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Capítulo 9: Um Mundo

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Diante disso, o século XX parece ser o começo de um novo estado na evolução dos desejos. Cada âmbito de vínculo humano foi revolucionado (frequentemente re- ou contra- revolucionado) durante esse século. De fato, o ritmo da mudança nesse século se intensificou tanto, que a vida começou a mudar em ritmo exponencial.

Mais surpreendente, porém, que o ritmo do progresso foi o ritmo da globalização. O processo de se tornar um único sistema econômico, que teve início na Era dos Descobrimentos e do Colonialismo, culminou no século XX. No final do século, praticamente nenhum país permaneceu completamente autossuficiente.

Embora a rápida expansão e a mudança em todos os domínios da vida sejam claramente evidentes, seu escopo e velocidade são tão alarmantes que, do meu ponto de vista, isso merece uma pequena reflexão. Se você, no entanto, acha desnecessário analisar alguns dos maiores desenvolvimentos ocorridos no século XX, está convidado a ir diretamente para a próxima seção, intitulada “Links invisíveis”.

Em 1900, a população mundial era de, aproximadamente, 1.6 bilhões de pessoas. No final do século, era superior a seis bilhões. Em 1900, a velocidade média de um carro era de 11 quilômetros por hora. Cem anos depois, até mesmo um carro familiar poderia alcançar a velocidade média de 130 quilômetros por hora. Além disso, os principais meios de transporte mudaram de carruagens, bicicletas e caminhada para conduções motorizadas. Na virada do século XX, a maior parte das caminhadas era feita nas esteiras elétricas em casa, parques ou academias. E o mesmo pode ser dito em relação à bicicleta.

Nas viagens para o exterior, aviões comerciais substituíram completamente os navios de passageiros, e o tempo de viagem entre os continentes diminuiu de várias semanas para algumas horas (embora os navios de carga, e não os aviões, ainda sejam o principal  meio de transporte de mercadorias). E (muito literalmente) acima de tudo, para ajudar carros e navios a navegar, para alertá-los sobre o mau tempo e para o levantamento de território inimigo, temos satélites posicionados no espaço.

Com respeito à tecnologia, a vida mudou não somente em relação à rapidez e ao  conforto de nossas viagens, mas também nos instrumentos que usamos diariamente. Aparelhos como telefones (e mais tarde os celulares), lâmpadas elétricas, rádios, televisores e computadores não existiam ou estavam estreando no inicio de 1900. Em casa, a vida nunca foi tão fácil. Máquinas de lavar roupa, secadoras, refrigeradores, freezers, aspiradores de pó, fogão elétrico, e (desde os anos 1970) forno de micro-ondas – todos esses aparelhos se tornaram ferramentas caseiras.

Em 1900, o entretenimento popular era o vaudeville (um circuito itinerante de apresentações ao vivo, com mágicos, acrobatas, comediantes, animais  treinados, cantores e dançarinos), bem como filmes mudos em preto e branco e o ragtime. No ano 2000, os filmes “enlatados” já eram totalmente coloridos, além de terem som Dolby Surround Stereo, e os esportes profissionais se tornaram uma grande alternativa de entretenimento. A música ofereceu inúmeros estilos, cada um com seus numerosos subtítulos: rock, folk, blues, clássica, jazz, pop, hip-hop, trance, música étnica de todos os tipos, e a lista é interminável. Não somente música, mas teatro, artes visuais, fotografia e qualquer outra forma de arte têm se expandido exponencialmente em diversidade. Jogos de computador também se tornaram bem populares no  final  do século XX, e a internet começava a expandir sua presença nas casas das pessoas. Além disso, as pessoas não precisavam sair de suas casas para se entreter ou se informar, porque possuíam rádios, televisores, reprodutores de CD/Fitas K7, VCRs ou DVDs.

Infelizmente, os avanços tecnológicos do século XX foram (e ainda são) usados de forma prejudicial, com resultados devastadores: guerra, ocupação, opressão e tirania se tornaram exponencialmente mais efetivas e destrutivas, resultando em duas guerras mundiais e muitos genocídios no espaço de tempo de um único século.

As duas guerras mundiais mudaram o mapa mundial dramaticamente e  extinguiram a Era do Colonialismo (com algumas exceções, como a Índia, que ficou independente da Inglaterra em 1947, ou a Argélia e outras nações sob o domínio francês, que se independentizaram nos anos 1950 e 1960).  Tal fato  permitiu que  vários  novos  países experimentassem a independência pela primeira vez, embora as diferenças de salário, de infraestrutura e de padrão de vida entre o poderoso império e os novos países liberados não só permaneceram, mas também se ampliaram.

No século XX, a ciência mudou drasticamente a maneira como nós vemos o mundo. A Especial e Geral Teoria da Relatividade de Einstein, seguida pelo advento da mecânica quântica, revolucionizaram a maneira como os cientistas percebem o mundo, pavimentando o caminho para numerosas inovações, desde lasers até microprocessadores e tudo derivou daí. A genética foi significativamente desenvolvida,  a estrutura do DNA foi determinada e, na virada do século, o primeiro mamífero, Dolly, a ovelha, foi clonada.

Na astronomia, a teoria do Big Bang foi proposta e a idade do universo foi determinada em cerca de 14 bilhões de anos. Além disso, nossa capacidade de observação melhorou dramaticamente desde o lançamento, em 1990, do Telescópio Espacial Hubble.

E os últimos tópicos da lista, mas certamente não os menos importantes, a medicina e a saúde. De acordo com o Relatório Nacional de Estatísticas Vitais, de 28 de dezembro de 2001, escrito por Elizabeth Arias, PhD, do Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC), um bebê macho americano caucasiano nascido em 1900 poderia esperar atingir a idade de 46 anos (32, se fosse afro-americano). Em 2000, os números eram 74 e 68 anos, respectivamente!129 Isso foi possível graças ao aprimoramento da higiene médica, com a esterilização dos instrumentos usados em cirurgia e o uso de roupa protetora pelo

pessoal da medicina; da higiene pessoal, com o hábito de lavar as mãos; bem como à grande série de vacinas que foram desenvolvidas e à rápida disseminação de medicamentos antibióticos.

Além disso, avanços tecnológicos tornaram os raios-X uma poderosa ferramenta de diagnósticos para um amplo espectro de doenças, desde fraturas ósseas até câncer. Nos anos de 1960, a tomografia computadorizada (CT) foi inventada e, uma década depois, a Imagem por Ressonância Magnética (IRM) foi desenvolvida. Tudo isso e muitas outras inovações do século XX e mudanças ocorridas no século passado o tornaram um marco, com uma posição única na história.

Conectando e Comunicando

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Os primeiros séculos da Terceira Fase na evolução dos desejos forneceu a base para a expansão de terras e ideias. A Era das Descobertas, a Revolução Científica, o Humanismo, a Reforma e o Movimento Iluminista foram partes de uma profunda mudança que abriu a mente das pessoas e expandiu sua visão acerca do mundo. Esses movimentos e ideologias permitiram às pessoas explorarem além de sua criação na infância e refletirem sobre a vida e seu significado. O período romântico na música clássica, o Sturm und Drang (tempestade e ímpeto) na literatura do  mesmo  movimento e o estilo impressionista de pintura ressaltaram experiências pessoais e emoções na arte e, de fato, apresentaram uma tendência que só iria se fortalecer no século XX. Essa tendência, que acabou por produzir a epidemia de narcisismo à qual Twenge e Campbell se referem (veja Introdução e Capítulo 5), foi uma precursora do Estágio Quatro na evolução dos desejos.

A existência de ideias nobres como igualdade de oportunidades, direitos humanos e liberdade de expressão não foi suficiente, porém, para desencadear uma nova era. Para isso, eram necessários meios para comunicar essas ideias. O século XVIII e, especialmente, o XIX facilitaram exatamente isto ─ a comunicação e o transporte de massa.

O motor a vapor, inventado no século XVII, foi melhorado drasticamente nos dois séculos seguintes e se tornou o provedor principal de força motriz para a indústria e o transporte. Perto do final do século XVIII, motores a vapor começaram a ser usados em barcos. No século seguinte, esses motores haviam melhorado tanto que se tornaram a principal fonte de força motriz em barcos e navios.

Em terra, a locomotiva a vapor mudou a face do transporte do século XIX. As primeiras tentativas de se desenvolver uma locomotiva a vapor datam da segunda metade do século XVIII. Foi, no entanto, somente após George e Robert Stephenson e da caldeira Rocket de multitubos que uma locomotiva a vapor, comercialmente viável, foi construída. De fato, a locomotiva Rocket foi tão bem sucedida que versões aprimoradas ainda eram usadas comercialmente no século XX e até no começo do XXI (Ilustração nº 8). E embora tenham se tornado uma visão rara, motores a vapor ainda estão em uso até os dias hoje em locomotivas. Assim, com tal meio eficiente de trânsito, o deslocamento se tornou fácil e a migração de pessoas muito mais frequente.

 

Imagem no. 8: Nova locomotiva a vapor 60163 Tornado, fabricada na Inglaterra, em 2008.

 

O Transporte privado também estava se desenvolvendo na mesma  época.  Viam-se várias formas de “carruagens sem cavalos”, como eram chamados os automóveis, que já existiam desde o final do século XVIII. Até o último quarto do século XIX, porém, eles eram tratados como estranhos e frequentemente considerados um incômodo. Em 1865, a Lei da Locomotiva na Grã-Bretanha restringiu a velocidade dos veículos sem cavalos a 4 mph em campo aberto e a 2 mph nas cidades. Além disso, a Lei exigia três motoristas para cada veículo ─ dois para viajarem no veículo e um para andar a  sua  frente, agitando uma bandeira vermelha.

Em 1876, porém, Nikolaus August Otto inventou com sucesso um motor de quatro tempos, conhecido como o “ciclo Otto”, e, nesse mesmo ano, o primeiro motor de dois tempos bem sucedido foi inventado pelo engenheiro escocês Sir Dugald Clerk.  Dez  anos mais tarde, os primeiros veículos com motor de combustão interna foram desenvolvidos aproximadamente ao mesmo tempo por dois engenheiros  que trabalhavam em lugares diferentes da Alemanha ─ Gottlieb Daimler e Karl Benz. Eles simultaneamente criaram veículos de grande sucesso e praticamente potenciaram veículos que funcionavam de maneira muito parecida com a dos carros que usamos hoje. Esse foi o início da Idade dos Carros Motorizados.

