade de escolha na sua evolução, também o nível inanimado não tem liberdade de escolha na sua evolução; ele simplesmente trabalha para assegurar sua sobrevivência da melhor forma possível.

Curiosamente, a teoria de Darwin reflete quase o mesmo padrão em seu princípio de seleção natural. Uma diferença entre a Cabalá e o Darwinismo é que o Darwinismo define moléculas estáveis vs. não estáveis, e a Cabalá define moléculas equilibradas vs. desequilibradas. Moléculas equilibradas apoiam os átomos que as compõem, e os  átomos igualmente apoiam suas moléculas.

Em O Gene Egoísta, Richard Dawkins — um dos mais renomados defensores contemporâneos de Darwin — descreve o processo de evolução molecular: “A mais antiga forma de seleção natural foi simplesmente a seleção de formas estáveis e a rejeição das instáveis. Não há mistério nisso. Isso tinha de acontecer por definição.”xix

As observações de Dawkins são congruentes com as da Cabalá. Na terminologia Cabalística, uma molécula estável é aquela que abdica de seu próprio interesse em favor do interesse da molécula. As “formas estáveis” de Dawkins, portanto, são sinônimos das “moléculas corrigidas” da Cabalá, nas quais os átomos se tornaram “altruístas”. Reciprocamente, nas moléculas instáveis (não corrigidas), um ou mais átomos se mantêm focados em seus interesses próprios.

Seguindo o mesmo procedimento das partículas e dos átomos, as moléculas começaram a se unir e a criar o que os biólogos chamam “interações moleculares” ou “conexões”. O mesmo aconteceu com as moléculas, interações em que as moléculas se dedicaram à força e ao bem estar das conexões prosperaram, e aquelas cujas moléculas apoiaram apenas parcialmente a conexão se desintegraram.

Existem muitas formas de interações moleculares na natureza, mas há menos de quatro bilhões de anos, uma interação em particular marcou a mudança entre o estágio inanimado na Terra (e talvez no universo) e o vegetativo. Esse agregado especial de moléculas recebeu o nome de “Ácido Desoxirribonucleico”, também conhecido como DNA (Imagem 2).


Imagem 2: Ácido Desoxirribonucleico, também chamado DNA

Nos átomos, as partículas assumem diferentes funções: alguns formam o núcleo e outras formam a parte externa ou casca, por exemplo. Similarmente, nas moléculas, os átomos assumem diferentes funções e devem aderir a formas rígidas de conexão. E finalmente, na interação molecular, cada molécula exerce uma diferente função.

Com o aparecimento do DNA, porém, as coisas começaram a mudar. O DNA não  é mais uma estrutura feita de diferentes moléculas que formam uma estrutura. Ele é uma estrutura que pode interagir com outras estruturas, e a cada estrutura é atribuída uma função diferente. Essas, combinadas, servem ao bem da estrutura. Em biologia, essas estruturas são chamadas “células” ou “organismos unicelulares” e constituem a mais primitiva forma de vida.

Pode-se argumentar que, essencialmente, esses organismos funcionam quase que da mesma maneira que os átomos, as moléculas ou as estruturas moleculares introduzidas antes. A estrutura única criada em torno do DNA, no entanto, permite que ocorram duas funções até então inexistentes: 1) O DNA é a primeira estrutura conhecida na natureza que pode replicar a si mesma, bem como replicar as estruturas moleculares que o suportam! 2) Células são as primeiras estruturas que sistematicamente interagem com seu ambiente. Elas absorvem nutrientes de seu ambiente, processam-nos para extrair a energia de que necessitam para sua sobrevivência e então excretam os resíduos. Além disso, as células podem repetir com precisão esse processo tantas vezes que podem de fato transformar seu ambiente.

Há muitas definições do que é a vida. Para ficar de um lado seguro, escolho a definição apresentada pela Enciclopédia Britânica: “Matéria que apresenta certos atributos, que incluem responsividade, crescimento, metabolismo, transformação de energia e reprodução.”xix As  primeiras células,  chamadas “procariontes”,  possuíam todos   esses atributos e representaram uma evolução direta da interação molecular. Assim, o começo da vida como conhecemos deveu-se à mesma lei pela qual todos os sistemas atingem equilíbrio e sustentabilidade — os constituintes abdicam de seus interesses próprios em beneficio do interesse de seu sistema hospedeiro, para, em contrapartida, o sistema cuidar deles.

Vegetativo

Como dissemos acima, os primeiros organismos vivos foram células primitivas, conhecidas como “procariontes”. Assim como ocorreu com os minerais na fase inanimada, os procariontes ficaram mais complexos.

A fase vegetativa na evolução da vida corresponde ao Estágio Dois. A diferença entre o Estágio Um e o Estágio Dois é que o Estágio Um é passivo — recebendo o que a Natureza lhe dá —, enquanto o Estágio Dois reage a isso, desejando dar em retorno. Similarmente, as plantas respondem ao seu ambiente e interagem com ele. Seu produto, o oxigênio, é um presente da flora para o nosso mundo e é um elemento tão vital para a vida, que, sem ele, a evolução como conhecemos não seria possível.

Em sua “Introdução ao Livro do Zohar”xix, Ashlag explica que o nível vegetativo do desejo de receber, como manifestado nas plantas, revela um desejo de receber mais intenso. Por essa razão, as estruturas criadas por ele são mais complexas e causam um impacto mais perceptível em seu ambiente.

Também, ao contrário dos minerais, as plantas são espécimes individuais, com sua própria reprodução, alimentação e até mecanismos de migração. Ainda, como os minerais, todas as plantas têm comportamento semelhante — aderindo com precisão ao programa instalado nelas pelo Criador. Elas abrem suas pétalas (se tiverem) ao mesmo tempo pela manhã e fecham-nas ao mesmo tempo à tarde, e seguem quase exatamente o mesmo procedimento de todos os outros espécimes em suas espécies.

Dessa maneira, de acordo com a lei de abdicar de seu interesse próprio, como  descrito na seção anterior, as células continuam a evoluir, produzindo estruturas cada vez mais intrincadas e complexas. Primeiramente, elas congregam células simples em grandes colônias. Então, gradualmente, começam a perceber que poderiam se beneficiar, atribuindo diferentes funções a diferentes grupos de células. Algumas células se tornam “caçadoras”, provendo alimento para a colônia inteira, outras células  se  tornam guardiãs, outras ainda se tornam limpadoras e cada grupo contribui com o seu melhor para a comunidade.

Conforme dissemos anteriormente sobre a colaboração das partículas, a colaboração dos diferentes órgãos não é coincidência. Ela se baseia em estruturas similares que existem no mundo espiritual, reino altruísta. A descrição dos mundos espirituais (altruístas) que fornecemos nos Capítulos 2 e 3 é uma versão muito básica deles. Em O Estudo das Dez Sefirotxix, Baal HaSulam fornece uma análise detalhada da estrutura interna do Partzuf que discutimos anteriormente e explica os sistemas, como o sistema digestivo, o sistema reprodutor, mãos, pernas, etc.

Baal HaSulam, entretanto, descreve todos esses elementos como interações entre o desejo de doar e o desejo de receber. Eles não são nenhum tipo de objeto físico, embora seu comportamento sirva como um “protótipo” para o comportamento de sistemas similares em nosso mundo. Em Cabalá, um protótipo é chamado “raiz”, e todos os seus desdobramentos são chamados “ramos”.

