O Grande Despertar do Espírito Humano

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

No início da Quarta Fase do desejo, a Terceira Fase é especial no sentido de que é a primeira vez que a Criação inicia o processo: ela “decide” receber (embora apenas um pouco), a fim de outorgar. Assim, quando a Terceira Fase do desejo surgiu na humanidade, as pessoas e as sociedades passaram a iniciar mudanças em praticamente todos os reinos da vida. Noções novas apareceram e as antigas reapareceram, e todos prosperaram sob as asas do Renascimento. Religião, ciência, tecnologia, arte, economia, política (interna e externa), filosofia e qualquer outro domínio da vida foi analisado e modificado, se não revolucionado.

Os conceitos humanos por trás da Carta Magna e do Habeas Corpus foram sendo adotados em toda a Europa e nos Estados Unidos, embora fossem muitas vezes arbitrariamente descartados frente aos interesses financeiros e políticos, tais como o colonialismo e a escravidão. O English Bill of Rights, de 1689, ou “Ato Declarando os Direitos e Liberdades do Sujeito e Definindo a Sucessão da Coroa”, promoveu mais adiante a ideia de que toda pessoa tem direito a certas liberdades básicas, incluindo a liberdade política e a liberdade de expressão. Colocado de outra maneira,  o Bill of Rights permitiu a livre expressão do pensamento!

Do ponto de vista cabalístico, essas mudanças aconteceram, porque o novo e recém- surgido desejo da Terceira Fase chamava para uma recepção ativa de prazer. Assim, as pessoas se tornaram mais ativas em sua busca por melhoria de vida e em sua aspiração de autoexpressão e autodeterminação como indivíduos. Para realizarem seus sonhos, as pessoas começaram a desenvolver novas tecnologias, liberaram a política dos grilhões do feudalismo e estabelecerem a base para a economia moderna.

Na política global, os países mais fortes e mais ricos começaram uma busca fervorosa por novas terras no período que hoje é conhecido como “Era dos Descobrimentos”. Cristóvão  Colombo, Vasco  da Gama, Fernão  de  Magalhães e Giovanni da  Verrazano foram apenas alguns dos muitos exploradores que descobriram novas terras, ampliando o domínio dos países a que serviram. Os exploradores não só descobriram novas terras e as mapearam, mas também abriram caminho para novas rotas comerciais, embora a maior parte desse “comércio” fosse realmente baseada na escravização dos povos indígenas e na exploração de recursos naturais. O resultado da Era dos Descobrimentos, porém, foi uma nova visão de mundo e o reconhecimento mútuo da existência de civilizações distantes umas das outras.

Como parte da nova visão de mundo nascida na Renascença, a Igreja Católica passou a ser atacada por luteranos, calvinistas, anglicanos e outros que desejavam liberalizar o Cristianismo e adaptá-lo a suas opiniões. O Liberalismo e o Humanismo floresceram no espírito do Renascimento e se esforçaram para verdadeiramente, pela  primeira  vez desde a Idade de Ouro grega, libertar o pensamento do homem. De fato, em toda a Europa parecia que o espírito humano estava despertando.

Atestando a nova visão de mundo estavam as descobertas revolucionárias de Galileu Galilei, que possibilitaram a Nicolau Copérnico afirmar que a Terra girava em torno do sol, e não o contrário, como se acreditava até então. E quando Francis  Bacon estabeleceu o que se tornou “o método científico”, ainda hoje empregado, poderíamos seguramente declarar que a “revolução científica” estava em pleno vigor. Instituições para a melhoria do conhecimento natural, como The Royal Society of London, ou simplesmente The Royal Society, substanciaram o domínio da ciência sobre a mente e a imaginação das pessoas, assim como seus corações foram movidos por gigantes culturais, como Leonardo da Vinci, William Shakespeare e Claudio Monteverdi.

Hoje as pessoas muitas vezes citam um aumento exponencial no ritmo das mudanças. Ensaios como o de Kip P. Nygens ─ “Tecnologias emergentes e mudança exponencial: implicações para transformação do Exército”, publicado em 2002 por Questia Online Library, livros como Vivendo em meio ambiente: princípios, conexões e soluções (G. Tyler Miller e Scott Spoolman), ou o vídeo eye-opening do You Tube  “Estamos vivendo em tempos exponenciais” são apenas três das numerosas tentativas para descrever o quão rápido o nosso mundo está mudando. Se levarmos em conta  a  mudança fundamental que ocorreu com o surgimento da Terceira Fase na evolução dos desejos, é evidente, porém, que o crescimento exponencial tem as suas raízes profundas nos conceitos e inovações que surgiram pela primeira vez no final da Idade Média e começo do Renascimento.

Nos capítulos 3 e 5, mencionamos o Item 38 da “Introdução ao Livro do Zohar”, em que Ashlag escreve: “O desejo de receber no reino animal… só pode gerar necessidades e desejos, na medida em que eles são impressos em apenas esta criatura.” O nível animal que Ashlag menciona corresponde à Terceira Fase no início dos quatro estágios que manifestam um nível elevado de desejo de receber em comparação com a Segunda Fase. Nesse nível, o desejo de receber “decide” por receber, em oposição à recepção automática e rejeição nos Estágios Um e Dois. Nesse sentido, é mais autônomo do que seus antecessores. Como resultado, a sua manifestação corpórea ─ animais ─ é mais ativa e autônoma do que o seu grau anterior na pirâmide ─ plantas. Da mesma maneira, quando o desejo de receber nos humanos chegou à Terceira Fase, foi solicitado um aumento na atividade e na aspiração por autonomia individual.

O início da nova era foi promissor. O zeitgeist,  pelo  menos entre os mais  afortunados da sociedade, promoveu a liberação de mentes e corpos a partir de revoluções sociais, como o Iluminismo, o Bill of Rights (primeiro o inglês e depois a versão americana), o Humanismo, a Reforma e o Édito de Nantes. Com o acréscimo próspero da filosofia e  da ciência, parecia que em breve todos poderiam desfrutar dos frutos do progresso.

Uma vez que na base de todas essas mudanças encorajadoras estava o desejo de receber prazer na sua forma quebrada e autocentrada (e num grau ainda maior do que antes), os Cabalistas responderam a essa explosão como a uma chamada para a ação.  Os Cabalistas sentiram que, com as novas possibilidades oferecidas pela tecnologia e pela ciência, bem como com o desejo aumentado para a autoexpressão, um novo método de correção era necessário.

Assim, eles começaram a afirmar que era hora de sair  e  mostrar ao mundo  a sabedoria há muito oculta do Zohar. Sem isso, afirmaram, o mundo não iria ver uma conclusão positiva no final da nova era. Nas palavras do Gaon de Vilna (GRA), que numerosos Cabalistas ecoaram, a “Redenção (do egoísmo) depende do estudo da Cabalá.”.

Capítulo 8: O Renascimento e Mais Além

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Antecedendo cada nova etapa na evolução dos desejos, o precursor adequado aparece. Primeiro houve Abraão, ele foi a Raiz. Depois Moisés, representando o Estágio Um, seguido pelo Rabino Shimon Bar-Yochai (Rashbi), que corresponde ao Estágio Dois. E agora chegou a hora do Estágio Três.

O surgimento do Terceiro Estágio na evolução dos desejos corresponde aproximadamente ao advento do Renascimento na Europa. Seu precursor foi o maior  dos Cabalistas desde Rashbi: Isaac Luria (o Ari) ─ fundador da Cabalá Luriânica, a escola mais sistemática e estruturada da Cabalá. Hoje, é o método de ensino predominante, graças aos comentários feitos no século XX por Baal HaSulam, que interpretou os escritos e adaptou-os à mentalidade científico-acadêmica dos séculos XX e XXI.

Apesar de sua curta vida, o Ari (1534-1572) produziu numerosos textos com a ajuda de seu principal discípulo, Rav Chaim Vital. O Ari não escreveu seus textos. Em vez disso, ele falava e Chaim Vital anotava suas palavras. Após a morte precoce do Ari, Vital e vários de seus parentes compilaram as palavras do Ari em textos coesos. Por essa razão, muitos estudiosos têm atribuído os escritos do Ari a Chaim Vital e não a seu professor. Mesmo que Vital seja o escrivão, o fornecedor da informação, no entanto, é indiscutivelmente o Ari.

No capítulo 2, descrevemos o Terceiro Estágio como sendo um modus operandi “invertido”, em que o ato é recepção, mas a intenção é doação. Isso foi verdade para os primeiros quatro estágios do desejo. Após a quebra da alma de Adão, no entanto, a intenção prevalecente na alma coletiva ─ da qual todos nós somos partes ─ inverteu e regrediu de doação para recepção. E por sermos todos partes da alma de Adão, a intenção escondida em todos os seres humanos é receber também. Claramente, o fato de que todos desejam receber e ninguém deseja doar leva a uma situação insustentável.

Todas as fases, porém, aparecem para que possamos corrigi-las. Em todos os níveis da Natureza, essa correção ocorre naturalmente, porque a única maneira de sustentar qualquer coisa ─ minerais, vegetais ou animais ─ é ter todos os elementos contribuindo para a sobrevivência do mineral, do vegetal ou do animal. Em humanos, como explicamos no capítulo 6, esse estado sustentável (Estágio Um), no entanto, deve ser alcançado a partir da consciência do homem. Sem consciência, vamos para onde nos levam os nossos desejos, e, na Terceira Fase, eles começam a tomar um rumo sinistro.

De fato, o período desde a Renascença até o começo do século XX presenciou dois processos que mudaram fundamentalmente a vida das pessoas. Um deles foi o desenvolvimento de armas, como fuzis e peças de artilharia, e o início das viagens de descobertas ultramarinas por intrépidos exploradores que conquistaram novas terras e, posteriormente, exploraram seus habitantes nativos e recursos naturais.

O outro foi o advento da ciência moderna, mas, mais do que isso, a “descoberta” e a exaltação do indivíduo. Essa última mudança manifestada na prosperidade da arte em todas as suas formas e, mais  importante, na expansão  dos movimentos humanos, como o Humanismo e o Iluminismo. O Bill of Rights, o Édito de Nantes e o Manifesto Comunista sinalizam apenas algumas das inúmeras mudanças que estabeleceram a base para o que hoje chamamos “mundo livre”.

Paralelamente a essas profundas transformações, a Cabalá necessitava de seu próprio “reformador”. No nível mais profundo da existência, as mudanças que acabamos de mencionar estavam acontecendo, porque um novo estágio de desejo havia surgido e isso exigia que alguém “desse sentido” a elas. Este foi o papel do Ari: introduzir o método  de correção para a Terceira Fase. É por isso que o método do Ari é o mais sistemático e estruturado em comparação com todos os métodos de seus antecessores, combinando o pensamento racional e científico de seu tempo.

 

A Era do Ocultamento

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

A Idade Média é um período muito peculiar da história. Opiniões sobre quando ela começa e quando ela termina parecem ordenar do século II – V até o século XV – XVIII respectivamente, dependendo do campo de pesquisa do estudioso. Alguns marcam a queda do Império Romano do Ocidente como seu início e a queda do Império Romano do Oriente como seu fim. Outros marcam o início da Idade Média como o período quando o Imperador Constantino o Grande convocou o Primeiro Concílio de Niceia, em 325 d.C e seu fim como o período quando Martinho Lutero foi excomungado (1521) e a Igreja Protestante foi estabelecida.

A Cabalá não define qualquer era como sendo “a média”, mas ela considera o período compreendido entre a escrita de O Livro do Zohar e a escrita de A Árvore da Vida como um período distinto na evolução da humanidade. Num sentido, o termo, “A Idade das Trevas”, seria mais apropriado para descrever este período da história, uma vez que é aproximadamente o período durante o qual os Cabalistas ocultaram seu conhecimento e o transformaram em um conhecimento secreto, conhecido por apenas poucas pessoas.

Durante este período, e ainda de acordo com a visão panorâmica deste capítulo, nós nos reportaremos mais aos processos que ocorreram entre a escrita desses livros do que aos eventos específicos. Isto tornará mais fácil a identificação de como os desejos, que no nível humano aparecem mais como ambições, orientam os processos que formam a história da humanidade.

Na Cabalá, o período entre a escrita de O Livro do Zohar e a escrita de A Árvore da  Vida tem um papel crucial. Sem ele, o propósito da Criação não seria alcançado. Para reiterar em uma palavra, o propósito da Criação foi que cada pessoa conheça o Criador e torne-se igual a ele. O grupo de Abraão foi o primeiro que conseguiu isto. Entretanto, o objetivo de Abraão não era apenas que o seu grupo conseguisse isto, mas todas as pessoas do mundo. Moisés ajudou na causa de Abraão expandindo a realização do  grupo em realização de toda uma nação.

Mas enquanto o sucesso de Moisés foi momentaneamente verdadeiro, ainda existe um longo caminho a percorrer antes de se atingir o objetivo final. Para que toda a humanidade alcance o Criador, a lei de doação, todos têm que querer que isto aconteça. E para isto, todas as pessoas têm que compreender: a) que o caminho do egoísmo é insustentável, e b) que há outro caminho – reconhecer uma lei da natureza anteriormente desconhecida e aprender como implantá-la.