No início do século XX, a fronteira final terrestre foi conquistada ─ o céu. Segundo o Smithsonian National Air and Space Museum, “Em 17 de dezembro de 1903, em Kitty Hawk, na Carolina do Norte, o Flyer Wright [Orville] se tornou a primeira máquina motorizada mais pesada que o ar para alcançar um vôo, sustentado e controlado com um piloto a bordo.”. A partir daí, nem mesmo o céu estava fora dos limites para a humanidade.

No período de tempo entre a escrita de A Árvore da Vida e o início do século XX, o nosso  desejo  de  governar  e de  lucrar  nos  levou a desenvolver  tais  capacidades  em ciência, tecnologia, comunicação e transporte que, já no início do século XX, todas as principais massas de terra eram conhecidas, conectadas e negociavam  regularmente umas com as outras. Assim, o mundo tinha se tornado efetivamente uma única entidade, uma aldeia global. E embora isso não tenha sido evidente para os cidadãos comuns na época, o século XX, com suas alegrias e tristezas, demonstraria de maneira profunda nossa conexão e interdependência.

Como dissemos no início deste capítulo, precedendo cada nova etapa na evolução dos desejos aparece o precursor apropriado. No caso do Estágio Quatro, seu precursor não era apenas um Cabalista que poderia explicar as coisas melhor do que qualquer um de seus predecessores, mas quase todo um século serviu como um precursor de uma nova era. O século XX não só previu, mas até facilitou o advento do novo desejo. Por essa razão, o século XX merece ser coberto por um capítulo inteiro.

 

Removendo o Véu do Sigilo

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Em sintonia com as mudanças que ocorreram no início do Renascimento, os Cabalistas começaram a remover o véu da Sabedoria da Cabalá, ou pelo menos a falar a favor de removê-lo. Desde a escrita de O Livro do Zohar, os Cabalistas criaram vários obstáculos para aqueles que desejavam estudar. Tudo começou com o ocultamento do Zohar por Rashbi e continuou com o estabelecimento de todo tipo de pré-requisito que a pessoa teria de cumprir antes de receber permissão para estudar. O Mishnah, por exemplo, dá a instrução, aparentemente paradoxal, de se evitar ensinar Cabalá aos estudantes que ainda não sejam sábios e capazes de entender com sua própria mente, mas o texto não especifica como se pode chegar à sabedoria se não é permitido estudar.

No Talmud babilônico existe uma alegoria bem conhecida a respeito de quatro homens que entraram em um PARDES (acrônimo para todas as formas de estudo espiritual ─ Peschat (literal), Remez (implícita), Derush (interpretações) e, sendo o mais alto nível, Sod (Cabalá). Dos quatro, um morreu, outro perdeu a sanidade, outro se tornou herege e apenas um, o rabino Akiva, um gigante entre os Cabalistas, entrou em paz e partiu em paz. Há outras explicações mais profundas e precisas para essa alegoria, mas a história foi, todavia, utilizada para intimidar e dissuadir as pessoas de estudar Cabalá.

Outro pré-requisito que os Cabalistas impuseram foi chamado “para se encher a barriga”, porque exigia que a pessoa fosse proficiente em Mishná e Guemarah antes de iniciar o estudo da Cabalá. Para justificar essa condição, eles citaram o Talmud babilônico, que adverte que é preciso gastar um terço da vida estudando a Bíblia, outro terço estudando o Mishnah e o terço restante estudando o Talmud.

Isso, naturalmente, não deixa tempo para se estudar a Cabalá. Por isso, quando chegou a hora de os Cabalistas permitirem o estudo, eles tiveram de “criar um espaço” durante o dia   para   o   estudo   da   Cabalá.   Assim,   Cabalistas  como   Tzvi  Hirsh  de Zidichov “desviaram” a proibição ao declarar que, a cada dia, deve-se “encher a barriga com” Mishnah e Guemarah e depois estudar a Cabalá.

Há numerosos exemplos para as “proclamações” dos Cabalistas de que a Cabalá é o  meio para a salvação (correção da alma, o que significa dar ao desejo de receber o objetivo de doar), e que não deve ser negligenciado. Além disso, como regra, quanto mais novo é o estudante de Cabalá, maior deverá ser sua preferência pelo estudo da Cabalá acima de qualquer outra forma de estudo.

O Livro do Zohar diz: “No final do dia, quando sua composição (O Livro do Zohar) aparece abaixo, por causa dele você irá libertar a Terra (libertar o desejo do egoísmo, ou seja, corrigi-lo).” Para os Cabalistas, o surgimento de tal método sistematizado e estruturado pelo Ari marcou o começo do fim dos dias, ou o que  eles  chamam de “última geração”.

Em sua introdução ao A Árvore da Vida, Chaim Vital escreveu: “Mesmo nesta última geração, não estamos revoltados e não detestamos violar a aliança Dele (do Criador) conosco”. Em outras palavras, na opinião de Vital, que ele repete várias vezes nessa introdução, estamos na última geração, mas ainda não temos nenhum desejo de correção do egoísmo em altruísmo.

E ele continua: “Quando acontece de os dias do Messias * se aproximarem (para o fim da correção), até mesmo pequenas crianças entenderão os grandes segredos  da sabedoria. Além disso, foi explicado que, até agora, as palavras da sabedoria do Zohar foram escondidas, mas na última geração essa sabedoria vai surgir e se tornar conhecida”.

Vital também explica que todos os problemas de Adam ha Rishon ─ a alma coletiva que todos compreendem ─ originam-se em não se conhecer Cabalá. Em suas palavras, “Foi explicado… que o pecado de Adam ha Rishon (embora Cabalistas se refiram a esse pecado como um “erro”, não como um ato deliberadamente malicioso) foi que ele não escolheu se envolver na Árvore da Vida, que é a sabedoria da Cabalá.”.

 

No restante do texto citado, Chaim Vital tenta facilitar a abordagem das pessoas à Cabalá ao esclarecer os equívocos prevalecentes que os Cabalistas  têm promovido desde o ocultamento de O Livro do Zohar. Em suas palavras, “Isto, em si, é o pecado da multidão mista [uma referência àqueles entre os judeus que proíbem o estudo da Cabalá], que diz sobre Moisés: ‘Você fala conosco… e não deixa que Deus fale conosco para que não morramos nos segredos da Torá [um epíteto comum para a sabedoria da Cabalá]’. É como se os errados acreditassem e dissessem que qualquer pessoa que se dedica a ela [Cabalá] terá uma vida curta. Hoje, são eles que caluniam e dão um mau nome à sabedoria da verdade [outro epíteto para a Cabalá]”.

Em outro lugar, ele acrescenta: “Até agora, as palavras da sabedoria d’O Zohar foram escondidas, mas na última geração [que Vital define como sua geração] essa sabedoria aparecerá e se tornará conhecida, e eles estudarão e compreenderão os segredos da Torá [Cabalá], que os antigos não alcançaram. Por isso, a objeção dos  néscios, que dizem: “Se os antigos não sabiam disso, como nós saberemos?”, será revogada. Como é explicado, nessas últimas gerações eles serão alimentados por essa composição [O Livro do Zohar] e a sabedoria aparecerá para eles.”.

Enquanto sob o patrocínio de seu mentor, o Ari, Chaim Vital teve o privilégio de aprender com a mais alta autoridade da Cabalá do seu tempo. Ainda assim, Vital não foi a única voz de sua geração a enaltecer a necessidade de divulgar a Cabalá. O Cabalista Avraham Ben Mordechai Azulai (1570-1644) expressou claramente a necessidade de divulgar a Cabalá do seu tempo em diante: “Eu vi escrito que a proibição … abster-se de estudar abertamente a sabedoria de verdade era só … até o final de 1490. Mas a partir de então a proibição foi anulada e foi dada a permissão para se engajar n’O Livro do Zohar. E a partir de 1540 tem sido uma grande Mitzvá [mandamento, mas também boa ação] para as massas estudarem, velhos e jovens… E já que o Messias virá por causa disso, e por nenhuma outra razão, não devemos ser negligentes.”.

No século XVI, a cidade de Safed, no norte de Israel, era a “capital” da Cabalá. Essa foi também a cidade onde o Ari viveu e ensinou a seus alunos. O maior Cabalista de Safed, até a chegada do Ari, foi Moshe Cordovero (1522-1570), conhecido como “o Ramak”. Ele precedeu o Ari em alguns anos, mas ele já podia sentir a aproximação de uma nova fase do desejo. Em seu livro, Conheça o Deus de teu pai, ele escreveu: “A Torá inteira  só fala de nada mais que a existência do Criador e Seu mérito em Suas Sefirot e Suas operações nelas. E quanto mais a pessoa estuda seus segredos [Cabalá], melhor, já que profere Seu mérito e faz maravilhas nas Sefirot“.

Ao longo do tempo, os Cabalistas sentiram uma urgência cada vez maior de que as pessoas estudassem Cabalá, porque temiam que os problemas e as calamidades se sucedessem se as pessoas não soubessem o modus operandi básico da vida. Eles até começaram a escrever a favor de ensinar às crianças. Yitzhak Yehuda Sarfin de Komarno (1806-1874), por exemplo, escreveu em seu livro, Notzer Hesed (Mantendo a Misericordia): “Se o meu povo tivesse me atendido nesta geração… eles teriam estudado O Livro do Zohar e o Tikkunim [correções, parte do Zohar], e contemplá-los até com crianças de nove anos de idade”.

Da mesma forma, o Cabalista Rav Yaakov Yitzhak Ben Shabtai Lifshitz (1845-1910) escreveu em seu livro, Segulot Israel (A Virtude de Israel): “Que eles comecem  a ensinar o livro sagrado do Zohar para as crianças quando elas ainda são pequenas, com  a idade de nove ou dez anos, como foi escrito pelo grande Cabalista … e a redenção… [a correção completa] virá certamente logo a seguir”.

Em certa medida, os Cabalistas foram bem sucedidos em seus esforços. A Chassidut (Chassidismo), movimento estabelecido no século XVIII na República Polonesa- Lituana (Ucrânia de hoje) pelo rabino Israel ben Eliezer (1698-1760), conhecido como Baal Shem Tov (Dono do Bom Nome), produziu um grande número de Cabalistas. Quando os estudantes do Baal Shem Tov alcançavam proficiência suficiente na Cabalá  e uma percepção bastante clara do mundo espiritual, ele os mandava a outras cidades para continuarem espalhando a Sabedoria. Os alunos do Baal Shem Tov alimentaram mais estudantes, ajudaram-nos a também atingir a percepção espiritual e, por sua vez, enviaram-nos em seus caminhos para disseminarem ainda mais a Sabedoria. Assim, um vasto movimento, cujos líderes eram todos Cabalistas, foi formado.

