O Cabalista (3)

Do livro “O Cabalista”

 

O DOCUMENTÁRIO PASSA LENTAMENTE, EM SILÊNCIO: A GUERRA RÚSSIA-JAPÃO, A BATALHA DE TSUSHIMA. A DERROTA DA FROTA RUSSA. THEODORE ROOSEVELT ALEGRE ACENANDO COM A MÃO DEPOIS DE SER ELEITO PARA O SEGUNDO MANDATO. MARINHEIROS REVOLTAM-SE NO COURAÇADO “POTEMKIN”. O CLUBE INGLÊS DE FUTEBOL “CHELSEA” É FUNDADO. O INÍCIO DA PRIMEIRA REVOLUÇÃO RUSSA – POLÍCIA ATIRA EM MANIFESTANTES PACÍFICOS.

***

UMA RUA DE VARSÓVIA.

RAV32 YEHUDA ASHLAG PARA ABRUPTAMENTE NO MEIO DA RUA.

ATERRORIZADO E PERPLEXO, ELE VÊ COMO AS PESSOAS SÃO FUZILADAS.

ELE OLHA MAIS PERTO. OS MARINHEIROS REVOLUCIONÁRIOS DE 1917 EMERGEM DA NEBLINA E DA GAROA. ELES CORREM EM DIREÇÃO À YEHUDA, SEUS RIFLES EXPELINDO FOGO.

YEHUDA LEVANTA A GOLA DO CASACO. ELE CAMINHA POR UMA RUA ENEVOADA, TREMENDO DE FRIO.

DE REPENTE, ELE VÊ LENIN MARCHANDO AO LADO DELE.

YEHUDA O SEGUE COM OS OLHOS E VÊ VAGÕES CHEIOS DE PRISIONEIROS DESAPARECEM NA NÉVOA.

YEHUDA CONTINUA DESCENDO A RUA.

TROPAS DE ASSALTO ALEMÃS PASSAM POR ELE. O JOVEM HITLER OS SAÚDA COM UM BRAÇO ESTENDIDO.

AGORA ELE ESTÁ ANDANDO PELO BAIRRO JUDEU.

UMA NUVEM DE COGUMELO ATÔMICO SOBE ACIMA DAS CASAS. YEHUDA ENTRA EM UM PRÉDIO.

BEN-GURION PROCLAMA O ESTABELECIMENTO DO ESTADO DE ISRAEL. UM AVIÃO COLIDE COM UM ARRANHA-CÉU.

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Ambientação

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RAV YEHUDA ASHLAG ENTRA EM UMA SALA DE AULA.

SENTADO ENTRE OS ALUNOS, CUJA IDADE VARIA DE VINTE A SESSENTA ANOS, ESTA O RABINO FELDMAN.

RAV ASHLAG COMEÇA A FALAR DO MOMENTO QUE ELE ADENTRA A PORTA.

Rav Ashlag:            Há uma alma unificada. (Ele desenha um círculo no ar com as mãos.) Nela, todas as nossas almas estão ligadas em um conjunto próximo. Elas estão ligadas pela força do amor, a única lei que existe.

RAV ASHLAG EXAMINA OS ROSTOS DE SEUS ALUNOS.

O RABINO FELDMAN ESTÁ SENTADO EM UM CANTO, OUVINDO ATENTAMENTE.

Rav Ashlag:       O Criador quebrou esta alma única e unificada, e agora temos que restaurar aquela união por nós mesmos. Ou seja, nós temos que ir acima de nossos egos, até o grau de Amor.

Chaim (um jovem estudante):

O amor entre todos.

Rav Ashlag:  O amor entre todos.

Chaim:     Todos os judeus.

Rav Ashlag:       O mundo todo.

Chaim:            … o qual nos odeia.

Rav Ashlag:       O mundo inteiro vai subir do nível do ódio ao do amor.

Aaron (outro jovem estudante com um rosto nervoso e olhos ardendo febrilmente): Por que o Criador teve que quebrar essa alma unificada?! Para quê?! Ele quer que sejamos felizes, não é? Estávamos todos felizes, unidos, então por que, então?!

Rav Ashlag:       Para quê?

Aaron:            Sim, sim, sim! Por que Ele nos lançou neste mundo louco, separados em nações, raças, ricos e pobres, judeus e não judeus, para quê?!

Rav Ashlag (parando em frente a Aaron):

Ele queria que nos tornássemos Seus iguais.

Aaron:            Eu não entendo.

Rav Ashlag:       Não Seus escravos, mas Seus iguais.

Aaron (freneticamente):

Eu ainda não entendo!

Rav Ashlag:       Quando você se banha na Luz, quando você está completamente cheio dela, o que mais você deseja?

Aaron:            Estar dentro da Luz o tempo todo. O que há de errado com isso?

Rav Ashlag:            Ele não quer nos transformar em escravos da Luz. Ele quer que nós sejamos livres, para sermos verdadeiramente iguais a ele. Para que servimos como seres irracionais que Ele pode dobrar como Ele deseja? Ele quer seres humanos livres do seu lado, que, voluntariamente, decidam estar ao seu lado, para tornarem-se iguais, amigos, em vez de escravos. Iguais! Como isso pudesse ser feito?!

RAV ASHLAG PARA E OLHA AO REDOR DA SALA. TODO MUNDO ESTÁ ESPERANDO QUE ELE CONTINUE.

Rav Ashlag:

SILÊNCIO.

Há apenas um caminho: quebrar a alma unificada em pequenos pedaços individuais, vestí0-los em corpos deste mundo, mergulhá-los em todo esse egoísmo, esse ódio, torná-los Seus opostos, de modo que a partir desta realidade eles retornem a Ele por si mesmos. Independentemente! Eles precisam querer levantar-se desta escuridão e ir de volta a Ele por si mesmos e voluntariamente viver de acordo com a Sua lei.

Chaim:            Como isso pode ser feito?

***

A CASA DE RAV ASHLAG. NOITE. RAV ASHLAG ESTÁ ESCREVENDO.

LINHAS PERFEITAS APARENCEM NO PAPEL. PODEMOS OUVIR RAV ASHLAG SUSSURRANDO:

– “Como isso pode ser feito?! Como podemos viver de acordo com a Sua Lei, se nascemos como bestas, absolutamente opostos a Ele? Ele é a luz do mundo, e nós, por outro lado, somos o ponto mais baixo e cruel, vivendo apenas para nós mesmos! Como podemos ascender ao Criador”?

UMA BATIDA QUIETA NA PORTA. TODO MUNDO ESTÁ DORMINDO. YEHUDA ATENDE A PORTA.

O COCHEIRO ESTÁ DE PÉ LA FORA SEGURANDO O LIVRO DO ZOHAR EM SUAS MÃOS. YEHUDA OLHA PARA ELE E PERGUNTA SEM HESITAÇÃO:

-Quando?

O cocheiro:       Hoje à noite, há uma hora. A última coisa que ele me disse foi para dar isso a você imediatamente, meu estimado Rav.

ELE ENTREGA O LIVRO DO ZOHAR E UMA MENSAGEM.

O cocheiro (com pressa):

Bem, eu devo voltar, eu não quero deixá-lo sozinho. Ele ficou tão pequeno, de repente…

DE REPENTE, O ROSTO DO COCHEIRO SE CONTORCE E ELE COMEÇA A CHORAR COMO UM MENINO. ELE LIMPA SEUS OLHOS COM UMA LUVA ENLAMEADA MANCHANDO DE SUJEIRA SEU ROSTO.

O cocheiro:       Ele parecia muito maior quando ele estava vivo. Parece que você, querido Rav, acrescentou alguns dias à vida dele. (Então, quase alegremente) Ele morreu em paz. Ele estava sorrindo quando faleceu.

ELE PARA, SACODE AS LUVAS EM SUAS MÃOS, E ABAIXA O OLHAR.

O cocheiro: O que eu irei fazer agora, sem ele? Completamente sozinho… O COCHEIRO VIRA E CANSADO DESCE AS ESCADAS.

RAV ASHLAG ABRE A NOTA.

SEUS OLHOS CORREM AO LONGO DAS LINHAS. ELE LÊ:

– “O Criador está me levando a Ele agora. Mas antes que Ele o fizesse, Ele me deu um presente precioso, a oportunidade de ler um livro tão grandioso! É um livro sobre a minha alma, sobre o mundo inteiro, sobre o caminho para Ele, que todos terão que andar. Ele está nos convidando para ir ao seu banquete. Ele arrumou uma mesa para nós, mas nós não aparecemos. Diga a eles sobre isso. Seja paciente com eles, como com crianças pequenas. Diga a eles sobre a felicidade que o Criador reservou para nós. Eu sou grato a você por ficar aqui para realizar essa tarefa. Eu tenho fé em você, nosso amado Rav Yehuda. Tivemos que nos encontrar, e eu tinha que lhe dizer o que eu fiz. Meu pobre, pobre pai não sabe o quão magnífico o Criador realmente é!”.

UM PAR DE MÃOS ENVOLVE UM EDREDOM EM VOLTA DOS OMBROS DE RAV ASHLAG. ELE VIRA-SE. RIVKA ESTÁ EM PÉ ATRÁS DELE.

Rivka:            Você não pode se dar ao luxo de ficar doente.

ELE OLHA PARA ELA COM GRATIDÃO.

Rivka:            Eu tenho um sentimento de que não era um menino afinal.

Yehuda:           Quem então?

Rivka:            Era Ele…

***

A CASA DE RAV ASHLAG. NAQUELA MESMA NOITE.

RAV ASHLAG ESTÁ SENTADO À MESA, COBERTO PELO O EDREDOM.

O LIVRO DO ZOHAR QUE O COCHEIRO DEVOLVEU ESTA ABERTO EM FRENTE A ELE. UMA FOLHA DE GRAMA SECA SE DESTACA ENTRE AS PÁGINAS.

RAV ASHLAG ABRE O LIVRO ONDE A FOLHA ESTA COLOCADA.

SEU OLHAR CAI DE UMA VEZ EM ALGUMAS LINHAS DE TEXTO RABISCADO PELA MÃO DE UMA CRIANÇA.

ELE CONSEGUE ENTENDER APENAS A PRIMEIRA LINHA: “ENCONTRE ELE EM SI MESMO”…

AS LETRAS APRESSAM-SE ATÉ ELE, E ELE SENTE…

***

***

***

***

***

UMA ESTRADA EMPOEIRADA SE DESDOBRA COMO UM TAPETE DIANTE DE RAV ASHLAG. ATRÁS DELE ENCONTRA-SE A SAÍDA DO TÚNEL E UMA GRANDE ÁRVORE – “A ARCA” – COM SUA CAVIDADE ESCURA VOLTADA PARA CIMA.

POR UM MOMENTO, ELE ESTÁ DE VOLTA EM SEU QUARTO. RAV ASHLAG OLHA PELA JANELA.

ELE MERGULHA SUA PENA NO NANQUIM, ENTÃO UMA LINHA RETA APARECE SOB A PENA:

“É hora de deixar a Arca”.33

UMA EXPLOSÃO DE LUZ.

UM DIA BRILHANTE APÓS UMA FORTE TEMPESTADE.

UMA ESTRADA EMPOEIRADA SE CURVA ENTRE AS MONTANHAS AZUIS. FLORESTAS SOMBREADAS LEVANTAM-SE.

– “A Arca protegeu você de… você mesmo. Agora que você está mais forte, você tem que deixá-la”.

RAV ASHLAG ESTÁ ANDANDO POR CAMPOS DE FLORES FLORESCENDO, CONTEMPLANDO A BELEZA INFINITA.

MAS A SUA PENA ESTÁ PRODUZINDO LINHAS DE UMA NATUREZA DIFERENTE:

-“Espere as descidas,34 e esteja pronto para elas”.

DE VOLTA AO QUARTO, RAV ASHLAG OLHA ATRAVÉS DA JANELA.

-“Você está deixando o seu “eu” dentro de si mesmo” – ele sussurra – “e é escuro, muito escuro lá”.

DE REPENTE, A TERRA SE ABRE DEBAIXO DELE E ELE CAI EM UM BURACO, PRETO PROFUNDO. ARRANHANDO-SE NAS BORDAS AFIADAS DO BURACO, ELE CONTINUA CAINDO MAIS E MAIS, E O ECO MULTIPLICA SEUS GRITOS:

-Aaaaah!

ELE ATERRISSA SOBRE UM CHÃO DE PEDRA PLANO DENTRO DE UMA SALA MAL ILUMINADA.

IMEDIATAMENTE, UMA FORÇA INVISÍVEL O LEVANTA, O COLOCA SOB SEUS CALCANHARES, E O EMPURRA PARA FRENTE. ELE DÁ ALGUNS PASSOS AUTOMÁTICOS.

OUTRA LINHA APARECE NO PAPEL:

-“Você não têm nenhuma ideia de quem você realmente é!”.

***

***

TOCHAS ESTÃO QUEIMANDO NOS QUATRO LADOS DO CORREDOR.

DE REPENTE RAV ASHLAG VÊ UM TRONO DE OURO BEM NA FRENTE DELE E UM HOMEM SENTADO NELE, COM O ROSTO ENVOLTO EM TREVAS. RAV ASHLAG AGARRA UMA DAS TOCHAS E A ELEVA ACIMA DE SUA CABEÇA. O FARAÓ35 ESTÁ SENTADO NO TRONO.  O FARAÓ TEM A CARA DE RAV ASHLAG.

O QUARTO DE RAV ASHLAG.

O LIVRO DO ZOHAR ESTÁ ABERTO NA PARTE “NO FINAL”, PRECISAMENTE SOBRE A LINHA QUE SE LÊ, “E ELE ENFRENTOU O FARAÓ DO EGITO”.

ELE PODE LER ALGUMAS PALAVRAS COM A LETRA DE UMA CRIANÇA:

-“Enfrente-o e derrote-o”. 36

NO DIA SEGUINTE. SALA DE AULA DE RAV ASHLAG.

NOVAMENTE, TODOS OS OLHOS ESTÃO FIXOS NELE. O RABINO FELDMAN ESTÁ SENTADO NO CANTO. RAV ASHLAG PARA DIANTE DE CHAIM.

Rav Ashlag:       Você perguntou como podemos voltar ao Criador?

Chaim:            Sim. Eu não consegui dormir. Eu pensei sobre isso a noite toda.

Rav Ashlag:       Você sente que este estado é insuportável?

Chaim:            Sim, eu sinto.

Rav Ashlag:       Por quê?

Chaim:            Eu sinto que não há fim para esses sofrimentos.

Rav Ashlag:       Você sabe por que você está sofrendo?

Chaim:            Eu não sei. Tudo é tão vazio, sem gosto, que nada me traz alegria.

Rav Ashlag (rispidamente):

Você é o culpado por tudo isso!

Chaim (perplexo):

Eu?!

Rav Ashlag:       Sim, você, quem mais? É você que não deixa que Ele se manifeste!

Chaim:            Mas eu amo o Criador!

Rav Ashlag:       Você ama a si mesmo, não ao Criador.

Chaim:            Essa não é minha experiência.

Rav Ashlag (bruscamente apontando o dedo a ele):

Esta é a primeira etapa que temos de percorrer. (Ele dá um passo para trás e observa a classe) Nós precisamos entender que não somos justos em tudo, somos mentirosos e ladrões que não amam ninguém além de nós mesmos.

***

UM CLARÃO DE LUZ. A CÂMARA DO FARAÓ.

O FARAÓ COM O ROSTO DE RAV ASHLAG OLHA PARA O RAV DO SEU TRONO DE OURO SOB A LUZ DE TOCHAS.

A voz de Rav Ashlag:

-Não é dado a qualquer um. Ninguém entra lá por acaso. Apenas aqueles cujo coração está partido entram lá, aqueles que não podem suportar viver sem uma resposta para a pergunta do por que eles estão vivendo. A verdade pode ser revelada somente para essas pessoas. Somente elas podem suportar. Apenas elas serão autorizadas a descer ao abismo, o lugar onde ninguém jamais ousou olhar: para o próprio ego, para a escuridão do egoísmo. E o que eles veem lá?

UM CLARÃO DE LUZ.

UM FARAÓ COM O ROSTO DE RAV ASHLAG ESTÁ SENTADO NO TRONO.

A voz de Rav Ashlag:

– O horrível sorriso irônico de seu mestre.

O FARAÓ SORRI.

ELE APONTA PARA UMA CADEIRA DE OURO AO LADO DE SEU TRONO.

UMA FORÇA INVISÍVEL PUXA RAV ASHLAG PARA FRENTE E NUM INSTANTE DEPOIS, ELE ESTÁ SENTADO AO LADO DO FARAÓ.

ELE TENTA LEVANTAR, MAS GRILHÕES DOURADOS PRENDEM SUAS MÃOS E PÉS NA CADEIRA.

A voz de Rav Ashlag:

-O Faraó é a nossa essência. Trabalhamos toda a nossa vida para satisfazer ninguém mais além dele. Ele nos governa. Ele é a nossa natureza, o nosso “eu”.

O FARAÓ NO TRONO ESTÁ RINDO.

ELE TIRA UM ANEL DE OURO DE UM DEDO E O OFERECE À RAV ASHLAG. ESTE SE ANEXA AO SEU DEDO COMO SE COLADO POR UMA FORÇA PODEROSA.

***

SALA DE AULA.

Aaron:            Mas não é o Faraó um homem? É dito na Torá…

Rav Ashlag:       A Torá não fala de pessoas.

Aaron:            Eu não compreendo. Não houve nenhum Abraão, nenhum Moisés, e a história do exilo egípcio?

Rav Ashlag:       Se você lê a Torá dessa maneira, você a está matando e a você mesmo. Não há uma só palavra lá sobre este mundo. Não há pessoas. A Torá fala de forças que podem guiá-lo ao Criador. É uma instrução secreta para a revelação do Criador. O livro do Zohar é a chave para essa instrução.

Aaron:            Então o Faraó é uma força?

Rav Ashlag:       E uma força enorme.

Aaron:            Esta força está dentro de mim?

Rav Ashlag:       O Faraó vive dentro de cada um de nós.

Aaron:            Nós somos escravos desta força, não somos?