Durante o Estágio Dois na evolução dos desejos, isto se desenvolve de uma maneira fascinante. De um lado Israel declina de seu estado altruísta e cai no  egoísmo.  O restante das nações, de outro lado, descobre a lei da doação – amai ao teu próximo como a ti mesmo – a qual se torna no princípio de todas as crenças abraânicas. Mesmo que nenhuma das religiões atuais viva através desta lei, o próprio fato de que elas fizeram disto o centro de sua fé significa que as pessoas tomaram consciência de sua importância. Então, as pessoas de fato reconhecem a idéia de Abraão, do amor pelos outros como a cura para as doenças da humanidade. Deste ponto em diante, o destino de Israel e o destino de todas as nações do mundo estarão interligados para sempre.

Como explicado anteriormente, os processos que se desenvolvem nas raízes espirituais se manifestam em seus ramos materiais. Por esta razão, como o desejo de doar tornou-se misturado com o desejo de receber no nível espiritual, a manifestação física deste processo foi a dispersão e miscigenação do povo de Israel entre as nações do mundo.

Isto não significa que os Judeus estavam espalhando a mensagem de amor e união de Abraão aos seus novos vizinhos. Os Judeus não escolheram ser exilados para que pudessem espalhar o método de Abraão. Nem tampouco as nações que os aceitaram em seu meio fizeram isto porque quisessem ouvir, muito menos adotar aquela mensagem. Todavia, como o processo de paridade-dos-desejos entre Israel e as outras nações já estava em curso no nível espiritual, também estava acontecendo no mundo físico.

Assim, pelo final da Idade Média, a mistura dos desejos alcançou tal estágio que no  nível físico isto se manifestou em três religiões cujos seguidores não se dizem altruístas, ainda que citem uma lei fundamentalmente altruísta como um de seus pilares: “Amai ao teu próximo como a ti mesmo.” Além disso, estas religiões – Cristianismo, Islamismo e Judaísmo – não apenas citavam esta lei como sendo seu princípio, mas também declaravam Abraão como seu patriarca espiritual, daí então o epíteto, “Religiões Abraânicas”.

No Capítulo 4, nós mencionamos a apresentação de Tokyo da bióloga evolucionista Elisabet Sahtouris, a respeito do interesse próprio e colaboração – que cada molécula, cada célula, cada órgão e todo o corpo têm interesse próprio. E quando cada nível mostra seu interesse próprio, isto exige negociações entre os níveis, as quais geram harmonia em todo o sistema. Na verdade, mesmo que estejamos inconscientes do objetivo final da existência, inconscientemente todos nós sentimos que a harmonia e o cuidado mútuo são os únicos caminhos para criarmos uma humanidade sustentável. Nós todos temos os quatro estágios do desejo dentro de nós porque nós todos somos, no final das contas, ramificações destes quatro estágios.

Por isso, como o Estágio Dois – o estágio governante do desejo durante a Idade Média – prescreve, todas as três religiões Abraânicas adotaram o mandamento, “Amai ao teu próximo como a ti mesmo” (Lev. 19: 18) como um princípio. Assim, embora “as negociações” (para usar o termo de Sahtouris para relações) entre pessoas e nações durante a Idade Média frequentemente estavam muito longe de serem julgadas harmônicas, o resultado final foi uma razoável consolidação da Europa com respeito à religião, cujo princípio básico (declarado) é altruísta – respeitando a lei de submissão do interesse próprio, mesmo se sua manifestação estivesse longe do altruísmo.

Nós já sabemos que o Estágio Dois na evolução dos desejos marca o primeiro aparecimento do desejo de doar dentro do desejo de receber. De fato, o mandamento para amar aos outros tanto quanto amamos a nós mesmos está em perfeita congruência com o Estágio Dois. Entretanto, nosso universo foi criado quando a alma de Adão foi fragmentada, quando seus “órgãos” tornaram-se egocêntricos. Como resultado disto, a lei do amor aos outros aparece no nosso mundo como um mandamento que as pessoas precisam se esforçar para conseguir seguir. Se nossa natureza fosse aquela da doação verdadeira, nós não precisaríamos desta lei porque nós naturalmente adoraríamos doar tanto quanto nós normalmente amamos receber.

Assim, se nossa natureza fosse a de doação, nós nunca nos tornaríamos iguais  ao Criador. O máximo que conseguiríamos alcançar seria a similaridade com os desejos do Criador, mas seríamos privados de tudo que ganhamos ao lutarmos com nossos desejos. Esta luta, por mais árdua que seja, nos garante observações únicas. Ao compararmos nossa própria  natureza com a Natureza universal,  aprendemos a diferença entre doar  e receber, o aprendizado de que pode haver doação na recepção e a alegria e o contentamento que sentimos por sermos capazes de amar. Essas emoções só podem surgir quando se experimentou a incapacidade de amar.

Mas além de todos estes presentes existe o maior presente, exclusivamente humano: a liberdade de escolha. A diferença entre um adulto maduro e um jovem no nosso mundo é a permissão, a capacidade e a liberdade de fazer suas próprias escolhas. No reino espiritual, apenas os humanos possuem esta capacidade porque apenas os humanos possuem as duas naturezas – a de receber e a de doar – assumindo que eles tenham adquirido esta natureza por seguirem a lei da submissão do interesse próprio.

Uma vez que tenhamos obtido a natureza de doação, nós compreendemos por que é necessário que ambas as naturezas existam dentro de nós, por que precisamos começar com a natureza de recepção, adquirir a natureza de doação e colocar a última sobre a primeira por nossa livre escolha. Apenas agindo assim nós poderemos perceber realmente o trabalho da Natureza, com todas as suas facetas e sutilezas. E somente quando nós percebermos tudo isto, nós seremos capazes de viver conscientemente através da lei de submissão do interesse próprio em favor do interesse da Natureza, pois teremos alcançado o Pensamento da Criação. E quando nós alcançarmos este pensamento, nós nos tornaremos semelhantes ao Criador.

O estabelecimento das religiões Abraânicas no coração de milhões criou a primeiríssima ponte entre as pessoas inerentemente egocêntricas e o princípio da doação. Pois num primeiro momento, as pessoas sentiram que doar lhes renderia benefícios. Embora este seja um tipo egocêntrico de altruísmo, naquela altura dos acontecimentos e naquele estágio da evolução do desejo de receber, isto era o mais próximo do altruísmo que as pessoas conseguiriam chegar.

Então, ainda que os épicos e profetas se diferenciem um do outro, o resultado final é que todas as três religiões Abraânicas atribuem grande importância a Israel, porque toda pessoa cuja alma tenha sido tocada pelo princípio Abraânico “amai ao teu próximo  como a ti mesmo”, inconscientemente esforça-se por aquele estágio como ele realmente é na espiritualidade.

Atualmente, a miscigenação se expandiu tão fortemente que a busca pela espiritualidade virtualmente existe dentro de cada pessoa no mundo. Isto, como Baal HaSulam explica em seu ensaio, “O Amor do Criador e o Amor do Homem”,  é resultado do propósito da Criação, que “Todas as nações fluirão para Ele” (Isaias 2:2), o que quer dizer que todas as pessoas atingirão a força da criação da vida. E para que isto aconteça todas as nações, todas as formas de desejo no mundo terão que estar incorporadas com o desejo de doar.

A Carta Magna

Na medida em que o desejo de receber é uma força em constante evolução, as religiões abraânicas não foram o único fenômeno que evoluiu durante a Idade Média. Especialmente durante o final da Idade Média, cada vez mais pessoas começaram a se esforçar por uma emancipação pessoal e expressão pessoal também – na arte, erudição, bem como independência econômica.

Em 1088, a primeira universidade Européia foi instituída na Bolonha, Itália. Então,  entre 1150 e 1229, apareceram universidades em Paris, Oxford, Cambridge, Salamanca, Montpellier, Pádua, Nápoles e Toulouse.

Na lei civil, também, o surgimento de significativas mudanças estava a caminho para mudar a face da sociedade Europeia. A Carta Magna Liberatum emitida em 1215 e subsequentemente o habeas corpus, forneceram a primeiríssima proteção aos sujeitos, mesmo os agrilhoados (embora ainda limitada, a princípio), contra o capricho do então todo poderoso rei. E embora estas mudanças fossem inicialmente aplicadas apenas na Inglaterra, elas lançaram os fundamentos para a democracia e para a Idade da Razão através de toda a Europa.

A invenção da ampulheta no século XI e do compasso, inventado em cerca de 1300, permitiu a navegação através dos mares e oceanos. Isto também permitiu que os Europeus explorassem o mundo e levassem o Cristianismo para os continentes mais distantes tais como a América e a África, difundindo assim o princípio Abraânico para mais nações ainda.

Outra ajuda para divulgar o conhecimento e as idéias, foi a revolucionária invenção de Gutenberg a imprensa em meados do século XV. Ainda que a alfabetização tenha se tornado predominante apenas no século XIX, quando o preço do papel se tornou mais acessível, a relativa facilidade de imprimir livros ajudou a divulgar o conhecimento e as idéias através da Europa. Como resultado, os conceitos da Renascença, que surgiram na Itália no século XIV, puderam circular muito mais rapidamente, o que preparou o  terreno para uma nova era. E enquanto a população ainda estava sob o domínio arbitrário dos feudalistas, muitos corações e mentes das pessoas estavam começando  a se associar e se relacionar de forma evidente, quase tangível.

Em seu “Prefácio à Sabedoria da Cabalá”  Baal HaSulam descreve como, no seu final, cada estágio prepara o terreno para o próximo. Em muito, da mesma forma, os desenvolvimentos e mudanças durante o final da Idade Média marcam o final da era, bem como o início da próxima – a Renascença. E uma vez que, como a Cabalá explica, os eventos que ocorrem em nosso mundo são decorrência da evolução do desejo de receber, esses eventos demonstraram que o mundo estava então pronto para o próximo estágio da evolução dos desejos – o Estágio Três – cujo início é marcado pela próxima importante composição da Cabalá, A Árvore da Vida.

A Dispersão da Judéia

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

A derrota da revolta dos Judeus contra os Romanos (66-73 d.C.) causou a destruição do Segundo Templo e a dispersão da Judéia. (o Primeiro Templo foi construído pelo Rei Salomão no século X a.C. e foi destruído pelos babilônicos em 586 a.C.) Esta dispersão significou algo muito mais importante do que a conquista de uma nação por outra. Refletiu-se na medida do declínio espiritual da nação de Israel. A palavra hebraica Yehudi (judeu) deriva da palavra Yechudi (unido ou único), referindo-se ao estado da nação de Israel do tempo: percebendo (e aderindo à) única força de doação que governa toda vida.

Todavia, como explicamos nos capítulos anteriores, o desejo de receber é uma força em constante evolução e requer adaptação também constante. Um esforço constante é requerido para atrelar os novos desejos emergentes ao trabalho em uníssono – com a intenção de doar, e aderindo à lei de submissão do interesse próprio em favor dos interesses do sistema circundante. E como os desejos evoluem, os meios para subordiná-los devem evoluir correspondentemente.

Como explicado nos capítulos anteriores, ao contrário dos animais, os seres humanos  têm que constantemente tomar consciência do seu lugar na Natureza e escolher serem partes construtivas dela. Entretanto, se nós agirmos ao contrário, o resultado negativo não será imediatamente evidente. Isto nos permite um espaço para manobrar e calcular.

Ao mesmo tempo, se nós escolhemos agir de acordo com a lei da Natureza, nós não notaremos de imediato o resultado positivo. Assim, como a recompensa ou punição não são imediatamente discerníveis, se mesmo assim escolhermos agir de acordo com a lei da N?atureza, será apenas porque queremos descobrir a lei da Natureza de união e doação, e não porque nós esperamos uma recompensa imediata. Neste sentido, nós agimos em razão de uma intenção de nos tornarmos doadores ao invés de agirmos em razão de nosso inerente desejo de receber.

Mas durante o primeiro século da EC, a evolução do desejo de receber incitou a emergência de um novo nível de desejo. Até a chegada deste nível, os judeus que retornavam do exílio na Babilônia – depois da queda do Primeiro Templo  –  continuaram sua união e sua percepção de coesão da lei da vida.

Na verdade, apenas duas das 12 tribos retornaram de seu exílio babilônico porque o nível de egoísmo estava crescendo também em Israel, e a maioria das tribos não pôde resistir o movimento egoísta dentro delas. Este movimento as separou da nação de Israel a qual consiste como explicado de pessoas que vivem pela lei da união, e não de indivíduos geneticamente ligados. Mas quando o Estágio Dois na evolução dos desejos começou a se manifestar em Israel, mesmo aqueles que retornavam da Babilônia não conseguiram manter seu altruísmo. Em vez disso, eles caíram vítimas de seus desejos egocêntricos.

O Talmud Babilônico explica que a única razão para a derrota de Israel e para a queda do Segundo Templo foi o ódio infundado: “O Segundo Templo, por que ele ruiu, uma vez que eles praticaram a Torá e as Mitzvot (aprendizado espiritual) e boas ações? Foi porque havia um ódio infundado nele.”  Na ausência de união e por que muitos judeus queriam imitar ou mesmo fazer parte da cultura romana, a revolta judaica era impossível desde o princípio.

Entretanto, mesmo depois da revolta, muitos entre Israel mantiveram sua percepção de coesão da realidade. Rabbi Akiva, por exemplo, cujo epíteto talmúdico era “Chefe de todos os Sábios”, viveu e ensinou nos anos que se seguiram à queda. De acordo com o Talmud Babilônico, Rabbi Akiva teve 24.000 alunos, mas eles, também, morreram (de acordo com o Talmud) porque eles não se uniram.