Com o tempo, no entanto, assim como aconteceu com o povo de Israel antes da destruição do Segundo Templo, o nível espiritual dos professores diminuiu, até que perderam completamente sua realização espiritual. Mesmo assim, os efeitos positivos da Chassidut não podem ser superestimados, quando se considera o sucesso do Baal Sham Tov em introduzir a Sabedoria até então oculta para as massas.

O Alcance da Cabalá se Estende

Embora a Cabalá tenha sido uma Sabedoria secreta por mais de um milênio, textos cabalísticos poderiam sempre ser encontrados se a pessoa realmente quisesse estudá-los. Durante o Renascimento, muitos estudiosos não só descobriram os livros de Cabalá, mas, aparentemente, os estudaram com entusiasmo e trataram a Cabalá como uma Sabedoria de grande mérito.

No capítulo anterior, mencionamos Johannes Reuchlin (1455-1522), que alegou que Pitágoras recebeu o seu conhecimento dos judeus, ou seja, dos Cabalistas, e que o termo “filosofia” surgiu quando Pitágoras traduziu a palavra “Cabalá” para o nome grego “filosofia”. Reuchlin, porém, não foi o único. Muitos cientistas e pensadores aclamados falaram favoravelmente da Cabalá e pediram a seus leitores para explorá-la, esforçando- se para limpar equívocos e estigmas que a rodeavam.

Um dos filósofos mais notáveis que mostrou grande interesse na Cabalá foi o aclamado dramaturgo, escritor e cientista Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). Em Materialien zur Geschichte der Farbenlehre, Goethe escreveu: “O coro todo [assembleia] daqueles que se reúnem ─ judeus, cristãos, pagãos e homens santos, padres da Igreja e os hereges, os Conselhos [Sínodo] e papas, reformadores e todos os adversários, enquanto eles explicam… [Eles] fazem isso pela maneira de Platão ou Aristóteles, conscientemente ou inconscientemente, como … o Talmud e o tratamento cabalístico da Bíblia nos convencem”.

*A força que puxa para fora o egoísmo. Na Cabalá, o termo “Messias” refere-se à palavra hebraica Moshech (puxando), que denota uma força que puxa a pessoa do egoísmo ao altruísmo, corrigindo a alma. Os termos “redenção” e “libertação” também são nomes de códigos para a mudança do egoísmo em altruísmo. Também o advento do Messias refere-se ao tempo em que isso irá acontecer a toda a humanidade.

O Grande Despertar do Espírito Humano

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

No início da Quarta Fase do desejo, a Terceira Fase é especial no sentido de que é a primeira vez que a Criação inicia o processo: ela “decide” receber (embora apenas um pouco), a fim de outorgar. Assim, quando a Terceira Fase do desejo surgiu na humanidade, as pessoas e as sociedades passaram a iniciar mudanças em praticamente todos os reinos da vida. Noções novas apareceram e as antigas reapareceram, e todos prosperaram sob as asas do Renascimento. Religião, ciência, tecnologia, arte, economia, política (interna e externa), filosofia e qualquer outro domínio da vida foi analisado e modificado, se não revolucionado.

Os conceitos humanos por trás da Carta Magna e do Habeas Corpus foram sendo adotados em toda a Europa e nos Estados Unidos, embora fossem muitas vezes arbitrariamente descartados frente aos interesses financeiros e políticos, tais como o colonialismo e a escravidão. O English Bill of Rights, de 1689, ou “Ato Declarando os Direitos e Liberdades do Sujeito e Definindo a Sucessão da Coroa”, promoveu mais adiante a ideia de que toda pessoa tem direito a certas liberdades básicas, incluindo a liberdade política e a liberdade de expressão. Colocado de outra maneira,  o Bill of Rights permitiu a livre expressão do pensamento!

Do ponto de vista cabalístico, essas mudanças aconteceram, porque o novo e recém- surgido desejo da Terceira Fase chamava para uma recepção ativa de prazer. Assim, as pessoas se tornaram mais ativas em sua busca por melhoria de vida e em sua aspiração de autoexpressão e autodeterminação como indivíduos. Para realizarem seus sonhos, as pessoas começaram a desenvolver novas tecnologias, liberaram a política dos grilhões do feudalismo e estabelecerem a base para a economia moderna.

Na política global, os países mais fortes e mais ricos começaram uma busca fervorosa por novas terras no período que hoje é conhecido como “Era dos Descobrimentos”. Cristóvão  Colombo, Vasco  da Gama, Fernão  de  Magalhães e Giovanni da  Verrazano foram apenas alguns dos muitos exploradores que descobriram novas terras, ampliando o domínio dos países a que serviram. Os exploradores não só descobriram novas terras e as mapearam, mas também abriram caminho para novas rotas comerciais, embora a maior parte desse “comércio” fosse realmente baseada na escravização dos povos indígenas e na exploração de recursos naturais. O resultado da Era dos Descobrimentos, porém, foi uma nova visão de mundo e o reconhecimento mútuo da existência de civilizações distantes umas das outras.

Como parte da nova visão de mundo nascida na Renascença, a Igreja Católica passou a ser atacada por luteranos, calvinistas, anglicanos e outros que desejavam liberalizar o Cristianismo e adaptá-lo a suas opiniões. O Liberalismo e o Humanismo floresceram no espírito do Renascimento e se esforçaram para verdadeiramente, pela  primeira  vez desde a Idade de Ouro grega, libertar o pensamento do homem. De fato, em toda a Europa parecia que o espírito humano estava despertando.

Atestando a nova visão de mundo estavam as descobertas revolucionárias de Galileu Galilei, que possibilitaram a Nicolau Copérnico afirmar que a Terra girava em torno do sol, e não o contrário, como se acreditava até então. E quando Francis  Bacon estabeleceu o que se tornou “o método científico”, ainda hoje empregado, poderíamos seguramente declarar que a “revolução científica” estava em pleno vigor. Instituições para a melhoria do conhecimento natural, como The Royal Society of London, ou simplesmente The Royal Society, substanciaram o domínio da ciência sobre a mente e a imaginação das pessoas, assim como seus corações foram movidos por gigantes culturais, como Leonardo da Vinci, William Shakespeare e Claudio Monteverdi.

Hoje as pessoas muitas vezes citam um aumento exponencial no ritmo das mudanças. Ensaios como o de Kip P. Nygens ─ “Tecnologias emergentes e mudança exponencial: implicações para transformação do Exército”, publicado em 2002 por Questia Online Library, livros como Vivendo em meio ambiente: princípios, conexões e soluções (G. Tyler Miller e Scott Spoolman), ou o vídeo eye-opening do You Tube  “Estamos vivendo em tempos exponenciais” são apenas três das numerosas tentativas para descrever o quão rápido o nosso mundo está mudando. Se levarmos em conta  a  mudança fundamental que ocorreu com o surgimento da Terceira Fase na evolução dos desejos, é evidente, porém, que o crescimento exponencial tem as suas raízes profundas nos conceitos e inovações que surgiram pela primeira vez no final da Idade Média e começo do Renascimento.

Nos capítulos 3 e 5, mencionamos o Item 38 da “Introdução ao Livro do Zohar”, em que Ashlag escreve: “O desejo de receber no reino animal… só pode gerar necessidades e desejos, na medida em que eles são impressos em apenas esta criatura.” O nível animal que Ashlag menciona corresponde à Terceira Fase no início dos quatro estágios que manifestam um nível elevado de desejo de receber em comparação com a Segunda Fase. Nesse nível, o desejo de receber “decide” por receber, em oposição à recepção automática e rejeição nos Estágios Um e Dois. Nesse sentido, é mais autônomo do que seus antecessores. Como resultado, a sua manifestação corpórea ─ animais ─ é mais ativa e autônoma do que o seu grau anterior na pirâmide ─ plantas. Da mesma maneira, quando o desejo de receber nos humanos chegou à Terceira Fase, foi solicitado um aumento na atividade e na aspiração por autonomia individual.

O início da nova era foi promissor. O zeitgeist,  pelo  menos entre os mais  afortunados da sociedade, promoveu a liberação de mentes e corpos a partir de revoluções sociais, como o Iluminismo, o Bill of Rights (primeiro o inglês e depois a versão americana), o Humanismo, a Reforma e o Édito de Nantes. Com o acréscimo próspero da filosofia e  da ciência, parecia que em breve todos poderiam desfrutar dos frutos do progresso.

Uma vez que na base de todas essas mudanças encorajadoras estava o desejo de receber prazer na sua forma quebrada e autocentrada (e num grau ainda maior do que antes), os Cabalistas responderam a essa explosão como a uma chamada para a ação.  Os Cabalistas sentiram que, com as novas possibilidades oferecidas pela tecnologia e pela ciência, bem como com o desejo aumentado para a autoexpressão, um novo método de correção era necessário.

Assim, eles começaram a afirmar que era hora de sair  e  mostrar ao mundo  a sabedoria há muito oculta do Zohar. Sem isso, afirmaram, o mundo não iria ver uma conclusão positiva no final da nova era. Nas palavras do Gaon de Vilna (GRA), que numerosos Cabalistas ecoaram, a “Redenção (do egoísmo) depende do estudo da Cabalá.”.

Capítulo 8: O Renascimento e Mais Além

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Antecedendo cada nova etapa na evolução dos desejos, o precursor adequado aparece. Primeiro houve Abraão, ele foi a Raiz. Depois Moisés, representando o Estágio Um, seguido pelo Rabino Shimon Bar-Yochai (Rashbi), que corresponde ao Estágio Dois. E agora chegou a hora do Estágio Três.

O surgimento do Terceiro Estágio na evolução dos desejos corresponde aproximadamente ao advento do Renascimento na Europa. Seu precursor foi o maior  dos Cabalistas desde Rashbi: Isaac Luria (o Ari) ─ fundador da Cabalá Luriânica, a escola mais sistemática e estruturada da Cabalá. Hoje, é o método de ensino predominante, graças aos comentários feitos no século XX por Baal HaSulam, que interpretou os escritos e adaptou-os à mentalidade científico-acadêmica dos séculos XX e XXI.

Apesar de sua curta vida, o Ari (1534-1572) produziu numerosos textos com a ajuda de seu principal discípulo, Rav Chaim Vital. O Ari não escreveu seus textos. Em vez disso, ele falava e Chaim Vital anotava suas palavras. Após a morte precoce do Ari, Vital e vários de seus parentes compilaram as palavras do Ari em textos coesos. Por essa razão, muitos estudiosos têm atribuído os escritos do Ari a Chaim Vital e não a seu professor. Mesmo que Vital seja o escrivão, o fornecedor da informação, no entanto, é indiscutivelmente o Ari.