Além da vantagem óbvia que o tamanho das colônias tem sobre células individuais, retornando ao tópico da evolução, células em colônias têm outra vantagem sobre células individuais: elas podem se concentrar em uma única tarefa e assim aperfeiçoar seu desempenho, aumentando sua contribuição à colônia e confiando nas células companheiras para prover suas outras necessidades. Células isoladas, por outro lado, precisam atender a todas as necessidades de sustento por si mesmas. Essa eficiência elevada significa que as colônias gastam menos energia para produzir a mesma quantidade de comida, calor, proteção e qualquer outra necessidade. Ainda, abdicando de seu interesse próprio, as células começam a se diferenciar.

Com a evolução da diferenciação celular, maiores, mais fortes e mais diversificadas plantas apareceram. Ao permitirem que algumas células se concentrassem exclusivamente na absorção da água do solo e outras focassem a fotossíntese, as plantas começaram a atribuir  a certas seções da  colônia,  e  não  apenas a determinadas células, tarefas específicas. Isso resultou no aparecimento de órgãos, tais como raiz, tronco, galhos e folhas, que permitiram a evolução de plantas de alto nível. Assim como antes,  o fator determinante do sucesso ou da falha do novo estágio evolucionário foi o “consentimento” das células ou órgãos dentro do sistema hospedeiro em abdicar de seu interesse próprio em favor do sistema inteiro, nesse caso, a planta.

Animado

Por cerca de dois bilhões de anos, as plantas dominaram o planeta Terra. O desejo de receber que quebrou o Partzuf de Adão, porém, possuía mais facetas que precisavam de correção, isto é, era necessário serem ensinadas a trabalhar como um sistema, abdicando de seu interesse egoísta em prol do interesse do sistema hospedeiro. Como os desejos continuaram a emergir, aqueles que eram correlacionados ao Estágio Três dos quatro estágios começaram a se manifestar, criando formas de vida mais complexas.

Por causa de seu alto nível de desejo, explicado por Ashlag em sua “Introdução ao Livro do Zohar”, cada espécime pertencente ao Estágio Três tinha um elevado senso de autodeterminação e um maior desejo por autonomia. Assim, enquanto os espécimes continuaram a se reconhecer como partes de uma espécie, começaram a desenvolver identidades individuais.xix

Os corais, por exemplo, que evoluíram há aproximadamente 500 milhões de anos, estão entre as primeiras espécies de animais a surgir. Alguns desenvolveram (uma forma primitiva de) músculos que permitiram seu movimento, e assim se tornaram aptos a se moverem com relativa liberdade. Além do mais, diferentemente das plantas, que proveem suas necessidades nutricionais pela fotossíntese, os corais precisam se prender  a outros organismos para se sustentar e frequentemente contêm células de algas que realizam a fotossíntese e asseguram o suprimento de carboidratos (açúcares) (Imagem 3).

Imagem 3: Ao contrário das plantas, que fazem fotossíntese para sua nutrição, corais se alimentam se prendendo em outros organismos.

Os corais, no entanto, possuem outra forma de tecido característico dos animais: nervos. O surgimento do sistema nervoso, particularmente do Sistema Nervoso Central (SNC), permitiu maior controle sobre as funções do organismo e facilitou a evolução da fauna diversificada que existe hoje.

Abaixo está uma linha do tempo muito aproximada dos 3,8 bilhões de anos da história  da vida na Terra, demonstrando como os desejos se manifestam na evolução:

Inanimado — Estágio Um
  • 3,8 bilhões de anos até o surgimento de células simples (procariontes);
Vegetativo — Estágio Dois
  • 3 bilhões de anos até o surgimento de fotossíntese;
  • 2 bilhões de anos até o surgimento de células complexas (eucariontes);
  • 1 bilhão de anos até o surgimento de vida multicelular.
Animado — Estágio Três
  • 600 milhões de anos até o surgimento de animais simples;
  • 570 milhões de anos até o surgimento de insetos;
  • 550 milhões de anos até o surgimento de animais complexos;
  • 500 milhões de anos até o surgimento de peixes;
  • 475 milhões de anos até o surgimento de plantas terrestres;
  • 400 milhões de anos até o surgimento de sementes;
  • 300 milhões de anos até o surgimento de répteis;
  • 200 milhões de anos até o surgimento de mamíferos;
  • 150 milhões de anos até o surgimento de aves;
  • 130 milhões de anos até o surgimento de flores;
  • 65 milhões de anos até a morte de dinossauros não alados;
Humano (Falante) — Estágio Quatro
  • 2,5 milhões de anos até o surgimento do gênero Homo;
  • 000 anos até o surgimento do Homo Sapiens.

Como podemos ver na lista acima, a evolução das espécies e a evolução dos desejos correspondem bastante bem. O próximo capítulo será dedicado ao aparecimento e à evolução do Estágio Quatro do desejo de receber na Terra —“o falante” — ou seja, o ser humano.

Capítulo 4: O Universo e a Vida na Terra

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

No final do capítulo anterior, nós dissemos que a quebra da alma de Adão é a nossa origem comum. Sendo um Partzuf, a estrutura de Adão era uma réplica perfeita de seu Partzuf pai (corrigido). Na quebra, Adão estendeu a estrutura dos mundos espirituais (mundos de doação) até seu ponto mais baixo — recepção definitiva.

Em consequência, tudo o que existe nos mundos espirituais também existe em nosso mundo. Por essa razão, o mesmo padrão de quatro estágios pelos quais os desejos evoluíram, seguido pelos quatro estágios de evolução dos mundos espirituais, existe em nosso mundo físico. Conforme exploramos como nosso mundo evoluiu, devemos ter em mente os desejos que o evocam e o guiam.

Nascimento e Queda de Adão

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Até agora, discutimos a origem da Criação. Explicamos como a Criação recebe o prazer que pode com a finalidade de doar, e se constrói para ser o mais semelhante possível ao seu Criador. Mesmo depois que todos os mundos foram criados no Partzuf (empresa) e todas as luzes que podem ser recebidas a fim de doar são recebidas no Partzuf, resta ainda um desejo que não pode ser posto para trabalhar no Partzuf ─ o desejo de ser como o Criador. Esse é o desejo a que o anfitrião, na alegoria de Ashlag, estava se referindo,  quando  disse  (Capítulo  2):  “Nesse  caso,  nunca  nasceu  uma  pessoa  que pudesse satisfazer os seus desejos.”66 Esse é o desejo mais intenso, o desejo central do Estágio Quatro e, ao mesmo tempo, absolutamente inatingível.

Assim, uma vez que todos os desejos foram explorados ao máximo, o departamento de marketing (luz circundante) da Criação (empresa), lembrou ao gerente da companhia ─  o Rosh (Cabeça) da Criação ─ que havia ainda mais luz a ser recebida. Agora era dever do Rosh analisar esse novo desejo e determinar se poderia recebê-lo com a intenção de doar.

Por essa razão, o Rosh convocou uma assembleia especial do conselho para discutir o destino desse último desejo. Nessa reunião, o argumento para não usá-lo era ser ele demasiado forte para se lidar. De fato, como se pode lidar com um desejo de ser como seu pai? Se o Partzuf realmente recebesse o que queria naquele desejo, seria como se uma criança se tornasse um adulto instantaneamente, sem o conhecimento e a experiência adquiridos ao longo dos anos de crescimento. É claro que seria muito complicado e perigoso lidar com tal desejo.