Dos 24.000 alunos, apenas quatro sobreviveram. E destes quatro, dois tornaram-se os maiores sábios de sua geração, e possivelmente de todos os tempos. O primeiro foi Rabbi Yehuda, conhecido como Rabbi Yehuda HaNassi (o presidente), que se tornou presidente do Sanhedrin e chefe redator e editor da Mishnah, a coleção de livros que é a base na qual ambas as partes do Talmud foram construídas. O outro aluno foi Rabbi Shimon Bar-Yochai (Rashbi), que se tornou conhecido como o autor de “O Livro do Zohar” [O Livro do Esplendor] – o influente livro de Cabalá, o qual todos os Cabalistas estudam até hoje e de onde derivam sua sabedoria.

Através dos séculos, sempre existiram sábios que mantiveram a sabedoria vibrante e em evolução. Eles entendiam a natureza do desejo de receber e produziram textos que interpretaram O Zohar, bem como outros livros de Cabalá. Porém, em sua maior parte, seus livros – escritos com uma percepção da realidade Cabalística-altruísta – foram mal entendidos por todos, exceto pelos companheiros Cabalistas, porque eles eram lidos  com uma percepção egoísta. Isso impediu os leitores de compreenderem o verdadeiro significado dos textos. E da mesma maneira que uma pessoa que é cega de nascença não pode entender o significado da visão, muito menos ela entenderá a alegria que se sente ao observar uma bela paisagem ou o poder cativante da visão da costa de uma tempestade oceânica.

Assim, por causa do declínio da percepção espiritual (altruísmo) entre Israel, o sonho de Abraão de ensinar ao mundo inteiro, a única lei da existência, teve que ser postergado até que as pessoas estivessem novamente prontas para aprender a respeito dessa lei. O Zohar foi ocultado logo depois de sua conclusão e permaneceu oculto por mais de um milênio. Os Cabalistas, também, encobriram a sabedoria com mistério e equívocos, e declararam que apenas aqueles que atendessem a rigorosas condições teriam permissão para estudá-la. Uma vez que eles sabiam que a maioria das pessoas estava muito distanciada da percepção espiritual para entenderem corretamente os conceitos da Cabalá, os Cabalistas distraíram a mente das pessoas com histórias de milagres e encantamentos, e estabeleciam limites tais como idade, sexo e estado civil para deter os possíveis estudantes de explorar a Cabalá.

Na verdade, as percepções equivocadas da Cabalá ficaram tão profundamente enraizadas que mesmo depois do reaparecimento de O Zohar (Imagem nr. 7) no século XII, na Espanha, na posse de Rabbi Moshe de León, o livro foi frequentemente incompreendido e considerado um texto sombrio até que alguns Cabalistas tais como o Gaon de Vilna (GRA), Rabbi Isaac Safrin dentre outros forneceram interpretações mais claras. Ainda assim, não antes dos anos 40, quando Yehuda Ashlag (Baal HaSulam) forneceu seu comentário Sulam (Escada) completo, sobre O Livro do Zohar – com quatro introduções explicativas – que aquela complexa composição pode ser apropriadamente estudada e compreendida.


Imagem nr. 7: A página de rosto da Edição 1558 de O Livro do Zohar, Mantua, Itália. O texto começa, “O Livro do Zohar na Torá, do divino sábio, Rabbi Shimon Bar-Yochai…”

 

Mas nos primeiros anos que se seguiram à queda do Segundo Templo, o mundo estava trilhando um rumo totalmente diferente. Os romanos se tornaram o império no Mediterrâneo, no Oriente Próximo e na Europa e sua cultura e filosofia (essencialmente Gregas) reinavam. A percepção Helenística do mundo não concordava com aquilo dos rebeldes da terra de Israel. Além disso, a maioria dos judeus não concordava com os princípios dos seus antepassados e os abandonaram em favor da egocêntrica cultura Greco-Romana Helenística.

Dito isto, diversos renomados estudiosos da renascença acreditavam que os gregos adotaram pelo menos alguns de seus conceitos da Cabalá. Johannes Reuchlin (1455- 1522),  por  exemplo,  o  grande  humanista  e  conselheiro  político  para   o  Chanceler, escreveu o seguinte em seu De Arte Cabbalistica (Sobre a Arte da Cabalá): “Não obstante, sua [de Pitágoras] proeminência não derivou dos gregos, mas, novamente, dos judeus. Como ‘aquele que recebeu’, ele pode muito justamente ser denominado um Cabalista. …Ele mesmo foi o primeiro a converter o nome Cabalá, desconhecido dos gregos, no nome grego filosofia.”

Um antecessor de Reuchlin, Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494), um estudioso italiano e filósofo platônico, escreveu em seu De Hominis Dignitate Oratio (Oração sobre a Dignidade do Homem), “Esta verdadeira interpretação da lei, a qual foi revelada a Moisés na Divina tradição, é chamada ‘Cabalá’.

Mas o princípio que os gregos não adotaram foi o mais importante dentre todos: a intenção de anular o egocentrismo em favor do sistema centralizado a fim de tornar-se como o Criador. A última parte desta frase, a razão para alterar o foco da pessoa, é a razão pela qual a sabedoria da Cabalá foi concebida, para começar. Tivessem os gregos adotado aquele princípio, a história teria se desenrolado muito diferentemente.

Ainda, não foi por erro dos gregos que eles não o adotaram. Eles não o conheciam, uma vez que não havia nenhum professor Cabalista dentre eles, e por isso ninguém que os educaria corretamente. Além disso, tendo eles mesmos enormes egos, os judeus, também, estavam adotando as maneiras greco-romanas, e aqueles que não adotavam eram considerados os mais ferozes inimigos na Judéia. Em consequência, não havia ninguém para mostrar aos romanos que eles estavam esquecendo-se de algo que poderia ser de muito valor para eles. E então os romanos seguirama cultura Helenística até quando o Imperador Constantino o Grande adotou o Cristianismo no século IV d.C.

A adoção da cultura Helenística pelos judeus não foi coincidência. O estabelecimento  do Primeiro Templo marcou o ponto espiritual mais alto (a percepção da lei de doação) na história da nação de Israel. A partir de então, um processo gradual de declínio estava em andamento. A evolução dos desejos estava afetando os judeus da mesma forma como estava afetando todas as outras nações. Como resultado, muitos dos judeus não conseguiram manter sua percepção espiritual, altruísta, de uma força unificada, e voltaram-se para culturas mais auto-centradas que se adequavam à sua percepção egoísta.

Então, a conquista babilônica e subseqüente exílio dos hebreus na época do Primeiro Templo foram apenas manifestação do estado espiritual deles naquele momento. E devido ao estado de declínio espiritual dos hebreus no cativeiro babilônico, apenas duas das doze tribos que estavam no exílio, Judá e Benjamin, retornaram. As dez tribos que permaneceram no exílio tornaram-se tão totalmente miscigenadas com as tribos locais que esqueceram completamente seus princípios e seus vestígios estão totalmente perdidos para nós atualmente.

Contudo, a evolução dos desejos não parou aí. Judá e Benjamin gradualmente declinaram também, e a completa dispersão dos judeus era apenas uma questão de tempo. Na verdade, a perda da percepção espiritual dos judeus foi um longo processo que levou séculos, mas seu curso estava definido. Quando os romanos finalmente conquistaram Israel e destruíram o Segundo Templo, Israel já era uma nação cuja maioria não queria manter a mentalidade espiritual (Cabalística) e preferia os conceitos helenísticos em seu lugar. Em consequência, eles também foram exilados e dispersos. E enquanto muitos judeus permaneceram nas terras de Israel mesmo depois da conquista romana, e compilaram alguns dos mais significativos textos do judaísmo, os judeus como um povo já estavam se espalhando por Roma e subsequentemente pela Europa.

Em A Guerra dos Judeus, Capítulo 1, traduzido por Willian Whiston, Josephus Flavius descreve a expulsão dos judeus pelos romanos: “E como ele se lembrou de que a décima-segunda legião havia dado passagem para os judeus, sob seu general Cestius, ele os expulsou para fora de toda a Síria, pois eles ficaram anteriormente em Raphanea, e os enviou para um lugar chamado Meletine, próximo do Eufrates, que fica nos  limites  entre a Armênia e a Capadócia.”

No Capítulo 3 do mesmo libro, Flavius elaborou: “Dado que a nação judaica está totalmente espalhada por toda a terra habitável dentre os habitantes locais, como ela está muito miscigenada com a Siria por causa de sua vizinhança, e tinha grandiosa multidão na Antióquia em razão da amplidão da cidade, onde os reis, depois de Antioco, concederam a eles uma habitação com sossegada tranquilidade.

Assim, gradualmente, os Judeus migraram por toda Europa e para a maior parte do atual Oriente Próximo. Como resultado a história dos Judeus e a história da Europa se tornaram intimamente ligadas.

Capítulo 7: A Grande Miscigenação

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Os primeiros séculos da Era Cristã (EC) compreenderam um período tumultuoso na história da Europa, do Oriente Próximo e do Oriente Médio. Os Romanos conquistaram extensos territórios da Europa, Norte da África e do Oriente Próximo (incluindo o que hoje é considerado o Oriente Médio). Além disso, A Judéia foi conquistada (por Roma), então se rebelou, perdeu e os judeus foram exilados. O cristianismo também fez sua estreia, e a Britânia foi conquistada pelo Imperador Tiberius Claudios. Assim como nós veremos neste capítulo, o exílio dos Judeus e sua dispersão por toda a Europa estão intimamente conectados com a evolução dos desejos.

Durante aqueles primeiros séculos um mundo novo e diferente estava se formando. Ao serem exilados os Judeus foram se espalhando por todo o Oriente Próximo e Europa, e o Cristianismo foi gradualmente tomando conta, tornando-se a religião oficial do Império Romano quando o Imperador Constantino o Grande adotou-o no século IV.

Quando o Islamismo foi promulgado no século VII, criou-se uma situação onde  a maioria do povo na Europa e nos Orientes Próximo e Médio aderiu a uma das três fés de Abraão. Hoje, isto pode não parecer extraordinário. Mas naqueles anos, esta mudança  de fé foi uma revolução causada pela emergência do próximo estágio na evolução dos desejos – O Estágio Dois.

O Estágio Dois, a emergência do desejo de doar junto com o desejo de receber, instigou um cruzamento de dois caminhos – aquele de Israel com aquele de todas as outras nações. Pela primeira vez desde que Abraão deixou a Babel e formou o grupo que objetivava Yashar El (direto para Deus), o qual desenvolveu dentro da nação de Israel, sua mensagem – amai ao teu próximo como a ti mesmo – foi sendo ouvida em massa. Porque o Estágio Dois – o desejo de doar – estava começando a se manifestar, a mensagem de doação e compaixão pôde então ser ouvida, apesar de claramente não ter sido executada tão bem quanto foi ensinada.

Este capítulo examinará os processos abaixo da superfície que se desenrolaram entre a escrita de O Livro do Zohar (também chamado O Zohar para resumir) no século II d.C. e a escrita de “A Árvore da Vida” no século XVI. Estas datas (muito) grosseiramente estão em paralelo com o período entre a conquista romana da Judéia e os primórdios da Renascença, ou o que nós agora chamamos “a Idade Média”. Assim como  com o restante do livro, o objetivo não é focar em eventos particulares, mas fornecer uma visão panorâmica da história, mostrando como os processos correspondem à evolução dos desejos. No caso do período de tempo aqui mencionado, provavelmente é melhor começar com a conquista romana e a queda do Segundo Templo.

A Pirâmide dentro da Pirâmide

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

A razão pela qual Abraão foi o único da sua geração a descobrir a força criativa da vida é que ele era um pedaço do Partzuf de Adão, que estava pronto para revelá-la. Mas o objetivo da Criação não é para apenas uma pessoa atingir o estado-semelhante ao Criador, mas para toda a humanidade alcançá-lo. Assim, a descoberta de Abraão não era algo isolado, mas um antecedente para um novo estágio na evolução espiritual da humanidade.

Abraão percebeu que a vida é uma pirâmide, cujo pico é a característica do Criador, doação. Ele também percebeu que os desejos humanos somente se intensificam, como têm feito desde o início da Criação. E finalmente, Abraão soube que essa consciência, além de ter o método de correção fornecido pela Cabalá, era a única maneira de evitar o colapso do sistema devido ao aumento do egoísmo. Mas na ausência de prova tangível, apenas alguns seguiram Abraão e se uniram em torno do objetivo de alcançar  o Criador. Quando esses que foram com ele cresceram e se tornaram uma nação, eles foram nomeados conforme a sua meta: Ysrael (Israel), a partir das palavras hebraicas Yashar El (Direto a Deus).

Historicamente, Babel não entrou em colapso imediatamente ou mesmo logo após a partida de Abraão. Ela continuou a flutuar na dominância e destaque para mais de um milênio após sua partida, incluindo o reassentamento dos hebreus em Babel depois de seu exílio após a queda do Primeiro Templo. No entanto, do ponto de vista cabalístico espiritual, o triunfo de Nimrod em Babel selou sua condenação porque perpetuou a regra do egoísmo ao invés de altruísmo.