Rav Ashlag:       Isso nos domina. É nosso cada pensamento e ação; isso é a nossa vida. Se nós percebemos isso, se nós sentirmos que isso é insuportável, isso significará que nós não concordamos com o seu domínio sobre nós. Isso significará que nós escolhemos o Criador. Ao odiar nosso ego nós damos o primeiro passo ao Criador.

ELE OLHA AO REDOR DA CLASSE NOVAMENTE. PAUSA.

Chaim (muito distintamente, quase sílaba por sílaba):

Como eu posso ir ao Faraó? Como eu posso vir a odiar ao meu ego? Como?!

 

A PORTA DA SALA DE AULA SE ABRE E UM VELHO JUDEU OBSEQUIOSAMENTE ABORDA RAV ASHLAG:

 

-O serviço de oração está para começar, venerável Rav Ashlag.

Rav Ashlag (para seus alunos):

Vá, orem e ponderem sobre o que nós conversamos.

***

OS ALUNOS DEIXAM A SALA DE AULA.

RAV ASHLAG SENTA-SE E OLHA SUAS MÃOS FIXAMENTE; ELAS ESTÃO TREMENDO.

SINAGOGA.

RAV ASHLAG ENTRA.

OS PAROQUIANOS SUSSURRAM UNS AOS OUTROS ANIMADOS QUANDO ELES O VÊEM. UM VELHO JUDEU OFERECE A ELE O SEU ASSENTO.

RAV ASHLAG CONTINUA A CAMINHAR.

OS SEUS ALUNOS, CHAIM E AARON, LEVANTAM-SE PARA CUMPRIMENTÁ-LO. ELE ANDA PASSANDO POR ELES SEM PARAR.

ELE É GUIADO ATÉ O GABINETE ONDE OS LIVROS DA TORÁ SÃO MANTIDOS.

PESSOAS ABREM ESPAÇO PARA ELE EM FRENTE, MAS ELE DESVIA E ANDA EM DIREÇÃO À JANELA.

ELES NÃO O DEIXAM EM PAZ NEM MESMO LÁ.

O ANCIÃO DA COMUNIDADE VEM ATÉ ELE E APERTA A MÃO DELE.

O ancião:         Honorável Rav, seus alunos me dizem que você é um grande mestre. Eu gostaria de pedir-lhe para dar a nós, homens velhos, algumas aulas. Você pode escolher qualquer tópico que desejar.

TODOS ESTÃO OLHANDO PARA ELE, ESPERANDO SUA RESPOSTA. ELE ESTÁ QUIETO.

O ancião (dirigindo-se a todos):

O honorável Rav Ashlag irá guiar o serviço hoje.

RAV ASHLAG PERMANECE IMÓVEL.

O ancião:         Bem, Rav Ashlag, todos estão esperando por você.

Rav Ashlag (inesperadamente alto e claro):

Vocês precisam de alguém para fazer reverência?

A CONGREGAÇÃO SE AQUIETA ABRUPTAMENTE E TODOS SE VOLTAM PARA ELE.

O ancião:         Eu não compreendo…

Rav Ashlag:       O Criador não é bom o bastante para vocês?! (Olha ao redor) Bem, é claro, Ele está em algum lugar lá em cima! Vocês precisam de alguém próximo, à mão, alguém que vocês possam ter no seus bolsos, para ver, para olhar em sua boca, oferecer a sua cadeira, beijar a sua mão! Vocês precisam de alguém para honrar aqui, nesta terra, nesta sinagoga!

UM SUSSURRO ALTO. ALGUÉM DÁ UMA RALHADA DO FUNDO, A MULTIDÃO SE AGITA, SURPRESA E MEDO APARECEM NA FACE DAS PESSOAS.

Rav Ashlag:       Mas saibam disso – não serei eu.

Chaim: Você está se sentindo bem, mestre?

Rav Ashlag:     Eu me sinto ótimo, Chaim.

O ancião:         Você tem certeza?

Rav Ashlag:       Sim, eu tenho certeza.

UM SILÊNCIO PESADO NO AR.

O ancião (olhando ao redor com um leve sorriso):

E este é o homem que se responsabilizou a nos ensinar algo?!

Uma voz:          Botem-no para fora!

Um velho judeu (que participava das aulas de Rav Ashlag):

Tamanha arrogância! Momentos atrás ele cantou sermões tão doces para nós! Oh, como ele condenou o ego! Você facilmente poderia crer que um homem justo estava diante de você, mas agora nós podemos ver a sua verdadeira cara!

Uma voz:          Fora!

Vozes:            Fooora!

 

RAV ASHLAG CAMINHA PELA MULTIDÃO.

PESSOAS DÃO PASSOS PARA TRÁS PARA QUE ELE PASSE. CHAIM E AARON TENTAM SEGUÍ-LO, MAS O ANCIÃO OS DETÉM.

O ancião (em alta voz):

Se vocês saírem agora, vocês podem esquecer o caminho de volta.

IMEDIATAMENTE, ALGUNS HOMENS CERCAM CHAIM E AARON, FIRMEMENTE BLOQUEANDO O CAMINHO DELES PARA FORA.

AARON TOMA UM ASSENTO DE VEZ.

CHAIM PERMANECE EM PÉ, CERCADO PELOS HOMENS, OBSERVANDO COM ANGÚSTIA E DOR À MEDIDA QUE RAV ASHLAG VAI EMBORA.

A PORTA SE FECHA ATRÁS DE RAV ASHLAG.

***

LÁ FORA, EM FRENTE À SINAGOGA. RAV ASHLAG SAI DA SINAGOGA. RABINO FELDMAN O SEGUE.

Rabino Feldman:   Espere.

RAV ASHLAG PARA.

Rabino Feldman:   Se apenas eu pudesse continuar sendo seu aluno…

O ANCIÃO OLHA PARA FORA DA SINAGOGA, ATRÁS DELE ESTÃO ALGUNS OUTROS JUDEUS E CHAIM ENTRE ELES.

O ancião (firmemente):

Rabino Feldman, a prece começou. Deixem-no em paz, ele não irá entender de maneira alguma. (Agora, firmemente, quase como numa ordem.) Venha para dentro agora, honorável rabino, nós estamos esperando por você.

RABINO FELDMAN FAZ UM GESTO PARA DAR A MÃO A ASHLAG, MAS A SUA MÃO PARA EM MEIO AR. ELE DÁ A VOLTA, ABAIXA SUA CABEÇA, E RAPIDAMENTE ANDA DE VOLTA À SINAGOGA.

CHAIM, EM PÉ SOZINHO NA PORTA DA SINAGOGA, OBSERVA RAV ASHLAG INDO EMBORA. UMA MÃO APARECE DAS SOMBRAS DETRÁS DELE E O PUXA PARA DENTRO PELO OMBRO. ELE NÃO RESISTE.

***

O QUARTO DE RAV ASHLAG. NOITE.

PÉS DESCALÇOS ESTÃO EM PÉ NUMA CAMA DE PEDRAS AFIADAS. RAV ASHLAG ESTÁ DEBRUÇADO SOBRE UM LIVRO.

RIVKA SENTA-SE NO ESCURO, UM PEQUENO BEBÊ EM SEUS BRAÇOS.

BARUCH SHALOM37 DE OITO DIAS DE IDADE ESTÁ DORMINDO, TENDO SE ACONCHEGADO PRÓXIMO A ELA.

ELA ESTÁ BALANÇANDO O BEBÊ E OLHANDO PARA O SEU MARIDO.

Rivka:            Eles estão pedindo para que deixemos esta casa o mais rápido possível. O senhorio se recusa a esperar mais um dia.

Rav Ashlag (encontrando o olhar dela):

Não vê que estou estudando?

 

Rivka:            Me perdoe, eu só quero lhe dizer que eu terei que perturbá-lo pela manhã. Eu devo fazer as malas. Eu encontrei uma nova casa. O cocheiro estará aqui pela manhã para nos levar.

Rav Ashlag (olhando para ela por um longo momento):

Eu sinto muito por fazer isso tão difícil para você.

RAV ASHLAG LEVANTA-SE, E DE REPENTE…

***

***

***

***

***

***

UM CLARÃO DE LUZ. A CÂMARA MAL ILUMINADA DO FARAÓ.

AS ALGEMAS DOURADAS QUE PRENDEM AS MÃOS E OS PÉS DE RAV ASHLAG DE REPENTE SE TRANSFORMAM EM POEIRA. ELE TENTA SE LEVANTAR, MAS ELE NÃO PODE SE MEXER.

O QUARTO DE RAV ASHLAG.

ELE DÁ UM PASSO EM DIREÇÃO À RIVKA E DE REPENTE CAI NO CHÃO ANTES QUE RIVKA POSSA PEGÁ-LO.

UM CLARÃO DE LUZ.

A FACE DO FARAÓ ESTÁ RINDO A CENTÍMETROS DA DELE.

DE VOLTA AO QUARTO.

RAV ASHLAG CAI NO CHÃO. ELE TENTA LEVANTAR-SE, MAS FALHA. RIVKA AJOELHA-SE, SEGURANDO A CABEÇA DELE EM SUAS MÃOS.

-O que está acontecendo com você? – ela grita assustada.

UM CLARÃO DE LUZ.

O FARAÓ TOCA RAV ASHLAG COM DEDO DELE E RAV É ARREMESSADO DE VOLTA À SUA CADEIRA, BATENDO CONTRA A PAREDE DISTANTE.

O FARAÓ LEVANTA UMA MÃO, E PARA SEU HORROR, RAV ASHLAG VÊ A SUA PRÓPRIA MÃO LEVANTANDO-SE TAMBÉM. ELE DÁ UM PASSO EM DIREÇÃO AO RAV E O RAV DÁ UM PASSO EM DIREÇÃO AO FARAÓ. ELE ESTÁ INDEFESO. ELE ESTÁ IMPOTENTE.

O QUARTO.

RAV ASHLAG NÃO CONSEGUE FICAR EM PÉ.

 

-O que é isso? É o seu coração?! – os grandes olhos de Rivka agora estão cheios de preocupação.

-As primeiras linhas… – ele murmura – as primeiras palavras são…

RAV ASHLAG ENRRUGA A FACE, TENTANDO LEMBRÁ-LAS.38 A SUA MENTE ESTÁ EM BRANCO… UM VAZIO COMPLETO…

-“Eis que, antes de”… ELE FICA QUIETO.

… ”as emanações”…- Rivka continua em apreensão.

ELE OLHA PARA ELA.

-Não me assuste, querido, ela diz, “as emanações foram emanadas e as criaturas foram criadas”… por favor, repita depois de mim, “as emanações foram emanadas e as criaturas foram criadas”…

Rav Ashlag (fracamente repetindo depois dela):

… “as emanações foram emanadas… (rugas na sua testa) e as criaturas foram criadas…

Rivka:            … ”a simples Luz Superior”…

RAV ASHLAG MURMURA À MEDIDA QUE ELE TENTA PRONUNCIAR AS PALAVRAS.

Rivka (gentilmente):    Não se apresse! Acalme-se…

Rav Ashlag:        “A simples Luz Superior”…

Rivka:                   “Preenchia toda a existência”…

Rav Ashlag:                   “Preenchia toda a existência”…

RIVKA SEGURA A CABEÇA DELE. ELA OLHA NOS OLHOS DELE E FALA COM ELE COM SE FALASSE COM UMA CRIANÇA:

Rivka:             “E não havia nenhum”… (Repete) “Não havia nenhum”…

Rav Ashlag:        “E não havia nenhum”…

Rivka:             …“vazio”…

Rav Ashlag:        …“vazio”… (Em desespero) Eu não consigo lembrar!

Rivka:            Sim, você consegue! Você se lembra de tudo! “Mas tudo estava preenchido com uma simples… Simples”…?!

Rav Ashlag (esgotado, quase sussurrando):

“Mas tudo estava preenchido com aquela simples”… (Fazendo um esforço para lembrar-se) Simples…

Rivka:            Agora, por si mesmo… lembre-se, por favor, tente lembrar-se, meu amor! O que vem depois?

Rav Ashlag (com uma última gota de determinação):

“Mas tudo estava preenchido com aquela simples”…

Rivka:            Sim!

Rav Ashlag (com esforço):

“Sem limites”…

Rivka:            Sim, sim!

Rav Ashlag:        “Luz”.

Rivka:            Muito bem!

Rav Ashlag (exala, e repete depois dela):

Muito bem.

RAV ASHLAG ESTÁ BALANÇANDO A CABEÇA PARA FRENTE E PARA TRÁS NUMA CADEIRA. RIVKA LHE DÁ UM TAPINHA NA CABEÇA E REPETE:

-Vê, tudo está bem! Você lembrou tudo. Mais alguns minutos e isso irá passar.

ELE TRAZ O LIVRO PARA PERTO DELE. AS LINHAS PARECEM TURVAS.

Rav Ashlag (para Rivka):

Vá… vá. Eu ficarei bem.

OS DEDOS DELE MOVEM-SE AO LONGO DAS LINHAS DO LIVRO; SEUS LÁBIOS MOVEM-SE, FORMANDO PALAVRAS DAS LETRAS, MAS ELE NÃO CONSEGUE PRONUNCIÁ-LAS EM VOZ ALTA.

A MÃO DELE CAI. RAV ASHLAG ESTÁ DORMINDO.

AURORA.

A LÂMPADA DE QUEROSENE ESTÁ APAGADA. PLUMAS PÁLIDAS DE FUMAÇA SOBEM DO SEU PAVIO ENEGRECIDO.

RAV ASHLAG ABRE OS OLHOS.

ELE ESTÁ DEITADO NUMA CAMA, SOZINHO NO QUARTO.

ELE LEVANTA-SE FAZENDO UM ESFORÇO, ABRE A JANELA, E UM AR GELADO DE INVERNO COBRE A FACE DELE. ELE RESPIRA FUNDO.

***

MANHÃ. A CARROÇA ESTÁ PERCORRENDO AS RUAS ASSIMÉTRICAS DE PEDRAS PARALELEPÍPEDO.

O COCHEIRO ESTÁ RECITANDO VERSOS DO “ECLESIASTES”.

O cocheiro:        “As palavras do pregador, o filho de Davi, rei de Jerusalém: vaidade das vaidades, diz o pregador, vaidade das vaidades; tudo é vaidade. Que lucro tem um homem pelo seu trabalho, que ele faz sob o sol”?

RAV ASHLAG ESTÁ SENTADO SOBRE SACOS CHEIOS DOS PERTENCES MAGROS DE SUA FAMÍLIA.

SUA FACE ESQUELÉTICA REVELA QUE ELE PERDEU MUITOS QUILOS NAQUELA NOITE. SENTANDO-SE PRÓXIMO DELE ESTÁ SEU FILHO DE OITO ANOS, BARUCH SHALOM, E RIVKA, COM UM BEBÊ EM SEUS BRAÇOS.

AS RUAS DE VARSÓVIA ESTÃO À DERIVA.

A voz do cocheiro:

“Uma geração vai e outra geração vem, mas a terra permanece para sempre”…

DE REPENTE A RUA PAVIMENTADA SAI DE FOCO, E A VISÃO DE RAV ASHLAG SE TORNA TURVA.

ELE VÊ QUATRO SILHUETAS DE ÁRVORES DA FLORESTA BALANÇAREM-SE CONTRA O FUNDO CINZA DO CÉU DE OUTONO.

TRANSEUNTES ESTÃO OLHANDO PARA ELE. A VOZ DO COCHEIRO VEM DISTANTE:

“O que foi é o que há de ser; e o que tem sido feito é o que deve ser feito: e não há nada de novo sob o sol”.

-Eu desejo… – Rav Ashlag sussurra. – Eu preciso… – ele mal pronuncia as palavras, – ver o velho Baruch.

-Bom! – Rivka compreende o que ele resmunga. – Dê a volta! – ela ordena ao cocheiro. – Eu sei o caminho.

***

TARDE. UMA RUA CAMPESTRE.

A CARROÇA APPROXIMA-SE DA VELHA CASA DE BARUCH COM A SUA CAÍDA FAMILIAR.

-Pare aqui. Espere por mim aqui.Rav Ashlag murmura baixinho.

A CARROÇA PARA. RAV ASHLAG DESCE E ANDA ATÉ A CASA.

A CASA COM SUAS JANELAS COBERTAS, PRETA POR CAUSA DA CHUVA, ESTÁ FICANDO PRÓXIMA. OS OLHOS AZUIS-BEBÊ DE BARUCH ESTÃO OBSERVANDO RAV ASHLAG ATRAVÉS DAS FENDAS.

Rav Ashlag (sua língua pesada):

Deixe-me entrar.

Baruch (secamente): O que você está fazendo aqui? Não há nada que eu possa lhe dar!

Rav Ashlag:       Eu estou cansa-a-a-do…

Baruch:           Eu lhe falei alguma vez que seria fácil?

Rav Ashlag:       Um pequeno descanso…

Baruch:           Besteira! Cai fora daqui! Dê a volta, você está me ouvindo?

Rav Ashlag:       Eu não consigo ver nada! Ele jamais me deixará partir.

Baruch:           Chorão! Como Ele poderia possivelmente ter escolhido você, tão fracote. Ele é cego? Ele não pode ver quem está diante Dele?! (Gritando agudamente.) Suma daqui!

RAV ASHLAG DÁ A VOLTA COMO SE EM UM SONHO.

Baruch (mais suavemente):

Eu não lhe disse que eu não sou mais o seu professor, Yehuda?

RAV ASHLAG SENTA-SE ESGOTADO NA PILHA DE LENHA, SUAS COSTAS PRESSIONADAS CONTRA O LADO DA CASA, ELE FECHA OS OLHOS EM EXAUSTÃO.

NAQUELE INSTANTE, ÁGUA SUJA É ESPIRRADA EM SUA FACE. O VELHO BARUCH DE APARÊNCIA CANSADA ESTÁ EM PÉ PRÓXIMO A ELE, COM UM BALDE VAZIO EM MÃOS.

Baruch:           Eu lhe disse para continuar andando e não sentar-se! Vá, continue andando! Eu lhe mostrei o caminho!

RIVKA ESTÁ CORRENDO EM DIREÇÃO A ELES SAINDO DA CARROÇA QUE ESTÁ ESPERANDO NAS PROXIMIDADES. ELA SE DEBRUÇA SOBRE RAV ASHLAG ENCHARCADO.