“Por outro lado”, argumentaram outros diretores, “se considerarmos a natureza desse desejo, vamos perceber que não pode haver qualquer perigo nele.” “De fato”, alegaram, “é à prova de erros.”

“Como assim?”, perguntaram os opositores. “É à prova de erros por causa da natureza do próprio desejo — ser como o Criador, um doador. Quão perigoso pode ser querer doar?”

Os defensores convenceram os opositores, e a decisão tomada foi de a Criação contratar o maior desejo — o desejo de ser como o Criador. Para fazer isso, a Criação construiu um Partzuf distinto, chamado Adam ha Rishon (O Primeiro Homem), e atribuiu a ele a tarefa de operar e gerenciar o desejo final e maior de todos.

A decisão de tentar receber o último e maior de todos os prazeres, no entanto, acabou  por se revelar um erro fatal. O que a Criação não sabia era que a luz maior, que vem com o maior desejo, tem um dom ligado a ela. Quando você se torna como o Criador, você se torna como o Criador no sentido pleno da palavra, não apenas no seu desejo de doar, mas também na sua capacidade de doar — para criar— você se torna onipotente e onisciente. Esse foi um prazer que a Criação não poderia receber com a intenção de doar.

Assim que Adão, o Partzuf especialmente concebido, começou a receber a luz, ele (Adão) descobriu os dons ligados à luz, e eles eram tão fascinantes que ele esqueceu completamente a intenção de doar.

E no minuto em que Adão começou a pensar dessa maneira, ele tentou agir para ser um criador. Para criar, porém, você precisa do desejo de doar, e Adão não o tinha. Isso despertou a inferioridade e a vergonha que foram cobertos pela Masach inicial no Estágio Quatro e, com isso, a luz desapareceu, tal como aconteceu durante a restrição.

O desejo de Adão, no entanto, não podia mais ser revertido; ele viu que  prazeres esperam por aqueles que se tornam como o Criador e não conseguiu esquecê-los. Por essa razão, Adão não podia ser posto para trabalhar a fim de doar, porque sabia que, se conseguisse encontrar uma  maneira de ser como o Criador, seria o único governante do universo, de toda a realidade. Assim, em seu cerne, Adão se tornou egoísta, cada parte sua desejando ser como o Criador. Em consequência, as partes egoístas se  desintegraram em miríades de frações, cada uma com seu próprio pequeno  desejo egoísta de se tornar como o Criador.

A fragmentação do Partzuf de Adão é conhecida como “a quebra da alma de Adão” ou, para encurtar, “a quebra da alma”. Com a fragmentação de Adão, uma nova entidade apareceu na realidade — uma entidade egoísta, cujo desejo é o de doar para si mesmo, em vez de para o Criador, e cujo último desejo é por onipotência e onisciência, ao invés de por total doação.

Na Cabalá, explica Baal HaSulam no “Prefácio à Sabedoria da Cabalá”, a diferença entre espiritualidade e corporeidade é que, no reino espiritual, não há desejo de receber sem um Masach, enquanto na realidade corporal só existe um desejo de receber sem Masach 67. Assim, nosso universo é o único reino corpóreo existente, e tudo o que existe em nosso universo é a descendência da quebra da alma de Adão.

A razão pela qual consideramos o nosso universo um “mundo”, o mesmo termo que atribuímos aos mundos espirituais, é que um “mundo” reflete certa medida de ocultação da luz. A única diferença entre nosso universo corpóreo e os mundos espirituais é que, num mundo espiritual, mesmo quando não há luz em tudo, ainda há consciência da qualidade de doação do Criador e o desejo de possuí-la. Em nosso universo, ocorre uma ocultação tão completa que sequer estamos conscientes do significado da palavra “Criador”, e pensamos nele como uma entidade (se não uma pessoa) que aguarda nossas súplicas, devolvendo-nos uma resposta misericordiosa.

Em hebraico, os seres humanos são chamados de Bnei Adam (os filhos de Adão). Na verdade, somos descendentes do erro de Adão e, portanto, apenas nós poderemos consertá-lo. Sendo a única espécie que pode escolher seu curso na vida, os seres humanos são os únicos que podem determinar o destino de toda a vida na Terra — para melhor ou para pior.

Como veremos nos próximos capítulos, reservada aos humanos, a Natureza como um todo obedece a uma regra que se alinha com as leis do mundo espiritual. Nós, por outro lado, devemos aprender a respeitar essa regra por nós mesmos. Ao desejarmos  a intenção de doar mais que a graça que vem da doação (onipotência e onisciência), nós poderemos consertar o erro de Adão. Ou seja, escolhendo a intenção de doar, o dom ainda continua ligado a ele e vamos continuar recebendo onipotência e onisciência. Se tivermos a intenção de doar, receberemos o dom de sermos semelhantes ao Criador, porque sabemos que, fazendo isso, estamos agradando ao Criador, que quer nos dar esse presente. Como resultado, vamos desfrutar a dádiva, mas não nos quebraremos — caindo no egocentrismo — como aconteceu da primeira vez. Esse será o fim da  correção para toda a humanidade, e a realização do propósito da Criação, como pretendido no pensamento do Criador da Criação.

No capítulo seguinte, iremos explorar a forma como a vida evoluiu no mundo corpóreo (físico) após a quebra de Adão, que partes da Criação já foram corrigidas e o que ainda aguarda nossa correção: escolher doar em vez de receber.

Nomes Paralelos

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Em “A Essência da Sabedoria da Cabalá”, Baal HaSulam explica que os mundos ABYA são todos muito semelhantes entre si: “Os Cabalistas descobriram que a forma dos  quatro mundos, chamados Atzilut, Beriá, Yetzirá e Assiyá, começando com o primeiro, mais elevado, chamado Atzilut, e terminando neste mundo corpóreo, tangível, chamado Assiyá, é exatamente o mesmo… Isso significa que tudo o que, eventualmente, ocorre no primeiro mundo, também é encontrado inalterado no próximo mundo. E assim ocorre igualmente em todos os mundos que o seguem, até este mundo tangível.

“Não há diferença entre eles, mas apenas um grau distinto, percebido na substância dos elementos da realidade em cada mundo. A substância dos elementos da realidade no primeiro, mundo Superior, é mais pura [mais doadora] que em todos os mundos abaixo dele, e a substância dos elementos da realidade do segundo mundo é mais grosseira [mais recebedora] do que a do primeiro mundo, porém mais pura que a dos graus inferiores.

“Isso continua da mesma maneira até este nosso mundo, cuja substância dos elementos é mais grosseira e mais escura que em todos os mundos precedentes [mais recebedora, até o ponto do egoísmo]. As formas e os elementos da realidade e todas as suas ocorrências, no entanto, vêm inalteradas e iguais em todos os mundos, tanto em quantidade quanto em qualidade.”60

Embora a Cabalá fale de desejos e não de objetos físicos, porque todos os mundos são praticamente idênticos, os Cabalistas costumam usar nomes de objetos ou processos do mundo físico para explicar os estados espirituais ou processos que ocorrem no nível dos desejos. Exemplos físicos são muito mais claros e tangíveis. O termo Partzuf  (Face), que discutimos acima, é um desses casos. Um exemplo mais “picante” seria Zivug de Hakaa (acoplamento por golpes), que é um nome em código para descrever todo o processo de rejeição da luz (o golpear) e depois a recepção (o acoplamento) de apenas a quantidade de luz que pode ser  recebida com o fim de outorgar.