A cura inexistente

Na verdade, o método de Abraão era muito simples: em face do egoísmo elevado, uni- vos e assim descobrireis a qualidade de doação—o Criador. Como temos mostrado ao longo do livro, cada elemento na natureza se comporta desta forma. Os níveis iniciais do desejo de receber requerem organização muito limitada e formam pequenos sistemas, onde cada elemento dedica-se ao seu sistema hospedeiro. Nós chamamos esses sistemas elementares “átomos”. Os níveis mais evoluídos de desejos colocam os átomos em sistemas que chamamos “moléculas”. Como o desejo evolui ainda mais, esses sistemas evoluem e se organizam em sistemas ainda maiores chamados “células”. Esses grupos em criaturas multicelulares, finalmente levando à criação de plantas, animais e seres humanos.

Em tudo isso, há apenas um princípio: o desejo de receber, todos os elementos desejam receber, e a única maneira de criar equilíbrio e sustentabilidade no sistema é se unirem em um sistema de nível superior. Este é o método de Abraão buscou conscientemente emular.

Como já dissemos, o desejo de receber em seres humanos torna-se egoísmo, por causa do nosso senso de individualidade. Assim, o antídoto para o egoísmo é exatamente a mesma cura aplicada pela Natureza—a construção de um sistema ao qual todas as partes contribuirão e semearão seus auto-interesses. Em troca, o sistema irá garantir o bem- estar e sustentabilidade dos seus elementos. Os cientistas hoje desejam descobrir as condições que existiam no início do universo, recriando as condições em escala reduzida, em instalações como o CERN Hadron Collider na Suíça. Da mesma forma, imitando a conduta “natural” da Natureza, descobriremos sua lei de doação.

Na verdade, o modus operandi é muito simples: Se você pensa como um doador e age como um doador, temos que pelo menos considerar a possibilidade que você tem uma pequena quantidade de doação na sua natureza, citando a célebre paráfrase de Douglas Adam do “Dirk Gently’s Holistic Detective Agency“.xix

No entanto, a Natureza não nos fornece os instintos para imitá-la, como faz com o resto dos seus elementos. Porque somos feitos para sermos seus governantes, nossa tarefa é estudar essas regras por nós mesmos e, posteriormente, implantá-las. É por isso que, quando Nimrod expulsou Abraão, o único homem que poderia ensinar essa regra para os babilônios, ele também negou ao seu povo o método de conseguir a unidade—o único antídoto para o egoísmo crescente e a alienação entre o seu povo.

Após a saída de Abraão, Babel continuou exaltando o abandono egocêntrico. Mas, apesar do prazer e diversão não contradizerem o propósito da Criação—como sabemos desde as Fases Três e Um, que receberam o prazer do Criador—receber prazer não é o objetivo final, nem o maior deleite. O maior deleite do homem e objetivo final é tornar- se como o Criador, e a babilônica negação daquele objetivo é o que em última análise, arruinou-os. Enquanto Israel estava se formando como uma nação, como descrito no Capítulo 1, Babel experimentou oscilações violentas enquanto o egoísmo  desenfreado de sua população se intensificava. Sua desintegração final no quarto século AC provou ser um processo longo, mas inevitável.

No entanto, Babel foi apenas a primeira etapa na construção do mais alto nível na pirâmide de desejos—o nível falante. Como com todos os outros elementos da Criação, o nível final da pirâmide consiste em uma raiz e quatro estágios de evolução dos desejos. Abraão é considerado o Estágio Raiz, daí seu epíteto, Avraham Avinu (Abraão Nosso Patriarca), referindo-se a ele como o progenitor da nação que se esforçou para chegar ao Criador. Mais tarde, como sabemos, ele se tornou conhecido como o pai de todas as três fés abraâmicas, as religiões monoteístas do judaísmo, cristianismo e islamismo.

Como os desejos continuaram a evoluir na humanidade, um novo nível de desejo na pirâmide surgiu no topo do nível Raiz, aproximadamente, quando o Egito estava em seu apogeu. Este nível corresponde à Etapa Um, e como a Etapa Raiz teve  seu prenúncio  em Abraão, a Etapa Um teve o prenúncio de si própria: Moisés. E assim como Abraão foi forçado por Nimrod a sair de Babel, Moisés teve de fugir do faraó e sair do Egito, como descrito no Pentateuco, “Mas Moisés fugiu da presença de Faraó, e habitou na  terra de Midiã” (Êxodo 02:15 ). Para entender a importância da missão de Moisés, precisamos entender um conceito que inicialmente parece não estar relacionado — o conceito de livre escolha, como explica a Cabalá.

Livre Escolha

Como já foi discutido, a evolução da humanidade corresponde ao Estágio Quatro na evolução dos desejos. Nesta fase, o desejo de receber percebe que por trás de tudo o que ocorre está um pensamento, um propósito que dita esta série de mudanças. Em nossas vidas, isso se traduz na tendência de uma criança não apenas imitar as ações dos pais, mas querer saber o que eles sabem.

Para obter o pensamento do Criador, Estágio Quatro precisa de liberdade de pensamento e livre arbítrio, para que possa desenvolver suas percepções de forma independente. Da mesma forma, se você ensina uma criança a pensar e ver o mundo através de uma perspectiva estreita, ela será um soldado muito leal, mas provavelmente não um grande estrategista ou general. Esta também é a razão por que as crianças — especialmente na primeira infância, antes de nós as acostumarmos à indolência — desejam fazer as coisas por si mesmas em vez de deixar seus pais faze-las por eles.

Assim, a necessidade de livre escolha requer a nossa ignorância sobre a lei pela qual todas as criaturas alcançam o equilíbrio e sustentabilidade através da submissão do interesse pessoal ao interesse do sistema hospedeiro, para que possamos descobri-la por nós mesmos. Se soubéssemos que esta era a lei em vigor, e que é tão rígida quanto a lei da gravidade, não nos atreveríamos a desafiá-la. E se nós não tivéssemos escolha, senão segui-la, teríamos, na melhor das hipóteses, nos transformado em crianças obedientes, mas permaneceríamos crianças, sempre inferiores ao desejo de  doar, que criou essa  lei.

Para nos igualarmos ao Criador, devemos aprender como “construir” a Criação por nós mesmos, cada  elemento  dentro  dela, a razão  para sua existência, como  e  quando  ela

 

surgiu, e se e quando vai expirar. Para aprendermos isto, a evolução criou a infra- estrutura perfeita para nosso aprendizado: ela construiu um universo no qual cada elemento obedece à lei de submeter o interesse pessoal ao interesse do sistema. Além disso, a evolução nos negou o conhecimento dessa lei, e nos deu o poder de agir contrariamente a ela, ou não, dependendo da nossa escolha. E acima de tudo, a evolução não nos revela a recompensa pela observação desta lei.

Células do corpo simpatizam com a vida de seu organismo hospedeiro, não com a sua própria. Se não fosse assim, não seriam capazes de operar em favor dele e se tornariam malignas ou até mesmo impediriam o início da vida por completo. Essa simpatia é tão completa que as células estão mesmo dispostas a terminar as suas próprias vidas para promover o crescimento de todo o corpo em um processo conhecido como “apoptose” ou “morte celular programada” (MCP). Em embriões, por exemplo, a forma dos pés é determinada por apoptose, que finaliza a diferenciação dos dedos das mãos e dos pés quando as células entre os dedos são deliberadamente mortas por seu organismo hospedeiro.

Em troca de sua simpatia, as células são “recompensadas” com a percepção do mundo de seu organismo hospedeiro, em vez dos seus próprios organismos. Isto é, as células se comportam como se elas estivessem equipadas com uma percepção inata de todo o organismo do qual fazem parte. Se elas não funcionassem desta forma, elas instintivamente tentariam combater suas células vizinhas para o fornecimento de nutrientes e oxigênio, como fazem as criaturas unicelulares. Quando esse tipo de disfunção ocorre em uma célula dentro de um organismo, pode se transformar em câncer.

Se nós, assim como células em um organismo, pudéssemos nos simpatizar com o nosso sistema hospedeiro—Planeta Terra—mas ainda mais do que isso, com as forças que construíram e sustentam a Terra, obteríamos a percepção mais ampla possível e transcenderíamos conceitos como tempo, espaço, vida e morte, tal como os conhecemos. Nossa percepção revelaria que somos parte de um sistema muito mais amplo que o nosso entorno imediato, assim como as células são parte de todo o organismo. Nesse estado, seríamos capazes de pensar e agir como o Criador — o desejo de doar. E alcançado isso, alcançaríamos o propósito da Criação — tornarmo-nos como o Criador.

No entanto, se pudéssemos ver que por submetermos o nosso interesse pessoal, estamos sendo recompensados com sermos semelhantes ao Criador, iriamos fazê-lo, a fim de receber prazer, sem o objetivo de doar, e sem o objetivo de doar ficaríamos

egocêntricos, diferentes do Criador. Para alcançarmos um estado semelhante ao Criador, devemos escolhê-lo livremente, sem sermos seduzidos xixde alguma forma em direção  ao altruísmo. Porque, como explicamos sobre os quatro estágios, o objetivo de doar é o que nos faz semelhantes ao Criador, o desejo de receber não deve sentir que nós vamos receber prazer ou benefício ao doar, para não criar motivação egoísta.

Quando entendermos isso, vamos entender o quão importante é a restrição do prazer pelo Estágio Quatro para nós. Se o Estágio Quatro não o repelisse, iríamos sucumbir ao prazer, assim como um bebê desfruta a força de seus pais e sua benevolência para com ele, e nós não seriamos capazes de nos tornarmos como o Criador. Em vez disso, seriamos tomados pelo prazer, assim como as mariposas são seduzidas pela luz de uma lâmpada em uma noite escura.

Diante da Expansão dos Desejos—Uni-vos

Anteriormente, dissemos que quando os desejos evoluíram na Natureza, eles criaram estruturas cada vez mais complexas. Cada novo nível se eleva a um grau mais elevado do desejo de receber quando as criaturas do nível atual se juntam para formar um agregado de colaboradores. Ao fazerem isso, as criaturas do nível atual (e presentemente, o mais alto) criam um sistema ao qual possam submeter seus  próprios interesses, o que lhes proporciona sustentabilidade e adesão à lei da Natureza de doação. Quando isso acontece aos seres humanos, nós também iniciamos a partir da menor estrutura—uma única pessoa—e trabalhamos ao nosso modo em direção a sociedades cada vez mais complexas. A única diferença é que devemos criar por nós mesmos essas estruturas sociais que aderem à lei de doar.

De fato a família de Abraão foi o primeiro grupo a criar esse sistema e, depois  aproveitar seus membros em um sistema cujas partes foram unidas pela dedicação  ao seu sistema hospedeiro. Como narra Maimônides (Capítulo 1), este sistema inicial se transformou em um grupo. No entanto, apenas no Egito—quando o seu número se  tornou suficiente—o sistema se transformou em uma nação. Quando Moisés tirou Israel do Egito, a família dos setenta, que tinha ido para o Egito agora consistia de vários milhões (há muitos pontos de vista sobre exatamente quantos saíram do Egito, mas os números comuns são entre 2 e 6 milhões de homens, mulheres, e crianças, excluindo a multidão mista).

Claramente, o trabalho de Moisés foi muito mais desafiador que o de Abraão. Ele não podia reunir toda a nação na sua tenda, como fez Abraão com sua família e poucos discípulos e ensinar-lhes as leis da vida. Em vez disso, deu-lhes o que nós referimos como os Cinco Livros de Moisés, conhecidos em hebraico como a Torah, que significa tanto “Lei” (de doação) quanto “Luz”. Em seus livros, Moisés fornece representações de todos os estados que uma pessoa experimenta no caminho de se tornar como o Criador.

A primeira parte do caminho para imitar o Criador era sair do Egito, aventurar-se no Deserto do Sinai, e permanecer ao pé do Monte Sinai. De acordo com fontes antigas, o nome “Sinai,” vem da palavra hebraica, Sinaá (ódio). Em outras palavras, Moisés reuniu o povo no sopé do Monte Sinai—a montanha de ódio.

Para interpretar a alegoria da montanha de ódio, os ensinamentos de Moisés mostraram ao povo quão odiosos foram em relação ao outro, como era remota para eles a lei de doação. Para reconectar-se com a lei de doação, ou o Criador, eles se uniram, como descrito pelo comentarista do século 11 e cabalista, Rashi, “Como um homem em um só coração.” xix

Baal HaSulam desenvolve mais a respeito desse processo em seu ensaio, “A Garantia Mútua”xix, onde explica que em troca de seu compromisso de cuidarem uns dos outros, ao povo de Moisés foi dada a Torá. Eles atingiram a lei de doação e obtiveram a luz, a natureza altruísta do Criador. Nas palavras de Baal HaSulam, “Uma vez que toda a nação por unanimidade concordou e disse:” Faremos e ouviremos: “… só então eles se tornam dignos de receber a Torá, e não antes.”xix

Agora podemos ver o quão importante foi missão de Moisés, e porque a livre escolha é um pré-requisito para realizá-la. Os líderes do grupo de Abraão eram todos da família e eram naturalmente unidos. Moisés, porém, teve que unir uma nação. Para isso, toda a nação teve que concordar num caminho. Fazendo uma escolha livre para unir-se, apesar do egoísmo evidente (alegoricamente descrito como “ao pé do Monte Sinai”), uma nação foi admitida na lei de doação. Esta foi a primeira vez na história da humanidade que as pessoas em massa atingiram a qualidade do Criador, e deste ponto em diante, a escolha da unidade em face do egoísmo crescente será a única forma de alcançar o Criador.