No capítulo 2, descrevemos o Terceiro Estágio como sendo um modus operandi “invertido”, em que o ato é recepção, mas a intenção é doação. Isso foi verdade para os primeiros quatro estágios do desejo. Após a quebra da alma de Adão, no entanto, a intenção prevalecente na alma coletiva ─ da qual todos nós somos partes ─ inverteu e regrediu de doação para recepção. E por sermos todos partes da alma de Adão, a intenção escondida em todos os seres humanos é receber também. Claramente, o fato de que todos desejam receber e ninguém deseja doar leva a uma situação insustentável.

Todas as fases, porém, aparecem para que possamos corrigi-las. Em todos os níveis da Natureza, essa correção ocorre naturalmente, porque a única maneira de sustentar qualquer coisa ─ minerais, vegetais ou animais ─ é ter todos os elementos contribuindo para a sobrevivência do mineral, do vegetal ou do animal. Em humanos, como explicamos no capítulo 6, esse estado sustentável (Estágio Um), no entanto, deve ser alcançado a partir da consciência do homem. Sem consciência, vamos para onde nos levam os nossos desejos, e, na Terceira Fase, eles começam a tomar um rumo sinistro.

De fato, o período desde a Renascença até o começo do século XX presenciou dois processos que mudaram fundamentalmente a vida das pessoas. Um deles foi o desenvolvimento de armas, como fuzis e peças de artilharia, e o início das viagens de descobertas ultramarinas por intrépidos exploradores que conquistaram novas terras e, posteriormente, exploraram seus habitantes nativos e recursos naturais.

O outro foi o advento da ciência moderna, mas, mais do que isso, a “descoberta” e a exaltação do indivíduo. Essa última mudança manifestada na prosperidade da arte em todas as suas formas e, mais  importante, na expansão  dos movimentos humanos, como o Humanismo e o Iluminismo. O Bill of Rights, o Édito de Nantes e o Manifesto Comunista sinalizam apenas algumas das inúmeras mudanças que estabeleceram a base para o que hoje chamamos “mundo livre”.

Paralelamente a essas profundas transformações, a Cabalá necessitava de seu próprio “reformador”. No nível mais profundo da existência, as mudanças que acabamos de mencionar estavam acontecendo, porque um novo estágio de desejo havia surgido e isso exigia que alguém “desse sentido” a elas. Este foi o papel do Ari: introduzir o método  de correção para a Terceira Fase. É por isso que o método do Ari é o mais sistemático e estruturado em comparação com todos os métodos de seus antecessores, combinando o pensamento racional e científico de seu tempo.

 

A Era do Ocultamento

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

A Idade Média é um período muito peculiar da história. Opiniões sobre quando ela começa e quando ela termina parecem ordenar do século II – V até o século XV – XVIII respectivamente, dependendo do campo de pesquisa do estudioso. Alguns marcam a queda do Império Romano do Ocidente como seu início e a queda do Império Romano do Oriente como seu fim. Outros marcam o início da Idade Média como o período quando o Imperador Constantino o Grande convocou o Primeiro Concílio de Niceia, em 325 d.C e seu fim como o período quando Martinho Lutero foi excomungado (1521) e a Igreja Protestante foi estabelecida.

A Cabalá não define qualquer era como sendo “a média”, mas ela considera o período compreendido entre a escrita de O Livro do Zohar e a escrita de A Árvore da Vida como um período distinto na evolução da humanidade. Num sentido, o termo, “A Idade das Trevas”, seria mais apropriado para descrever este período da história, uma vez que é aproximadamente o período durante o qual os Cabalistas ocultaram seu conhecimento e o transformaram em um conhecimento secreto, conhecido por apenas poucas pessoas.

Durante este período, e ainda de acordo com a visão panorâmica deste capítulo, nós nos reportaremos mais aos processos que ocorreram entre a escrita desses livros do que aos eventos específicos. Isto tornará mais fácil a identificação de como os desejos, que no nível humano aparecem mais como ambições, orientam os processos que formam a história da humanidade.

Na Cabalá, o período entre a escrita de O Livro do Zohar e a escrita de A Árvore da  Vida tem um papel crucial. Sem ele, o propósito da Criação não seria alcançado. Para reiterar em uma palavra, o propósito da Criação foi que cada pessoa conheça o Criador e torne-se igual a ele. O grupo de Abraão foi o primeiro que conseguiu isto. Entretanto, o objetivo de Abraão não era apenas que o seu grupo conseguisse isto, mas todas as pessoas do mundo. Moisés ajudou na causa de Abraão expandindo a realização do  grupo em realização de toda uma nação.

Mas enquanto o sucesso de Moisés foi momentaneamente verdadeiro, ainda existe um longo caminho a percorrer antes de se atingir o objetivo final. Para que toda a humanidade alcance o Criador, a lei de doação, todos têm que querer que isto aconteça. E para isto, todas as pessoas têm que compreender: a) que o caminho do egoísmo é insustentável, e b) que há outro caminho – reconhecer uma lei da natureza anteriormente desconhecida e aprender como implantá-la.

Durante o Estágio Dois na evolução dos desejos, isto se desenvolve de uma maneira fascinante. De um lado Israel declina de seu estado altruísta e cai no  egoísmo.  O restante das nações, de outro lado, descobre a lei da doação – amai ao teu próximo como a ti mesmo – a qual se torna no princípio de todas as crenças abraânicas. Mesmo que nenhuma das religiões atuais viva através desta lei, o próprio fato de que elas fizeram disto o centro de sua fé significa que as pessoas tomaram consciência de sua importância. Então, as pessoas de fato reconhecem a idéia de Abraão, do amor pelos outros como a cura para as doenças da humanidade. Deste ponto em diante, o destino de Israel e o destino de todas as nações do mundo estarão interligados para sempre.

Como explicado anteriormente, os processos que se desenvolvem nas raízes espirituais se manifestam em seus ramos materiais. Por esta razão, como o desejo de doar tornou-se misturado com o desejo de receber no nível espiritual, a manifestação física deste processo foi a dispersão e miscigenação do povo de Israel entre as nações do mundo.

Isto não significa que os Judeus estavam espalhando a mensagem de amor e união de Abraão aos seus novos vizinhos. Os Judeus não escolheram ser exilados para que pudessem espalhar o método de Abraão. Nem tampouco as nações que os aceitaram em seu meio fizeram isto porque quisessem ouvir, muito menos adotar aquela mensagem. Todavia, como o processo de paridade-dos-desejos entre Israel e as outras nações já estava em curso no nível espiritual, também estava acontecendo no mundo físico.

Assim, pelo final da Idade Média, a mistura dos desejos alcançou tal estágio que no  nível físico isto se manifestou em três religiões cujos seguidores não se dizem altruístas, ainda que citem uma lei fundamentalmente altruísta como um de seus pilares: “Amai ao teu próximo como a ti mesmo.” Além disso, estas religiões – Cristianismo, Islamismo e Judaísmo – não apenas citavam esta lei como sendo seu princípio, mas também declaravam Abraão como seu patriarca espiritual, daí então o epíteto, “Religiões Abraânicas”.

No Capítulo 4, nós mencionamos a apresentação de Tokyo da bióloga evolucionista Elisabet Sahtouris, a respeito do interesse próprio e colaboração – que cada molécula, cada célula, cada órgão e todo o corpo têm interesse próprio. E quando cada nível mostra seu interesse próprio, isto exige negociações entre os níveis, as quais geram harmonia em todo o sistema. Na verdade, mesmo que estejamos inconscientes do objetivo final da existência, inconscientemente todos nós sentimos que a harmonia e o cuidado mútuo são os únicos caminhos para criarmos uma humanidade sustentável. Nós todos temos os quatro estágios do desejo dentro de nós porque nós todos somos, no final das contas, ramificações destes quatro estágios.

Por isso, como o Estágio Dois – o estágio governante do desejo durante a Idade Média – prescreve, todas as três religiões Abraânicas adotaram o mandamento, “Amai ao teu próximo como a ti mesmo” (Lev. 19: 18) como um princípio. Assim, embora “as negociações” (para usar o termo de Sahtouris para relações) entre pessoas e nações durante a Idade Média frequentemente estavam muito longe de serem julgadas harmônicas, o resultado final foi uma razoável consolidação da Europa com respeito à religião, cujo princípio básico (declarado) é altruísta – respeitando a lei de submissão do interesse próprio, mesmo se sua manifestação estivesse longe do altruísmo.

Nós já sabemos que o Estágio Dois na evolução dos desejos marca o primeiro aparecimento do desejo de doar dentro do desejo de receber. De fato, o mandamento para amar aos outros tanto quanto amamos a nós mesmos está em perfeita congruência com o Estágio Dois. Entretanto, nosso universo foi criado quando a alma de Adão foi fragmentada, quando seus “órgãos” tornaram-se egocêntricos. Como resultado disto, a lei do amor aos outros aparece no nosso mundo como um mandamento que as pessoas precisam se esforçar para conseguir seguir. Se nossa natureza fosse aquela da doação verdadeira, nós não precisaríamos desta lei porque nós naturalmente adoraríamos doar tanto quanto nós normalmente amamos receber.

Assim, se nossa natureza fosse a de doação, nós nunca nos tornaríamos iguais  ao Criador. O máximo que conseguiríamos alcançar seria a similaridade com os desejos do Criador, mas seríamos privados de tudo que ganhamos ao lutarmos com nossos desejos. Esta luta, por mais árdua que seja, nos garante observações únicas. Ao compararmos nossa própria  natureza com a Natureza universal,  aprendemos a diferença entre doar  e receber, o aprendizado de que pode haver doação na recepção e a alegria e o contentamento que sentimos por sermos capazes de amar. Essas emoções só podem surgir quando se experimentou a incapacidade de amar.

Mas além de todos estes presentes existe o maior presente, exclusivamente humano: a liberdade de escolha. A diferença entre um adulto maduro e um jovem no nosso mundo é a permissão, a capacidade e a liberdade de fazer suas próprias escolhas. No reino espiritual, apenas os humanos possuem esta capacidade porque apenas os humanos possuem as duas naturezas – a de receber e a de doar – assumindo que eles tenham adquirido esta natureza por seguirem a lei da submissão do interesse próprio.