Em conformidade, em sua “Introdução ao Livro do Zohar”, Ashlag explica que o nome “inanimado” foi dado ao mundo de Atzilut, porque consiste do desejo de receber no Estágio Um, que é completamente passivo61.

O equivalente corporal do mundo de Atzilut são os minerais. Todos os minerais se esforçam (desejam) manter sua forma. Eles não têm nenhum desejo de se tornar outra coisa senão o que eles já são; se você tentar mudá-los em outra coisa, terá de aplicar energia e manipulá-los, porque irão resistir à mudança.

Nas palavras de Ashlag, “o Estágio Um do desejo de receber, chamado ‘inanimado’, (…) é a manifestação inicial da vontade de receber neste mundo corpóreo. (…) nenhum movimento, porém, é aparente em seus itens particulares. (…) E já que há somente um pequeno desejo de receber (…) o seu poder sobre os itens particulares [minerais] é indistinguível”62.

Beriá recebeu o nome de “vegetativo”, já que é o começo de um desejo independente. Como o esperado, a manifestação material desse desejo são plantas. As plantas crescem, florescem e murcham, e cada planta é uma entidade distinta, ao contrário do  agregado de moléculas que forma os minerais. As plantas, no entanto, não têm livre escolha em seus movimentos. Quando as plantas de um certo tipo crescem em estreita proximidade, todas se comportam exatamente da mesma maneira. Por exemplo, a cabeça de qualquer girassol estará sempre virada para o sol (Imagem 1), e todas as espigas de trigo ficam amarelas quando se aproxima a época da colheita.

Imagem 1: A cabeça do girassol sempre irá se mover em direção ao sol.

 

Yetzirá foi chamado “animado” e corresponde ao Estágio Três do desejo de receber. Em Yetzirá, a Criação desfruta de uma substancial medida de “liberdade e individualidade (…) uma vida única para cada item”, escreve Ashlag na Introdução acima mencionada. Em Yetzirá, no entanto, explica ele, “o desejo ainda não tem a sensação dos outros, ou seja, não está  preparado para participar das dores ou alegrias dos outros”63.

Assiyá foi chamado “falante” ou “humano”, uma vez que reflete a forma  completa e mais complexa do desejo de receber. No nível humano, e Ashlag explica que essa  é  uma diferença fundamental entre os níveis falante e animado, o desejo de receber inclui a sensação dos outros64: “O desejo de receber no animado, que não tem a sensação dos outros, só pode gerar necessidades e desejos, na medida em que eles são impressos somente nessa criatura. O humano, porém, que pode sentir os outros também, torna-se carente de tudo o que os outros têm e sente, portanto, inveja de tudo o que os outros têm.” Por essa razão, “quando tem cem, deseja ter duzentos, e assim suas necessidades sempre se multiplicam até que queira devorar tudo o que há no mundo inteiro.” 65

Para realmente entender a diferença entre o nível humano dos desejos e todos os outros níveis, considere o seguinte experimento: ofereça a um cão um smartphone touch- screen novo em vez de sua comida favorita e veja qual deles ele escolhe. Depois, substitua o alimento do cão por comida humana e deixe o smartphone. Então tente a mesma experiência com uma pessoa.

Como os Desejos se Tornam Mundos

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Continuando a alegoria Partzuf/empresa, a companhia, também conhecida como “Criação”, começa a organizar os desejos “desempregados” em sua lista de espera, colocando os mais fracos, mais fáceis de lidar no topo da lista, e os mais intensos, indisciplinados no final. A Criação divide esses desejos em quatro categorias, similares aos quatro estágios na evolução dos desejos. Refere-se a cada categoria como um arquivo Olam (mundo), da palavra hebraica Haalama (ocultação), uma vez que esses desejos devem ser mantidos separados e ocultos das luzes até que possam ser operados corretamente ─ com o objetivo de doar. Assim, os desejos com qualidades mais semelhantes ao Estágio Um são chamados “o mundo de Atzilut“; aqueles mais similares ao Estágio Dois, “o mundo de Beriá“; os mais semelhantes ao Estágio Três formam “o mundo de Yetzirá“; e os mais semelhante ao Estágio Quatro tornam-se “o mundo de “Assiyá” (Figura 8). Para simplificar, eles são chamados de “ABYA“.

Figura 8: A Criação divide os desejos remanescentes em quatro categorias, com características semelhantes às quatro fases da evolução dos desejos. Cada categoria se refere a um Olam (mundo), da palavra hebraica Haalama (ocultação).

Quando Cabalistas descrevem o reino espiritual ─ onde os desejos trabalham com a intenção de doar ─, geralmente os dividem em mundos e descrevem o que acontece neles (como os desejos realmente recebem). Eles, portanto, se referem a tudo o que precede o mundo de ABYA como um mundo também e o chamam “o mundo de AK” (Adam Kadmon ─ o homem primordial). De certa forma, o mundo de AK é paralelo ao Estágio Raiz, ou Estágio Zero, na evolução dos desejos.

Note-se que nosso mundo não é mencionado entre os mundos espirituais. Porque nosso mundo está baseado no egoísmo e os mundos da Cabalá refletem níveis de doação, nosso mundo não é considerado parte do sistema espiritual (com o propósito de doar).

O sistema espiritual está incessantemente evoluindo a partir da interação entre as suas forças, gradualmente fazendo mais com que seu desejo seja capaz de receber com a intenção de doar, construindo cada etapa baseado nas conclusões e ações executadas em suas fases anteriores. Da mesma forma como um bebê cresce, suas habilidades físicas  e cognitivas se desenvolvem a partir da construção de capacidades previamente  adquiridas e observações. Sem passar por esses estágios iniciais de desenvolvimento, os bebês não se tornam adultos. É claro, nós não mantemos nem precisamos manter essas observações do início da vida em nossa consciência enquanto vivemos nossa rotina diária, uma vez que se tornaram automáticas, mas, ainda assim, estamos constantemente usando-as em nossa vida adulta.

Ajudamos as crianças a adquirir novas capacidades e dados e as vigiamos para nos certificarmos de que não tentem fazer as coisas prematuramente. Da mesma forma, para completar o “amadurecimento” da criação em ser parecida com o Criador, é necessário aprender com quais desejos se pode trabalhar (receber a fim de doar), bem  como quais os desejos com que ainda não se pode trabalhar, porque iriam despertar os sentimentos de inferioridade e vergonha.

Assim, em cada mundo, a Criação examina cuidadosamente a luz (prazer) que o desejo de doar quis lhe transmitir. Em Atzilut, a Criação recebe toda a luz, já que Atzilut corresponde ao desejo do Primeiro Estágio ─ recepção de toda a  luz  “automaticamente”, não estando seu próprio desejo de receber envolvido. Por  essa razão, a combinação desejo-prazer em Atzilut é chamada “parada” ou “inanimada”, já que ainda é o desejo passivo.

Em Beriá, a Criação recebe menos luz, porque Beriá corresponde ao Estágio Dois,  que é um estado mais desenvolvido do desejo de receber ─ um desejo de doar como o Criador. Como Beriá corresponde ao primeiro desejo que reagiu à luz, a ele foi dado o nome do primeiro nível de vida: “vegetativo”.