Rivka:            O que ele está fazendo com você?! (voltando-se a Baruch.) Este é meu marido! O que você está fazendo?!

Baruch (casualmente):

Leve-o embora!

RIVKA AJUDA RAV ASHLAG LEVANTAR-SE.

Rivka:            Tudo ficará bem, meu querido. Isso terminará logo.

DE REPENTE BARUCH PULA EM RAV ASHLAG, TIRANDO-O DE RIVKA, E SUSSURRA NO OUVIDO DELE, VENENOSAMENTE:

-Antes de cada ascensão haverá uma descida. Eu não lhe disse isso?! Não há subida sem um abismo!

Rav Ashlag (mal movendo os lábios):

Ele não deixará… eu ir.

Baruch:           Você não está exigindo o bastante. Existe apenas uma só força.

Exija!

Rav Ashlag:       Eu… estou…

Baruch:           Então exija mais forte!

Rav Ashlag:       Eu estou exi-gin-do… que o Criador… me ajude….

RAV ASHLAG CAI MOLE NAS MÃOS DE BARUCH. RIVKA O SEGURA.

Rivka:            Você pode ajudá-lo?

Baruch (sacudindo a cabeça):

Eu não posso mais ajudá-lo.

Rav Ashlag (resmunga para si mesmo):

Eu estou gritando… mas Ele não me ouve. Ele me abandonou… O Faraó… me encontrou…ao invés.

Rivka:            Sobre o que ele está falando?

Baruch:           Ele está bem. É somente porque ele está em tal nível elevado.

Verdadeiramente grande. Minha cabeça está girando com essas alturas. Leve ele embora. Tudo ficará bem, mulher!

RIVKA AJUDA RAV ASHLAG A LEVANTAR-SE.

ELE ESTÁ APOIANDO-SE NELA, SUAS PERNAS MAL SE MOVEM.

Baruch (por trás):

Veja,Deus lhe recompensou, e a mim também – em minha idade avançada – ter tamanho milagre crescer em nossas mãos.

ELE OLHA RIVKA PUXANDO RAV ASHLAG EMBORA, ELE SACODE A CABEÇA.

***

***

***

CINCO LONGOS ANOS SE PASSAM EM PERSISTENTE BUSCA POR UM PROFESSOR. RAV ASHLAG PENTEIA A PÔLONIA DE LESTE À OESTE E DE NORTE A SUL.

ELE SE DEPAROU COM PESSOAS DE GRANDE SABEDORIA, SÁBIOS E RAV FAMOSOS. ÀS VEZES ELE PRECISA DE ALGUMAS HORAS, OUTRAS VEZES ELE PRECISA SOMENTE DE ALGUNS MINUTOS PARA PERCEBER QUE ELE ESTÁ MUITO MAIS À FRENTE DELES.

DE QUANDO EM QUANDO ELES O MANDAM EMBORA DIZENDO:

-O que mais eu posso dar-lhe, Rav Ashlag? Eu não acho que tem alguém que pode tornar-se seu professor. Peça ao Criador. Não há mais nada que você possa fazer.

RAV ASHLAG CONTINUA PEDINDO, MAS UM PROFESSOR NÃO APARECE.

DOCUMENTÁRIO DOS ANOS 1912-1914.

SOLDADOS CHINESES LIDERAM A CAPTURA DE MONGES À BALA. TIBETE É PROCLAMADO UM TERRITÓRIO CHINÊS.

UMA MULTIDÃO DE PESSOAS SOLUÇANDO NAS RUAS DE LONDRES EM LUTO PELA MORTE DE SEUS FAMILIARES NO TITANIC.

WOODROW WILSON TORNA-SE PRESIDENTE DA AMÉRICA.

CHARLIE CHAPLIN FILMA SEU PRIMEIRO FILME, “CAUGHT IN THE RAIN” – CARLITOS E A SONÂMBULA.

UM TERRORISTA SÉRVIO MATA O PRÍNCIPE FRANZ FERDINAND DA ÁUSTRIA. COMEÇA A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL.

SOLDADOS SE DEFRONTAM COM ARAME FARPADO.

UM CABO ALEMÃO JOVEM E BAIXO ESTÁ CORRENDO EM DIREÇÃO À CÂMERA E PARA ABRUPTAMENTE EM FRENTE DELA, COM UM SORRISO NO ROSTO. É O JOVEM, E AINDA ANÔNIMO:ADOLPH HITLER.

AS RUAS DE VARSÓVIA.

RAV ASHLAG VAGA ESGOTADAMENTE PELAS RUAS. ELE SENTE QUE ALGUÉM ESTÁ O OBSERVANDO. ELE ESTÁ CORRETO.

UM HOMEM VELHO DE APARÊNCIA MARCANTE O ESTÁ OBSERVANDO.

Voz do narrador:

Esta carta foi descoberta somente depois da morte de Rav Ashlag.

***

UMA CARTA VELHA E MANCHADA, SEUS LADOS AMASSADOS, APARECE DEVAGAR.

A CÂMERA SE MOVE AO LONGO DE SUAS LINHAS ORGANIZADAS DE DENSA CALIGRAFIA.

Voz do narrador:

***

Foi escrita por ele e ele ordenou que fosse destruída logo após sua morte juntamente com muitas outras cartas e composições que ele escreveu. Milagrosamente, a carta sobreviveu.

RAV ASHLAG ENTRA NUMA PEQUENA VIELA. UM HOMEM O ESTÁ SEGUINDO.

OUTRA VOLTA.

O VELHO HOMEM PERMANECE PRÓXIMO ATRÁS DELE.

Voz de Rav Ashlag:

Numa sexta-feira pela manhã, no dia 12 de Cheshvan,39 um homem veio até mim.

***

UMA BATIDA NA PORTA.

RAV ASHLAG, SUA FACE PÁLIDA DE EXAUSTÃO, ABRE A PORTA. NÓS NÃO PODEMOS VER O ROSTO DO HOMEM.

RAV ASHLAG OLHA PARA O HOMEM, E O HOMEM ENTRA PELA PORTA.

A voz de Rav Ashlag:

Ele se revelou para mim como um grande sábio e bem versado em Cabalá.

O HOMEM ENTRA NA SALA DE RAV ASHLAG. RAV ASHLAG DÁ ALGUNS PASSOS PARA TRÁS.

NÓS AINDA NÃO PODEMOS VER O ROSTO DO HOMEM.

A voz de Rav Ashlag:

E assim que ele começou a falar, eu pude sentir que suas palavras eram cheias de sabedoria Divina. Tudo o que ele disse era como uma cachoeira jorrando Sua grandeza.

***

VARSÓVIA. NOITE.

DENTRO DA PEQUENA SALA DO PROFESSOR COM UMA MESA, DUAS CADEIRAS, PAREDES VAZIAS, E UM COLCHÃO NO CHÃO.

RAV ASHLAG E SEU PROFESSOR ESTÃO SENTADOS NUMA GRANDE MESA. O PROFESSOR ESTÁ SENTADO COM AS COSTAS PARA NÓS.

RAV ASHLAG ESTÁ OUVINDO ATENTAMENTE, ABSORVENDO CADA PALAVRA DELE.

A voz do professor (suave,incolor):

A fuga40 acontece à noite, num estado de exaustão absoluta.

***

UM CLARÃO DE LUZ.

TOCHAS PISCANDO AO LONGO DE UMA CÂMARA ESCURA. UM EXAUSTO RAV ASHLAG ESTÁ SENTADO NUMA CADEIRA.

SUA CABEÇA CAI NO SEU PEITO.

A voz do professor:

Ele virá à meia-noite. Não perca a sua chegada. Ele é pequeno, mas forte; ele é afiado, portanto preciso. Ele é a resposta de suas preces. Ele é Moshe (Moisés).41

RAV ASHLAG LEVANTA A CABEÇA.

ELE VÊ O FARAÓ. O FARAÓ ESTÁ OLHANDO PARA ELE ATENTAMENTE.

A voz do professor:

“Moisés” é o seu grande desejo de libertar-se do Faraó.

***

VARSÓVIA. NOITE. A SALA DO PROFESSOR.

RAV ASHLAG E SEU PROFESSOR SENTAM-SE À MESA DE UM FRENTE PARA O OUTRO. O DEDO DO PROFESSOR FLUTUA NA ESCURIDÃO E RETRAÍ-SE DE VOLTA A ELA.

OS OLHOS DE RAV ASHLAG ESTÃO QUEIMANDO.

A voz de Rav Ashlag:

Eu tenho estudado com ele em sua casa por três meses, noite após noite, da meia-noite à aurora. A cada vez ele revelou um novo segredo para mim.

O ROSTO DO PROFESSOR PODE SER VISTO SOMENTE DO LADO DE FORA DO CÍRCULO DE LUZ FORMADO PELA LÂMPADA DE QUEROSENE.

RAV ASHLAG GENTILMENTE REDIRECIONA SEU PESO EM UMA TENTATIVA DE VÊ-LO. MAS, NÓS DE REPENTE PODEMOS VER QUE NÃO HÁ NINGUÉM SENTADO NA CADEIRA EM FRENTE A ELE. O PROFESSOR ESTÁ SENTADO SOZINHO COM SUAS COSTAS CONTRA A PAREDE, NA ESCURIDÃO, EM SEGREDO.

NÓS PODEMOS OUVIR A VOZ SUAVE E INCOLOR DO PROFESSOR:

-A oração consiste de duas partes.

UMA MÃO SEGURANDO UM LÁPIS DESENHA UM RETÂNGULO E DIVIDE EM DOIS. A PONTA DO LÁPIS APONTA PARA A PARTE DE BAIXO.

A voz do professor:

O primeiro pensamento…

O LÁPIS DESENHA UMA SETA SOBRE O RETÂNGULO ABAIXO, APONTANDO PARA CIMA.

A voz do professor:

O primeiro pensamento faz “pai e mãe42” voltarem-se face a face um com o outro.

NO RETÂNGULO SUPERIOR, O LÁPIS RAPIDAMENTE DESENHA DOIS SEMICÍRCULOS VOLTADOS UM AO OUTRO.

ESTE ESCREVE “PAI” NO SEMICÍRCULO DE CIMA, E “MÃE” NO SEMICÍRCULO ABAIXO.

A voz do professor:

O Segundo causa a união deles.43 Ambos eles ouvem a sua oração pedindo ajuda!

OS DOIS SEMICÍRCULOS MERGEM EM UM SÓ CÍRCULO DIANTE DOS OLHOS DE RAV ASHLAG.

A voz do professor:

O estado de “concepção” inicia-se instantaneamente. As águas superiores quebram-se e Moisés nasce. Esta é a força que você mereceu.

A PONTA DO LÁPIS MARCA UM PONTO ENTRE O PONTO DE ENCONTRO DOS DOIS SEMICÍRCULOS, ENTÃO PRECISAMENTE EXTENDE UMA LINHA ABAIXO.

A voz do professor:

Moisés irá pôr a força do mal para dormir. Mas somente por um curto período.

***

UM CLARÃO DE LUZ.

RAV ASHLAG OLHA NOS OLHOS DO FARAÓ, QUEM ESTÁ SENTADO OPOSTO A ELE. DE REPENTE O FARAÓ FECHA OS OLHOS.

A voz do professor (bem baixa):

Não perca Moisés. Ele está aqui somente por um momento.

UM CLARÃO DE LUZ.

UM RAIO DE LUZ PASSA ATRAVÉS DA CÂMARA SOBRE O PISO DO CHÃO, SOBRE OS PÉS DE RAV ASHLAG, E APONTA PARA A PORTA.

A voz do professor (agudamente):

Siga-o!

RAV ASHLAG LANÇA-SE DA CADEIRA DELE E CORRE PELO CORREDOR MAL ILUMINADO ATRÁS DO RAIO.

NAQUELE EXATO MOMENTO, O FARAÓ ABRE OS OLHOS. RAV ASHLAG ALCANÇA A PORTA.

O FARAÓ ABRE A BOCA EM UM RUGIDO:

-Pa-re-eeee!

RAV ASHLAG CONGELA, SEUS BRAÇOS ESTENDIDOS.

O RAIO DE LUZ PISCA E BRILHA NOS OLHOS DO FARAÓ, CEGANDO-O.

RAV ASHLAG DÁ UM MERGULHO DESESPERADO EM DIREÇÃO À PORTA E JOGA SEU PESO CONTRA ELA.

A PORTA CAI.

UM CORREDOR LONGO E ESCURO ESTENDE-SE À DIANTE.

RAV ASHLAG CORRE AO LONGO DELE, SEUS OLHOS FIXOS NO RAIO DE LUZ ZIGZAGUEANDO À FRENTE DELE.

***

***

VARSÓVIA. A SALA DO PROFESSOR.

NÓS PODEMOS VER O ROSTO DO PROFESSOR MEIO ILUMINADO, A LÂMPADA REFLETINDO EM SEUS OLHOS.

SEUS LÁBIOS ESTÃO MOVENDO-SE:

-E tudo isto está dentro de você.

UM CLARÃO DE LUZ.

RAV ASHLAG ESTÁ CORRENDO AO LONGO DO CORREDOR ESTREITO, APROXIMANDO-SE DE UMA PORTA.

ELE EXPLODE ATRAVÉS DELA PARA ENCONTRAR-SE NUMA RUA ESCURA. AS CASAS ESTÃO UMAS PRÓXIMAS DAS OUTRAS.

ELE OLHA PARA TRÁS.

O BRILHO DE TOCHAS DE LUZ RAPIDAMENTE SE APROXIMA DELE.

NA LINHA DE FRENTE NÓS PODEMOS VER A FACE FURIOSA DO FARAÓ ILUMINADA PELA TOCHA QUE ELE ESTÁ CARREGANDO.

A voz do professor:

Não pare, não pense, não tenha medo!

RAV ASHLAG VIRA-SE E COMEÇA A CORRER.

UM UIVO HEDIONDO PENETRA A ESCURIDÃO ATRÁS DELE:

-Pa-re-eee!

***

***

VARSÓVIA.

RAV ASHLAG ESTÁ ANDANDO AO LONGO DE UMA RUA ESCURA E VAZIA. ESTÁ CHOVENDO MUITO.

RAV ASHLAG ESTÁ ENCHARCADO.

ELE OLHA PARA CIMA E A CHUVA CORRE PELO SEU ROSTO. ELE ESTÁ SORRINDO.

AS LINHAS PAREADAS DA CARTA ROLAM PARA CIMA.

A voz de Rav Ashlag:

Uma vez, depois de repetidas implorações, meu professor revelou um segredo para mim. Minha alegria era sem fim.

***

VARSÓVIA. RAV ASHLAG ESTÁ CORRENDO RUA ABAIXO, SEUS PÉS PISANDO EM POÇAS, ESPRIRRANDO ÁGUA POR TODA A PARTE.

A voz de Rav Ashlag:

Daquele momento em diante eu comecei a ganhar minha independência.

***

UM CLARÃO DE LUZ.

RAV ASHLAG ESTÁ CORRENDO PELAS RUAS ESTREITAS DA CIDADE SEM VIDA. SEUS PERSEGUIDORES NÃO ESTÃO MUITO ATRÁS.

UMA RUA DESFOCA-SE EM OUTRA. MEXENDO E VIRANDO, RAV ASHLAG SEGUE O RAIO DE LUZ ATÉ QUE ELE DE REPENDE VÊ O MAR EM SUA FRENTE.

RAV ASHLAG CORRE ATÉ A PRAIA E PARA.

O RAIO DE LUZ MERGULHA NO MAR, E SOMENTE ENTÃO RAV ASHLAG PERCEBE QUE É UM MAR DE LAVA DERRETIDA.

É IMPOSSÍVEL SEQUER FICAR PRÓXIMO DELE.

AS FORÇAS DO INFERNO FORÇAM RAV ASHLAG A DAR ALGUNS PASSOS PARA TRÁS.

-Sua razão44 não irá deixá-lo ir tão facilmente, – ele ouve a voz do Professor. – Esta serve ao Faraó.

AGORA A LUZ DE MIL TOCHAS APARECE NA ESCURIDÃO POR TRÁS DELE. SEUS INIMIGOS ESTÃO SE APROXIMANDO.

-Não é fácil escapar! – a voz do Professor diz.

O RAIO DE LUZ APONTA PARA A LAVA PERSISTENTEMENTE.

-Não é fácil!

RAV ASHLAG PROTEGE O ROSTO COM AS MÃOS CONTRA O CALOR ESCALDANTE. ELE DÁ UM PASSO À FRENTE, MAS ENTÃO se RETIRA.

-Nós somos os escravos do Faraó! – a voz do Professor se torna mais alta.

O FARAÓ APROXIMA-SE.

***

***

AGORA ELE ESTÁ PISANDO NA PRAIA VAGAROSAMENTE.

ELE PODE VER QUE SUA PRESA NÃO TEM LUGAR NENHUM PARA CORRER.

-Ele é toda a nossa vida!

O FARAÓ SORRI.

-Passada em vão!

O FARAÓ ABRE OS BRAÇOS E APROXIMA-SE DE RAV ASHLAG.

DE REPENTE NÓS ESTAMOS DE VOLTA À VARSÓVIA NOVAMENTE. NOITE. A CASA DO PROFESSOR.

RAV ASHLAG CAMINHA RAPIDAMENTE NAS ESCADAS PARA O SEGUNDO ANDAR E BATE À PORTA. NINGUÉM RESPONDE.

ELE OUVE.

NADA.

AS LINHAS DA CARTA PASSAM APRESSADAMENTE.

A voz de Rav Ashlag:

À medida que meu “Eu” se engrandeceu, meu professor distanciou-se de mim, mas eu não pude sentir isso.

***

VARSÓVIA. RAV ASHLAG EMPURRA A PORTA. ESTA SE ABRE COM UM RANGIDO.

ELE ENTRA NA SALA DO PROFESSOR E OLHA AO REDOR. A SALA ESTÁ VAZIA.

A voz de Rav Ashlag:

…Até que um dia eu não o encontrei mais em casa.

UMA RAJADA DE VENTO SOPRA AS FINAS CORTINAS E JOGA DENTRO UM PEDAÇO DE PAPEL COM ALGUM DESENHO.

A voz de Rav Ashlag:

Eu procurei por ele por todos os lugares, mas ele não estava em lugar nenhum para ser encontrado.