Uma vez que tenhamos obtido a natureza de doação, nós compreendemos por que é necessário que ambas as naturezas existam dentro de nós, por que precisamos começar com a natureza de recepção, adquirir a natureza de doação e colocar a última sobre a primeira por nossa livre escolha. Apenas agindo assim nós poderemos perceber realmente o trabalho da Natureza, com todas as suas facetas e sutilezas. E somente quando nós percebermos tudo isto, nós seremos capazes de viver conscientemente através da lei de submissão do interesse próprio em favor do interesse da Natureza, pois teremos alcançado o Pensamento da Criação. E quando nós alcançarmos este pensamento, nós nos tornaremos semelhantes ao Criador.

O estabelecimento das religiões Abraânicas no coração de milhões criou a primeiríssima ponte entre as pessoas inerentemente egocêntricas e o princípio da doação. Pois num primeiro momento, as pessoas sentiram que doar lhes renderia benefícios. Embora este seja um tipo egocêntrico de altruísmo, naquela altura dos acontecimentos e naquele estágio da evolução do desejo de receber, isto era o mais próximo do altruísmo que as pessoas conseguiriam chegar.

Então, ainda que os épicos e profetas se diferenciem um do outro, o resultado final é que todas as três religiões Abraânicas atribuem grande importância a Israel, porque toda pessoa cuja alma tenha sido tocada pelo princípio Abraânico “amai ao teu próximo  como a ti mesmo”, inconscientemente esforça-se por aquele estágio como ele realmente é na espiritualidade.

Atualmente, a miscigenação se expandiu tão fortemente que a busca pela espiritualidade virtualmente existe dentro de cada pessoa no mundo. Isto, como Baal HaSulam explica em seu ensaio, “O Amor do Criador e o Amor do Homem”,  é resultado do propósito da Criação, que “Todas as nações fluirão para Ele” (Isaias 2:2), o que quer dizer que todas as pessoas atingirão a força da criação da vida. E para que isto aconteça todas as nações, todas as formas de desejo no mundo terão que estar incorporadas com o desejo de doar.

A Carta Magna

Na medida em que o desejo de receber é uma força em constante evolução, as religiões abraânicas não foram o único fenômeno que evoluiu durante a Idade Média. Especialmente durante o final da Idade Média, cada vez mais pessoas começaram a se esforçar por uma emancipação pessoal e expressão pessoal também – na arte, erudição, bem como independência econômica.

Em 1088, a primeira universidade Européia foi instituída na Bolonha, Itália. Então,  entre 1150 e 1229, apareceram universidades em Paris, Oxford, Cambridge, Salamanca, Montpellier, Pádua, Nápoles e Toulouse.

Na lei civil, também, o surgimento de significativas mudanças estava a caminho para mudar a face da sociedade Europeia. A Carta Magna Liberatum emitida em 1215 e subsequentemente o habeas corpus, forneceram a primeiríssima proteção aos sujeitos, mesmo os agrilhoados (embora ainda limitada, a princípio), contra o capricho do então todo poderoso rei. E embora estas mudanças fossem inicialmente aplicadas apenas na Inglaterra, elas lançaram os fundamentos para a democracia e para a Idade da Razão através de toda a Europa.

A invenção da ampulheta no século XI e do compasso, inventado em cerca de 1300, permitiu a navegação através dos mares e oceanos. Isto também permitiu que os Europeus explorassem o mundo e levassem o Cristianismo para os continentes mais distantes tais como a América e a África, difundindo assim o princípio Abraânico para mais nações ainda.

Outra ajuda para divulgar o conhecimento e as idéias, foi a revolucionária invenção de Gutenberg a imprensa em meados do século XV. Ainda que a alfabetização tenha se tornado predominante apenas no século XIX, quando o preço do papel se tornou mais acessível, a relativa facilidade de imprimir livros ajudou a divulgar o conhecimento e as idéias através da Europa. Como resultado, os conceitos da Renascença, que surgiram na Itália no século XIV, puderam circular muito mais rapidamente, o que preparou o  terreno para uma nova era. E enquanto a população ainda estava sob o domínio arbitrário dos feudalistas, muitos corações e mentes das pessoas estavam começando  a se associar e se relacionar de forma evidente, quase tangível.

Em seu “Prefácio à Sabedoria da Cabalá”  Baal HaSulam descreve como, no seu final, cada estágio prepara o terreno para o próximo. Em muito, da mesma forma, os desenvolvimentos e mudanças durante o final da Idade Média marcam o final da era, bem como o início da próxima – a Renascença. E uma vez que, como a Cabalá explica, os eventos que ocorrem em nosso mundo são decorrência da evolução do desejo de receber, esses eventos demonstraram que o mundo estava então pronto para o próximo estágio da evolução dos desejos – o Estágio Três – cujo início é marcado pela próxima importante composição da Cabalá, A Árvore da Vida.

A Dispersão da Judéia

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

A derrota da revolta dos Judeus contra os Romanos (66-73 d.C.) causou a destruição do Segundo Templo e a dispersão da Judéia. (o Primeiro Templo foi construído pelo Rei Salomão no século X a.C. e foi destruído pelos babilônicos em 586 a.C.) Esta dispersão significou algo muito mais importante do que a conquista de uma nação por outra. Refletiu-se na medida do declínio espiritual da nação de Israel. A palavra hebraica Yehudi (judeu) deriva da palavra Yechudi (unido ou único), referindo-se ao estado da nação de Israel do tempo: percebendo (e aderindo à) única força de doação que governa toda vida.

Todavia, como explicamos nos capítulos anteriores, o desejo de receber é uma força em constante evolução e requer adaptação também constante. Um esforço constante é requerido para atrelar os novos desejos emergentes ao trabalho em uníssono – com a intenção de doar, e aderindo à lei de submissão do interesse próprio em favor dos interesses do sistema circundante. E como os desejos evoluem, os meios para subordiná-los devem evoluir correspondentemente.

Como explicado nos capítulos anteriores, ao contrário dos animais, os seres humanos  têm que constantemente tomar consciência do seu lugar na Natureza e escolher serem partes construtivas dela. Entretanto, se nós agirmos ao contrário, o resultado negativo não será imediatamente evidente. Isto nos permite um espaço para manobrar e calcular.

Ao mesmo tempo, se nós escolhemos agir de acordo com a lei da Natureza, nós não notaremos de imediato o resultado positivo. Assim, como a recompensa ou punição não são imediatamente discerníveis, se mesmo assim escolhermos agir de acordo com a lei da N?atureza, será apenas porque queremos descobrir a lei da Natureza de união e doação, e não porque nós esperamos uma recompensa imediata. Neste sentido, nós agimos em razão de uma intenção de nos tornarmos doadores ao invés de agirmos em razão de nosso inerente desejo de receber.

Mas durante o primeiro século da EC, a evolução do desejo de receber incitou a emergência de um novo nível de desejo. Até a chegada deste nível, os judeus que retornavam do exílio na Babilônia – depois da queda do Primeiro Templo  –  continuaram sua união e sua percepção de coesão da lei da vida.

Na verdade, apenas duas das 12 tribos retornaram de seu exílio babilônico porque o nível de egoísmo estava crescendo também em Israel, e a maioria das tribos não pôde resistir o movimento egoísta dentro delas. Este movimento as separou da nação de Israel a qual consiste como explicado de pessoas que vivem pela lei da união, e não de indivíduos geneticamente ligados. Mas quando o Estágio Dois na evolução dos desejos começou a se manifestar em Israel, mesmo aqueles que retornavam da Babilônia não conseguiram manter seu altruísmo. Em vez disso, eles caíram vítimas de seus desejos egocêntricos.

O Talmud Babilônico explica que a única razão para a derrota de Israel e para a queda do Segundo Templo foi o ódio infundado: “O Segundo Templo, por que ele ruiu, uma vez que eles praticaram a Torá e as Mitzvot (aprendizado espiritual) e boas ações? Foi porque havia um ódio infundado nele.”  Na ausência de união e por que muitos judeus queriam imitar ou mesmo fazer parte da cultura romana, a revolta judaica era impossível desde o princípio.

Entretanto, mesmo depois da revolta, muitos entre Israel mantiveram sua percepção de coesão da realidade. Rabbi Akiva, por exemplo, cujo epíteto talmúdico era “Chefe de todos os Sábios”, viveu e ensinou nos anos que se seguiram à queda. De acordo com o Talmud Babilônico, Rabbi Akiva teve 24.000 alunos, mas eles, também, morreram (de acordo com o Talmud) porque eles não se uniram.

Dos 24.000 alunos, apenas quatro sobreviveram. E destes quatro, dois tornaram-se os maiores sábios de sua geração, e possivelmente de todos os tempos. O primeiro foi Rabbi Yehuda, conhecido como Rabbi Yehuda HaNassi (o presidente), que se tornou presidente do Sanhedrin e chefe redator e editor da Mishnah, a coleção de livros que é a base na qual ambas as partes do Talmud foram construídas. O outro aluno foi Rabbi Shimon Bar-Yochai (Rashbi), que se tornou conhecido como o autor de “O Livro do Zohar” [O Livro do Esplendor] – o influente livro de Cabalá, o qual todos os Cabalistas estudam até hoje e de onde derivam sua sabedoria.

Através dos séculos, sempre existiram sábios que mantiveram a sabedoria vibrante e em evolução. Eles entendiam a natureza do desejo de receber e produziram textos que interpretaram O Zohar, bem como outros livros de Cabalá. Porém, em sua maior parte, seus livros – escritos com uma percepção da realidade Cabalística-altruísta – foram mal entendidos por todos, exceto pelos companheiros Cabalistas, porque eles eram lidos  com uma percepção egoísta. Isso impediu os leitores de compreenderem o verdadeiro significado dos textos. E da mesma maneira que uma pessoa que é cega de nascença não pode entender o significado da visão, muito menos ela entenderá a alegria que se sente ao observar uma bela paisagem ou o poder cativante da visão da costa de uma tempestade oceânica.

Assim, por causa do declínio da percepção espiritual (altruísmo) entre Israel, o sonho de Abraão de ensinar ao mundo inteiro, a única lei da existência, teve que ser postergado até que as pessoas estivessem novamente prontas para aprender a respeito dessa lei. O Zohar foi ocultado logo depois de sua conclusão e permaneceu oculto por mais de um milênio. Os Cabalistas, também, encobriram a sabedoria com mistério e equívocos, e declararam que apenas aqueles que atendessem a rigorosas condições teriam permissão para estudá-la. Uma vez que eles sabiam que a maioria das pessoas estava muito distanciada da percepção espiritual para entenderem corretamente os conceitos da Cabalá, os Cabalistas distraíram a mente das pessoas com histórias de milagres e encantamentos, e estabeleciam limites tais como idade, sexo e estado civil para deter os possíveis estudantes de explorar a Cabalá.