Em Yetzirá, a Criação recebe ainda menos luz que em Beriá, porque Yetzirá  corresponde ao Estágio Três no desejo de receber, que recebeu apenas um pouco da luz para começar (veja Capítulo 2, “As Quatro Fases e a Raiz da Criação”). Ainda, é um estágio mais desenvolvido na evolução do desejo de receber, mostrando certo nível de autonomia. Por essa razão recebeu o nome do nível de evolução cujos membros mostraram ao menos alguma autonomia ─ “animado”.

Em Assiyá, a Criação recebe tão pouca luz que ela não é sentida como prazer, mas como mero sustento. Assiyá corresponde ao Estágio Quatro na evolução dos desejos e, assim como o Estágio Quatro experimentou a restrição, o mundo de Assiyá é impedido de experimentar a luz. Como, porém, corresponde ao último, mais desenvolvido e mais complexo nível do desejo, recebe o nome do seu paralelo físico: “humano” ou “falante”.

Capítulo 3: A ORIGEM COMPARTILHADA DA HUMANIDADE

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

No capítulo anterior, falamos sobre o surgimento do desejo de receber no Estágio Um e do desejo de doar no Estágio Dois, como ramificação do desejo primordial de doar na Raiz. Também mostramos que, devido a seu desejo de doar, o desejo de receber foi reativado no Estágio Três e maximizado no Estágio Quatro. A maximização do desejo de receber levou a querer não apenas desfrutar, mas a realmente tornar-se como seu progenitor ─ o Estágio Raiz ─ e até mesmo a ter o status  de primazia do Estágio Raiz.  A realização posterior que não foi (ainda) possível induziu um senso de inferioridade inerente no Estágio Quatro, que levou a uma restrição ─ a eliminação de qualquer sensação de prazer (luz).

Também porque o desejo real do Estágio Quatro é pela primazia da Raiz, ele não se contenta com o prazer ilimitado que recebeu no Estágio Um. Em vez disso, deseja obter a natureza da Raiz, o Pensamento da Criação, e, consequentemente, a primazia da Raiz.

Assim, a eliminação do prazer no Estágio Quatro não é resultado de sua incapacidade de receber, nem consequência da incapacidade de doar da Raiz. A Raiz doa incessantemente, mas o desejo de receber não quer receber algo tão degradante como caridade (como descrito por Ashlag em “A Outorga da Torá”59). Por essa razão, porque o Estágio Quatro deseja adquirir o pensamento do doador e se tornar como seu Criador, a sua restrição é um desdobramento de sua decisão de não receber a não ser com a intenção de doar, porque assim  retribui o desejo de doar do Criador.

Para isso, o Estágio Quatro cria um mecanismo de três partes, chamado Partzuf (Face), para determinar se ele deve receber luz e, em caso afirmativo, quanto, com a intenção de doar a qualquer momento (Figura 6). A seção superior do Partzuf é chamada Rosh (Cabeça). Sua tarefa é determinar o quanto da abundância (luz) será recebida  pelo desejo de receber. O desejo de receber em si mesmo constitui a parte  inferior  do Partzuf, que é chamada Guf (Corpo).

Entre o Rosh (Cabeça) e o Guf (Corpo) ergue-se a Masach (Tela). Assim como uma membrana permeável seletiva permite que apenas algumas moléculas se infiltrem através dela, a Masach bloqueia a luz, permitindo que no Guf entre somente  a quantidade de luz que o Rosh decidiu que poderia receber com a intenção de doar, e, ao mesmo tempo, repele o restante da luz. Dessa forma, a Masach funciona como um guarda, garantindo que a degradação sentida imediatamente antes da restrição não irá retornar.

Figura 6: O mecanismo chamado Partzuf (Face): o Rosh (Cabeça) determina o quanto  da abundância (luz) se pode receber. O Guf (Corpo) é o desejo de receber em si mesmo, e entre o Rosh e o Guf ergue-se a Masach (Tela), que admite no Guf apenas tanta luz quanto possa ser recebida a fim de outorgar.

 

Em certo sentido, um Partzuf pode ser comparado a uma grande empresa, na qual o Masach é como o departamento de Recursos Humanos (HR). Se a gestão, o Rosh (Cabeça), pretende aumentar a produção (doação, nível de ser como o Criador), precisa contratar mais pessoas (desejos) para poder receber mais luz/prazer (para assim doar ao doador). Uma vez que novas pessoas são contratadas, serão admitidas na empresa (Guf, Corpo) e postas para trabalhar: recebendo prazer com a finalidade de doar.

Quando o Rosh decide que é hora de agir, o Masach ─ departamento de RH ─ seleciona os candidatos (desejos) e escolhe apenas os corretos. Um novo funcionário (desejo) não deve ser subqualificado (muito pequeno), uma vez que assim não traria prazer  ao Criador (porque não se pode sentir um grande prazer quando se tem um desejo pequeno por ele). Ele também não pode ser superqualificado (desejos demasiado intensos para serem usados com a intenção de doar), uma vez que despertar o desejo excessivo de receber resulta na degradação da criatura.

Em ambos, no Partzuf e em sua mundana empresa “de trabalho da mesma natureza” a que podemos chamar “Criação”,  um problema permanece sem solução: o  que acontece com os desejos (pessoas) que não foram empregados (para o trabalho de doação no Guf do Partzuf)? Elas estão condenadas ao desemprego eterno (rejeição)? Isso significa que sempre haverá luzes (prazeres) que o Criador deseja transmitir, mas que não podemos receber. Isso desafia o propósito da criação: possibilitar aos destinatários (Criação, nós) receber prazer sem limite, poder, conhecimento e supremacia do Criador.

De fato, eventualmente todos os desejos serão “contratados” e colocados para trabalhar, e todas as luzes serão recebidas. Para evitar sobrecarregar o sistema e correr o risco de um colapso total, alguns desejos, no entanto, devem ser temporariamente suspensos. As luzes que deveriam ser recebidas nesses desejos são, portanto, refletidas e permanecem como “luzes circundantes” (Figura 7).

Os desejos e as luzes que por enquanto não podem ser colocados para trabalhar aplicam uma pressão constante sobre o Partzuf , “lembrando” que há ainda mais prazer para receber se for para receber do Criador tudo o que o Criador deseja transmitir. Em nosso exemplo mundano, o departamento de marketing é a “luz circundante” ─ constantemente relatando novos mercados potenciais nos quais a empresa pode se expandir e gerar lucros substanciais.

Figura 7: Enquanto o Partzuf é incapaz de receber toda a luz, a luz refletida deve permanecer fora do Partzuf. Ela é chamada “luz circundante”.

Gênesis

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Em seu livro A Árvore da Vida, o grande Cabalista do século XVI, Isaac Luria (o Ari), fundador da Cabalá Luriânica, hoje escola predominante da Cabalá, escreveu: “Saiba que antes de as emanações serem emanadas e as criaturas criadas, uma Luz Superior, Simples preenchia toda a realidade. E não havia lugar vago, como uma atmosfera vazia  e um vazio, mas tudo era preenchido pela Luz simples e ilimitada.”42

Desde então, apenas um Cabalista se aventurou a escrever uma explicação abrangente acerca dessas frases profundas, como também introduziu um comentário completo sobre O Livro do Zohar: o Cabalista Rav Yehuda Ashlag, Baal HaSulam. Em seu comentário de seis volumes sobre os escritos do Ari, conhecido como Talmud Eser Sefirot (O Estudo  das Dez Sefirot),  Baal HaSulam explica  que  a  Luz  à  qual o  Ari se  refere   é “Todas as sensações agradáveis e concepções neste mundo.”43 Ele também define “Luz” como “tudo, com exceção da substância dos vasos [desejo de receber].”44

Em outras palavras, existem apenas dois “seres” na existência: o desejo de doar, que Ashlag define como “luz”, “Criador” ou “prazer”, e o desejo de receber prazer, de deleitar-se, que ele chama de “um vaso”, “a criatura” ou “o ser criado.” Para entender como toda a realidade pode surgir de apenas dois desejos, precisamos examinar mais profundamente a forma como eles interagem.