RAV ASHLAG ESTÁ SENTADO SOZINHO NA CASA DO PROFESSOR.

***

***

UM CLARÃO DE LUZ. PRAIA.

O FARAÓ ABRAÇA RAV ASHLAG.

VARSÓVIA. RAV ASHLAG ESTÁ ANDANDO NAS RUAS SOZINHO. ELE OLHA NO ROSTO DOS TRANSEUNTES.

ESTA NÃO É A PRIMEIRA VEZ QUE ELE SAI DE CASA PELA MANHÃ E RETORNA TARDE DA NOITE.

ELE ESTÁ PROCURANDO POR SEU PROFESSOR.

TODO O SEU TRABALHO ROTINEIRO ESTÁ NUM IMPASSE: ESCREVER À NOITE, LECIONAR.

ELE MAL ESTÁ COMENDO; ELE NÃO CONSEGUE DORMIR. TRÊS SEMANAS SE PASSAM.

***

***

***

UM DIA, ENQUANTO ELE CAMINHAVA PELA RUA, COMPLETAMENTE ESGOTADO, UMA SENSAÇÃO FAMILIAR DOMINA RAV ASHLAG: ELE PODE SENTIR QUE ALGUÉM O ESTÁ OBSERVANDO. ELE VIRA PRECISAMENTE PARA OLHAR PARA O FIM DA RUA ONDE UM HOMEM ESTAVA PARADO UM MOMENTO ATRÁS.

MAS NÃO HÁ NINGUÉM.

NOITE. RAV ASHLAG ABRE A JANELA EM SEU QUARTO E NOVAMENTE VÊ A SILHUETA DE UM HOMEM PARADO NO OUTRO LADO DA RUA.

DESTA VEZ O HOMEM NÃO DESAPARECE MAS, VIRA-SE E COMEÇA IR EMBORA.

RAV ASHLAG CORRE PARA A RUA. ELE OLHA AO REDOR, MAS NÃO ENCONTRA NINGUÉM. ELE COMEÇA A CORRER NAS RUAS ESCURAS DE VARSÓVIA, OS SALTOS DE SEUS SAPATOS ECOAM ALTO NOS PARALELEPÍPEDOS VAZIOS. UM TRANSEUNTE SOZINHO PRESSIONA-SE CONTRA A PAREDE ALARMADO À MEDIDA QUE ELE PASSA POR ELE.

RAV ASHLAG SOMENTE PARA PRÓXIMO DA CASA DE SEU PROFESSOR. ELE VÊ UMA LUZ NA JANELA DO SEGUNDO ANDAR.

ELE VÔA ESCADA ACIMA E SE ATIRA ATRAVÉS DA PORTA.

O PROFESSOR ESTÁ SENTADO À MESA; SOMENTE SUAS MÃOS ESTÃO ILUMINADAS.

A voz de Rav Ashlag:

No nono dia de Nissan,45 Eu encontrei meu professor em sua casa. Eu me desculpei, profundamente, e tentei fazer remendos pelo passado.

RAV ASHLAG ESTÁ DIANTE DO PROFESSOR, CHORANDO.

A voz de Rav Ashlag:

Ele cedeu, como antes, e revelou um grande segredo de fé para mim. Minha alegria era imensurável.

O ROSTO DE RAV ASHLAG.

A MÃO DO PROFESSOR ESTÁ DESENHANDO CÍRCULOS EM UM PEDAÇO DE PAPEL.

A voz do Professor:

O círculo de fé acima da razão.

***

UM CLARÃO DE LUZ. PRAIA.

RAV ASHLAG EMPURRA O FARAÓ E VOLTA-SE PARA A LAVA SUFOCANTE.

A voz do Professor:

Fé acima da razão!46

RAV ASHLAG FECHA OS OLHOS E PULA NO FOGO.

A voz do Professor:

Você me ouviu, Rav Ashlag.

O CORPO DE RAV ASHLAG AFUNDA DEVAGAR NA ÁGUA.

***

ELE ESTÁ NADANDO EM ÁGUAS BRILHANTES.

O FARAÓ APONTA SUA MÃO PARA ELE E CENTENAS DE SOMBRAS ESCURAS PULAM ATRÁS DE RAV ASHLAG, SOMENTE PARA SEREM QUEIMADAS NA LAVA.

VARSÓVIA. A SALA DO PROFESSOR.

UM BRAÇO PÁLIDO PENDURA-SE DO LADO DA CAMA.

UM PEQUENO FRASCO COM REMÉDIO ESTÁ SOBRE UM BANQUINHO.

A CABEÇA DO PROFESSOR ESTÁ DESCANSANDO, IMÓVEL, NO TRAVESSEIRO. SEU ROSTO ESTÁ SOMBREADO.

A voz de Rav Ashlag:

Mas meu grande professor parecia estar perdendo sua força. Eu não deixei o seu lado, e no dia seguinte, no décimo dia de Nissan, seu tempo neste mundo se acabou.

O CORPO DO PROFESSOR ESTÁ DEITADO NA CAMA.

OPOSTO A ELE, BALANÇANDO PARA FRENTE E PARA TRÁS, SENTA-SE RAV ASHLAG.

***

UMA PÁGINA AMARELA DA CARTA; AS LINHAS SE TORNAM TURVAS.

A voz de Rav Ashlag:

É impossível descrever minha dor e minha angústia. Meu coração foi preenchido de esperança de merecer sabedoria suprema.

***

***

***

UM CLARÃO DE LUZ. O MAR. RAV ASHLAG ESTÁ NADANDO.

UM PEQUENO PONTO NO OCEANO SEM FIM.

–Mas ao invés aqui estou eu, sozinho e despido, sem nenhuma realização…

O NADADOR SOLITÁRIO ESTÁ PERDENDO FORÇA E ESPERANÇA À MEDIDA QUE ELE NADA MAIS E MAIS DEVAGAR.

-Até mesmo a sabedoria que eu recebi dele temporariamente evaporou-se de minha mente por causa da minha profunda dor.

SEU CORPO TORNA-SE MAIS E MAIS PESADO. SUAS MÃOS E PERNAS TORNAM-SE DORMENTES.

RAV ASHLAG COMEÇA A AFUNDAR NA ÁGUA AZUL. MAS SUA VOZ É OUVIDA:

-Meus olhos procuraram famintos a visão dos céus em grande antecipação e esperança.

RAV ASHLAG CONSEGUE OLHAR PARA FRENTE UMA ÚLTIMA VEZ.

ATRAVÉS DE SEUS OLHOS TURVOS, DE REPENTE, ELE VÊ DE RELANCE O LITORAL.

– Eu não me permiti um momento de pausa até que eu achei graça aos olhos do Criador.

VARSÓVIA. RAV ASHLAG ESTÁ ANDANDO RUA ABAIXO APRESSADAMENTE. UM VENTO FORTE ESTÁ SOPRANDO AS ABAS DE SEU CASACO.

***

DOCUMENTÁRIO POR VOLTA DE 1917: RÚSSIA, A REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO. KERENSKY E OUTROS MEMBROS DO GOVERNO PROVISÓRIO SORRIEM PARA A CÂMERA.

AMÉRICA. O PRESIDENTE DE CABELOS LISOS DA GRAVADORA “VICTROLA” APRESENTA A PRIMEIRA GRAVAÇÃO DE GRAMOFONE DA BANDA ORIGINAL DE JAZZ DIXIELAND PARA UMA MULTIDÃO APLAUDINDO.

BERLIN. ESTAÇÃO DE TREM. ALGUMAS PESSOAS PULAM NUM VAGÃO DE CARGA POUCO ANTES DAS PORTAS SE FECHAREM. E ANTES QUE SE FECHEM, NÓS TEMOS UM VISLUMBRE DO ROSTO DO JOVEM LENIN ENTRE OS PASSAGEIROS.

UMA RUA EM VARSÓVIA.

RAV ASHLAG PARA NO MEIO DA RUA E OLHA PARA UMA NUVEM CINZA NO FORMATO DE UMA ILHA PAIRANDO BAIXO SOBRE A CIDADE.

UM HOMEM CORRE DO OUTRO LADO DA RUA.

DE REPENTE ELE DIMINUI O PASSO PARA UMA CAMINHADA E FINALMENTE PARA. ELE OLHA PARA RAV ASHLAG, MAS NÃO SE APROXIMA.

O VENTO SOPRA O CHAPÉU DA CABEÇA DELE E O ROLA PARA O OUTROO LADO DA RUA. ELE TENTA PEGAR O CHAPÉU, MAS NÃO CONSEGUE.

O HOMEM DO OUTRO LADO PEGA O CHAPÉU E O ESTENDE PARA RAV ASHLAG, QUE VÊM CORRENDO ATÉ ELE.

ESTE É YAN.

Yan:              Eu não consegui decidir-me se eu deveria abordá-lo ou deixá-lo em paz com o seu Deus, mas então o seu Deus tirou o chapéu da sua cabeça e resolveu o meu dilema. Lênin está vindo à cidade. Você ouviu falar dele?

Rav Ashlag:       Eu li alguns de seus trabalhos.

Yan:              Então?

Rav Ashlag:       Ele é um homem inteligente.

Yan (sorrindo):   Inteligente?! Ele é um gênio! Você ouviu a respeito do que está acontecendo na Rússia?

Rav Ashlag:       Uma revolução.

Yan:              Um fogo está começando lá. Está iniciando-se na Rússia, e então se espalhará por todo o mundo. Você quer que eu arranje uma reunião com o Lênin para você? Agora mesmo? Entenda, essa é a sua única chance. Diga “sim”.

Rav Ashlag:       Sim.

YAN E RAV ASHLAG ENTRAM NUMA RUA LATERAL.

ELES CAMINHAM ATÉ A ENTRADA DE UMA PEQUENA CASA MODESTA. IMEDIATAMENTE ELES ESTÃO CERCADOS POR QUATRO HOMENS AUSTEROS.

Yan:              Ele está comigo.

UM DOS HOMENS COMEÇA REVISTAR RAV ASHLAG COMO SE ELE NÃO TIVESSE OUVIDO YAN.

QUANDO ELE TERMINA, ELE FICA DE LADO MANTENDO SUA EXPRESSÃO SEVERA.

O homem:          Entre.

***

UMA CASA SEGURA.

LENIN ESTÁ SENTADO ATRÁS DA MESA.

ELE ESTÁ MUITO EMOTIVO E ABERTO, IRRADIANDO UM TREMENDO CARISMA.

TODOS QUE ESTÃO NA SALA, A MAIORIA BASTANTE JOVENS, O ESTÃO OBSERVANDO COM ADMIRAÇÃO.

RAV ASHLAG DESTACA-SE COM SUA VESTIMENTA RELIGIOSA.

Lênin:            Pessoas querem ações de nós, não apenas conversa vazia. Nós devemos jogar fora o governo burguês apodrecido e levantar a bandeira da justiça e criar o primeiro estado de trabalhadores e camponeses no mundo! Esta é nossa missão,camaradas!

TODOS APLAUDEM.

Yan:              Camaradas, por favor, mantenham o tom baixo. Não se esqueçam de que nós ainda não estamos na Polônia comunista, mas num país governado por um governo burguês. Agentes policiais estão tentando farejar o camarada Lênin por toda a Varsóvia.

Lênin:            Geração após geração de pessoas oprimidas tem sonhado com tal estado. Controle sobre fábricas, plantas e terras será dado aos trabalhadores e camponeses. Nós iremos criar a nossa própria polícia e o Exército Vermelho das pessoas. Nosso partido será chamado de Partido Comunista dos Trabalhadores e Camponeses, e liderará a nobre luta por liberdade, igualdade e independência para todos os oprimidos em todo o mundo.

UM BAIXO GEMIDO DE ADMIRAÇÃO ROLA PELA MULTIDÃO. RAV ASHLAG ERGUE SUA MÃO.

Lênin:            Sim, o camarada de traje religioso…

Rav Ashlag:                  Eu acho suas ideias muito apeladoras.

Lênin (dirigindo-se a todos):

Normalmente ambos os nossos bispos e rabinos se opõem às minhas ideias!

Rav Ashlag:       Você está falando de igualdade, irmandade e amor,não há nada mais exaltado do que isso.

Lênin (dirigindo-se a todos):

Parece que existem alguns rabinos progressistas também. Eu estou ouvindo, faça a sua pergunta.

Rav Ashlag:       Minha pergunta é: Quem irá construir esta sociedade justa?

Lênin:            Os oprimidos, os que não têm nada, aqueles que sabem de primeira mão o que é injustiça.

Rav Ashlag:       O que irá acontecer com a burguesia?

Lênin:            Eles terão que dar preferência e trabalhar para o benefício do jovem estado; caso contrário nós teremos que exercitar força. Qual é o problema? Algo a respeito deste cenário incomoda você?

Rav Ashlag:       Somente o fato de que isso levará à maior derramamento de sangue e maior injustiça.

Lênin:            Bem, eu ouvi isso muitas vezes e eu chamo isso de covardia e especulação vazia.

Yan (sussurra para Rav Ashlag):

Cala a boca!

Rav Ashlag:       Cedo ou tarde, os seus trabalhadores e camponeses irão começar a roubar, matar e odiar. Não imediatamente, mas tudo inevitavelmente irá chegar a isso.

Lênin:            Besteira! Nós devemos erguer um novo sistema educacional, baseado nos valores comunistas, e exemplos de igualdade e justiça.

Rav Ashlag:       Não existe nenhum, e não poderá haver justiça nesta terra.

Lênin:            Então é assim?

Rav Ashlag:       O homem é egoísta por natureza. A interferência de outro tipo de força é necessária para transformá-lo.

Lênin:            É essa força Deus?

Rav Ashlag:       Você pode chamá-la de Deus se você gostar. Eu prefiro chamá-la de lei superior de justiça. Ou de lei suprema do amor. Isso existe. Nós estamos cercados por ela. É a lei fundamental de toda a criação. Você somente precisa saber como chamá-la, só isso.

Lênin:            Como você sabe disso?

Rav Ashlag:       Eu sei.

Lênin:            Você leu a respeito disso em algum lugar?

Rav Ashlag:       Existe um livro que fala sobre este mesmo conceito,O livro do Zohar.

Lênin:            De-nos o livro, nós queremos lê-lo.

Rav Ashlag:       Ele requer preparação preliminar.

Lênin:            Um longo preparo?

Rav Ashlag:       Alguns anos.

Lênin:            Eu tenho boa educação, meu querido, e eu tentarei entender.

Rav Ashlag:  É impossível, a mente não é o instrumento que pode fazê-lo.

Lênin: Então qual é o instrumento?

Rav Ashlag:       O coração. Você tem que preparar seu coração para ler este livro. Da mesma maneira que você tem que preparar o seu coração para liderar um governo.

Lênin:            O que eu terei que fazer?

Rav Ashlag:       Corrigir o seu coração, fazê-lo altruísta e amável. Uma pessoa não pode fazê-lo por si mesma, mas existe um método pelo qual a pessoa pode invocar outras forças para fazer a correção.

Lênin:            Bem, eu suponho que nós temos que ir à diante.(Volta-se para Yan) Sim?

Yan:              Sim, é chegada a hora, camarada Lênin.

Lênin (levanta-se e dirige-se à Rav Ashlag):

Meu querido rabino, eu sou um ateísta jurado e não acredito em nenhuma força superior ou nenhuma lei superior. Nós vamos erguer o novo homem por nós mesmos – sem a sua lei superior.

Rav Ashlag:       Você falhará.

Lênin (pegando o chapéu dele sobre a mesa):

Meu querido,visite-nos em dez anos e você verá.

Rav Ashlag:       Você derramará muito sangue, e essa grande ideia será desvalorizada por um longo tempo. Por favor, escute!

LENIN OLHA AO REDOR, NÃO MAIS OUVINDO A ELE.

RAV ASHLAG LEVANTA-SE, TENTANDO PRENDER A ATENÇÃO DE LENIN SOMENTE POR MAIS UM POUCO.

Rav Ashlag:       Isto será um experimento terrível!

Lênin:            Infelizmente eu estou com pressa. Até logo. Por favor, deixe seu contato com Yan então quem sabe possamos ter uma chance de nos falar novamente… talvez… algum dia…

ELE APERTA A MÃO RAV ASHLAG E ELES DIZEM ADEUS UM AO OUTRO. IMEDIATAMENTE UM GRUPO DE PESSOAS CERCA LENIN. UM DELES ESCONDE O ROSTO DEBAIXO DE UMA ATADURA PARA DOR DE DENTE.

LENIN ACENA PARA TODOS E SAI DO APARTAMENTO SEGUIDO POR UM GRUPO DE HOMENS.

YAN ABORDA RAV ASHLAG.

Yan:              Tamanha lástima. Você teve a chance de escutar o maior dos homens de nosso tempo.

Rav Ashlag:       É uma lástima que ele não me ouviu.

Yan:              Você tem uma autoestima agigantada. Eu acho que este foi o nosso último encontro.

Rav Ashlag:       É uma pena que ele não pôde ouvir o que eu estava dizendo. Eu não tive tempo de explicar. Eu queria dizer-lhe tanto.

Yan:              Ele não necessita de seus sermões!

Rav Ashlag:            Não se deve colher a fruta verde, Yankele, você deve deixá-la amadurecer! As pessoas precisam ter um desejo de mudança e então tudo será possível.

Yan (rispidamente): A revolução não pode esperar! Isso é certo. E também, eu não sou Yankele, meu nome é Yan. Lembre-se disso. Eu acho que você pode achar o caminho da saída por si mesmo. Eu ficarei. Adeus, sua triste vítima da religião. Talvez um dia nós nos encontraremos novamente.(Afasta-se sem apertar a mão de Rav Ashlag.)

***

UM FLUXO DE DOCUMENTÁRIOS APARECE.

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917. O ASSALTO AO PALÁCIO DE INVERNO. LENIN FAZENDO UM DISCURSO DIANTE DE UMA ENORME REUNIÃO DE PESSOAS. TROTSKY ESTÁ CAVALGANDO UM GARANHÃO BRANCO EM FRENTE ÀS TROPAS QUE O APLAUDEM. O INÍCIO DA GUERRA CÍVIL. A EXECUÇÃO DO KSAR, SUA ESPOSA, E CINCO FILHOS. MAIS EXECUÇÕES NAS PRAÇAS PÚBLICAS DAS PRINCIPAIS CIDADES DA RÚSSIA. UMA FOME TERRÍVEL NA UCRÂNIA. O OLHAR SILENCIOSO DE LENIN DIRETAMENTE PARA A CÂMERA. ATRÁS DE SUAS COSTAS, UM JOVEM STALIN ESTÁ EM PÉ.