Na verdade, as percepções equivocadas da Cabalá ficaram tão profundamente enraizadas que mesmo depois do reaparecimento de O Zohar (Imagem nr. 7) no século XII, na Espanha, na posse de Rabbi Moshe de León, o livro foi frequentemente incompreendido e considerado um texto sombrio até que alguns Cabalistas tais como o Gaon de Vilna (GRA), Rabbi Isaac Safrin dentre outros forneceram interpretações mais claras. Ainda assim, não antes dos anos 40, quando Yehuda Ashlag (Baal HaSulam) forneceu seu comentário Sulam (Escada) completo, sobre O Livro do Zohar – com quatro introduções explicativas – que aquela complexa composição pode ser apropriadamente estudada e compreendida.


Imagem nr. 7: A página de rosto da Edição 1558 de O Livro do Zohar, Mantua, Itália. O texto começa, “O Livro do Zohar na Torá, do divino sábio, Rabbi Shimon Bar-Yochai…”

 

Mas nos primeiros anos que se seguiram à queda do Segundo Templo, o mundo estava trilhando um rumo totalmente diferente. Os romanos se tornaram o império no Mediterrâneo, no Oriente Próximo e na Europa e sua cultura e filosofia (essencialmente Gregas) reinavam. A percepção Helenística do mundo não concordava com aquilo dos rebeldes da terra de Israel. Além disso, a maioria dos judeus não concordava com os princípios dos seus antepassados e os abandonaram em favor da egocêntrica cultura Greco-Romana Helenística.

Dito isto, diversos renomados estudiosos da renascença acreditavam que os gregos adotaram pelo menos alguns de seus conceitos da Cabalá. Johannes Reuchlin (1455- 1522),  por  exemplo,  o  grande  humanista  e  conselheiro  político  para   o  Chanceler, escreveu o seguinte em seu De Arte Cabbalistica (Sobre a Arte da Cabalá): “Não obstante, sua [de Pitágoras] proeminência não derivou dos gregos, mas, novamente, dos judeus. Como ‘aquele que recebeu’, ele pode muito justamente ser denominado um Cabalista. …Ele mesmo foi o primeiro a converter o nome Cabalá, desconhecido dos gregos, no nome grego filosofia.”

Um antecessor de Reuchlin, Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494), um estudioso italiano e filósofo platônico, escreveu em seu De Hominis Dignitate Oratio (Oração sobre a Dignidade do Homem), “Esta verdadeira interpretação da lei, a qual foi revelada a Moisés na Divina tradição, é chamada ‘Cabalá’.

Mas o princípio que os gregos não adotaram foi o mais importante dentre todos: a intenção de anular o egocentrismo em favor do sistema centralizado a fim de tornar-se como o Criador. A última parte desta frase, a razão para alterar o foco da pessoa, é a razão pela qual a sabedoria da Cabalá foi concebida, para começar. Tivessem os gregos adotado aquele princípio, a história teria se desenrolado muito diferentemente.

Ainda, não foi por erro dos gregos que eles não o adotaram. Eles não o conheciam, uma vez que não havia nenhum professor Cabalista dentre eles, e por isso ninguém que os educaria corretamente. Além disso, tendo eles mesmos enormes egos, os judeus, também, estavam adotando as maneiras greco-romanas, e aqueles que não adotavam eram considerados os mais ferozes inimigos na Judéia. Em consequência, não havia ninguém para mostrar aos romanos que eles estavam esquecendo-se de algo que poderia ser de muito valor para eles. E então os romanos seguirama cultura Helenística até quando o Imperador Constantino o Grande adotou o Cristianismo no século IV d.C.

A adoção da cultura Helenística pelos judeus não foi coincidência. O estabelecimento  do Primeiro Templo marcou o ponto espiritual mais alto (a percepção da lei de doação) na história da nação de Israel. A partir de então, um processo gradual de declínio estava em andamento. A evolução dos desejos estava afetando os judeus da mesma forma como estava afetando todas as outras nações. Como resultado, muitos dos judeus não conseguiram manter sua percepção espiritual, altruísta, de uma força unificada, e voltaram-se para culturas mais auto-centradas que se adequavam à sua percepção egoísta.

Então, a conquista babilônica e subseqüente exílio dos hebreus na época do Primeiro Templo foram apenas manifestação do estado espiritual deles naquele momento. E devido ao estado de declínio espiritual dos hebreus no cativeiro babilônico, apenas duas das doze tribos que estavam no exílio, Judá e Benjamin, retornaram. As dez tribos que permaneceram no exílio tornaram-se tão totalmente miscigenadas com as tribos locais que esqueceram completamente seus princípios e seus vestígios estão totalmente perdidos para nós atualmente.

Contudo, a evolução dos desejos não parou aí. Judá e Benjamin gradualmente declinaram também, e a completa dispersão dos judeus era apenas uma questão de tempo. Na verdade, a perda da percepção espiritual dos judeus foi um longo processo que levou séculos, mas seu curso estava definido. Quando os romanos finalmente conquistaram Israel e destruíram o Segundo Templo, Israel já era uma nação cuja maioria não queria manter a mentalidade espiritual (Cabalística) e preferia os conceitos helenísticos em seu lugar. Em consequência, eles também foram exilados e dispersos. E enquanto muitos judeus permaneceram nas terras de Israel mesmo depois da conquista romana, e compilaram alguns dos mais significativos textos do judaísmo, os judeus como um povo já estavam se espalhando por Roma e subsequentemente pela Europa.

Em A Guerra dos Judeus, Capítulo 1, traduzido por Willian Whiston, Josephus Flavius descreve a expulsão dos judeus pelos romanos: “E como ele se lembrou de que a décima-segunda legião havia dado passagem para os judeus, sob seu general Cestius, ele os expulsou para fora de toda a Síria, pois eles ficaram anteriormente em Raphanea, e os enviou para um lugar chamado Meletine, próximo do Eufrates, que fica nos  limites  entre a Armênia e a Capadócia.”

No Capítulo 3 do mesmo libro, Flavius elaborou: “Dado que a nação judaica está totalmente espalhada por toda a terra habitável dentre os habitantes locais, como ela está muito miscigenada com a Siria por causa de sua vizinhança, e tinha grandiosa multidão na Antióquia em razão da amplidão da cidade, onde os reis, depois de Antioco, concederam a eles uma habitação com sossegada tranquilidade.

Assim, gradualmente, os Judeus migraram por toda Europa e para a maior parte do atual Oriente Próximo. Como resultado a história dos Judeus e a história da Europa se tornaram intimamente ligadas.

Capítulo 7: A Grande Miscigenação

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Os primeiros séculos da Era Cristã (EC) compreenderam um período tumultuoso na história da Europa, do Oriente Próximo e do Oriente Médio. Os Romanos conquistaram extensos territórios da Europa, Norte da África e do Oriente Próximo (incluindo o que hoje é considerado o Oriente Médio). Além disso, A Judéia foi conquistada (por Roma), então se rebelou, perdeu e os judeus foram exilados. O cristianismo também fez sua estreia, e a Britânia foi conquistada pelo Imperador Tiberius Claudios. Assim como nós veremos neste capítulo, o exílio dos Judeus e sua dispersão por toda a Europa estão intimamente conectados com a evolução dos desejos.

Durante aqueles primeiros séculos um mundo novo e diferente estava se formando. Ao serem exilados os Judeus foram se espalhando por todo o Oriente Próximo e Europa, e o Cristianismo foi gradualmente tomando conta, tornando-se a religião oficial do Império Romano quando o Imperador Constantino o Grande adotou-o no século IV.

Quando o Islamismo foi promulgado no século VII, criou-se uma situação onde  a maioria do povo na Europa e nos Orientes Próximo e Médio aderiu a uma das três fés de Abraão. Hoje, isto pode não parecer extraordinário. Mas naqueles anos, esta mudança  de fé foi uma revolução causada pela emergência do próximo estágio na evolução dos desejos – O Estágio Dois.

O Estágio Dois, a emergência do desejo de doar junto com o desejo de receber, instigou um cruzamento de dois caminhos – aquele de Israel com aquele de todas as outras nações. Pela primeira vez desde que Abraão deixou a Babel e formou o grupo que objetivava Yashar El (direto para Deus), o qual desenvolveu dentro da nação de Israel, sua mensagem – amai ao teu próximo como a ti mesmo – foi sendo ouvida em massa. Porque o Estágio Dois – o desejo de doar – estava começando a se manifestar, a mensagem de doação e compaixão pôde então ser ouvida, apesar de claramente não ter sido executada tão bem quanto foi ensinada.

Este capítulo examinará os processos abaixo da superfície que se desenrolaram entre a escrita de O Livro do Zohar (também chamado O Zohar para resumir) no século II d.C. e a escrita de “A Árvore da Vida” no século XVI. Estas datas (muito) grosseiramente estão em paralelo com o período entre a conquista romana da Judéia e os primórdios da Renascença, ou o que nós agora chamamos “a Idade Média”. Assim como  com o restante do livro, o objetivo não é focar em eventos particulares, mas fornecer uma visão panorâmica da história, mostrando como os processos correspondem à evolução dos desejos. No caso do período de tempo aqui mencionado, provavelmente é melhor começar com a conquista romana e a queda do Segundo Templo.

A Pirâmide dentro da Pirâmide

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

A razão pela qual Abraão foi o único da sua geração a descobrir a força criativa da vida é que ele era um pedaço do Partzuf de Adão, que estava pronto para revelá-la. Mas o objetivo da Criação não é para apenas uma pessoa atingir o estado-semelhante ao Criador, mas para toda a humanidade alcançá-lo. Assim, a descoberta de Abraão não era algo isolado, mas um antecedente para um novo estágio na evolução espiritual da humanidade.

Abraão percebeu que a vida é uma pirâmide, cujo pico é a característica do Criador, doação. Ele também percebeu que os desejos humanos somente se intensificam, como têm feito desde o início da Criação. E finalmente, Abraão soube que essa consciência, além de ter o método de correção fornecido pela Cabalá, era a única maneira de evitar o colapso do sistema devido ao aumento do egoísmo. Mas na ausência de prova tangível, apenas alguns seguiram Abraão e se uniram em torno do objetivo de alcançar  o Criador. Quando esses que foram com ele cresceram e se tornaram uma nação, eles foram nomeados conforme a sua meta: Ysrael (Israel), a partir das palavras hebraicas Yashar El (Direto a Deus).