A outra maneira

Os sábios do Talmud, escreveram: “Aquele que tem cem, deseja duzentos”. xix Desde o alvorecer da Cabalá, afirmaram seus praticantes que nossos desejos evoluem. Eles crescem tanto em intensidade quanto em qualidade, o que significa não apenas o quanto queremos, mas também o que queremos. No final, estes desejos evoluem para se tornarem o desejo final—ser como o Criador.

Mas os cabalistas também afirmaram que temos a livre escolha em como chegarmos ao maior desejo, que também produz o maior prazer. Eles disseram que existem duas maneiras de atingir esse objetivo:

  1. Seguirmos o exemplo de Moisés e nos unirmos. Fazemos isso através do estudo de como a Natureza funciona nos seus níveis mais fundamentais, como nós, sendo ramificações da lei que a Natureza, operamos, e então tentarmos trabalhar como a Natureza, em unidade, como uma criança imita seus pais.
  2.  Ignorarmos as informações disponíveis e tentarmos descobrir o segredo para uma vida boa e sustentável por nós mesmos. Isso pode ser comparado a uma criança sentada ao volante de um carro, mas muito pequena para ver pela janela. Naturalmente, isto irá resultar em acidentes recorrentes com consequências terríveis.

Os  Cabalistas  chamam  o  primeiro  caminho,  luminoso,  “O  Caminho  da  Luz”,  e o segundo caminho, tortuoso, “o Caminho do Sofrimento.” xix

A evolução dos desejos ocorre independentemente de nossas escolhas. Quando não é acompanhada por um esforço calculado para nos unirmos e escolhermos o caminho da luz, de forma a descobrir a lei da doação, não há nada para regular o desejo crescente e afunilá-lo em direções construtivas. O resultado é um egoísmo intensificado e imprevisto. Isto é normalmente acompanhado por “um acidente”—desintegração e derrota como aconteceu na Babilônia e no Egito.

Na verdade, a história da nação israelita é o melhor exemplo dessa afirmação. Enquanto eles seguiram o ensino de Abraão, eles foram bem sucedidos. Quando não, foram derrotados e exilados.

Há aproximadamente 1.900 anos atrás, um novo nível de desejo de receber surgiu. Isso exigiu um esforço renovado e uma escolha renovada para união. No entanto, o povo de Israel  não  estava  pronto  para  fazer  o  esforço.  Em  vez disso,  eles caíram  em ódio e

egoísmo. O Talmud Babilônico, escrito por volta do quinto século EC, explica que a única razão para a derrota de Israel e a queda do Templo era o ódio infundado. xix

Desde aquela queda, o mundo teve apenas um caminho a trilhar—o caminho do sofrimento. O caminho da luz era conhecido por pouquíssimas pessoas nas gerações que se seguiram, e em poucas décadas eles tentaram cautelosamente expô-lo. Mas, vendo que as pessoas ainda não estavam prontas para contemplar as verdades que esse caminho continha sobre a realidade, eles o mantiveram para si e para aqueles raros e dedicados estudantes que procuraram a verdade a todo custo.

No entanto, como veremos no próximo capítulo, os anos de esquecimento para a Cabala não foram em vão. Eles nos deram muito conhecimento e uma miríade de observações da Natureza como um todo e da natureza humana em particular. Sem esses anos, a retomada da aceitação do conhecimento que a Cabala fornece não seria possível.

Capítulo 6: Em Direções Opostas

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Como mencionado no Capítulo 1, a Mesopotâmia, o berço da civilização, foi também o berço de Abraão, o precursor da Cabalá. O conflito entre Abraão e Nimrod, governante de Babilônia,  significa  muito  mais  que um conflito  entre um governante e um súdito desafiador. É um conflito de percepções. Para Nimrod, a realidade é uma “federação” de forças que ele deve agradar, servir e acalmar por meio de sacrifícios. Para Abraão, há apenas uma força, e adorá-lo significa viver pela sua lei—lei de doação, simples assim. Considerando-se este contraste de pontos de vista, não é de admirar que Nimrod tivesse que destruir a Abraão ou expulsá-lo.

Mas a partida de Abraão da Babilônia não acalmou a polis. As tendências que induziram Abrão a buscar pelo segredo da vida continuaram a se intensificar e se espalhar pela cidade agitada, alimentados pelas mesmas forças que impulsionam o processo de evolução. No entanto, na Babilônia, estas tendências começaram a manifestar uma conduta que é unicamente humana— o egoísmo.

Baal HaSulam explica que o egoísmo é uma característica natural para os seres humanos. Ele declara que é da natureza humana, e que a Cabalá oferece uma maneira de transformar suas evidentes consequências negativas em positivas. Em “Paz no Mundo”, ele escreve: “Em palavras simples diremos, que a natureza de cada e toda pessoa é explorar a vida de todos os outros povos do mundo para seu próprio benefício. E tudo o que ele dá para o outro é apenas por necessidade, e mesmo assim nela há exploração dos outros, mas é feito ardilosamente, para que seu vizinho não note isso e conceda de bom grado “.i

Mas antes de nos aprofundarmos na solução que a Cabalá oferece ao egoísmo humano, precisamos entender como o desejo de receber, inicialmente criado pelo desejo de doar—o Criador—tornou-se egoísmo. “A razão para isso”, continua Ashlag, “é que … a alma do homem [desejo] estende-se do Criador, que é um e único. … Daí, o homem também… sente que todas as pessoas no mundo devem estar sob seu governo “, assim como toda a natureza é regida pela lei de doação, o Criador.

Além disso, ao contrário de todos os outros elementos da Natureza, que são forçados a se comportar em congruência com o seu ambiente, os seres humanos têm o poder de mudar o meio ambiente. Isto nos dá algo que nenhuma outra criatura possui: a livre escolha. Em outras palavras, os seres humanos podem escolher ser como o Criador— doando—e, adquirir o poder e o conhecimento que vêm com ele, ou permanecer como nascemos egocêntricos e limitados.

Quando os estágios de desejos caem em cascata a partir do desejo de doar, o desejo de receber evoluiu com cada nova etapa. No mundo físico, também, a evolução dos desejos se manifesta em diferentes estágios de evolução (Figura 9.): Na parte inferior da pirâmide estão os minerais e os materiais inanimados. Ainda assim este é o Nível Inanimado, correspondente à Primeira Fase. Acima dele está a flora—correspondente a Segunda Fase, encimado pela fauna—Estágio Três, e acima de tudo está o homem (falante) —Estágio Quatro.

Figura 9: Pirâmide dos Desejos. O topo da pirâmide também é a parte que a governa e, portanto, a parte que tem livre escolha de como fazê-lo e a responsabilidade de fazê-lo direito.

Considerando que tudo o que existe é o desejo de doar e seu desdobramento, o desejo de receber, é evidente que o nível falante (nós), possuindo o mais intenso, sofisticado e complexo desejo de receber, não somos apenas uma parte inseparável da Criação, mas o seu ápice e governante. E assim como o cérebro governa todo o corpo, mas também é completamente dependente dele para sua sobrevivência, devemos aprender a governar e cuidar de toda a pirâmide da Criação, se quisermos sobreviver.

O Início do Ego

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

As palavras acima citadas de Ashlag marcam um ponto decisivo não só na história da evolução humana, mas tambem na evolução do universo. A (exclusivamente humana)- evolução por inveja mudou a direção da evolução. Até o surgimento do ego humano, as criaturas evoluíram com sucesso se seus órgãos internos cooperavam, seguindo o princípio de renúncia pelo interesse próprio em favor do interesse do sistema, e  deixando que o sistema cuidasse do bem estar deles.

No entanto, é importante notar que a regra de Renúncia de Interesse próprio em favor do interesse do sistema não se aplica apenas aos órgãos e tecidos dentro  de uma  criatura. Os organismos não existem no vácuo, eles são ramos, como dissemos no capítulo anterior, de raízes que apareceram no reino espiritual. Por esta razão, eles operam da mesma forma que os sistemas espirituais operam – rendendo o auto-interesse perante o interesse do sistema hospedeiro ou sucintamente: altruisticamente. O sistema  hospedeiro deles – os ecosistemas em que organismos vivem, – observa a mesma regra, já que nenhuma outra regra permite a perpetuação da vida.

Por esta razão, a regra de auto-interesse que mencionamos ao longo do livro aplica-se tão rigorosamente à funcionalidade da criatura dentro de seu ambiente. Assim, se o físico de uma criatura funciona bem sob certas condições ambientais, mas as condições mudam, o físico desta criatura pode tornar-se inadequado e até mesmo inferior ao das criaturas com uma estrutura interna menos sustentável, porém com uma maior adaptabilidade aos seus ambientes.

Aparentemente, tal era o caso com a extinção dos dinossauros. Durante 165 milhões de anos, os dinossauros dominaram a Terra. Mas cerca de 65 milhões de anos atrás, eles desapareceram dentro de um prazo relativamente curto. Teorias sobre a razão para seu desaparecimento são muitas, mas nenhuma resposta conclusiva foi encontrada.

Uma possibilidade é a teoria do meteorito. De acordo com o Serviço Geológico  dos EUA (USGS), “Há agora uma evidência comumente aceita de que o impacto de um meteorito foi, pelo menos, a causa parcial desta extinção.” Mas, enquanto não há consenso científico em torno da causa ser o impacto de meteorito, há de fato um consenso de que, conforme publicado pela University of California Museum of Paleontology, “Houve uma alteração climática global, o ambiente mudou de quente e suave na era Mesozóica [era dos dinossauros] para mais frio e mais variado na era Cenozóica [era dos mamíferos]”.

Assim, se foi um meteorito ou qualquer outra coisa que mudou o clima, houve uma mudança brusca de ambiente à qual os dinossauros (e cerca de cinquenta por cento das espécies vivas na Terra, na época) não poderiam se adaptar. E assim, elas  se extinguiram.

Para sobreviver, os dinossauros e quase todos os outros animais devem cumprir a  mesma lei em relação a seu meio ambiente como os seus órgãos internos o fazem: ceder o interesse próprio em favor de interesse do sistema, em troca do atendimento do sistema para  eles.  Quando  a regra é  violada  em todo o  ecosistema,  mesmo  que  não intencional por parte dos animais, a extinção ocorre em uma escala colossal, simplesmente porque eles não se adaptaram rápido o suficiente.

Um exemplo mais recente, e muito mais bem-sucedido de adaptação do animal à mudança das circunstâncias foi relatado por Swanne Gordon, da Universidade da Califórnia, em um ensaio intitulado “A evolução pode ocorrer em menos de dez anos”, publicado na Science Daily. “Gordon e seus colegas estudaram guppies – pequenos peixes de água doce (Imagem número 4) que biólogos têm estudado por muito tempo. Eles introduziram os guppies no rio mais proximo, o Damier , em uma seção acima de uma barreira de cachoeira que excluía todos os predadores. Os guppies e seus descendentes também colonizaram a porção inferior do rio, abaixo da barreira da cachoeira, que continha predadores naturais. Oito anos mais tarde …, os pesquisadores descobriram que os guppies que se encontravam no ambiente de baixa predação tinham se adaptado ao seu novo ambiente produzindo descendentes maiores e em menor quantidade, a cada ciclo reprodutivo. Tal adaptação não foi vista nos guppies que colonizaram o ambiente de alta predação … “As fêmeas do ambiente de alta predação investem mais recursos na reprodução atual, porque a alta taxa de mortalidade, causada pelos predadores, significa que essas fêmeas podem não ter outra oportunidade de se reproduzir,” explicou Gordon. “As fêmeas do ambiente de baixa predação, por outro lado, produzem embriões maiores porque os filhotes maiores são mais competitivos em ambientes de recursos limitados, típicos de lugares de predação baixa. Além disso, as fêmeas de predação baixa reproduzem menos embriões não só porque elas têm embriões maiores, mas também porque elas investem menos recursos na reprodução atual. ”

Imagem No.4: O Guppy Trinidad, o tipo usado para a experiencia do Rio Damier (Imagem: Photobank Lori)

 

Em alguns casos, quando necessário, a fim de aumentar suas chances de sobrevivência, os organismos (embora apenas um vírus, neste caso) podem até “devolver” a si mesmos. Tal foi o caso com o vírus Mixoma e os coelhos europeus na Austrália (Imagem No.5) Cerca de 150 anos atrás, duas dúzia de coelhos foram liberadas na selva na Austrália, na esperança de que eles iriam se reproduzir o suficiente para ser caçados por esporte. Mas os coelhos se reproduziram com tanto sucesso que dentro de algumas décadas, eles ameaçaram romper o equilíbrio da vida selvagem em todo o continente australiano. Wendy Zukerman, uma repórter da New Scientist Magazine, publicou uma descrição detalhada do episódio na ABC Science. Em seu relatório, ela escreve: “Por volta de 1920, a população de coelhos da Austrália havia aumentado para 10 bilhões.”