VARSÓVIA. A SALA DE RAV ASHLAG.

Rav Ashlag (virando-se da mesa):

Rivka!

RIVKA ENTRA E NÓS PODEMOS VER QUE A FAMÍLIA ASHLAG ESTÁ ESPERANDO MAIS UMA CRIANÇA.

Rav Ashlag:       Rivka, comece a fazer as malas. Nós estamos indo para a Terra de Israel.

Rivka (confusa):  Mas…

Rav Ashlag:       Eu quero que partamos o mais breve possível.

Rivka:            Você irá deixar seus alunos?

Rav Ashlag:       Eles irão comigo.

Rivka:            Com famílias, filhos, esposas?

Rav Ashlag:       Eu vou explicar a eles porque eles têm que partir, e eles irão entender.

Rivka:            Eu estou no sétimo mês, Yehuda.

Rav Ashlag:       Eu sei que você pode aguentar.

Rivka (uma pausa, uma tentativa de entender o que está acontecendo): Isso pode esperar?

Rav Ashlag:       Isso não pode esperar. Você vem comigo?

Rivka:            Eles não vão deixá-lo ir. Você é o mediador deles. Você é o professor deles.

Rav Ashlag:       Não são eles que decidem se eu devo partir. Eu tenho um trabalho importante para fazer na terra de Israel.

Rivka:            Yehuda…

Rav Ashlag (interrompendo ela):

Se eu não for, eu morrerei.

Rivka (irritada):

Você está dizendo isso para mim de propósito!

Rav Ashlag:       Eu fiz tudo o que eu podia fazer aqui. Você virá comigo?!

Rivka:            E as crianças?

Rav Ashlag:       Nós os levaremos conosco.

Rivka:            Não, nós não podemos. A jornada é dura.

Rav Ashlag:       Como você quiser.

Rivka:            Yehuda, nós apenas começamos a assentar raízes e eu pensei…

Rav Ashlag (interrompendo ela):

Quanto tempo você precisa para se aprontar?

RIVKA ESTÁ QUIETA.

Rav Ashlag:       Rivka?

Rivka (levanta a cabeça e olha diretamente nos olhos de seu marido):

Eu estou pronta. Eu deixarei as crianças com meus pais. Somente Baruch Shalom virá conosco.

***

A CORTE RABÍNICA.

DEZ RABINOS ESTÃO SENTADOS OPOSTOS À RAV ASHLAG ATRAS DE UMA LONGA MESA. SHMUEL, O PROFESSOR, ESTÁ ENTRE ELES.

ELES ESTÃO FALANDO QUIETAMENTE ENTRE ELES.

Rav Epstein:      Nós recebemos um boletim que 300 famílias concordaram em partir com você….

Rav Ashlag:       Está correto.

Rav Epstein:      E que você fretou um navio na Suíça para levar todos vocês para a Terra de Israel.

Rav Ashlag:       Sim, tudo está pronto. Tudo o que é preciso agora é a sua decisão.

Rav Epstein (consulta novamente os rabinos sentados próximos a ele, finalmente volta-se para Rav Ashlag):

Honorável Rav Yehuda Leib Halevi Ashlag, nós decidimos dizer lhe uma coisa: Um mediador, um professor, não pode deixar sua comunidade para imigrar livremente para a terra de Israel.

Você tem que permanecer aqui. Este é o veredito da corte rabínica, e eu aconselho a acatá-la e retratar a sua decisão.

Rav Ashlag:       Eu não posso fazer isso porque eu não sou senhor de mim mesmo.

Eu devo partir daqui e eu devo avisá-los que eu farei tudo o que eu puder para levar o maior número pessoas possível comigo. Se estivesse em meu poder, eu levaria comigo até o último de todos vocês.

SHMUEL, O PROFESSOR, LEVANTA-SE E OLHA AO REDOR PARA AS PESSOAS NA SALA.

Professor Shmuel:

Vocês estão encarando o destruidor de nossa comunidade. Eu já lhes falei centenas de vezes.

Rav Ashlag:       Os judeus precisam deixar a Europa o mais breve possível. Se eles não o fizerem, eles perecerão e trarão indizível sofrimento para todos.

Rav Zilber:       Nossa comunidade é mais forte do que jamais foi. Há três milhões de nós, judeus; nós somos uma força a ser reconhecida!

Rav Epstein:      Por que nós temos sempre que nadar contra a corrente?! Quem precisa desses conflitos sem fim? Você não pode domar este seu orgulho que não lhe traz nada além de destruição?!

Rav Ashlag:       Como eu posso explicar isso a vocês?!

Professor Shmuel: O quê?! Explicar o quê?! O seu ódio contra nós, contra nossas leis, contra a nossa Torá?!

Rav Ashlag:       Nós judeus estamos ocultando a Luz do mundo. O mundo não nos deixará continuar a viver da maneira que vivemos.

RAV ASHLAG FICA SILENCIOSO. ELE OLHA PARA TODOS ELES, UM DE CADA VEZ. NO SILÊNCIO, NÓS PODEMOS OUVIR A VOZ DE SHMUEL.

Professor Shmuel: Você precisa de mais provas? Um criminoso está diante de nós e deve ser trazido à justiça.

Rav Zilber:       Rav Ashlag, por favor, espere no corredor para a nossa decisão final. Nós temos que ponderar sobre o que você disse.

***

RAV ASHLAG SAI DA SALA.

ELE ENCONTRA-SE SOZINHO NUM LONGO CORREDOR VAZIO.

UM MÚRMURIO DE VOZES VEM DETRÁS DAS PORTAS FECHADAS.

RAV ASHLAG SAI DA PORTA. ANDANDO DEVAGAR, ELE COMEÇA A FALAR CONSIGO MESMO. ELE ESTÁ ANDANDO E ACENANDO SUAS MÃOS NO AR.

AS PORTAS SE ABREM E SHMUEL, RABINO ZILBER, RABINO EPSTEIN, E OS OUTROS ESTÃO NA ENTRADA, OBSERVANDO ELE.

RAV ASHLAG VOLTA-SE E OS VÊ OLHANDO PARA ELE.

Rav Zilber:       Entre, Rav Ashlag.

***

A SALA DA CORTE RABÍNICA.

RAV ASHLAG ENCARANDO OS RABINOS.

Rav Ashlag:       Eu gostaria que vocês ouvissem o que eu tenho a dizer, então eu queria acrescentar ao que eu tenho dito…

Rav Zilber:       Não é necessário. Por decisão da Corte Rabínica você será aqui excomungado. Deste momento em diante, ninguém tem permissão para falar com você. Amanhã nós iremos colher todas as noventa assinaturas dos membros do conselho, e a decisão será levada a toda Polônia. Você pode ir.

Rav Ashlag:       Vocês estão sentenciando incontáveis pessoas a sofrimentos terríveis. Vocês estão se responsabilizando pelo que irá acontecer.

Professor Shmuel: Por que deveríamos lhe escutar? Já lhe foi dito para ir embora, então saia! Fora!

***

AS RUAS DE VARSÓVIA.

PESSOAS ESTÃO PASSANDO POR RAV ASHLAG.

ELE OLHA NOS OLHOS DELAS COMO SE QUISESSE DIZER-LHES ALGO OU DIZER ADEUS.

ELE ANDA EM DIREÇÃO A CASA.

OS PAIS DE RIVKA VÊM ATÉ A PORTA.

O PAI DE RIVKA ESTÁ SEGURANDO DUAS CRIANÇAS PEQUENAS PELAS MÃOS. ELES SÃO O FILHO E A FILHA DE RAV ASHLAG – DAVID E BRACHA.

A MÃE DE RIVKA ESTÁ CHORANDO QUIETAMENTE NUM LENÇO. ELES PASSAM POR ELE EM SILÊNCIO.

RAV ASHLAG OS SEGUE COM OS OLHOS.

DE REPENTE, O PAI DE RIVKA PARA DE ANDAR E VOLTA-SE PARA GRITAR AO RAV ASHLAG:

-Você destruiu a vida dela! Você não se importa com seus próprios filhos! Você não é um judeu; você é um monstro! Nós estamos apagando você de nossa memória. Nós não tivemos uma filha e você nunca existiu para nós. É isso!

A MÃE DE RIVKA ESTÁ AOS PRANTOS AGORA. O PAI DE RIVKA ORDENA QUE ELA O SIGA. A MÃE DE RIVKA CONSEGUE DIZER:

-Por favor, tenha pena dela… mesmo que um pouco.

RAV ASHLAG ENTRA NA CASA DELE. PAREDES VAZIAS, SALA VAZIA.

NO CENTRO DA SALA ESTÁ UMA PEQUENA PILHA DOS SEUS PERTENCES RESTANTES; O FILHO MAIS VELHO, BARUCH, ESTÁ DORMINDO NO TOPO DELA.

RIVKA LEVANTA-SE PARA CUMPRIMENTAR O SEU MARIDO.

Rivka:            Eu consegui vender tudo. Por centavos, claro, mas ainda… Nós estamos prontos agora. (Ela olha o rosto de Yehuda.) Você parece estranho.

Rav Ashlag:       Eu não pude explicar nada a eles.

Rivka:            David e Bracha ficarão com meus pais por enquanto. Eles queriam tanto juntar-se a nós, mas como nós poderíamos levá- los?!

Rav Ashlag:       Não se preocupe. Nós os buscaremos, assim que nos fixarmos.

Rivka:            Ainda assim, eles realmente queriam tanto vir conosco!

Rav Ashlag (emaranhado em seus pensamentos):

Eu não posso explicar nada a ninguém – nem aos meus amigos, nem aos meus inimigos, nem aos professores. Ninguém.

Rivka:            Eu não consigo suportar deixar as crianças aqui.

Rav Ashlag:       Eles não me ouvem. Como eu posso explicar isso a eles.

Rivka:            Eu tenho um mau pressentimento sobre eles, Yehuda.

Rav Ashlag:       Eles não creem em mim. É como se eu tivesse atingido uma parede.

RIVKA OLHA PARA ELE EM SILÊNCIO.

Rav Ashlag:       Como eu posso explicar isso a eles? Como?!

RIVKA DÁ UM PASSO PRÓXIMO A ELE. ELA TENTA ENCONTRAR SEUS OLHOS. ELA SUSPIRA E QUIETAMENTE DIZ:

-Você explicou tudo. Foram eles que não quiseram lhe ouvir.

RAV ASHLAG VÊ O ROSTO DE RIVKA.

ELA ACENA COM A CABEÇA E TENTA CONFORTÁ-LO.

-Eu encontrei os seus pais na entrada, ele diz de repente.

-Eles são pessoas simples, não fique bravo com eles,responde Rivka.

-Eu não estou bravo. Eu os compreendo.

ELE DÁ MAIS UNS PASSOS ENTRANDO NA SALA E OLHA PARA AS PAREDES VAZIAS. RIVKA DEBRUÇA-SE SOBRE A PEQUENA TROUXA DELES E APERTA MAIS ALGUNS NÓS. ELA PERCEBE UMA PEQUENA BONECA DE PANO ESFARRAPADA NO CHÃO. ELA PEGA A BONECA E A EXAMINA.

DE REPENTE ELA SE ENDIREITA E DIZ:

-Você está dizendo que eles não o ouviram. Eles não poderiam ouvi-lo.

RAV ASHLAG VIRA-SE PARA OLHAR PARA RIVKA.

-Você tem que entendê-los. Eles estão vivendo neste mundo, eles tem desejos pequenos, simples, deste mundo: trabalhar, rezar, ter família, filhos, netos, abraçar uns aos outros como eles tem feito por séculos, assim como o Criador nos comandou. E você quer tirar isso deles.

OS OLHOS DE RIVKA ENCHEM-SE DE LÁGRIMAS.

-Eles estão corretos por não quererem render a você a única coisa que eles têm. Eu sinto muito. Desculpe-me por dizer isso a você, mas eles são pequenos, pessoas comuns, e você é um gigante comparado a eles. Eles jamais irão lhe entender; eles não podem entender suas palavras. Não é possível que se unão ao Criador, Yehuda. Deixem que fiquem. Desculpe-me por não estar ao seu lado nisso.

SILÊNCIO PAIRA NA SALA.

NÓS SOMENTE PODEMOS OUVIR A RESPIRAÇÃO TRABALHOSA DE RIVKA. ELA MAL SE SEGURA PARA NÃO EXPLODIR EM LÁGRIMAS.

Rav Ashlag:       Você se arrepende de ter se casado comigo?

Rivka:            Eu nunca, jamais me arrependerei por isso.

RAV ASHLAG DÁ UM PASSO EM DIREÇÃO A ELA, A ABRAÇA, E ASSIM ELES FICAM NO MEIO DA SALA VAZIA.

UMA TARDE QUIETA ATRÁS DA JANELA ABERTA.

RIVKA ACALMA-SE NOS BRAÇOS DE SEU MARIDO E PRESSIONA-SE CONTRA ELE.

UMA BATIDA NA PORTA.

OS ALUNOS DE RAV ASHLAG, TANTO JOVENS QUANTO VELHOS JUDEUS, CUIDADOSAMENTE ENTRAM NA SALA. RIVKA SAI.

OS ALUNOS ESTÃO PARADOS LÁ TENTANDO EVITAR O OLHAR DE RAV ASHLAG. NO FUNDO DO GRUPO CHAIM E AARON SE ESCONDEM.

Aluno idoso:      Nós viemos lhe dizer que não podemos partir com você… para a Terra de Israel.

RAV ASHLAG OS OBSERVA SILENCIOSAMENTE.

Aluno idoso:      Nós cremos em você, e você é um grande professor, mas nós não podemos ir contra a decisão da comunidade.

RAV ASHLAG SACODE A CABEÇA. ELE PERMANECE EM SILÊNCIO POR UM LONGO PERÍODO.

Vozes:            Nos perdoe.

Rav Ashlag:       Eu não posso força-los a partir. Se eu pudesse, eu me colocaria de joelhos e imploraria para irem comigo. Mas eu sei que vocês não irão me ouvir. O Criador selou seus ouvidos com cera. (Silêncio) Todos nós teremos que sofrer terrivelmente!

Vocês me escutam?

Vozes:            Sim, nós o escutamos.

Rav Ashlag:       E vocês não creem em mim, ou creem?

Vozes:            Nós cremos.

Rav Ashlag:       E mesmo assim vocês não virão?

Aluno idoso:      Como podemos partir? Nossos familiares estão aqui, nós somos muito apegados uns aos outros. Você sabe como é isso entre nós judeus.

Rav Ashlag:       Sim, judeus, infelizes judeus… (para Aaron e Chaim) Por que vocês dois estão se escondendo atrás deles?

AARON E CHAIM PERMANECEM COM A LÍNGUA PRESA, SEM SE ATREVER A ENCONTRAR COM OS OLHOS DE RAV ASHLAG.

DE REPENTE CHAIM SACODE A CABEÇA DECIDIDAMENTE.

Chaim:            Eu irei!

TODOS SE VOLTAM PARA ELE.

ELE APERTA SUAS MÃOS EM PUNHOS E A ACENA NO AR GRITANDO:

Sim, eu irei! Vou deixar este lugar! Eu partirei com o nosso professor, e vocês podem ficar aqui se quiserem! (Ele olha para todos) Eu irei! Sim, eu irei!

ELE PUXA AARON PELA MANGA.

Chaim:            Aaron! Vamos!

Aluno idoso:      Aaron não irá para lugar nenhum.

Chaim:            Aaron, não dê ouvido a ninguém!

Aluno idoso:      Aaron, você ficará, Uma só palavra sua e você sabe o que irá acontecer; você não verá um centavo da fortuna de seu tio. Nós doaremos tudo aos pedintes da cidade. Você compreende?

Chaim:            Aaron, nós iremos!

Aluno idoso:      Não, você ficará.

Chaim:            Você se arrependerá, Aaron!

Aaron (suspirando pesado):

Eu não posso.

Chaim:            Você se tornará um milionário, Aaron, mas o mais infeliz milionário tudo porque você não se juntou ao Rav Ashlag.

Rav Ashlag:       Chaim, corra para casa para fazer as malas, eu o estarei esperando em duas horas. (Ele olha para todos) Somente não amaldiçoem ao Criador quando Ele vier para vocês.

***

TARDE. UMA RUA SEM ASFALTO EM VARSÓVIA.

UMA CARROÇA MOVENDO-SE DEVAGAR CARREGA RAV ASHLAG E RIVKA, O FILHO DELES,BARUCH, E UM DESPREOCUPADO CHAIM COM UMA GARRAFA DE VODKA NAS MÃOS. DE VEZ EM QUANDO, CHAIM TOMA UM GOLE, ESTREMECE, E EMPURRA PARA BAIXO COM UM PEDAÇO DE PÃO E CEBOLAS.

PESSOAS ESTÃO OLHANDO PARA ELES. ALGUÉM PARA, OUTRO APONTA O DEDO PARA ELES, OUTROS SAEM DO CAMINHO.

O COCHEIRO ESTÁ QUIETO.

Chaim:            Adeus, Varsóvia, adeus para sempre! Nós estamos indo para a Terra de Israel!

RAV ASHLAG TIRA A GARRAFA DELE,TOMA UM GOLE, E PASSA PARA O SEU FILHO. BARUCH TAMBÉM BEBE, COM UMA CARETA, E PASSA A GARRFA AO COCHEIRO. O COCHEIRO TOMA O ÚLTIMO GOLE E DÁ UM GRANIDO DE PRAZER.

RIVKA ESTÁ OLHANDO PARA ELES COM UM SORRISO.

Rav Ashlag (para o cocheiro):

Como você pode estar tão quieto hoje?

O cocheiro: Eu não sei o que recitar para tal ocasião.

Rav Ashlag:       Não há lugar para tristeza se você está conectado ao criador. Lembre-se das palavras de seu filho, Moshe: “O Criador,é um, único e unificado. Somente o bem vem Dele”.