Quatro Estágios e a Raiz da Criação

Gravidade, eletricidade e todas as outras forças da natureza são fenômenos atemporais. Em outras palavras, não se pode indicar um ponto específico no tempo em que  elas foram criadas, porque as forças da natureza não são eventos específicos; elas são potenciais ou campos que cobrem a totalidade do espaço-tempo. Elas se manifestam sob determinadas condições e, dados os instrumentos adequados, pode-se detectar a sua existência.

Para provar a existência da energia elétrica, é necessária uma resistência de algum tipo, como uma lâmpada ou um medidor de corrente. Sem algo que resista ao fluxo da corrente elétrica, nunca poderíamos saber que a eletricidade estava fluindo através dele e jamais poderíamos descobrir a existência da eletricidade. Da mesma maneira, para provar a existência da gravidade, precisamos observar seus efeitos sobre a massa física e para descobrir a luz, precisamos de um objeto que a luz ilumine, o que  significa bloquear a luz e refleti-la de volta a nossos olhos.

Exatamente da mesma forma, os Cabalistas descobriram o desejo de doar por meio da interação desse desejo com seu resistor ─ seus próprios desejos de receber. Quando refinaram e calibraram suas resistências, ou seja, os desejos de receber, eles foram capazes de detectar a força que operava esses desejos. Foi assim que Abraão descobriu que a força que operava os seus desejos e o resto da realidade era um desejo de doar. Esse é o conhecimento que Abraão passou para seus filhos e alunos e esse ainda é o conhecimento que os Cabalistas passam de professor para aluno e agora para o mundo inteiro.

Vale lembrar: a diferença entre um Cabalista e outro não está no conhecimento que cada um transmite, mas na linguagem e no estilo que cada um usa para transmiti-lo. A razão pela qual eu estou contando principalmente com os escritos de Ashlag não é porque ele possuísse conhecimento mais extenso do que, digamos, o Ari. Estou usando seus  escritos simplesmente porque ele é o Cabalista mais recente e escreveu em estilo mais contemporâneo. Ele é, portanto, o mais fácil de ser entendido por um leitor do século XXI com pouca ou nenhuma experiência em Cabalá. Quanto mais avançamos no tempo, mais difícil se torna compreender o sentido pleno dos textos cabalísticos.

Voltando ao tema, em O Estudo das Dez Sefirot, Ashlag nos diz que esse desejo de doar criou o desejo de receber como um desdobramento necessário do seu desejo de doar.45 Em outras palavras, porque o desejo é um desejo de doar, ele criou algo que desejasse receber. Assim como é impossível explicar o que é dia sem também entender o que é noite, ou entender o conceito de “lado esquerdo” sem ter o conceito de “lado direito”, da mesma forma é impossível perceber o desejo de receber sem perceber o desejo de doar.

Para colocar as coisas no contexto correto, quando os Cabalistas falam do Criador, eles estão se referindo ao desejo de doar, e quando falam da Criação, estão se referindo ao desejo de receber o que o Criador doa. Além disso, quando eles apresentam um diálogo entre o Criador e as criaturas, como nós encontramos na Bíblia, eles estão realmente introduzindo uma interação específica entre o desejo de doar e o desejo de receber, e não uma troca de vocalismos entre um agregado de proteínas e uma voz nas nuvens.

A esse respeito, na conclusão de sua introdução a O Estudo das Dez Sefirot (item 156), Ashlag toma cuidado especial ao nos advertir: “No entanto, há uma condição estrita  para o envolvimento nessa sabedoria ─ não materializar os assuntos a partir da imaginação ou de formas físicas. Isso é considerado violação, ‘Tu não farás para ti imagem de escultura, nem qualquer espécie de semelhança.’ (…) Para salvar os leitores de qualquer materialização, eu escrevi o livro O Estudo das Dez Sefirot, no qual compilei dos livros do Ari todos os principais ensaios sobre a explicação das dez Sefirot em uma linguagem mais simples e fácil.”46

Assim, na base da existência não existe matéria, mas formas do desejo de receber prazer criadas pelas interações com o Criador ─ o desejo de doar prazer.

Para fazer a ponte entre essa abordagem e um território mais familiar, imagine-se um raio. Para os gregos antigos, o raio era a arma tradicional de Zeus. Para nós, se consultarmos a Enciclopédia Britânica47, esse mesmo raio é meramente “A descarga visível de eletricidade que ocorre quando uma região de uma nuvem adquire uma carga elétrica em excesso suficiente para quebrar a resistência do ar.”

Da mesma forma, compreender o verdadeiro sentido da história de Abraão requer uma explanação feita por quem adquiriu conhecimento suficiente para explicá-la de maneira prosaica, racional, ou seja, um Cabalista, e de preferência um que possua conhecimento substancial e suficientes habilidades didáticas, tal como Ashlag.

Indo Atrás do Pensamento da Criação

No “Prefácio à Sabedoria da Cabalá”48, Baal HaSulam divide o início da Criação em cinco etapas e uma restrição, mas podemos reuni-las em três grupos. Pense nos dois primeiros grupos como sendo um carro e o combustível para seu motor e imagine que o terceiro grupo é o motorista.

O primeiro grupo contém apenas o Estágio Zero, a Raiz. Esse é o desejo de doar, a energia que cria e sustenta o carro chamado “Criação” (um modelo muito antigo, que não é mais fabricado).

O segundo grupo ─ Estágios Um e Dois ─ constrói uma “plataforma” para a evolução. Esse é o próprio carro. Em certo sentido, a plataforma que os dois estágios construíram se assemelha ao que Richard Dawkins descreveu em O Gene Egoísta como “A sopa primeva”49, o substrato oceânico que continha os ingredientes para o início da vida.

O terceiro grupo ─ Estágios Três e Quatro ─ é “o motorista”. Sua função é ligar o motor de evolução ─ a interação entre os desejos. Como explicaremos abaixo e no próximo capítulo, a restrição é a roda pela qual a criação é impulsionada em direção a seu propósito: descobrir o Pensamento da Criação.

Estágios Zero e Um

Primeiramente, um comentário geral sobre os estágios: depois que a Cabalá ganhou popularidade nos últimos anos, alguns de seus termos aparecem com diferentes acepções.  O  termo  Sefirot  é  frequentemente  mencionado  em  relação  à  origem  da Criação. É possível descrever o processo da Criação usando os nomes das Sefirot em  vez de estágios, mas isso pode complicar o assunto desnecessariamente. Para verificar como as Sefirot e as quatro fases referem-se ao mesmo processo, consulte-se o ensaio “Prefácio à Sabedoria da Cabalá”50.