Imagem no.5: coelho europeu na Austrália (Imagem: Photobank Lori)

 

As autoridades da Austrália fizeram grandes tentativas para conter a população de coelhos, mas só foram bem sucedidas em 1950. Naquele ano, continua Zukerman, “o agente de controle biológico, o vírus Myxoma foi introduzido no continente da Austrália.” Como resultado, “Mixomatose [a doença causada pelo vírus]  causou enormes reduções no número de coelhos. Em algumas áreas 99 por cento dos coelhos foram mortos.”

Mas, em vez de extinguir os coelhos europeus na Austrália, a sua população se estabilizou gradualmente e até cresceu em algumas áreas. Claramente, o vírus tornou-se menos eficaz. Quando os investigadores procuraram a razão de menor impacto do vírus, eles descobriram que havia sofrido mutação para uma forma mais branda, que matou apenas 40 por cento dos coelhos infectados. Assim, os pesquisadores concluíram que, porque os coelhos foram os unicos hospedeiros do virus, ele se transformou em um tipo menos agressivo, o que garantiu a sobrevivência dos coelhos, e como resultado, a persistência do vírus, também.

Ao enfraquecer-se, o vírus aparentemente agia contra seu próprio interesse, dando ao sistema imunológico dos coelhos uma melhor chance de combatê-lo. Mas o resultado real de seu enfraquecimento auto-induzido foi a garantia de que ele teria um hospedeiro para as gerações vindouras. Na verdade, até hoje, mixomatose é responsável por muitas mortes entre os coelhos, mas não o suficiente para extingui-los por completo. Parece que os coelhos e o vírus alcançaram um equilíbrio e, portanto, uma co-existência.

O homem- a única exceção

Na seção anterior, vimos como o estado de ceder o auto-interesse em prol do interesse do sistema, em troca de atendimento do sistema, aplica-se não só a todos os organismos, mas também à funcionalidade do organismo no seu habitat (ecosistema). No entanto, há uma exceção à regra: o homem. Para entender por que o homem é diferente de todos os outros animais, precisamos refletir sobre as quatro fases. Os Estágios Um a  Três refletem desejos de receber prazer de um doador, seja por receber prazer diretamente ou por retornar o seu prazer. Mas Estágio Quatro é essencialmente diferente: ele reflete um desejo de ser o doador.

Em outras palavras, o Estágio Quatro deseja alcançar um objetivo que é, por definição, inatingível. Assim como um filho não pode ser seu pai, o Estágio Quatro não pode ser o Estágio Zero. Mas, assim como um filho pode ser parecido com seu pai, o Estágio Quatro pode ser parecido com Estágio Zero.

Sendo um desejo de receber, e sabendo que ser como o Estágio Zero, a Raiz, é a recompensa mais alta possível, isto é o que o Estágio Quatro deseja alcançar. Como resultado, nós – a sua personificação corpórea- nos esforçamos para alcançar o mesmo.De forma subconsciente, nossos desejos de fama, poder, riqueza, erudição, e imortalidade são realmente desejos de nos assemelharmos a Deus. Nenhuma pessoa escapa a esses desejos, pois somos todos partes do Estágio Quatro, que foi quebrado, junto com a alma de Adam. As únicas variações entre os seres humanos estão na intensidade e proporção desses desejos, mas não em seus componentes.

Evidentemente, há pessoas cujos desejos de fama, fortuna e brilho são muito pequenos, estas são pessoas simples, satisfeitos com um abrigo, uma família e um sustento muito básico. Em tais pessoas, os desejos do Estágio Quatro são menos dominantes, daí, elas terão metas menos ambiciosas. Porém, mesmo no indivíduo mais calmo existe um “diabo” que deseja um pouco mais do que o seu vizinho possui. Estes são os desejos do Estágio Quatro- o senso de apossamento sobre o qual Twenge e Campbell escreveram –  e eles são quase que exclusivamente humanos.

Estes desejos são também o que nos faz de exceção à regra que governou a evolução até o surgimento do Homo sapiens. Porque os seres humanos possuem uma aspiração inata para se tornarem como o Criador, nós tendemos a ser ativos na nossa abordagem aos desafios, ao invés de nos adaptarmos passivamente às condições, como os outros animais. Assim, em vez de adaptarmos o nosso corpo da melhor forma que pudermos para as mudanças climáticas ou a ameaças, tentamos mudar o clima ou eliminar as ameaças.

Um desses esforços foi mudar o nosso “microclima pessoal”, nosso entorno imediato, cobrindo nossas peles com as de animais, cuja pele nos dá melhor proteção contra os elementos do que a nossa. E, em vez de confiar em nossa força física (claramente insuficiente) para conseguir o nosso alimento, desenvolvemos ferramentas cada vez  mais sofisticadas para nos ajudar na caça, bem como para proteger-nos contra animais predatores. Hoje há evidências inequívocas de que os primatas, alguns mamíferos, e até mesmo pássaros usaram ferramentas tais como pedras, ramos e galhos para ajudá-los  em adquirir alimentos e para lutar. Mas a produção sistemática de ferramentas e de armas, tais como entalhar pedras e ossos para lanças, é uma habilidade exclusivamente humana (Imagem no.6)

Imagem no. 6: machados de mão de Kent (Inglaterra), feitos durante o período Paleolítico Inferior (Idade da Pedra Lascada), 2,5 milhões e 200 anos atrás.

 

Outra descoberta muito importante que os primeiros seres humanos (Homo erectus) fiseram foi o controle do fogo. O fogo permitiu aos humanos manter o seu habitat quente, afastar animais predadores, e até mesmo cozinhar. A descoberta de maneiras de fazer e de controlar o fogo marca uma mudança drástica na evolução. O homem era agora um animal que podia mudar seu ambiente para adaptá-lo às suas necessidades, em vez de mudar a si mesmo para se ajustar ao ambiente.

De acordo com um documento intitulado “A Grande Era Glacial”, lançado pelo Serviço Geológico dos EUA, “A Grande Era Glacial … começou há cerca de um milhão ou mais de anos atrás. ” Os vastos lençóis de gelo permitiram aos humanos migrar da África e, aos poucos, se se espalharem por todo o mundo. Com fogo e roupas, eles poderiam se sustentar em climas menos hospitaleiros e, assim, tornaram-se os mamíferos mais adaptáveis e onipresentes na terra.

O Corpo versus a mente

Um aspecto mais profundo e muito mais importante da mudança na evolução que o aparecimento do homem representa é que, diferentemente de outros animais que desenvolvem os seus corpos, os seres humanos desenvolvem as suas mentes. Para lidar com o perigo ou para obter alimento, os animais tentam fugir ou combater seus atacantes ou presas.

Os seres humanos, em vez disso, construíram armas. Para enfrentar o frio, os animais criam uma pele grossa e camadas de gordura hipodérmica. Humanos acendem  fogueiras.

O uso do intelecto em vez do corpo para obter o que desejam também permite aos seres humanos planejar o futuro. Enquanto alguns animais armazenavam alimentos para o inverno, somente os seres humanos cultivavam alimentos e se livravam da vegetação indesejável  limpando  a  terra  para  dar  espaço  para  as plantas que  lhes  serviriam de alimento.  De acordo  com a  maioria  dos pesquisadores,  a agricultura   começou  entre

10.000 e 15.000 anos atrás no Crescente Fértil (apesar de novos dados coletados por uma equipe liderada pelo Dr. Robin Allaby da Universidade de Warwick que encontrou provas de que a agricultura de plantas começou na Síria algo como 23 mil anos atrás ).

Embora a capacidade do homem para cultivar alimentos possa parecer muito barulho  por nada hoje, foi quando os humanos começaram a cultivar a terra, que, em certo sentido, tornaram-se criadores – eles começaram a mudar seu meio ambiente. Este é um feito que apenas o desejo de Estágio Quatro pode conceber.

No entanto, junto com o progresso chegam os problemas. Todas as criaturas, com exceção do homem, devem aderir às regras do seu ecossistema, ou perecerão. O homem é o único organismo que pode planejar e executar a mudança em seu ambiente conforme sua própria vontade. Quando isso acontece, o homem deve aprender as regras pelas  quais os ecosistemas funcionam, ou as alterações podem revelar-se desastrosas para o ecosistema e, consequentemente, para seus habitantes, incluindo o homem.

No Capítulo 4, dissemos que no corpo humano, como em qualquer organismo, cada célula tem um papel particular. Além disso, nós escrevemos: “Para que o organismo possa persistir, cada célula deve desempenhar sua função … e atender ao objetivo de manter a sua própria vida, antes do objetivo de manter a vida de seu organismo hospedeiro. Se a célula começa a agir de forma contrária a este princípio, os seus interesses entram logo em conflito com os do corpo e os mecanismos de defesa do  corpo … a destróem. ”

Da mesma forma, quando o homem tornou-se potente o suficiente para alterar o seu ecossistema, ele teve que aprender a se comportar como uma célula de um organismo, abstendo-se de pôr em risco a sustentabilidade do sistema ao risco  do sistema precisar  se livrar do perigo eradicando a raça humana por completo, ou por se auto-eliminar, matando a raça humana no processo, como descrito em relação ao câncer. Hoje, eu acredito que é bastante evidente que a Natureza já está “tomando medidas compensatórias” para equilibrar as ações prejudiciais dos seres humanos.

Mas dez ou mais milênios atrás, as coisas eram muito diferentes do que são agora. O Homo sapiens estava apenas começando a desfrutar dos benefícios do conhecimento e da tecnologia e o conceito de seres humanos arriscando seu habitat não estava na mente de ninguém. O desenvolvimento da agricultura mudou os estilos de vida das pessoas, da caça e coleta para um comportamento mais sedentário, e uma das conseqüências disso foi a aceleração do desenvolvimento tecnológico.

Outra questão importante que estava na mente das pessoas naquela época (e ainda está, para muitos) é a religião. Prof Jared Diamond, autor do aclamado Armas de fogo, Germes, e Aço: O Destino das sociedades Humanas disse em uma palestra intitulada “A Evolução das Religiões” na University of Southern California, que cerca de dez mil e quinhentos anos atrás, a religião mudou suas funções. Ele explicou que a religião tinha adotado um papel de explicar as coisas. A religião começou a explicar tudo o que era desconhecido e pouco familiar, e, portanto, provia consolo e confiança nas pessoas.

Mas a coisa importante a notar sobre religião nesse ponto não é tanto a direção na qual ela se desenvolveu, mas o próprio fato de que ela se desenvolveu. A existência de uma entidade, institucionalizada organizada que fornecia respostas significava que as pessoas estavam começando a fazer perguntas – perguntas profundas sobre o propósito da vida e as leis que a regem. Isto mais tarde levou ao surgimento da Cabalá, precisamente na mesma área que o Crescente Fértil, como vimos no Capítulo 1.

Além da evolução da religião, e porque os avanços agrícolas que acabamos de mencionar encorajaram as pessoas a abandonarem seu estilo de vida nômade para um estilo mais sedentário, a população no Crescente Fértil começou a crescer. E quando os desenvolvimentos tecnológicos, como a invenção da roda, incentivaram um maior desenvolvimento e urbanização, as formas mais organizadas de governo e religião seguiram. Assim, a Mesopotâmia tornou-se gradualmente o que hoje chamamos  o “berço da civilização.”

I (ibid.)
ii (ibid.) iii (ibid.) iv (ibid.)
v United States Geological Survey (USGS), “Por que os dinossauros morreram?”(17 de maio de 2001), http://pubs.usgs.gov/gip/dinosaurs/die.html
vi University of California Museum of Paleontology “, o que matou os dinossauros?”(Janeiro 2009), http://www.ucmp.berkeley.edu/diapsids/extinctheory.html
vii “A evolução pode ocorrer em menos de dez anos,” Science Daily (15 de junho de 2009), http://www.sciencedaily.com/releases/2009/06/090610185526.htm
viii Wendy Zukerman, batalha da Austrália com o coelho, a ABC Science (08 de abril de 2009), http://www.abc.net.au/science/articles/2009/04/08/2538860.htm
ix (ibid.)
x (ibid)
xi Louis L. Ray, “A Grande Era Glacial,” Pesquisa Geológica dos EUA (27 de setembro de 1999), http://pubs.usgs.gov/gip/ice_age/ice_age.pdf
xii Robin Allaby, “Investigação empurra para trás a história do desenvolvimento da cultura 10 mil anos”, Universidade de Warwick (19 de setembro de 2008), http://www2.warwick.ac.uk/newsandevents/pressreleases/research_pushes_back/
xiii Jared Diamond, Guns, Germs, and Steel: O Destino das Sociedades Humanas (NY: Norton & Company, 1997)
Jared Diamond, “A Evolução das Religiões” (Enviado por RabidApe, 26 de maio de 2009), http://www.youtube.com/watch?v=GWXr7pXoCTs

Capítulo 5: Gênero Homo

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

Assim como o Estágio Quatro é uma evolução natural do desejo de receber, o seu paralelo corpóreo, os seres humanos, surgiu através de um processo natural de evolução seguindo os mesmos princípios explicados nos capítulos anteriores.O gênero Homo (humanóide macaco) apareceu pela primeira vez cerca de 2,5 milhões de anos, e evoluiu como todas as outras espécies, por seleção natural. Tal como acontece com os animais, os hominídeos que eram mais saudáveis e mais fortes sobreviveram e aqueles que eram menos pereceram.