O cocheiro: Eu me sinto bem quando estou com você.

Chaim (num discurso enrolado): Bem, venha conosco então!

O cocheiro:       Eu não posso. Eu não posso deixar Moshe para trás. Eu reservei um lugar próximo a ele. Ele está frio deitado lá sozinho.

O COCHEIRO PUXA AS RÉDEAS E ALEGREMENTE GRITA COM O CAVALO. DE REPENTE ELE COMEÇA A RECITAR.

  • “Quem observa o vento, não semeará e aquele que olha para as nuvens não colherá”…

RAV ASHLAG JUNTA-SE A ELE E AGORA AMBOS ESTÃO RECITANDO AS PALAVRAS DO ECLESIASTES MELODICAMENTE, MEXENDO AS MÃOS NO RÍTMO:

  • “Semeie sua semente pela manhã e não seja ocioso à noite”…

CHAIM JUNTA-SE A ELES. ELE PULA DA CARROÇA QUE SE MOVE LENTAMENTE E TROTA PRÓXIMO A ELA, OBSERVANDO OS LÁBIOS DE RAV ASHLAG À MEDIDA QUE ELE FORMA CADA SÍLABA.

TODOS OS TRÊS ESTÃO REPETINDO COM ALEGRIA.

  • “A luz é agradável e é bom para os olhos ver o sol. Na verdade, se um homem viver muitos anos, deixe-o regozijar-se em todos eles, e deixe-o lembrar dos dias de trevas, porque serão muitos. Tudo o que está por vir será futilidade”.

NUMA RUA ESBURACADA, A CARROÇA BALANÇA PASSANDO A FLORESTA.

OS LONGOS BRAÇOS DE RAV ASHLAG ESTÃO DESCANÇANDO NA BORDA DA CARROÇA, E UM LARGO SORRISO ADORNA O ROSTO DO COCHEIRO.

CHAIM PULA AO REDOR DA CARROÇA NUMA DANÇA HASSÍDICA; NUM MOMENTO ELE ESTÁ COORRENDO À FRENTE, NUM OUTRO ELE ESTÁ TRILHANDO ATRÁS.

AGORA ELE FAZ PARADA PRÓXIMO À RAV ASHLAG.

DE REPENTE, O COCHEIRO PUXA PRECISAMENTE AS RÉDEAS.

O cocheiro: Upaa!

UM HOMEM BAIXO VEM DA FLORESTA E PARA NO MEIO DA ESTRADA, SEGURANDO FIRME UMA PEQUENA TROUXA ENROLADA EM PANO.

RAV ASHLAG ESFORÇA-SE PARA VER O ROSTO DO ESTRANHO, PULA DA CARROÇA, E ANDA ATÉ ELE.

É O VELHO BARUCH. RAV ASHLAG O ABORDA.

BARUCH ESTÁ OBSERVANDO RAV ASHLAG ZANGADAMENTE.

Baruch:           Leve isso com você.

ELE ENTREGA A TROUXA PARA RAV ASHLAG.

Rav Ashlag:       O que é isso?

Baruch:           Este é O Livro do Zohar. Tem quase trezentos anos. Este é um livro que pertenceu ao meu professor o Rabino de Kotzk. Não tem preço. Você pode vendê-lo se a situação ficar difícil.

Rav Ashlag:       Obrigada, mestre.

Baruch:           Nós não nos veremos novamente.

ELE VIRA-SE E DESAPARECE NA FLORESTA.

***

***

DOCUMENTÁRIO DE 1920.

UM NAVIO, SUPERLOTADO ESTÁ BALANÇANDO SOBRE AS ONDAS DO MEDITERRÂNEO, EM DIREÇÃO À TERRA DE ISRAEL.

NOITE. AS ESTRELAS ESTÃO BRILHANDO NAS ONDAS ESCURAS.

OS ASHLAGS E CHAIM ESTÃO AMONTOADOS JUNTOS NO CONVÉS ABARROTADO.

RAV ASHLAG ESTÁ DEITADO OS OBSERVANDO, SEUS BRAÇOS SOB SUA CABEÇA. DE REPENTE A MÃO DE RIVKA O TOCA.

Rivka (sussurra): Está começando.

RAV ASHLAG ACORDA BARUCH E CHAIM.

Rav Ashlag:       Procure um médico ou um paramédico – rápido!

BARUCH SHALOM CORRE PARA PONTE DO CAPITÃO; CHAIM CORRE PARA O CONVÉS INFERIOR.

NÓS PODEMOS VER BARUCH GESTICULANDO FRENETICAMENTE PARA O OFICIAL DE NAVEGAÇÃO, MAS O HOMEM BALANÇA A CABEÇA NEGATIVAMENTE.

RIVKA OLHA PARA O SEU MARIDO.

SEU ROSTO É UMA MÁSCARA DE DOR E RESIGNAÇÃO.

RAV ASHLAG A ABRAÇA, PRESSIONANDO-A CONTRA ELE. ELA ESTÁ GEMENDO QUIETAMENTE.

BARUCH E CHAIM VOLTAM CORRENDO QUASE AO MESMO TEMPO.

Baruch:           Não há um médico a bordo!

Chaim:            Não há ninguém que possa ajudar!

RIVKA EMPURRA TODOS BRUSCAMENTE E OLHA PARA BAIXO.

Rivka (através da dor):

Tire eles daqui, Yehuda! Agora!

AS ROUPAS DE CHAIM VÔAM PELO AR E CAEM NO CONVÉS. AS TROUXAS DOS ASHLAGS ESTÃO VAZIAS.

RAPIDAMENTE, CHAIM E BARUCH CONSTROEM UMA TENDA AO REDOR DE RAV ASHLAG E RIVKA FEITA DE LENÇÓIS, CAMISAS, SAIAS E CALÇAS.

RAV ASHLAG ESTICA SUA CABEÇA PARA FORA POR UM MOMENTO.

Rav Ashlag:       Água quente, rápido!

BARUCH CORRE PARA BUSCAR ÁGUA.

Chaim:            Mas como… Você nunca fez isso antes.

Rav Ashlag (calmamente):

Receber vida não é uma tarefa tão difícil. Viver, agora sim, é onde você precisa de habilidade de verdade.

RIVKA ESTÁ GEMENDO DENTRO DA TENDA.

BARUCH CORRE DE VOLTA COM UM BALDE DE ÁGUA QUENTE. RAV ASHLAG DOBRA SUAS MANGAS.

Rav Ashlag:       É isso aí, meninos; deem uma volta ou duas. Em breve a nossa filha nascerá.

ELE MERGULHA NA TENDA.

O ROSTO DE RIVKA ESTÁ PÁLIDO.

OS OLHOS DELA SEGUEM CADA MOVIMENTO DE SEU MARIDO. ENORMES GOTAS DE SUOR SE CONDENSAM NA TESTA DELA.

RAV ASHLAG GENTILMENTE LIMPA A TESTA DELA COM UMA TOALHA.

LÁ FORA, CHAIM E BARUCH ESTÃO ANDANDO EM CÍRCULOS SOB O CÉU ACESO PELAS ESTRELAS.

DENTRO DA TENDA, RIVKA ESTÁ MORDENDO UMA TOALHA DOBRADA PARA SUFOCAR OS GRITOS, OS OLHOS DELA ESTÃO CHEIOS DE DOR.

AS ONDAS TROVEJAM E SE QUEBRAM CONTRA O LADO DO VELHO NAVIO. A LUA CHEIA PENDURA-SE SOBRE AS ÁGUAS.

DE REPENTE NÓS OUVIMOS O CHORO DE UMA RESCÉM-NASCIDA. RIVKA ESTÁ CHORANDO DE DOR E ALEGRIA.

Rav Ashlag (balançando a recém-nascida em seus braços):

Bem, olá, Bat Sheva!

Rivka (quietamente, com amor):

Bat Sheva.

***

O NAVIO BALANÇA FORTE COM AS ONDAS.

AMARRADO AO MASTRO, UM BERÇO IMPROVISADO FEITO DE TRAPOS, ESTÁ BALANÇANDO DE UM LADO PARA O OUTRO.

RIVKA ESTÁ DORMINDO PERTO DELE.

RAV ASHLAG ESTÁ SENTADO A POUCOS METROS DE DISTÂNCIA. NA FRENTE DELES – CHAIM E BARUCH.

Rav Ashlag (explicando ao Baruch):

O nome, Israel, é feito de duas palavras – Yashar (direto) e El (Deus), significando direto em direção ao Criador. Somente aqueles que desejam encontrar o Criador moram nesta terra.

Baruch:           E aqueles que não desejam?

Rav Ashlag:       Eles simplesmente não podem viver nela.

Baruch:           Mas há muitas pessoas vivendo lá.

Rav Ashlag:       Não, não há.

Baruch:           Eu não entendo, muitos tipos de pessoas vivem lá agora mesmo.

Rav Ashlag:       Baruch, deixe eu lhe dar um exemplo. Vamos pegar duas pessoas que estão andando numa mesma rua. Para uma delas, essa é uma rua de pedras, um asfaltamento cheio de poças sujas, com pobres pedindo nas esquinas. Mas para a outra, essa é uma estrada que leva ao Criador. Bem, diga-me, estão elas andando na mesma rua ou não?

Baruch:           Claramente que elas não estão. Aquele que está procurando pelo Criador vê diante dele a rua mais bonita e cheia de luz em todo o mundo.

Rav Ashlag:       Assim é essa terra. É muito bonita, cheia de luz, florescendo, e abundante. A Terra de Israel é um desejo de estar ao lado do Criador – é uma terra interior.

RIVKA ABRE OS OLHOS E SORRI PARA SEU MARIDO. ELA NUNCA O VIU TÃO INSPIRADO.

Baruch:           A Terra de Israel também está dentro de mim?

Rav Ashlag:       Cada indivíduo tem essa terra dentro dele.

Baruch:           Então essa terra é para todo mundo?

Rav Ashlag:       Sim, ela é.

Baruch:           Para cada um e para todos?

Rav Ashlag:       Para todas as pessoas.

Baruch:           E não somente para os judeus?

Rav Ashlag:       Para judeus e não judeus, pretos, brancos, amarelos, e vermelhos. É para todos.

Baruch:           Então, um dia todo o mundo virá para a Terra de Israel?

Rav Ashlag:       Precisamente. Toda pessoa que desejar encontrar o Criador irá morar neste país.

Baruch:           Então por que estamos indo lá, se essa terra está dentro de cada um de nós?

Rav Ashlag:       Porque estamos ficando sem tempo. Nós não podemos esperar. Nós fomos marcados pelo Criador, e não podemos evitar isso. Nós queremos encontrar a Terra de Israel espiritual enquanto vivendo no ponto geográfico chamado de “a Terra de Israel”.

Ela nos dará forças adicionais, sim dará!

Baruch:           Eu gostaria que isso já tivesse acontecido.

32 Em hebraico, tanto “Rav” e “Rabino” podem ser usados como um título antes do nome de alguém. Mas desde que o termo “rabino” tem uma conotação mais ortodoxa do que “Rav”, o último será usado aqui para denotar rabinos que também são conhecidos como Cabalistas. As exceções são os Cabalistas que já são conhecidos como rabinos, como Rabino Shimon Bar Yochai e Rabino Akiva.

33 Uma pessoa deixa a arca quando os pensamentos puros com que ele viveu até o momento o preparam para o nascimento, depois de nove meses e um dia. Isto não se refere ao tempo físico, mas à um estado espiritual: Uma pessoa contempla doação e amor, vive nesses pensamentos como um feto no útero, e fica mais forte. Quando a estrutura inicial da alma é concebida, é hora de deixar a arca e trabalhar (receber) com os desejos egoístas, que até agora têm sido colocados de lado.

34 Uma descida é uma perda de contato com a espiritualidade. Isto acontece quando uma nova porção de egoísmo é adicionado à uma pessoa, que deve agora ser tratada e corrigida. A nossa missão é encurtar a duração dessas descidas, tanto quanto possível, mas elas não podem ser evitadas.

35 Faraó é a força egoísta de amor próprio que governa uma pessoa.

36 Uma pessoa que vê o Faraó é aquele que sente aquela força dentro de si, e a si próprio como um servo daquela força. Derrotar o Faraó significa direcionar as forças internas à uma direção de doação e amor, ao invés de  gratificação  pessoal. Quando isso acontece o Criador tomará o lugar do Faraó dentro dessa pessoa.

37 Rav Baruch Shalom, o Rabash, o primogênito de Rav Yehuda Ashlag e seu sucessor. Rabash foi autorizado a transmitir os princípios do trabalho espiritual, que foi, até agora, apenas transmitidos oralmente por meio de cartas pessoais. O grupo de Cabalá Bnei Baruch (filhos de Baruch), é nomeado em sua homenagem.

38 Descidas, onde o Cabalista completamente esquece de tudo, são as vezes dadas precedendo uma grande ascensão.

39 O 2º mês no calendário hebreu, normalmente entre os meses de Outubro e Novembro.

40 Escapando à noite: Quando se percebe que se está completamente sob o domínio do egoísmo, esta a sensação é chamado de “a noite.” O desejo de correr, juntamente com a incapacidade de fazê-lo, produz uma oração, uma ladainha, um pedido de ajuda. Quando isso acontece, a oração é atendida e a pessoa recebe a força de escapar.

41 Moisés (Moshe) vem da palavra Limshoch ( retirar). Na Cabalá, Moisés é a força que puxa a pessoa para fora do  reino do egoísmo.

42 “Pai e Mãe” são as forças de doação e amor em uma pessoa. Somente uma oração pode ativar essa força.

43 Um Zivug (acasalamento, união) é uma resposta à uma oração. Daquele Zivug, a força de Moisés é nasce, após a qual Moisés irá puxar um indivíduo para fora do detestável estado egoísta no qual o indivíduo se encontra.

44 Nossa mente corporal, ou razão, sempre serve aos desejos egoístas, procurando maneiras do egoísmo ser satisfeito. Isto é tudo o que ela faz. O intelecto é produto do nosso egoísmo.

45 Nissan— o sétimo mês no calendário hebreu.

46 Fé acima da razão: Na sabedoria da Cabalá, fé é a sensação de contato com o Criador, a qualidade de doação e amor que aparece numa pessoa. A razão simboliza a qualidade de receber para si mesmo.  Fé acima da razão não é fé cega.  Ao contrário, é um estado no qual o indivíduo ativa a sua mente, contempla, examina a situação,  e somente então assume a fé – doação e amor. Ao aumentar a importância de fé acima da razão um indivíduo se torna mais sábio.

O Cabalista (2)

Do livro “O Cabalista”

SETE ANOS SE PASSAM. SETE ANOS DE ESTUDOS, PROCURANDO, E ESPERANDO POR UMA RESPOSTA.

***

***

O VELHO BARUCH E YEHUDA DE 15 ANOS ESTÃO SENTADOS À MESMA MESA, NAS MESMAS POSIÇÕES.

YEHUDA ESTÁ LENDO, MOVENDO O DEDO AO LONGO DAS LINHAS DO LIVRO, BARUCH ESTÁ OUVINDO E BALANÇANDO A CABEÇA DE VEZ EM QUANDO.

NEVE ESTÁ CAINDO FORA DA JANELA, ENGOLINDO A CASA VELHA DE BARUCH.

DOCUMENTÁRIO EM PRETO E BRANCO MOSTRAM AS CELEBRAÇÕES DO ANO NOVO DE 1900. GRANDES ÁRVORES DE NATAL DECORAM AS RUAS DE SÃO PETERSBURGO, PARIS, NOVA IORQUE, E VARSÓVIA. VITRINES DAS LOJAS BRILHAM COMO JÓIAS NAS GRANDES CIDADES. PESSOAS FELIZES CARREGANDO SACOLAS DE COMPRAS ESTÃO ANDANDO PELAS RUAS.

DE MÃOS DADAS, UM MENINO E UMA MENINA ESTÃO PATINANDO NO GELO, RINDO. ACIMA DO RINQUE DE PATINAÇÃO, O NÚMERO 1900 ESTÁ BRILHANDO EM CORES VIBRANTES.

UM NOVO SÉCULO ESTÁ COMEÇANDO. NINGUÉM SABE AINDA QUANTAS TRAGÉDIAS ELE RESERVA.

UMA CARROÇA ESTÁ MOVENDO-SE NUMA ESTRADA ESBURACADA, AS RODAS RANGENDO. ESTÁ GAROANDO.

UM CAVALO MAGRO MAL SE MOVE, SEUS PÉS AFUNDAM NA LAMA PROFUNDA DO OUTONO, O COCHEIRO ESTÁ COCHILANDO.

YEHUDA DE QUINZE ANOS SE SENTA DESCALÇO NA BORDA DA CARROÇA, SUA CABEÇA COBERTA COM UM PANO ESFARRAPADO. ELE ESTÁ SEGURANDO UM LIVRO NAS MÃOS. SUAS BOTAS MOLHADAS ESTÃO PRÓXIMAS A ELE SOBRE A PALHA SUJA.

YEHUDA LEVANTA OS OLHOS E VÊ PINGOS DE CHUVA ESCORREREM DAS FOLHAS MOLHADAS NAS ÁRVORES DA FLORESTA. AQUI E ALI, UM COGUMELO ESPREITA DE DEBAIXO DAS FOLHAGENS. FRAMBOESAS MADURAS, CHEIAS DE GOTAS DE CHUVA, ENVERGAM OS TALOS DE SEUS ARBUSTOS.

YEHUDA SORRI. ELE CONTINUA SEU PASSEIO, SORRINDO ENQUANTO ELE SE APROXIMA DA CASA DE BARUCH.

YEHUDA SALTA DA CARROÇA, PEGA SEUS SAPATOS, E CORRE PARA A CASA.

BARUCH ESTÁ SENTADO COM AS COSTAS PARA A ENTRADA E NÃO SE VIRA AO RANGER DA PORTA ABERTA. YEHUDA CAMINHA ATÉ À MESA. BARUCH AINDA NÃO O NOTA. YEHUDA SE SENTA À MESA EM À FRENTE BARUCH. OS OLHOS DE BARUCH PARECEM ESTAR CONCENTRADOS EM UM PONTO MUITO ATRÁS YEHUDA.

Yehuda (murmura):

Sou eu, Baruch, eu.