Historicamente, Babel não entrou em colapso imediatamente ou mesmo logo após a partida de Abraão. Ela continuou a flutuar na dominância e destaque para mais de um milênio após sua partida, incluindo o reassentamento dos hebreus em Babel depois de seu exílio após a queda do Primeiro Templo. No entanto, do ponto de vista cabalístico espiritual, o triunfo de Nimrod em Babel selou sua condenação porque perpetuou a regra do egoísmo ao invés de altruísmo.

A cura inexistente

Na verdade, o método de Abraão era muito simples: em face do egoísmo elevado, uni- vos e assim descobrireis a qualidade de doação—o Criador. Como temos mostrado ao longo do livro, cada elemento na natureza se comporta desta forma. Os níveis iniciais do desejo de receber requerem organização muito limitada e formam pequenos sistemas, onde cada elemento dedica-se ao seu sistema hospedeiro. Nós chamamos esses sistemas elementares “átomos”. Os níveis mais evoluídos de desejos colocam os átomos em sistemas que chamamos “moléculas”. Como o desejo evolui ainda mais, esses sistemas evoluem e se organizam em sistemas ainda maiores chamados “células”. Esses grupos em criaturas multicelulares, finalmente levando à criação de plantas, animais e seres humanos.

Em tudo isso, há apenas um princípio: o desejo de receber, todos os elementos desejam receber, e a única maneira de criar equilíbrio e sustentabilidade no sistema é se unirem em um sistema de nível superior. Este é o método de Abraão buscou conscientemente emular.

Como já dissemos, o desejo de receber em seres humanos torna-se egoísmo, por causa do nosso senso de individualidade. Assim, o antídoto para o egoísmo é exatamente a mesma cura aplicada pela Natureza—a construção de um sistema ao qual todas as partes contribuirão e semearão seus auto-interesses. Em troca, o sistema irá garantir o bem- estar e sustentabilidade dos seus elementos. Os cientistas hoje desejam descobrir as condições que existiam no início do universo, recriando as condições em escala reduzida, em instalações como o CERN Hadron Collider na Suíça. Da mesma forma, imitando a conduta “natural” da Natureza, descobriremos sua lei de doação.

Na verdade, o modus operandi é muito simples: Se você pensa como um doador e age como um doador, temos que pelo menos considerar a possibilidade que você tem uma pequena quantidade de doação na sua natureza, citando a célebre paráfrase de Douglas Adam do “Dirk Gently’s Holistic Detective Agency“.xix

No entanto, a Natureza não nos fornece os instintos para imitá-la, como faz com o resto dos seus elementos. Porque somos feitos para sermos seus governantes, nossa tarefa é estudar essas regras por nós mesmos e, posteriormente, implantá-las. É por isso que, quando Nimrod expulsou Abraão, o único homem que poderia ensinar essa regra para os babilônios, ele também negou ao seu povo o método de conseguir a unidade—o único antídoto para o egoísmo crescente e a alienação entre o seu povo.

Após a saída de Abraão, Babel continuou exaltando o abandono egocêntrico. Mas, apesar do prazer e diversão não contradizerem o propósito da Criação—como sabemos desde as Fases Três e Um, que receberam o prazer do Criador—receber prazer não é o objetivo final, nem o maior deleite. O maior deleite do homem e objetivo final é tornar- se como o Criador, e a babilônica negação daquele objetivo é o que em última análise, arruinou-os. Enquanto Israel estava se formando como uma nação, como descrito no Capítulo 1, Babel experimentou oscilações violentas enquanto o egoísmo  desenfreado de sua população se intensificava. Sua desintegração final no quarto século AC provou ser um processo longo, mas inevitável.

No entanto, Babel foi apenas a primeira etapa na construção do mais alto nível na pirâmide de desejos—o nível falante. Como com todos os outros elementos da Criação, o nível final da pirâmide consiste em uma raiz e quatro estágios de evolução dos desejos. Abraão é considerado o Estágio Raiz, daí seu epíteto, Avraham Avinu (Abraão Nosso Patriarca), referindo-se a ele como o progenitor da nação que se esforçou para chegar ao Criador. Mais tarde, como sabemos, ele se tornou conhecido como o pai de todas as três fés abraâmicas, as religiões monoteístas do judaísmo, cristianismo e islamismo.

Como os desejos continuaram a evoluir na humanidade, um novo nível de desejo na pirâmide surgiu no topo do nível Raiz, aproximadamente, quando o Egito estava em seu apogeu. Este nível corresponde à Etapa Um, e como a Etapa Raiz teve  seu prenúncio  em Abraão, a Etapa Um teve o prenúncio de si própria: Moisés. E assim como Abraão foi forçado por Nimrod a sair de Babel, Moisés teve de fugir do faraó e sair do Egito, como descrito no Pentateuco, “Mas Moisés fugiu da presença de Faraó, e habitou na  terra de Midiã” (Êxodo 02:15 ). Para entender a importância da missão de Moisés, precisamos entender um conceito que inicialmente parece não estar relacionado — o conceito de livre escolha, como explica a Cabalá.

Livre Escolha

Como já foi discutido, a evolução da humanidade corresponde ao Estágio Quatro na evolução dos desejos. Nesta fase, o desejo de receber percebe que por trás de tudo o que ocorre está um pensamento, um propósito que dita esta série de mudanças. Em nossas vidas, isso se traduz na tendência de uma criança não apenas imitar as ações dos pais, mas querer saber o que eles sabem.

Para obter o pensamento do Criador, Estágio Quatro precisa de liberdade de pensamento e livre arbítrio, para que possa desenvolver suas percepções de forma independente. Da mesma forma, se você ensina uma criança a pensar e ver o mundo através de uma perspectiva estreita, ela será um soldado muito leal, mas provavelmente não um grande estrategista ou general. Esta também é a razão por que as crianças — especialmente na primeira infância, antes de nós as acostumarmos à indolência — desejam fazer as coisas por si mesmas em vez de deixar seus pais faze-las por eles.

Assim, a necessidade de livre escolha requer a nossa ignorância sobre a lei pela qual todas as criaturas alcançam o equilíbrio e sustentabilidade através da submissão do interesse pessoal ao interesse do sistema hospedeiro, para que possamos descobri-la por nós mesmos. Se soubéssemos que esta era a lei em vigor, e que é tão rígida quanto a lei da gravidade, não nos atreveríamos a desafiá-la. E se nós não tivéssemos escolha, senão segui-la, teríamos, na melhor das hipóteses, nos transformado em crianças obedientes, mas permaneceríamos crianças, sempre inferiores ao desejo de  doar, que criou essa  lei.

Para nos igualarmos ao Criador, devemos aprender como “construir” a Criação por nós mesmos, cada  elemento  dentro  dela, a razão  para sua existência, como  e  quando  ela

 

surgiu, e se e quando vai expirar. Para aprendermos isto, a evolução criou a infra- estrutura perfeita para nosso aprendizado: ela construiu um universo no qual cada elemento obedece à lei de submeter o interesse pessoal ao interesse do sistema. Além disso, a evolução nos negou o conhecimento dessa lei, e nos deu o poder de agir contrariamente a ela, ou não, dependendo da nossa escolha. E acima de tudo, a evolução não nos revela a recompensa pela observação desta lei.

Células do corpo simpatizam com a vida de seu organismo hospedeiro, não com a sua própria. Se não fosse assim, não seriam capazes de operar em favor dele e se tornariam malignas ou até mesmo impediriam o início da vida por completo. Essa simpatia é tão completa que as células estão mesmo dispostas a terminar as suas próprias vidas para promover o crescimento de todo o corpo em um processo conhecido como “apoptose” ou “morte celular programada” (MCP). Em embriões, por exemplo, a forma dos pés é determinada por apoptose, que finaliza a diferenciação dos dedos das mãos e dos pés quando as células entre os dedos são deliberadamente mortas por seu organismo hospedeiro.

Em troca de sua simpatia, as células são “recompensadas” com a percepção do mundo de seu organismo hospedeiro, em vez dos seus próprios organismos. Isto é, as células se comportam como se elas estivessem equipadas com uma percepção inata de todo o organismo do qual fazem parte. Se elas não funcionassem desta forma, elas instintivamente tentariam combater suas células vizinhas para o fornecimento de nutrientes e oxigênio, como fazem as criaturas unicelulares. Quando esse tipo de disfunção ocorre em uma célula dentro de um organismo, pode se transformar em câncer.

Se nós, assim como células em um organismo, pudéssemos nos simpatizar com o nosso sistema hospedeiro—Planeta Terra—mas ainda mais do que isso, com as forças que construíram e sustentam a Terra, obteríamos a percepção mais ampla possível e transcenderíamos conceitos como tempo, espaço, vida e morte, tal como os conhecemos. Nossa percepção revelaria que somos parte de um sistema muito mais amplo que o nosso entorno imediato, assim como as células são parte de todo o organismo. Nesse estado, seríamos capazes de pensar e agir como o Criador — o desejo de doar. E alcançado isso, alcançaríamos o propósito da Criação — tornarmo-nos como o Criador.

No entanto, se pudéssemos ver que por submetermos o nosso interesse pessoal, estamos sendo recompensados com sermos semelhantes ao Criador, iriamos fazê-lo, a fim de receber prazer, sem o objetivo de doar, e sem o objetivo de doar ficaríamos

egocêntricos, diferentes do Criador. Para alcançarmos um estado semelhante ao Criador, devemos escolhê-lo livremente, sem sermos seduzidos xixde alguma forma em direção  ao altruísmo. Porque, como explicamos sobre os quatro estágios, o objetivo de doar é o que nos faz semelhantes ao Criador, o desejo de receber não deve sentir que nós vamos receber prazer ou benefício ao doar, para não criar motivação egoísta.

Quando entendermos isso, vamos entender o quão importante é a restrição do prazer pelo Estágio Quatro para nós. Se o Estágio Quatro não o repelisse, iríamos sucumbir ao prazer, assim como um bebê desfruta a força de seus pais e sua benevolência para com ele, e nós não seriamos capazes de nos tornarmos como o Criador. Em vez disso, seriamos tomados pelo prazer, assim como as mariposas são seduzidas pela luz de uma lâmpada em uma noite escura.

Diante da Expansão dos Desejos—Uni-vos

Anteriormente, dissemos que quando os desejos evoluíram na Natureza, eles criaram estruturas cada vez mais complexas. Cada novo nível se eleva a um grau mais elevado do desejo de receber quando as criaturas do nível atual se juntam para formar um agregado de colaboradores. Ao fazerem isso, as criaturas do nível atual (e presentemente, o mais alto) criam um sistema ao qual possam submeter seus  próprios interesses, o que lhes proporciona sustentabilidade e adesão à lei da Natureza de doação. Quando isso acontece aos seres humanos, nós também iniciamos a partir da menor estrutura—uma única pessoa—e trabalhamos ao nosso modo em direção a sociedades cada vez mais complexas. A única diferença é que devemos criar por nós mesmos essas estruturas sociais que aderem à lei de doar.