Em termos Cabalísticos, a existência do desejo de doar sem o desejo de receber é chamado “Estágio Raiz” ou “Estágio Zero”. O Estágio Raiz é  imediatamente seguido por seu ramo obrigatório ─ “Estágio Um” ─, o desejo de receber, que está permeado com a abundância fornecida a ele pela Raiz, o desejo de doar.

Como resultado, nenhum elemento da existência, de partículas subatômicas a galáxias em expansão no universo, escapa do “binômio” dar–receber. Isso pode aparecer na forma de quente vs. frio, seco vs. molhado, pequeno vs. grande, centrífugo vs.  centrípeto, energia vs. matéria, etc., mas todos derivam dos opostos primordiais: dar e receber. Para ilustrar essa interação, eu uso uma flecha para baixo para denotar o desejo de doar, e uma tigela ou recipiente (usualmente chamado “vaso”) para denotar o desejo de receber (Figura 1)

Figura 1: O Estágio Raiz é imediatamente seguido por seu ramo obrigatório ─ Estágio Um –, que é o desejo de receber, permeado pela abundância fornecida pelo desejo de doar. A Raiz é chamada “Luz” e o desejo de receber, “vaso”.

Estágio Dois

O resultado do encontro entre os dois desejos no Estágio Um é o Estágio Dois. Aqui a interação real entre esses dois desejos realmente acontece. Para entender a mudança que ocorre entre o Estágio Um e o Estágio Dois, considere a admiração de uma criança por seus pais. Devido ao fato de que as crianças, especialmente no princípio da infância, idolatram os pais, elas se esforçam em imitá-los. Elas observam cada movimento dos pais atentamente (a tendência é os meninos observarem o pai e as meninas observarem a mãe), elas “estudam” o comportamento de seus pais e tentam seguir-lhes o exemplo.

Estudos contemporâneos mostram como as crianças estão atentas à orientação de seus pais. Em Perspectivas na Imitação: Da Neurociência às Ciências Sociais, Dr. Andrew Meltzoff e Wolfgang Prinz, professor da Universidade de Cambridge, Reino Unido, escrevem: “Os pais proporcionam a seus jovens um aprendizado sobre a maneira de agir como membro de sua cultura específica muito tempo antes que a instrução verbal seja possível. Uma grande variedade de comportamentos ─ desde usar ferramentas até os costumes sociais ─ é passada de uma geração a outra por meio da aprendizagem imitativa.”51

Além disso, o best-seller do Dr. Benjamin Spock, Cuidados com o Bebê e a Criança, dirigido aos pais, fornece uma descrição tão completa desse processo, que me sinto obrigado a apresentá-lo aqui praticamente na íntegra:

“A identificação é muito mais importante do que brincar. É assim que o caráter é construído. Depende mais do que as crianças percebem em seus pais e modelam em si mesmas depois, do que daquilo que os pais tentam ensinar-lhes em palavras. Essa é a forma como ideais e atitudes básicos das crianças são estabelecidos ─ para com o trabalho, para com as pessoas, para consigo mesmas (…) É assim que elas aprendem a ser o tipo de pais que serão daqui a vinte anos, como se pode prever ao se ver a forma carinhosa ou ao ouvir suas repreensões quando brincam com suas bonecas.”

Consciência de gênero. É nessa idade que a menina se torna mais consciente de que é mulher e vai crescer para ser uma mulher. Ela, então, observa sua mãe com atenção especial e tende a moldar-se à imagem de sua mãe: como sua mãe se sente em relação ao marido e ao sexo masculino em geral, em relação  às mulheres, em relação  a seus filho e filha, em relação ao trabalho e às tarefas domésticas. A menina não se tornará uma cópia exata de sua mãe, mas certamente será influenciada por ela em muitos aspectos.”

“Um garoto nessa idade percebe que está a caminho de se tornar um homem e, portanto tenta seguir predominantemente o padrão de seu pai: como seu pai se sente em relação à sua mulher e ao sexo feminino em geral, em relação aos outros homens, em relação a  seu filho ou filha, em relação ao trabalho fora e dentro de casa.”52

E assim como uma criança deseja crescer para ser como seu pai, a Segunda Fase na evolução do desejo é uma expressão da vontade do desejo de receber (Estágio Um) de ser como seus pais ─ o desejo de doar (a Raiz). Isso acontece porque o desejo de  receber ─ o “fruto” do desejo de dar ─ do Estágio  Um reconhece a  superioridade da Raiz e deseja ser como  o seu progenitor. E porque o  único  exemplo  que o Estágio Um recebe da Raiz é o de dar, no Estágio Dois o desejo de receber começa a querer doar também.

Anteriormente dissemos que a base da existência são formas do desejo de receber, criadas pelas interações com seu criador ─ o desejo de dar. Assim, a partir de duas reações naturais e “automáticas” à doação, dois desejos opostos emergem: receber (no Estágio Um) e doar (no Estágio Dois). As várias combinações desses dois desejos formam a base de cada objeto, cada acontecimento e toda evolução que ocorre em nosso mundo, inclusive nós ─ nossos corpos, nossos pensamentos e nossas ações.

Assim como uma criança deseja se tornar seu modelo parental, na raiz do desejo de dar no Estágio Dois encontra-se o desejo de receber o status superior do progenitor, poder e conhecimento. Em outras palavras, a Segunda Fase é o desejo de receber o status e a natureza da doação. Por essa razão, é melhor imaginar o Estágio Dois como um vaso (desejo de receber) que quer doar, ou “vaso de doação”. Por isso, a seta que designa esse desejo aponta para fora, em direção ao Criador (Figura 2).

O Estágio Dois, porém, é mais que um novo desejo. Ao querer doar, o Estágio Dois é admitido em um novo estado de ser. Como não deseja mais receber, mas doar, necessita de alguém a quem doar. Assim, para ser como seu criador – um doador – o Estágio Dois deve agir positiva e favoravelmente em relação aos outros.

Figura 2: Na raiz do desejo de doar no Estágio Dois, encontra-se o desejo de receber. É melhor, portanto, imaginar o Estágio Dois como um vaso (desejo de receber)  que almeja doar, ou “vaso de doação”.

 

Por essa razão, o Estágio Dois, a força que nos compele a doar apesar de nosso desejo subjacente de receber, é a força que torna a vida possível. Sem ela, os pais não teriam filhos (a quem pudessem doar), nem se importariam com eles assim que nascessem; a vida não seria possível.

De fato, o melhor exemplo do Estágio Dois é o amor da mãe por seu filho. Quando consideramos o amor infinito, a compaixão e o esforço das mães na criação de seus bebês, sentimos reverência e nos admiramos de que tamanha devoção seja mesmo possível. E ainda, quando olhamos para o rosto de uma mãe enquanto ela amamenta, troca fraldas ou banha o bebê, vemos que frequentemente está radiante. Por que isso acontece? O que dá às mães a habilidade de não apenas suportar tamanha tensão, mas desejar e sentir prazer nisso?

A resposta é simples e toda mãe a conhece instintivamente: ao se doar a seu bebê, ela experimenta imensa alegria. Há um desejo de receber o prazer da maternidade (ou paternidade) por trás de cada decisão de trazer uma nova vida ao mundo. Sem isso, as pessoas não teriam bebês, a não ser por engano, e isso seria péssimo para as crianças.