No entanto, os hominídeos, e principalmente a mais recente evolução da espécie, Homo sapiens, investiu muito mais energia e tempo sobre as relações sociais do que qualquer outra espécie. Embora muitas espécies, como os golfinhos, os chimpanzés e os lobos, cultivem relações sociais intrincadas, as estruturas sociais nas sociedades humanas são dinâmicas e evolutivas por natureza.

A este respeito, Baal HaSulam escreveu na “Introdução ao Livro do Zohar”, que ao contrário dos animais, os seres humanos têm a capacidade de simpatizar com as dores e alegrias dos outros, e os animais não. Ao declarar isso, Baal HaSulam não estava se referindo à empatia como muitas vezes é exibida por animais entre mães e filhos, e mesmo entre os espécimes não relacionados de uma mesma espécie. Em vez disso, aqui ele fala de um mecanismo inteiramente novo do desejo de receber: a evolução por inveja.

No item 38 da introdução que acabamos de mencionar, Ashlag explica a diferença entre desejos em humanos e animais, e como a inveja aumenta nossos desejos: “O desejo de receber no animal, que não tem a sensação de outros, só pode gerar necessidades e desejos na medida em que eles são impressos nessa mesma criatura. ”

Em outras palavras, se um animal sabe que comer é bom, ele pode querer ajudar a um outro animal obter comida, também. “Mas o homem”, continua Ashlag “, que pode sentir os outros, torna-se carente de tudo o que os outros possuem, também, e  é, portanto, cheioxix de inveja para adquirir tudo o que os outros têm.”

Assim, mesmo quando já tivemos a nossa porção de comida, abrigo, e todos os outros bens essenciais, nossa inveja constantemente nos obriga a querer mais: uma casa maior, crianças mais fortes, saudáveis, mais bonitas (e de preferência todos os acima), um grande lote de terra … a lista é tão longa quanto a lista de desejos humanos. A este respeito, Ashlag cita um texto que data de 1.500 anos atrás, do Midrash, “Aquele que tem cem, deseja ter 200, assim as necessidades sempre se multiplicam, até que a pessoa queira devorar tudo o que há no mundo inteiro.”

De fato, o aparecimento do Homo sapiens marcou o que parece ser uma mudança em direção da evolução. Os Homo sapiens, ao que parece, não estavam focados em desenvolver um físico mais forte, mais adaptável e ágil, mas no desenvolvimento  de  seus intelectos, e ainda mais surpreendentemente, na auto-expressão. Hoje, como Twenge e Campbell mostraram no acima mencionado O Narcisismo Epidemico, isso se tornou uma epidemia de auto – apoderamento. Assim, vemos como o Homo sapiens é a representação terrena do Estágio Quatro do desejo de receber – o desejo de tornar-se onipotente e onisciente.

 

Big Bang

Do livro “Interesse Próprio vs. Altruísmo na Era Global”

O tempo, como nós o conhecemos, começou há aproximadamente quatorze bilhões de anos. Da perspectiva espiritual cabalística, o “big bang” foi a quebra da alma de Adão. A razão por vermos isso como um evento material é porque vemos o mundo com olhos corporais (egocêntricos). Se pudéssemos ver da perspectiva da força que induziu essa explosão massiva a que chamamos “big bang”, veríamos isso como resultado da tentativa de Adão de receber, usando o último e maior de todos os desejos,  como descrito no capítulo anterior.

Os Quatro Estágios em Questão

Assim como os desejos originais evoluíram em estágios, seus paralelos mundanos apareceram e foram corrigidos um de cada vez, do mais fácil ao mais  duro.  Agora, como cada desejo manifesta-se em nosso universo, a Natureza, que, como falamos no Capítulo 1, é sinônimo de Criador, deve “ensiná-lo” a trabalhar de modo a contribuir para o bem estar e a sustentabilidade do universo.

Para realizar isso, a Natureza aplica um método muito similar ao principio de seleção natural de Darwin. De fato, muitos dos principais estudiosos agora reconhecem a existência do processo de seleção natural em um período anterior ao advento da vida na Terra. O professor Ada Yonath, Prêmio Nobel em Química, fez a seguinte afirmação em uma convenção internacional que celebrava o 150° aniversário da publicação de A Origem das Espécies, de Darwin: “A sobrevivência do mais apto e a seleção natural desempenharam   um   papel   importante   do   mundo   pré-biótico,   mesmo   que essas qualidades estejam relacionadas primariamente à evolução das espécies.”xix

Assim como no principio de seleção natural de Darwin, o mérito de qualquer novo desenvolvimento na Natureza é julgado por sua contribuição à sustentabilidade de seu beneficiário. A diferença entre o princípio darwinista e o cabalista é o beneficiário: na teoria clássica de Darwin, os beneficiários são as espécies; na Cabalá, o beneficiário é a Natureza — o todo da Natureza, significando o Criador.

Se esse conceito soa um pouco artificial, pense em espécies como parte de um ecossistema. Na biologia contemporânea, é comum ver uma espécie em relação a seu meio ambiente, em vez de independente dele. E uma vez que sabemos que todos os ecossistemas estão interconectados, é fácil entender que um distúrbio em um sistema pode e irá afetar adversamente os demais sistemas do planeta.

Talvez a melhor descrição que eu tenha ouvido até hoje, explicando como a Natureza muda seus elementos de receptores do ambiente em doadores, veio da biólogia evolucionista Elisabet Sahtouris, PhD. Em uma conferência em Tóquio, em novembro de 2005, a Dra. Sahtouris afirmou: “No seu corpo, cada molécula, cada célula, cada órgão e todo o corpo têm interesse próprio. Quando cada nível (…) mostra seu interesse próprio, ele força negociações entre todos os níveis. Esse é o segredo da Natureza. A cada momento em seu corpo, essas negociações levam seu sistema à harmonia.”

Claramente, o equilíbrio e o bem estar de todo o sistema são imperativos para a sobrevivência do corpo humano. Por isso o equilíbrio é tão imperativo para a sobrevivência de cada um dos sistemas do corpo. Hoje, a visão da Natureza como um sistema e não como uma coleção de elementos separados vem ganhando terreno entre os principais pesquisadores. Isso levou ao surgimento de campos da ciência tais como ecologia, cibernética, teoria de sistemas e complexidade.

Como vimos, a Cabalá sempre considerou toda a Natureza como uma unidade única. Essa totalidade não se aplica apenas à Terra e à vida sobre ela, mas ao universo inteiro — à parte corporal e também à espiritual.

Assim, as mesmas regras que se aplicam ao mundo espiritual — o mundo do altruísmo — se aplicam a nosso mundo corporal — o mundo do egoísmo. A diferença entre nosso mundo e o espiritual é que os desejos do mundo espiritual são todos sobre doação, enquanto nós somos descendentes da quebra de Adão. Como tal, somos inerentemente egocêntricos, às vezes a ponto de esquecermos o que somos de fato.

E porque estamos tão absortos em nós mesmos, ficamos alheios aos fatos que ocorrem em níveis mais profundos, a Natureza é governada por regras altruístas. O papel da Cabalá é descobrir essas regras e apresentá-las como uma forma de entendermos nosso mundo e administrá-lo em um novo nível de consciência. Por essa razão, tudo o que doravante discutiremos, da formação do universo à correção das relações humanas, derivarão e dependerão do conceito de evolução dos desejos, que expliquei até agora.

Inanimado

Depois da quebra de Adão, cada parte do desejo de receber começa a se sentir independente, separada de seu ambiente e desejando absorver dele. Esse desejo de absorver, essa força de atração ou gravidade — o paralelo físico do desejo de receber — formou os primeiros aglomerados do universo, que depois se tornaram a substância das primeiras galáxias do universo.

Com espaço e campo de gravidade surgiram formas mais estruturadas do desejo de absorver (ou seja, do desejo de receber), e as partículas apareceram. O processo de absorção continuou, e as estrelas nasceram com planetas ao seu redor. Dessa forma, a gravidade, a  força  mais  fraca da  Natureza, criou a  infraestrutura do  universo  inteiro, assim como o Estágio Um, o mais fraco desejo de receber, criou a infraestrutura para os Quatro Estágios e todos os mundos espirituais que se seguiram.

Como no Estágio Um, o desejo de receber no corporal inanimado consiste basicamente no desejo de assegurar sua própria sobrevivência, sustentar a si mesmo. Sua  única relação com os outros é que ele resiste a qualquer tentativa de quebra, dissolução ou mudança. Ainda, como resultado do nível inanimado e sua aspiração por manter sua própria sobrevivência, algumas partículas “descobriram” que elas poderiam assegurar melhor seu futuro, colaborando com outros elementos.

Contrariamente à teoria da evolução de Darwin, a Cabalá afirma que não há coincidência. Na realidade, as partículas não “descobrem” ou por acaso colaboram e subsequentemente se beneficiam ao fazê-lo. Isso implicaria que a Natureza não tem propósito, é randômica, e que não há meta pré-determinada no final do  processo. Em vez disso, Baal HaSulam explica (em “Prefácio à Sabedoria da Cabalá”xix, Estudo das Dez Sefirotxix e outros lugares) que, sendo o nosso mundo o último em uma série de eventos de causa-e-efeito, o desejo que aparece em nosso mundo já contém (embora não conscientemente)  reminiscências  dos  estados  anteriores,  uma  vez  que  eles  são suas

ramificações. Por isso, o desejo de receber neste mundo já contém reminiscências dos Quatro Estágios, o Partzuf, e todos os mundos espirituais. Como  resultado,  a preparação, a configuração para a descoberta dos benefícios da colaboração existe previamente em todos os níveis de desejo neste mundo. É isso que lhes permite “miraculosamente” descobrir os benefícios da “negociação em harmonia”, como coloca Sahtouris.

Muitos físicos concordam que as partículas não necessitam de muito tempo para “descobrir” os benefícios da colaboração. Uma publicação do Observatório  de Haystack, um centro de pesquisas do MIT, explica: “Quando o universo tinha 3 minutos de idade, ele já havia resfriado o suficiente para que prótons e nêutrons se combinassem em núcleos.”xix Para se desenvolver ainda mais, no entanto, tiveram de forjar colaborações adicionais, que se manifestaram na forma de elétrons, e equilibraram a carga positiva do núcleo. Assim foi como os primeiros átomos apareceram.

Para essas partículas, ser parte de um átomo ─ diminuindo, portanto, seu interesse próprio em favor do interesse do átomo ─ era toda a correção de que necessitavam. Agindo para o bem do sistema e não para seu próprio bem, deixaram de estar centradas em si mesmas e começaram a se centrar no sistema. Elas se tornaram “conscientes” do seu ambiente e de como poderiam contribuir com ele. Assim, elas se tornaram “altruístas”, embora pela razão egoísta de perpetuar sua própria existência.

A “recompensa” das partículas que primam em doar para o seu ambiente é a criação de um ambiente forte, resultando em átomos estáveis. E isso garante a  sua  existência futura.

Além disso, como os átomos precisam de todas as suas partículas para se manter, internamente eles protegem suas partículas. Dessa forma, abdicando do  interesse próprio em prol do interesse de seus átomos, as partículas angariam o  interesse de todo o sistema no bem estar desses átomos. Esse “acordo” provou ser tão bem sucedido, que, “Momentos depois do Big Bang, prótons e nêutrons começaram a se combinar para formar o hélio-3 e outros elementos básicos”, disse Robert Rood, da Universidade da Virgínia, conforme citado em um comunicado da Rádio Nacional do Observatório de Astronomia.xix Assim os primeiros minerais surgiram.

O corpo humano é possivelmente o exemplo mais vívido do modus operandi de abdicar do interesse próprio em benefício do interesse do sistema hospedeiro, recebendo em troca a proteção desse sistema. No corpo humano, assim como em qualquer organismo, cada célula tem uma função específica. Para o organismo sobreviver, cada célula deve desempenhar sua função com o melhor de suas habilidades e substituir a meta de manter sua própria vida pela meta de manter a vida do seu organismo hospedeiro.  Se uma  célula começar a agir contrariamente a esse princípio, seus interesses logo irão conflitar com os do corpo, e os mecanismos de defesa do corpo irão destruí-la. Assim, é provável que se origine um tumor de células insubordinadas, que lutam para consumir os  recursos do corpo em seu próprio benefício. Quando esse tipo de processo ocorre, nós o diagnosticamos como “câncer”.

Se o câncer vencer, o corpo morre e o tumor morre junto com ele. Se o corpo vence e o câncer morre, o corpo sobrevive com as células do corpo que não se tornaram malignas, e as células egoístas são extintas. Esse é o mecanismo de segurança contra falhas com o qual a Natureza assegura que sistemas egocêntricos não existam. Aqui, também, não há nada de milagroso, simplesmente os mecanismos egoístas invariavelmente se  consomem até a extinção, porque consomem sua fonte de alimento.

Por conseguinte, é interesse de todas as células do corpo curar o tumor. Colocado de outra forma, garantindo a sobrevivência dos elementos do sistema,  os  elementos naquele sistema promovem o bem estar do sistema antes de prover seu próprio bem estar. Em troca, o sistema irá prover o bem estar deles e garantir sua sobrevivência.

O princípio que acabamos de explicar não é válido apenas para partículas, átomos e organismos, mas para toda a vida. Aplicando-o, todos os elementos da Natureza aprendem a trocar sua natureza egoísta por uma natureza altruísta, que considera o bem coletivo antes de seu próprio bem.