BARUCH TOCA A MÃO DE YEHUDA.

-Sou eu, Yehuda. Você não me reconhece?

-Yehuda, – Baruch repete.

BARUCH VOLTA AOS SEUS SENTIDOS.

-A-a-a-ah, você está aqui.

Yehuda (preocupado):

Você está bem, Baruch?

Baruch (silenciosamente):     Claro. O que poderia acontecer comigo?

Yehuda (levantando-se inesperadamente):

Você provavelmente quer ficar sozinho.

Baruch:           Sente-se.

YEHUDA SENTA.

Baruch:           Hoje eu sinto saudades do meu professor, Mendel de Kotzk.

Sente-se, partilhe a minha saudade.

BARUCH SILENCIOSAMENTE BALANÇA A CABEÇA.

-Ele queria ascender em uma vida todos os graus separando-nos do Rei como para nunca mais voltar a este pântano imundo.

BARUCH ESTENDE AS MÃOS.

-Nós acreditamos nele. Nós o seguimos, nos dedicamos ao nosso Mendel, nossa comuna, nosso Kotzk!

***

KOTZK.14 ENTARDECER.

UMA CASA DE MADEIRA ENEGRECIDA PELA CHUVA.

A LUZ DE UMA LAMPARINA DE ÓLEO PISCA ATRAVÉS DA JANELA.

A LÂMPADA ESTÁ SOBRE UMA MESA CERCADA POR MAGROS E MAL VESTIDO ALUNOS HASSÍDICOS DE OLHARES ARDENTES.

TODOS OS OLHOS ESTÃO FIXOS EM SEU MESTRE DE 40 ANOS, MENACHEM MENDEL.

O COLARINHO DE SUA CAMISA MANCHADA ESTÁ RASGADO, SEU CABELO DESPENTEADO, MIGALHAS DE PÃO ESTÃO POR TODA SUA BARBA DESGRENHADA.

ELE ESTÁ FALANDO APAIXONADAMENTE, ASSIM COMO BARUCH, ACENANDO COM AS MÃOS. ELES PARECEM MUITO PARECIDOS.

A voz de Baruch:  Nós decidimos tomar o Criador de assalto. Por longas noites com fome, ficamos congelados diante de nosso professor, e ele diante do Criador.

NÓS VEMOS O JOVEM BARUCH ATRÁS DA MESA.

ASSIM COMO OS OUTROS, SEUS OLHOS NUNCA DEIXAVAM OS OLHOS DE MENDEL.

A voz de Baruch:  Uma garrafa de vodka, três cebolas, alguns pães, e o Criador – o Grande e Verdadeiro! Exatamente aqui! Bem próximo de nós!

Veja-O! Sinta-O!

OS HASSÍDICOS15 SEGURAM SEUS COPOS SUJOS CHEIOS DE UM LÍQUIDO ESCURO, OS LEVANTAM COM PAIXÃO, E ENTÃO MANDAM SUAS BEBIDAS GOELA ABAIXO EM UNÍSSONO.

A voz de Baruch:  Nós estávamos tremendo de frio e felicidade, nós estávamos esperando que Ele nos fosse revelado. Ele estava testando a nossa perseverança. Quanto mais possivelmente ela poderia continuar? Estávamos nos segurando em a nossa última gota de força.

UM OLHAR DE PERTO NOS HASSÍDICOS FAMINTOS E EXAUSTOS.

MENDEL ESTÁ DIZENDO ALGO PARA ELES, E DE REPENTE COMEÇA A RITMICAMENTE BATER SEU PUNHO NA MESA.

 

A voz de Baruch:       Eu me lembro daquela noite. Estava tão frio que os pássaros congelavam em pleno voo. Mendel disse: “Temos a chance de romper. Preparem-se para atacar”.

SEGUINDO O RITMO DE MENDEL, TODOS COMEÇARAM A MARTELAR SEUS PUNHOS NA MESA EM UNÍSSONO. OS GOLPES ERAM COMO UM SÓ GOLPE, BATENDO NO RITMO, COMO UMA SÓ BATIDA!

OLHANDO DA RUA PARA AS JANELAS MAL ILUMINADAS, PODEMOS VER OS PUNHOS DOS HASSÍDICOS SUBINDO E DESCENDO EM UNÍSSONO. PODEMOS OUVIR GOLPES COMO TROVÕES E A CASA EM RUÍNAS QUE BALANÇA A CADA BATIDA.

***

A CASA DE BARUCH.

BARUCH ESVAZIA A GARRAFA EM UM LONGO GOLE.

YEHUDA OBSERVA ENQUANTO O MAGRO POMO-DE-ADÃO DE BARUCH SALTA PARA CIMA E PARA BAIXO.

Baruch:           Ele não deveria ter dito aquelas coisas para nós, o nosso Mendel. Nós falhamos o teste. De repente, ficamos com saudades de casa. Queríamos voltar para o calor, para nossas esposas, para nossas crianças cobertas de ranho, para as nossas vidas ordinárias desprovidas de grandes feitos heroicos e ataques.

Nós desabamos. Nós falhamos por um triz de um único ataque. Um último empurrão!

COM LÁGRIMAS NO OLHAR, BARUCH LEVANTA OS OLHOS PARA YEHUDA.

SEU ROSTO ESTÁ ATORDOADO. ELE MAL CONSEGUE REUNIR FORÇAS PARA FALAR:

-Não conseguimos chegar a um pensamento único! Um pensamento, que estamos juntos, que somos um ser único, inteiro. Que esses sujos, desgastados corpos simplesmente não existem, que há apenas uma alma comum (chorando). Uma alma… em busca do Criador!

OS OLHOS DE BARUCH COMEÇAM A ANALISAR A PAREDE, SUBINDO PARA O TETO, DEPOIS PARA BAIXO, DEPOIS DE VOLTA PARA A MESA.

Baruch (em lágrimas):

Estamos diante de Você pedindo: “Dá-nos força! Ajude-nos. Aceite-nos”!

***

***

***

A CASA EM KOTZK.

TODOS AO REDOR DA MESA ESTÃO BATENDO COM PAIXÃO. A MESA BALANÇA COM CADA BATIDA.

DE REPENTE AS PERNAS DA MESA CEDEM E ESTA DESABA DE UM LADO, TOMBANDO OS HASSÍDICOS COM ELA.

A CASA FICA EM SILÊNCIO.

A CASA DE BARUCH. PAUSA. SILÊNCIO.

YEHUDA OBSERVA BARUCH, HIPNOTIZADO.

BARUCH BALANÇA SUA CABEÇA DE UM LADO PARA OUTRO.

-Nós falhamos. Nós falhamos. (Fecha os olhos) Oh!Se você pudesse ouvir como Mendel zombou de nós! Como ele nos zombou!

KOTZK.

MENDEL ESTÁ SE ELEVANDO ACIMA DE TODOS. ELE RI, APONTANDO O DEDO PARA ELES.

A voz de Baruch:       Ele nos disse: “Vocês são ninguém, impróprios para a revelação Dele. Saiam, voltem para suas casas, escondam-se sob as saias suas esposas, limpem o ranho dos narizes de seus filhos, esqueçam a eternidade. Para vocês, não há eternidade”.

***

BARUCH ESTÁ CHORANDO ALTO, NÃO DANDO ATENÇÃO A YEHUDA. PASSADO UM MINUTO.

ELE ENXUGA AS LÁGRIMAS, ESPALHANDO SUJEIRA SOBRE SEU ROSTO.

Baruch:           O nosso grande professor, Mehachem Mendel, desapareceu atrás da porta trancada de seu quarto. Ele permaneceu nele durante vinte anos.

***

KOTZK.

MENDEL DÁ UMA VOLTA SOBRE SEUS CALCANHARES DE FORMA ACENTUADA E ANDA PARA O SEU QUARTO.

TODOS AO SEU REDOR OLHAM A SUA REPENTINA RETIRADA.  ELE DESAPARECE ATRÁS DE SUA PORTA E A BATE FECHADA.

A voz de Baruch:  O ataque dele foi triunfante. O nosso não foi.

KOTZK.

A LUZ OSCILA NUMA LÂMPADA A ÓLEO. SE APAGA.

COMPLETA ESCURIDÃO CAI.

***

A CASA DE BARUCH.

ESTÁ FICANDO ESCURO. BARUCH PÕE A MÃO SOBRE A MÃO YEHUDA E DIZ EM TOM SURPREENDENTEMENTE SUAVE:

Há guardas vigiando o caminho para Ele, Yehudale. Eles forçam para trás todos aqueles que se aproximam de seu palácio. Eles batem em você com suas varas até você sangrar. Mas você deve continuar a caminhar! É assim que Ele o testa, é assim que Ele pode dizer se você realmente quer, mais do que qualquer outra coisa no mundo, encontrá-Lo, ou se você simplesmente tomou um rumo errado em algum lugar. Você já queimou todas as pontes atrás de você ou não? Se você realmente deseja, se você realmente queimou tudo, eles vão deixá-lo passar. Mas se você não tiver, é melhor você não colocar os pés neste caminho.

Yehuda:           Por que você está me dizendo tudo isso?

Baruch:           Eu tenho a sensação de que em breve você vai achar essa história útil.

Yehuda:           Eu queimei minhas pontes. Nada nesta vida me interessa. Apenas Ele.

DE REPENTE YEHUDA CONGELA.

ELE ESTÁ SENTADO VERTICALMENTE, OLHANDO NA DIREÇÃO DA JANELA COBERTA POR TÁBUAS.

ENTÃO ELE DE REPENTE SE LEVANTA E CAMINHA ATÉ A PAREDE.

ELE VÊ AS BRUTAS TÁBUAS QUE COMPÕEM A PAREDE, UMA CABEÇA ENFERRUJADA DE UM PREGO.

YEHUDA ESTÁ EM PÉ COM AS COSTAS PARA BARUCH.

A VOZ DE BARUCH VEM DETRÁS DELE, CALMA, SÓBRIA, E UNIFORME:

-Eu creio que possa acontecer há qualquer momento.

YEHUDA ESTÁ QUIETO. ELE OLHA PARA PAREDE. SUA RESPIRAÇÃO PERTURBA AS TEIAS DE ARANHA PENDURADAS NAS TÁBUAS.

Baruch:           Você será grande, Yehuda. Yehuda Leib Ashlag.

YEHUDA CONTINUA QUIETO.

Baruch:           É Ele. Não tenha medo.

YEHUDA ESTÁ QUIETO.

Baruch:           Este campo tem cinco círculos. Todo o pensamento dele está contido aqui.

YEHUDA FECHA OS OLHOS. BARUCH CAMINHA ATÉ ELE.

Baruch:           Você pode me ouvir?

YEHUDA COMEÇA A CAMINHAR LENTAMENTE AO LONGO DA PAREDE.

Baruch:           Nenhum pensamento sobre você, você me ouve?! Nenhum pensamento.

YEHUDA ESTÁ CAMINHANDO AO LONGO DA PAREDE. BARUCH O ESTÁ SEGUINDO.

-Esteja pronto, – (Baruch sussurra.) Você está a caminho Dele. Ele está segurando sua mão.Ele esta lhe guiando. Você está deixando o seu corpo.16

DE REPENTE A PAREDE DESAPARECE.

A VOZ DE BARUCH RECUA NA DISTÂNCIA.

-Está tudo dentro de você, meu filho… Em você!17

***

UM CLARÃO DE LUZ.

YEHUDA VÊ UM ESPAÇO BRANCO, SEM FIM.

SILHUETAS DE ÁRVORES COMEÇAM A APARECER, COMO SE SAÍSSEM DE UM NEVOEIRO. UM JARDIM18 EM FLOR SE ESPALHA ATÉ O INFINITO.

A voz de Baruch:        O que, o que você sente?

A voz de Yehuda:        Paz.

 

A voz de Baruch:        é Ele, Yehuda.

A voz de Yehuda:        Calor.

A voz de Baruch:        é Ele, Yehuda, é Ele.

A voz de Yehuda:        Eu sinto… amor.

***

A CASA DE BARUCH

YEHUDA ESTÁ CAMINHANDO AO LONGO DA PAREDE. BARUCH O ESTÁ OBSERVANDO.

DE REPENTE ELE COMEÇA A CANTAR UMA MELODIA. DEPOIS PARA, COMO SE TESTANDO YEHUDA.

ELE  ESTÁ  ESPERANDO. YEHUDA CONTINUA A MELODIA.

SUA VOZ É PROFUNDA E SENSUAL.

Baruch (empolgado):           Yehuda…

YEHUDA AINDA ESTÁ LÁ, NA MESMA SENSAÇÃO. ELE CONTINUA A CANTAR. ELE NÃO OUVE BARUCH.

***

***

UM JARDIM ESTÁ FLORIDO.

UM VALE REPLETO DE AR TRANSLÚCIDO. UMA MELODIA GENTIL SE OUVE AO FUNDO.

-Eu me sinto tão bem, – murmura Yehuda.

IMEDIATAMENTE, O CORAÇÃO DELE SENTE UM APERTO DE MEDO. COMO SE UMA COBRA ESTIVESSE SE APROXIMANDO.

O VENTO SOPRA FORTE, DOBRANDO A COPA DAS ÁRVORES.

DE REPENTE A CABEÇA DE UMA SERPENTE19 GIGANTE APARECE NA GRAMA.

-No que você está pensando?! – A voz de Baruch pode ser ouvida.

A SERPENTE DESLIZA RAPIDAMENTE EM DIREÇÃO À YEHUDA.

– O quê você está pensando?! – A voz de Baruch se torna mais alta.

DOIS OLHOS VERMELHOS ESTÃO OLHANDO PARA YEHUDA. A LÍNGUA BIFURCADA DA SERPENTE VAI PARA FRENTE. E RAPIDAMENTE SE APROXIMA DE YEHUDA.

-O que você está pensando?! – (Baruch grita) Qualquer coisa, mas nada sobre você!

A SERPENTE SE APROXIMA RAPIDAMENTE.

APENAS ALGUNS METROS OS SEPARAM… AGORA ALGUNS CENTÍMETROS. É IMPOSSÍVEL EVITAR ATAQUE.

A LÍNGUA VENENOSA DA SERPENTE ESTÁ PRESTES A TOCAR O ROSTO DE YEHUDA…

 

***

***

POR UM MOMENTO, NÓS ESTAMOS DE VOLTA À CASA DE BARUCH. BARUCH VÊ YEHUDA COBRINDO O ROSTO DELE COM AS MÃOS.

AS RAJADAS DA SERPENTE PASSAM YEHUDA SEM DESACELERAR.

A CABEÇA DELA É ESMAGADA NUMA ÁRVORE, QUEBRANDO-SE EM INÚMERAS PEQUENAS SERPENTES QUE DESAPARECEM NA GRAMA.

A CASA DE BARUCH. YEHUDA ESTÁ QUIETO.

-Este foi o limite. – (A voz de Baruch é calma e uniforme.) Você estava com medo, mas você não fugiu. Bom para você, Yehuda!

YEHUDA INCLINA-SE CONTRA A PAREDE PARA EVITAR CAIR.

Baruch:           Me levou anos para fazer o que você fez. Mas Ele o marcou desde o início.

Yehuda (ele ainda está lá):

Isto é indescritível.

Baruch:           Não é necessário. YEHUDA VOLTA-SE PARA BARUCH.

Baruch:           Você não precisa dizer isso a ninguém.

YEHUDA SE MOVE EM DIREÇÃO A BARUCH.

-Eu o sinto… Da maneira que eu sinto você.

BARUCH ESTÁ EM SILÊNCIO POR UM MOMENTO.

ELE VÊ OS OLHOS DE YEHUDA CHEIOS DE ANSIEDADE E PRAZER.

Baruch (quieto)Bem, eu lhe disse, filho! Você vê!

DE REPENTE, OS OLHOS DE BARUCH SE ENCHEM DE LÁGRIMAS.

Baruch:           Era Ele, filho!

Yehuda:           Ele me envolveu, como uma mãe envolve seu bebê.

BARUCH ESTÁ CHORANDO, COMPLETAMENTE SEM VERGONHA DE SUAS LÁGRIMAS. ELE ESTÁ CHORANDO SEM LIMPÁ-LAS, E REPETE EM ADMIRAÇÃO:

  • Sim, sim! Ele é assim, Yehuda. Ele é assim!
  • Eu estava envolvido pelo Seu amor! – Exclama

-Envolvido! – Repete Baruch ainda com lágrimas nos olhos. Precisamente, filho! Envolvido com amor! Porque Ele é Amor, filho! Ele é tudo de bom que existe. Ele nos dá tudo e não quer nada em troca.

DE REPENTE YEHUDA COMEÇA A CHORAR JUNTO COM BARUCH. ELE ESFREGA SUAS LÁGRIMAS POR TODO O ROSTO, TENTA DIZER ALGUMA COISA, MAS NÃO PODE. ELE MURMURA E DE REPENTE GEME:

***

-Mas p……o……r…… q……u……e……! Por que eu O deixei? Por queeee?

UM FLASH NEGRO.

A CABEÇA DA COBRA APARECE NA GRAMA. A COBRA SE APRESSA RUMO À YEHUDA.

A voz de Baruch:  Você pensou em você mesmo.

-Mas por que, por que eu pensei em mim mesmo?!

-Você não poderia ter feito de outra maneira, se acalme.

-Mas por que, por quê! Eu sabia que não devia!

BARUCH CUIDADOSAMENTE COLOCA SUA MÃO SOBRE O OMBRO OSSUDO DE YEHUDA.

-Quem disse que seria fácil – olhar para dentro de si? – Ele pergunta.

-Mas… Ele me deixou passar. – Yehuda murmura.

-Ele testou você.

YEHUDA LEVANTA OS OLHOS PARA VER BARUCH.

-E eu passei no teste?!

-Você passou!

-Mas Ele… Desapareceu.

-Não, Ele está com você. Ele está sempre com você. É você que deixou de senti-Lo. Ele está aqui. Constantemente…

YEHUDA OLHA AO REDOR.

-Onde está Ele?

Baruch:           Aqui.

Yehuda:           Onde? Por que não posso senti-Lo? Por quê?!

Baruch:           Você vai continuar a trabalhar em si mesmo. E um dia Ele não vai desaparecer. É porque você vai se tornar como Ele.