Agora podemos ver por que a força inicial da Natureza é o desejo de doar e não o desejo de receber. Capturando concisamente a essência desse conceito está a cabalística definição de altruísmo feita por Baal HaSulam. Em 1940, ele publicou um artigo intitulado “A Nação”, em que escreve: “A força altruísta [desejo de doar] é como ondas centrífugas ─ uma força direcionada para fora… que flui de dentro para fora.”53

 

Estágio Três

Como Ashlag afirmou, a evolução dos desejos, que pendem por causa e efeito, é obrigatória, aderindo a regras fixas e determinadas. O próximo passo obrigatório para o Estágio Dois é começar a doar, por ser isso o que ele quer fazer. No Estágio Dois, porém, o desejo que recém criou o desejo de doar tem um problema para resolver: ele quer doar, mas tudo o que existe além de si mesmo (o desejo de receber com suas duas etapas) é o desejo de doar que o criou. Consequentemente, a única coisa que o Estágio Dois pode dar a seu criador é sua vontade de receber. Em outras palavras, ele irá receber, assim como no Estágio Um, mas com a intenção de dar prazer à Raiz, ou seja, ao criador. Esse modus operandi “invertido”, em que o ato é recepção, mas a intenção é doação, é um conceito completamente novo e, portanto, merece um novo nome ─ “Estágio Três” (Figura 3).

Pode parecer estranho para alguns, mas nós aplicamos esse modo de  ação rotineiramente em nossos relacionamentos. Pense em um jovem que  vem visitar  sua mãe após não vê-la por um longo tempo. É bastante provável que a mãe queira preparar algo para seu filho querido comer. E se o filho não estiver com fome? Ele não vai comer? Na maioria dos casos, ele vai comer e expressar seu prazer pela comida simplesmente para agradar à mãe.

Figura 3: No Estágio Três, o desejo de receber escolhe receber não porque desfruta, mas porque isso agrada à Raiz, o desejo de doar.

 

Nesse caso, o filho não está focado em seu próprio prazer, mas no prazer da mãe em vê- lo comer. No “Prefácio à Sabedoria da Cabalá”54, Baal HaSulam descreve esse modo de trabalho como uso parcial do desejo de receber, apenas o mínimo necessário para a recepção do prazer, mantendo o centro de atenção no prazer do doador pela aceitação do recebedor. Em nosso exemplo culinário, o filho deve ter algum apetite ou não será capaz de comer. Seu apetite, entretanto, pode não ser grande o suficiente para mudar sua intenção (ou atenção) de agradar a sua mãe para agradar a si mesmo.

Estágio Quatro

Quando o apetite do filho é leve o suficiente para ser subordinado a seu desejo de agradar a sua mãe, ele pode se concentrar em sua intenção de agradar, ao invés de em seu estômago. E se ele estivesse com muita fome e não tivesse comido o dia todo? Será que ele ainda seria capaz de ignorar o seu estômago roncando, se concentrar apenas no prazer de sua mãe e comer apenas para agradar a ela? Quando o Estágio Três começa a receber porque deseja agradar à Raiz, ele percebe que, quanto mais recebe, mais agrada a seu criador, a Raiz.

Em consequência, começa a querer receber mais e mais e mais. Finalmente, gostaria de receber tudo, assim como no Estágio Um, despertando, desse modo, todos os seus desejos de receber. Esse autoevocado desejo total de receber é chamado “Estágio Quatro”.

Há, contudo, uma diferença fundamental entre o Estágio Um e o Estágio Quatro: a relação com o doador. O Estágio Um não se relaciona com o doador, apenas com a abundância. Assim que “percebe” que há o desejo de doar que o criou, o vaso quer ser como o doador, e isso inicia o Estágio Dois. O Estágio Quatro percebe não só a existência do doador, mas também a benevolência e a primazia do doador, uma vez que foi o desejo de doar que iniciou a criação. E sendo um completo desejo de receber, o Estágio Quatro almeja receber não apenas a abundância que o Estágio Um recebe, mas  o status de primazia da Raiz (Figura 4).

Figura 4: Sendo um total desejo de receber, o Estágio Quatro deseja não apenas a abundância do Estágio Um, mas o status de primazia da Raiz.

 

Para receber esse status, no entanto, o Estágio Quatro deve ser semelhante ao Criador, e não o é. Ao contrário, é um desejo consciente de receber tudo ─  onipotência, onisciência e até mesmo a natureza do Criador. Menos do que isso estaria incompleto,  já que não seria exatamente idêntico ao Criador. Isso é o que Ashlag quer dizer, quando escreve no “Prefácio à Sabedoria da Cabalá”55 que o Estágio Quatro pretende atingir o Pensamento da Criação (Figura 5).

Figura 5: O Estágio Quatro deseja alcançar o Pensamento da Criação

 

Em outro ensaio, “A Entrega da Torá [Luz]”, Ashlag oferece uma bela explicação sobre a natureza da relação Criador-criado que ocorre no início da Criação: “Essa questão é semelhante a um homem rico que diariamente cumulava um homem do mercado com ouro, prata e todas as coisas desejáveis. E a cada dia dava-lhe mais presentes do que no dia anterior. Finalmente, o homem rico perguntou: “Diga-me, todos os seus desejos foram satisfeitos?” Ele [o homem do mercado] respondeu: “Nem todos os meus desejos foram satisfeitos; quão bom e agradável seria se todos os bens e coisas preciosas tivessem vindo a mim por meu próprio trabalho, como elas vêm para você. Assim eu  não estaria recebendo a caridade de suas mãos.” O homem rico então lhe disse: “Nesse caso, nunca haverá uma pessoa capaz de satisfazer os seus desejos.”56

Esse ressentimento pelos presentes foi bem observado em pesquisa conduzida por El- Alayli e Lawrence A. Messe, da Michigan State University. Suas descobertas, publicadas no Journal of Experimental Social Psychology, dizem que, receber favores não esperados leva as pessoas a experimentarem duas emoções opostas: o desejo de retribuir o favor, que os pesquisadores corretamente descreveram como “obrigação”, ou o ressentimento, ao qual se referiram como “reação psicológica”57.

Além disso, escreveram: “A avaliação dos participantes acerca do supervisor (benfeitor) sugeriu que as pessoas têm impressões distintas acerca de quem fez os favores que violavam (excediam) as expectativas ou normas”58. Essa pesquisa claramente demonstra que é natural do ser humano sentir vergonha ou ficar constrangido quando tratado com excepcional generosidade. Essas emoções, a Cabalá explica, estão diretamente enraizadas na vergonha que o Estágio Quatro experimenta, quando se depara com a doação ilimitada sem ter a chance de se tornar um doador também.

Assim, quando o Estágio Quatro percebe que não pode obter a primazia  da  Raiz, percebe que não pode receber tudo e que é inerentemente inferior a seu criador. Isso instantaneamente extingue qualquer sensação de prazer no Estágio Quatro e, apesar da infinita abundância que a Raiz fornece, o Estágio Quatro permanece com um sentimento de vazio, já que seu maior desejo não lhe foi concedido. Em Cabalá, quando o desejo do Estágio Quatro de ser igual a seu criador ofusca todos os outros prazeres, isso  é chamado “restrição”. Como o desejo de ser igual ao Criador é muito maior do que os outros desejos, isso praticamente impede que o prazer seja experimentado.

Daqui para frente, a evolução se desdobra em um único e profundo propósito: possuir novamente a abundância que a Raiz deseja doar e que pode ser recebida apenas com a intenção de doar.