Assim, voltando ao nosso tópico de observar o universo primordial, uma vez que as partículas juntaram-se para criar átomos, átomos começaram a se unir, criando, dessa forma, as primeiras moléculas. Estas aderiram à mesma regra, e as que sobreviveram foram aquelas cujos átomos estavam fortemente conectados, assim como com os átomos, abdicando de seu próprio interesse frente ao interesse de seu sistema hospedeiro – as moléculas.

Em todo esse processo, não há liberdade de escolha. Nem átomo nem molécula podem optar por não serem criados, porque os elementos que os constituem procuram o melhor modo de formá-los para melhor proteger seus interesses. Ainda, criando moléculas, os átomos realizam algo muito mais significativo do que proteger a si mesmo  e  às partículas que os criaram. Assim como as partículas, eles construíram um sistema antes de atender a seu interesse próprio e, ao fazê-lo, os átomos se transformam de entidades auto-orientadas em orientadas para o sistema, o que significa altruísmo.

Desse modo, outra camada do nível inanimado do desejo de receber foi corrigida. E embora não haja liberdade de escolha nessa correção, o modus operandi altruístico é todo o requerido para os minerais serem considerados corrigidos. Como o Estágio Um não tem qualquer liberdade de escolha na sua evolução, também o nível inanimado não tem liberdade de escolha na sua evolução; ele simplesmente trabalha para assegurar sua sobrevivência da melhor forma possível.

Curiosamente, a teoria de Darwin reflete quase o mesmo padrão em seu princípio de seleção natural. Uma diferença entre a Cabalá e o Darwinismo é que o Darwinismo define moléculas estáveis vs. não estáveis, e a Cabalá define moléculas equilibradas vs. desequilibradas. Moléculas equilibradas apoiam os átomos que as compõem, e os  átomos igualmente apoiam suas moléculas.

Em O Gene Egoísta, Richard Dawkins — um dos mais renomados defensores contemporâneos de Darwin — descreve o processo de evolução molecular: “A mais antiga forma de seleção natural foi simplesmente a seleção de formas estáveis e a rejeição das instáveis. Não há mistério nisso. Isso tinha de acontecer por definição.”xix

As observações de Dawkins são congruentes com as da Cabalá. Na terminologia Cabalística, uma molécula estável é aquela que abdica de seu próprio interesse em favor do interesse da molécula. As “formas estáveis” de Dawkins, portanto, são sinônimos das “moléculas corrigidas” da Cabalá, nas quais os átomos se tornaram “altruístas”. Reciprocamente, nas moléculas instáveis (não corrigidas), um ou mais átomos se mantêm focados em seus interesses próprios.

Seguindo o mesmo procedimento das partículas e dos átomos, as moléculas começaram a se unir e a criar o que os biólogos chamam “interações moleculares” ou “conexões”. O mesmo aconteceu com as moléculas, interações em que as moléculas se dedicaram à força e ao bem estar das conexões prosperaram, e aquelas cujas moléculas apoiaram apenas parcialmente a conexão se desintegraram.

Existem muitas formas de interações moleculares na natureza, mas há menos de quatro bilhões de anos, uma interação em particular marcou a mudança entre o estágio inanimado na Terra (e talvez no universo) e o vegetativo. Esse agregado especial de moléculas recebeu o nome de “Ácido Desoxirribonucleico”, também conhecido como DNA (Imagem 2).


Imagem 2: Ácido Desoxirribonucleico, também chamado DNA

Nos átomos, as partículas assumem diferentes funções: alguns formam o núcleo e outras formam a parte externa ou casca, por exemplo. Similarmente, nas moléculas, os átomos assumem diferentes funções e devem aderir a formas rígidas de conexão. E finalmente, na interação molecular, cada molécula exerce uma diferente função.

Com o aparecimento do DNA, porém, as coisas começaram a mudar. O DNA não  é mais uma estrutura feita de diferentes moléculas que formam uma estrutura. Ele é uma estrutura que pode interagir com outras estruturas, e a cada estrutura é atribuída uma função diferente. Essas, combinadas, servem ao bem da estrutura. Em biologia, essas estruturas são chamadas “células” ou “organismos unicelulares” e constituem a mais primitiva forma de vida.

Pode-se argumentar que, essencialmente, esses organismos funcionam quase que da mesma maneira que os átomos, as moléculas ou as estruturas moleculares introduzidas antes. A estrutura única criada em torno do DNA, no entanto, permite que ocorram duas funções até então inexistentes: 1) O DNA é a primeira estrutura conhecida na natureza que pode replicar a si mesma, bem como replicar as estruturas moleculares que o suportam! 2) Células são as primeiras estruturas que sistematicamente interagem com seu ambiente. Elas absorvem nutrientes de seu ambiente, processam-nos para extrair a energia de que necessitam para sua sobrevivência e então excretam os resíduos. Além disso, as células podem repetir com precisão esse processo tantas vezes que podem de fato transformar seu ambiente.

Há muitas definições do que é a vida. Para ficar de um lado seguro, escolho a definição apresentada pela Enciclopédia Britânica: “Matéria que apresenta certos atributos, que incluem responsividade, crescimento, metabolismo, transformação de energia e reprodução.”xix As  primeiras células,  chamadas “procariontes”,  possuíam todos   esses atributos e representaram uma evolução direta da interação molecular. Assim, o começo da vida como conhecemos deveu-se à mesma lei pela qual todos os sistemas atingem equilíbrio e sustentabilidade — os constituintes abdicam de seus interesses próprios em beneficio do interesse de seu sistema hospedeiro, para, em contrapartida, o sistema cuidar deles.

Vegetativo

Como dissemos acima, os primeiros organismos vivos foram células primitivas, conhecidas como “procariontes”. Assim como ocorreu com os minerais na fase inanimada, os procariontes ficaram mais complexos.

A fase vegetativa na evolução da vida corresponde ao Estágio Dois. A diferença entre o Estágio Um e o Estágio Dois é que o Estágio Um é passivo — recebendo o que a Natureza lhe dá —, enquanto o Estágio Dois reage a isso, desejando dar em retorno. Similarmente, as plantas respondem ao seu ambiente e interagem com ele. Seu produto, o oxigênio, é um presente da flora para o nosso mundo e é um elemento tão vital para a vida, que, sem ele, a evolução como conhecemos não seria possível.

Em sua “Introdução ao Livro do Zohar”xix, Ashlag explica que o nível vegetativo do desejo de receber, como manifestado nas plantas, revela um desejo de receber mais intenso. Por essa razão, as estruturas criadas por ele são mais complexas e causam um impacto mais perceptível em seu ambiente.

Também, ao contrário dos minerais, as plantas são espécimes individuais, com sua própria reprodução, alimentação e até mecanismos de migração. Ainda, como os minerais, todas as plantas têm comportamento semelhante — aderindo com precisão ao programa instalado nelas pelo Criador. Elas abrem suas pétalas (se tiverem) ao mesmo tempo pela manhã e fecham-nas ao mesmo tempo à tarde, e seguem quase exatamente o mesmo procedimento de todos os outros espécimes em suas espécies.

Dessa maneira, de acordo com a lei de abdicar de seu interesse próprio, como  descrito na seção anterior, as células continuam a evoluir, produzindo estruturas cada vez mais intrincadas e complexas. Primeiramente, elas congregam células simples em grandes colônias. Então, gradualmente, começam a perceber que poderiam se beneficiar, atribuindo diferentes funções a diferentes grupos de células. Algumas células se tornam “caçadoras”, provendo alimento para a colônia inteira, outras células  se  tornam guardiãs, outras ainda se tornam limpadoras e cada grupo contribui com o seu melhor para a comunidade.

Conforme dissemos anteriormente sobre a colaboração das partículas, a colaboração dos diferentes órgãos não é coincidência. Ela se baseia em estruturas similares que existem no mundo espiritual, reino altruísta. A descrição dos mundos espirituais (altruístas) que fornecemos nos Capítulos 2 e 3 é uma versão muito básica deles. Em O Estudo das Dez Sefirotxix, Baal HaSulam fornece uma análise detalhada da estrutura interna do Partzuf que discutimos anteriormente e explica os sistemas, como o sistema digestivo, o sistema reprodutor, mãos, pernas, etc.

Baal HaSulam, entretanto, descreve todos esses elementos como interações entre o desejo de doar e o desejo de receber. Eles não são nenhum tipo de objeto físico, embora seu comportamento sirva como um “protótipo” para o comportamento de sistemas similares em nosso mundo. Em Cabalá, um protótipo é chamado “raiz”, e todos os seus desdobramentos são chamados “ramos”.

Além da vantagem óbvia que o tamanho das colônias tem sobre células individuais, retornando ao tópico da evolução, células em colônias têm outra vantagem sobre células individuais: elas podem se concentrar em uma única tarefa e assim aperfeiçoar seu desempenho, aumentando sua contribuição à colônia e confiando nas células companheiras para prover suas outras necessidades. Células isoladas, por outro lado, precisam atender a todas as necessidades de sustento por si mesmas. Essa eficiência elevada significa que as colônias gastam menos energia para produzir a mesma quantidade de comida, calor, proteção e qualquer outra necessidade. Ainda, abdicando de seu interesse próprio, as células começam a se diferenciar.

Com a evolução da diferenciação celular, maiores, mais fortes e mais diversificadas plantas apareceram. Ao permitirem que algumas células se concentrassem exclusivamente na absorção da água do solo e outras focassem a fotossíntese, as plantas começaram a atribuir  a certas seções da  colônia,  e  não  apenas a determinadas células, tarefas específicas. Isso resultou no aparecimento de órgãos, tais como raiz, tronco, galhos e folhas, que permitiram a evolução de plantas de alto nível. Assim como antes,  o fator determinante do sucesso ou da falha do novo estágio evolucionário foi o “consentimento” das células ou órgãos dentro do sistema hospedeiro em abdicar de seu interesse próprio em favor do sistema inteiro, nesse caso, a planta.

Animado

Por cerca de dois bilhões de anos, as plantas dominaram o planeta Terra. O desejo de receber que quebrou o Partzuf de Adão, porém, possuía mais facetas que precisavam de correção, isto é, era necessário serem ensinadas a trabalhar como um sistema, abdicando de seu interesse egoísta em prol do interesse do sistema hospedeiro. Como os desejos continuaram a emergir, aqueles que eram correlacionados ao Estágio Três dos quatro estágios começaram a se manifestar, criando formas de vida mais complexas.

Por causa de seu alto nível de desejo, explicado por Ashlag em sua “Introdução ao Livro do Zohar”, cada espécime pertencente ao Estágio Três tinha um elevado senso de autodeterminação e um maior desejo por autonomia. Assim, enquanto os espécimes continuaram a se reconhecer como partes de uma espécie, começaram a desenvolver identidades individuais.xix

Os corais, por exemplo, que evoluíram há aproximadamente 500 milhões de anos, estão entre as primeiras espécies de animais a surgir. Alguns desenvolveram (uma forma primitiva de) músculos que permitiram seu movimento, e assim se tornaram aptos a se moverem com relativa liberdade. Além do mais, diferentemente das plantas, que proveem suas necessidades nutricionais pela fotossíntese, os corais precisam se prender  a outros organismos para se sustentar e frequentemente contêm células de algas que realizam a fotossíntese e asseguram o suprimento de carboidratos (açúcares) (Imagem 3).

Imagem 3: Ao contrário das plantas, que fazem fotossíntese para sua nutrição, corais se alimentam se prendendo em outros organismos.

Os corais, no entanto, possuem outra forma de tecido característico dos animais: nervos. O surgimento do sistema nervoso, particularmente do Sistema Nervoso Central (SNC), permitiu maior controle sobre as funções do organismo e facilitou a evolução da fauna diversificada que existe hoje.

Abaixo está uma linha do tempo muito aproximada dos 3,8 bilhões de anos da história  da vida na Terra, demonstrando como os desejos se manifestam na evolução:

Inanimado — Estágio Um
  • 3,8 bilhões de anos até o surgimento de células simples (procariontes);
Vegetativo — Estágio Dois
  • 3 bilhões de anos até o surgimento de fotossíntese;
  • 2 bilhões de anos até o surgimento de células complexas (eucariontes);
  • 1 bilhão de anos até o surgimento de vida multicelular.
Animado — Estágio Três
  • 600 milhões de anos até o surgimento de animais simples;
  • 570 milhões de anos até o surgimento de insetos;
  • 550 milhões de anos até o surgimento de animais complexos;
  • 500 milhões de anos até o surgimento de peixes;
  • 475 milhões de anos até o surgimento de plantas terrestres;
  • 400 milhões de anos até o surgimento de sementes;
  • 300 milhões de anos até o surgimento de répteis;
  • 200 milhões de anos até o surgimento de mamíferos;
  • 150 milhões de anos até o surgimento de aves;
  • 130 milhões de anos até o surgimento de flores;
  • 65 milhões de anos até a morte de dinossauros não alados;
Humano (Falante) — Estágio Quatro
  • 2,5 milhões de anos até o surgimento do gênero Homo;
  • 000 anos até o surgimento do Homo Sapiens.

Como podemos ver na lista acima, a evolução das espécies e a evolução dos desejos correspondem bastante bem. O próximo capítulo será dedicado ao aparecimento e à evolução do Estágio Quatro do desejo de receber na Terra —“o falante” — ou seja, o ser humano.