De fato a família de Abraão foi o primeiro grupo a criar esse sistema e, depois  aproveitar seus membros em um sistema cujas partes foram unidas pela dedicação  ao seu sistema hospedeiro. Como narra Maimônides (Capítulo 1), este sistema inicial se transformou em um grupo. No entanto, apenas no Egito—quando o seu número se  tornou suficiente—o sistema se transformou em uma nação. Quando Moisés tirou Israel do Egito, a família dos setenta, que tinha ido para o Egito agora consistia de vários milhões (há muitos pontos de vista sobre exatamente quantos saíram do Egito, mas os números comuns são entre 2 e 6 milhões de homens, mulheres, e crianças, excluindo a multidão mista).

Claramente, o trabalho de Moisés foi muito mais desafiador que o de Abraão. Ele não podia reunir toda a nação na sua tenda, como fez Abraão com sua família e poucos discípulos e ensinar-lhes as leis da vida. Em vez disso, deu-lhes o que nós referimos como os Cinco Livros de Moisés, conhecidos em hebraico como a Torah, que significa tanto “Lei” (de doação) quanto “Luz”. Em seus livros, Moisés fornece representações de todos os estados que uma pessoa experimenta no caminho de se tornar como o Criador.

A primeira parte do caminho para imitar o Criador era sair do Egito, aventurar-se no Deserto do Sinai, e permanecer ao pé do Monte Sinai. De acordo com fontes antigas, o nome “Sinai,” vem da palavra hebraica, Sinaá (ódio). Em outras palavras, Moisés reuniu o povo no sopé do Monte Sinai—a montanha de ódio.

Para interpretar a alegoria da montanha de ódio, os ensinamentos de Moisés mostraram ao povo quão odiosos foram em relação ao outro, como era remota para eles a lei de doação. Para reconectar-se com a lei de doação, ou o Criador, eles se uniram, como descrito pelo comentarista do século 11 e cabalista, Rashi, “Como um homem em um só coração.” xix

Baal HaSulam desenvolve mais a respeito desse processo em seu ensaio, “A Garantia Mútua”xix, onde explica que em troca de seu compromisso de cuidarem uns dos outros, ao povo de Moisés foi dada a Torá. Eles atingiram a lei de doação e obtiveram a luz, a natureza altruísta do Criador. Nas palavras de Baal HaSulam, “Uma vez que toda a nação por unanimidade concordou e disse:” Faremos e ouviremos: “… só então eles se tornam dignos de receber a Torá, e não antes.”xix

Agora podemos ver o quão importante foi missão de Moisés, e porque a livre escolha é um pré-requisito para realizá-la. Os líderes do grupo de Abraão eram todos da família e eram naturalmente unidos. Moisés, porém, teve que unir uma nação. Para isso, toda a nação teve que concordar num caminho. Fazendo uma escolha livre para unir-se, apesar do egoísmo evidente (alegoricamente descrito como “ao pé do Monte Sinai”), uma nação foi admitida na lei de doação. Esta foi a primeira vez na história da humanidade que as pessoas em massa atingiram a qualidade do Criador, e deste ponto em diante, a escolha da unidade em face do egoísmo crescente será a única forma de alcançar o Criador.

A outra maneira

Os sábios do Talmud, escreveram: “Aquele que tem cem, deseja duzentos”. xix Desde o alvorecer da Cabalá, afirmaram seus praticantes que nossos desejos evoluem. Eles crescem tanto em intensidade quanto em qualidade, o que significa não apenas o quanto queremos, mas também o que queremos. No final, estes desejos evoluem para se tornarem o desejo final—ser como o Criador.

Mas os cabalistas também afirmaram que temos a livre escolha em como chegarmos ao maior desejo, que também produz o maior prazer. Eles disseram que existem duas maneiras de atingir esse objetivo:

  1. Seguirmos o exemplo de Moisés e nos unirmos. Fazemos isso através do estudo de como a Natureza funciona nos seus níveis mais fundamentais, como nós, sendo ramificações da lei que a Natureza, operamos, e então tentarmos trabalhar como a Natureza, em unidade, como uma criança imita seus pais.
  2.  Ignorarmos as informações disponíveis e tentarmos descobrir o segredo para uma vida boa e sustentável por nós mesmos. Isso pode ser comparado a uma criança sentada ao volante de um carro, mas muito pequena para ver pela janela. Naturalmente, isto irá resultar em acidentes recorrentes com consequências terríveis.

Os  Cabalistas  chamam  o  primeiro  caminho,  luminoso,  “O  Caminho  da  Luz”,  e o segundo caminho, tortuoso, “o Caminho do Sofrimento.” xix

A evolução dos desejos ocorre independentemente de nossas escolhas. Quando não é acompanhada por um esforço calculado para nos unirmos e escolhermos o caminho da luz, de forma a descobrir a lei da doação, não há nada para regular o desejo crescente e afunilá-lo em direções construtivas. O resultado é um egoísmo intensificado e imprevisto. Isto é normalmente acompanhado por “um acidente”—desintegração e derrota como aconteceu na Babilônia e no Egito.

Na verdade, a história da nação israelita é o melhor exemplo dessa afirmação. Enquanto eles seguiram o ensino de Abraão, eles foram bem sucedidos. Quando não, foram derrotados e exilados.

Há aproximadamente 1.900 anos atrás, um novo nível de desejo de receber surgiu. Isso exigiu um esforço renovado e uma escolha renovada para união. No entanto, o povo de Israel  não  estava  pronto  para  fazer  o  esforço.  Em  vez disso,  eles caíram  em ódio e

egoísmo. O Talmud Babilônico, escrito por volta do quinto século EC, explica que a única razão para a derrota de Israel e a queda do Templo era o ódio infundado. xix

Desde aquela queda, o mundo teve apenas um caminho a trilhar—o caminho do sofrimento. O caminho da luz era conhecido por pouquíssimas pessoas nas gerações que se seguiram, e em poucas décadas eles tentaram cautelosamente expô-lo. Mas, vendo que as pessoas ainda não estavam prontas para contemplar as verdades que esse caminho continha sobre a realidade, eles o mantiveram para si e para aqueles raros e dedicados estudantes que procuraram a verdade a todo custo.

No entanto, como veremos no próximo capítulo, os anos de esquecimento para a Cabala não foram em vão. Eles nos deram muito conhecimento e uma miríade de observações da Natureza como um todo e da natureza humana em particular. Sem esses anos, a retomada da aceitação do conhecimento que a Cabala fornece não seria possível.

Capítulo 6: Em Direções Opostas

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Como mencionado no Capítulo 1, a Mesopotâmia, o berço da civilização, foi também o berço de Abraão, o precursor da Cabalá. O conflito entre Abraão e Nimrod, governante de Babilônia,  significa  muito  mais  que um conflito  entre um governante e um súdito desafiador. É um conflito de percepções. Para Nimrod, a realidade é uma “federação” de forças que ele deve agradar, servir e acalmar por meio de sacrifícios. Para Abraão, há apenas uma força, e adorá-lo significa viver pela sua lei—lei de doação, simples assim. Considerando-se este contraste de pontos de vista, não é de admirar que Nimrod tivesse que destruir a Abraão ou expulsá-lo.

Mas a partida de Abraão da Babilônia não acalmou a polis. As tendências que induziram Abrão a buscar pelo segredo da vida continuaram a se intensificar e se espalhar pela cidade agitada, alimentados pelas mesmas forças que impulsionam o processo de evolução. No entanto, na Babilônia, estas tendências começaram a manifestar uma conduta que é unicamente humana— o egoísmo.

Baal HaSulam explica que o egoísmo é uma característica natural para os seres humanos. Ele declara que é da natureza humana, e que a Cabalá oferece uma maneira de transformar suas evidentes consequências negativas em positivas. Em “Paz no Mundo”, ele escreve: “Em palavras simples diremos, que a natureza de cada e toda pessoa é explorar a vida de todos os outros povos do mundo para seu próprio benefício. E tudo o que ele dá para o outro é apenas por necessidade, e mesmo assim nela há exploração dos outros, mas é feito ardilosamente, para que seu vizinho não note isso e conceda de bom grado “.i

Mas antes de nos aprofundarmos na solução que a Cabalá oferece ao egoísmo humano, precisamos entender como o desejo de receber, inicialmente criado pelo desejo de doar—o Criador—tornou-se egoísmo. “A razão para isso”, continua Ashlag, “é que … a alma do homem [desejo] estende-se do Criador, que é um e único. … Daí, o homem também… sente que todas as pessoas no mundo devem estar sob seu governo “, assim como toda a natureza é regida pela lei de doação, o Criador.

Além disso, ao contrário de todos os outros elementos da Natureza, que são forçados a se comportar em congruência com o seu ambiente, os seres humanos têm o poder de mudar o meio ambiente. Isto nos dá algo que nenhuma outra criatura possui: a livre escolha. Em outras palavras, os seres humanos podem escolher ser como o Criador— doando—e, adquirir o poder e o conhecimento que vêm com ele, ou permanecer como nascemos egocêntricos e limitados.

Quando os estágios de desejos caem em cascata a partir do desejo de doar, o desejo de receber evoluiu com cada nova etapa. No mundo físico, também, a evolução dos desejos se manifesta em diferentes estágios de evolução (Figura 9.): Na parte inferior da pirâmide estão os minerais e os materiais inanimados. Ainda assim este é o Nível Inanimado, correspondente à Primeira Fase. Acima dele está a flora—correspondente a Segunda Fase, encimado pela fauna—Estágio Três, e acima de tudo está o homem (falante) —Estágio Quatro.

Figura 9: Pirâmide dos Desejos. O topo da pirâmide também é a parte que a governa e, portanto, a parte que tem livre escolha de como fazê-lo e a responsabilidade de fazê-lo direito.

Considerando que tudo o que existe é o desejo de doar e seu desdobramento, o desejo de receber, é evidente que o nível falante (nós), possuindo o mais intenso, sofisticado e complexo desejo de receber, não somos apenas uma parte inseparável da Criação, mas o seu ápice e governante. E assim como o cérebro governa todo o corpo, mas também é completamente dependente dele para sua sobrevivência, devemos aprender a governar e cuidar de toda a pirâmide da Criação, se quisermos sobreviver.