BARUCH OLHA PARA O ROSTO DE YEHUDA:

-Doação e amor. Você realmente quer isso, não é?

Yehuda (exala):

Quero muito!

Baruch:           E você não vai recuar?

Yehuda:           Nem um único passo!

BARUCH ESTÁ QUIETO. ELE BALANÇA A CABEÇA.

– Você vai ser grande, Yehuda – ele finalmente pronuncia – Eu posso vê-lo. Mas lembre-se sempre de sua própria conclusão, é muito precisa: Você está sempre envolvido em Seu amor como um embrião em sua mãe. Você pode me ouvir?

Yehuda:           Sim, eu o ouço.

Baruch:           Um embrião não pensa em si mesmo. Faça o mesmo. Não pense em si mesmo, filho – isto é o principal!

BARUCH ENCARA YEHUDA.

E DE REPENTE SUSPIRA EM VOZ ALTA:

-Ah, como eu gostaria de uma bebida agora mesmo! Ah, eu ia ficar bêbado. Gostaria de dançar para você, gostaria de cantar!

Yehuda:           Que música você estava cantarolando? Eu ouvi uma música. E eu a conhecia.

Baruch:           Ah, é uma grande melodia, “Mordechai Yosef”. 20 Famintos e congelados, costumávamos cantar em Kotzk.

YEHUDA TENTA LEMBRAR, MAS NÃO CONSEGUE.

Yehuda:           Eu sabia, mas agora eu esqueci.

BARUCH COMEÇA A CANTAR E YEHUDA O ACOMPANHA TENTATIVAMENTE.

AGORA AMBOS AS SUAS VOZES EM DUETO SOAM ACIMA DO VILAREJO ACIMA DA FLORESTA, ACIMA DA ESTRADA CAMPESTRE, ACIMA DE YEHUDA, CAMINHANDO AO LONGO DA BORDA DA FLORESTA, ACIMA DE VARSÓVIA, ACIMA DO BAIRRO JUDEU.

***

VARSÓVIA. O BAIRRO JUDEU. – DIA.

MUITAS FACES DE PESSOAS NA RUA, ANDANDO NA CALÇADA ENCHARCADA DE CHUVA. MAIS VELHO E MAIS ENRUGADO, O VIOLINISTA LOUCO AINDA ESTÁ TOCANDO O SEU INSTRUMENTO DE UMA CORDA.

O MESMO LOJISTA ESTÁ VENDENDO SALSICHAS, PREGUIÇOSAMENTE ESPANTANDO AS MOSCAS…

NADA MUDA NO BAIRRO JUDEU.

NADA PREDIZ O PROBLEMA QUE ESTA POR VIR.

YEHUDA SURGE NA ESQUINA.

ELE ESTÁ ANDANDO, OLHANDO PARA BAIXO, MAS NÃO VÊ QUE ELE ESTÁ PISANDO EM POÇAS E LAMA.

ELE OUVE A MESMA MELODIA, MAS ESSA CESSA. YEHUDA VIRA EM UMA RUA LATERAL.

DE REPENTE A MÃO DE ALGUÉM O IMPEDE. YEHUDA OLHA PARA CIMA.

UM INDIVÍDUO, JOVEM, LAICO ESTÁ DE PÉ DIANTE DELE.

-Você me reconhece? – ele pergunta.

Yehuda (olhando de perto):

Yankele?

Yankele:          Em carne e osso. Mas não Yankele, não, Yan. Yan Terletsky – um cidadão livre da Grande Polônia, liberto de qualquer religião.

Yehuda (sorrindo): Olá, cidadão livre da Polônia.

Yan:              Eu reconheço você, ainda esperto, ainda sarcástico (examina Yehuda). Do tipo que nós precisamos… (abraçando os ombros de Yehuda.) Yehuda, estou pedindo por uma hora de seu tempo.

Yehuda (apressadamente): Eu não tenho isso. Eu preciso escrever algo. Urgente!

Yan:              Meia-hora, então.

Yehuda:           Sinto muito, eu tenho que ir.

ELE ESTÁ TENTANDO PASSAR, MAS YAN BLOQUEIA SEU CAMINHO.

Yan:              Mesmo pelo bem de uma velha amizade?

Yehuda:           Mesmo pelo bem de uma amizade.

 

Yan (suavemente segurando Yehuda com sua mão):

Então eu vou dizer-lhe rapidamente e simplesmente. Nós, do Partido Social Democrata da Polônia, convidamos você a juntar- se a nós. Igualdade entre todas as pessoas na Terra é o nosso princípio!

DE REPENTE YEHUDA OLHA YAN COM INTERESSE.

Yan:              Somos um grupo de jovens, pessoas apaixonadas. Não há nem judeus nem poloneses entre nós. Estamos unidos acima de quaisquer interesses nacionais com grande propósito de unir o mundo. O que você acha?

Yehuda:           É uma ideia elevada.

Yan:              Eu sabia que você ia dizer isso. Eu sempre senti você muito perto.

Yehuda (de repente ficando animado):

Esta é uma ótima ideia, porque ela se origina de uma grande raiz Yankele.

Yan:              É claro! Amor e igualdade vão unir a todos nós! (Alegremente) Eu sabia que você estaria com a gente! Estou tão feliz! (Ele abraça Yehuda).

Yehuda:           É precisamente porque o Criador, Yankele, é a igualdade e liberdade!

Yan (bruscamente): Vamos deixar esse assunto de lado.

Yehuda (ainda mais animado):

Mas isso é realmente assim, Yankele. Confie em mim! E isso é a coisa mais importante de tudo!

Yan:                   Esta é a coisa menos importante! (Elevando a voz.) Deixe todas as suas fantasias para trás. Ele – o seu Deus – é apenas uma invenção, um artifício psicológico de nossos antepassados astutos! Tudo está nas mãos do homem, Yehuda. Não há Deus!

Yehuda:           Yan, me ouça…

Yan:              Não, você me escute. Você sabe por que eu vim até você? Porque eu me lembrei do momento em que aquele pensamento intruso veio à minha mente. Você o provocou! Você se lembra como você perguntou ao professor na sala de aula: “Onde está Ele?” Você se lembra quando você disse: “Se eu não posso senti-Lo, significa que Ele não existe” Lembra?

Yehuda:           Sim, eu lembro. Nós realmente precisamos senti-Lo, e isso pode ser feito. Isso é possível e deve ser feito!

Yan:              Espere, deixe-me terminar. Foi você que esmagou o meu mundinho judeu. Eu sou grato a você por isso. E é precisamente por isso que eu vim até você para lhe propor que você se junte a nós.

Yehuda:           Mas ouça…!

Yan:              É isso. Não quero mais ouvir. Você está conosco ou não?

YEHUDA FICA QUIETO.

Yan:              Diga algo. Estou esperando uma resposta.

Yehuda:           Você fracassará.

Yan:              Assim você diz.

Yehuda:           Sem o Criador, Yankele, não pode dar certo.

Yan (para, suspira, e olha para Yehuda):

É uma vergonha. Uma grande vergonha. Eu pensei que você fosse entender. (Resolutamente) Sinto muito, agora sou eu quem tem que ir.

YAN FAZ UMA CURVA ACENTUADA E COMEÇA A SE AFASTAR. YEHUDA ESTÁ OLHANDO PARA ELE.

DE REPENTE, ELE COMEÇA A CORRER ATRÁS DELE, O ALCANÇA E TENTA LHE EXPLICAR ALGO , MAS NÓS NÃO PODEMOS ENTENDER SUAS PALAVRAS. YEHUDA ESTÁ SACUDINDO AS MÃOS, FALANDO APAIXONADAMENTE.

***

YAN CONTINUA ANDANDO RESOLUTAMENTE PARA A RUA PRINCIPAL. YEHUDA FICA PARA TRÁS.

YAN SE DISSOLVE NA MULTIDÃO IRREQUIETA.

O QUARTO YEHUDA. NOITE.

A VELA ESTÁ QUEIMANDO SOBRE A MESA.

YEHUDA ESTÁ SENTADO NA FRENTE DE UM LIVRO ABERTO. ELE SE LEVANTA E SE APROXIMA DA JANELA.

ALGUMAS JANELAS ILUMINADAS ESTÃO ESPALHADAS NO ESCURO.

O PAI DE YEHUDA SILENCIOSAMENTE ENTRA, SENTA-SE NO CANTO.

Simcha:           Você se importa?

YEHUDA VIRA A FACE PARA ELE.

Simcha:           Você cresceu, Yehuda, especialmente nas últimas semanas.

YEHUDA OLHA PARA O SEU PAI, SEM RESPONDER, CAMINHA ATÉ SUA MESA, SENTA-SE E COMEÇA A ESCREVER ALGO RAPIDAMENTE.

Simcha:           É isso, Yehuda. Você cresceu e se tornou mais distante de nós.

Você pode me ouvir, Yehuda?

Yehuda (continua escrever):

Sinto muito, Pai, eu não tenho muito tempo.

Simcha:           Yehuda, nós ainda somos a sua família, e eu gostaria de lhe dizer…

Yehuda (rapidamente elevando a cabeça):

Pai, você não pode nem imaginar quão insignificante é tudo o que você vai dizer. Cada momento desta noite pode salvar ou destruir muitas vidas.

Simcha:           O rabino Feldman nos avisou que isso iria acontecer. Você deixou de ser o nosso filho. Você deixou de ser um judeu.

YEHUDA RELUTANTEMENTE PARA DE ESCREVER E VIRA-SE PARA SEU PAI.

Yehuda:           Para o Criador nós somos todos iguais.

Simcha:      Eu não vou deixar você ir ao Baruch amanhã.

Yehuda:    Não há nada que você possa fazer agora, Pai.

SIMCHA LEVANTA-SE PROVIDENCIALMENTE E SAI DA SALA. A PORTA BATE.

A PARTIÇÃO DE MADEIRA COMPENSADA FINA ESTÁ TREMENDO. YEHUDA SEGUE-O COM OS OLHOS.

***

DE REPENTE, ELE ENCONTRA-SE EM UM JARDIM FLORIDO.

SÓ POR UM MOMENTO. POR UM INSTANTE BREVE ELE PODE OUVIR A VOZ CALMA DE BARUCH.

-Esta dentro de você, este jardim! Você percebe isso, filho? É o jardim de seus desejos.

OS RAMOS ESTÃO BALANÇANDO. PÉTALAS DE FLOR FLUTUANDO.

-E eles estão todos se esforçando em direção ao Criador.

***

***

YEHUDA É ENVOLVIDO EM PAZ.

ELE NUNCA VIVENCIOU NADA COMO ISSO ANTES.

YEHUDA ESTÁ SENTADO EM SEU QUARTO, A LÂMPADA DE ÓLEO ESTÁ PISCANDO, O LIVRO ESTÁ ABERTO NA FRENTE DELE, E A LUZ DA NOITE ESTÁ PENETRANDO PELA JANELA ABERTA.

MANHÃ.

YEHUDA SOBE A ESTRADA CAMPESTRE QUE CONDUZ À CASA DE BARUCH.

YEHUDA VÊ SEU PROFESSOR SENTADO SOZINHO NA SOLEIRA DA PORTA DE SUA CASA.

BARUCH APERTA OS OLHOS PARA O SOL NASCENTE, ELE PARECE MAIS VELHO E DE ALGUM MODO MAIS PACÍFICO.

YEHUDA TOMA UM ASSENTO AO LADO DELE.

-Por que você nunca vem aqui fora, há luz?

-Você chama isso de luz? – Baruch responde. – Que tipo de luz é essa? A luz é para nós a noite, quando todos os tolos deste mundo estão dormindo e ninguém lhe incomoda quando você está pensando sobre a Luz. É então quando surge a Luz.

BARUCH TENTA LEVANTAR-SE, MAS NÃO CONSEGUE. SUAS PERNAS MAGRAS TREMEM COM O SEU PESO.

Baruch:     Ainda assim, é melhor dentro do meu covil, afinal. Dê-me uma mão.

YEHUDA ATENTAMENTE AJUDA BARUCH, APOIANDO-O DEBAIXO DO BRAÇO.

EM VEZ DE ENTRAREM NA CASA, ELES CAMINHAM LENTAMENTE EM DIREÇÃO À FLORESTA.

ELES ANDAM SOB OS PINHEIROS ALTOS E ARQUEADOS E UM SILÊNCIO PESADO OS ENCOBRE. É PREENCHIDO COM NADA ALÉM DO BARULHINHO DA GRAMA BAIXA, O SOM DA SAUDAÇÃO DE UM PÁSSARO, UM BESOURO PEQUENO SUBINDO NUMA FOLHA DE GRAMA. UMA PULGA MINÚSCULA PENDURADA POR UMA GOTA DE ORVALHO DA MANHÃ, UM COGUMELO ESTALANDO SUA CABEÇA DE DEBAIXO DAS FOLHAS DE PINHEIRO.

Baruch (olhando ao redor e cantando):

Eu gostaria que eu pudesse viver como eles, sem ódio.

Yehuda:     É bom aqui.

Baruch (inesperadamente brusco):

O que você disse?! Bom?! É bom quando você se sentir mal! Só então você grita por Ele! Quando você se sente bem, você não precisa do Criador.

Yehuda (refletidamente):

Como posso explicar isso para aqueles que se sentem mal? Que mal é bom?

Baruch:           Você não pode. Eles vão pensar que você está louco.

Yehuda:           Como você explica que nos sentimos mal só porque perdemos a conexão com o Criador?

Baruch (desdenhosamente):

O quê? O que você disse?! Você quer explicar isso para eles, para aqueles animais de duas pernas?! Eles nem sequer o ouvirão (bate na orelha dele). Eles não têm nada para lhe ouvir! Eles vivem de acordo com uma lei diferente! A lei deles – a humana – é aproveitar! E você está dizendo a eles sobre algum Criador, sobre a Sua lei?! Para doar? Não. Nãooo, Yehuda. Somente pancadas irão ensinar-lhes que eles têm que viver de forma diferente. Não se pode lhes evitar o sofrimento, Yehuda.

Yehuda:           Sim, você pode.

Baruch:           E eu digo, “Não é possível”!

Yehuda:           E eu digo, “Sim, é possível”!

Baruch (mais alto):            E eu digo, “Não é possível”!

Yehuda (ainda mais alto): E eu digo: “Você pode!” Você pode fazer sem o sofrimento. Você pode! Nós podemos explicar-lhes que Ele está esperando por nós lá, na felicidade estonteante, que Ele está nos levando para a felicidade pura. Sim, nós podemos!

BARUCH NÃO RESPONDE. ELE OLHA PARA YEHUDA CANSADO.

Yehuda:                Ouça (andando para lá e para cá em frente a Baruch), podemos explicar-lhes, muito simplesmente, que existe apenas uma força no mundo, uma lei – Sua lei – amor aos outros, que esta é a maior fortuna que podemos obter, que um grande mal – o ego humano – está no caminho para desta fortuna, provocando todos os infortúnios, e que pode ser corrigido, trazendo todas as desgraças a um fim.

Baruch (cansado): Eles não vão ouvir! Todas as minhas tentativas…

Yehuda (para em frente a ele):

Nós devemos tentar novamente e novamente.

Baruch:           Eles não podem ouvir.

BARUCH ESTA BALANÇANDO PARA FRENTE E PARA TRÁS EM SUAS FINAS E VELHAS PERNAS SACUDINDO SUA CABEÇA GRANDE:

-Ele não se importa com os corpos, Yehuda! Você não entendeu?! O Criador conversa com a alma, e só com a alma. Ele não poderia se importar menos com o seu corpo e seus desejos vãos. Você quer ser um grande rabino, conhecer a Torá pelo coração, tornar-se famoso, fazer um desfiladeiro de dinheiro, se esbanjar em alimentos ricos, e dormir bem! Nós vivemos por nossa causa, enquanto que Ele vive para o bem de todo mundo.

Nós amamos apenas a nós mesmos, e Ele – apenas aos outros. (Cansado e dolorido) Você entende que não há conexão entre nós (Joga os braços para cima), absolutamente nenhuma?

Yehuda:           Quando é que vai aparecer, esta conexão?! Ela irá aparecer, não é?

Baruch (muito quieto e muito cansado):

Quando percebemos que ela não surge e não pode existir. É então que ela aparece.

BARUCH SUSPIRA E ABRE OS BRAÇOS.

-Quando nos tornamos desesperados, quando inundamos nossos corações com lágrimas e pleiteamos, uma súplica verdadeira para esta conexão se materializar (contorcendo-se) – pelo menos por um pouquinho, pelo menos por uma fração de segundo – quando suplicamos com toda a força que nos sobra, porque sem isso não há nada para viver.

BARUCH PAUSA COMPLETAMENTE ESGOTADO, E OLHA PARA YEHUDA.

-É então que surge uma oração – (Suspiros) a partir do fundo do coração. Em resposta a esta oração os portões das lágrimas se abrem e você começa senti-Lo. Então, finalmente, você entende o significado de tudo isso. E você chora e chora, mas desta vez são lágrimas de alegria. E tudo cai no seu exato lugar.

Yehuda (radiante de alegria):

Isto é o que eu vou dizer a eles! E eles vão entender. Eu sei que eles irão. Eu tenho certeza. Afinal, ninguém gosta de sofrer.

BARUCH ESTÁ OLHANDO PARA YEHUDA. DE REPENTE, SUAS PERNAS CEDEM SOBRE ELE, MAS YEHUDA CONSEGUE PEGÁ-LO E BARUCH CANSADO DESCE ATÉ UM TOCO DE ÁRVORE.

Yehuda (assustado):

Você esta bem? Devo levá-lo para casa?

Baruch:           Não. Eu me sinto bem.

YEHUDA AGACHA-SE PRÓXIMO A BARUCH. ELE PASSA A MÃO NAS COSTAS DE BARUCH COMO SE ELE FOSSE UMA CRIANÇA.

Baruch:           Yehuda…

Yehuda:           Sim, Baruch.

Baruch:           Eu concordo com uma condição. (Olha para ele com atenção) Se você me disser agora que você falou com Ele sobre isso. Você falou?

Yehuda:           Sim, eu falei.

Baruch (ilumina-se com um sorriso repentino):

E Ele deu a Sua benção?

Yehuda:           Sim. Hoje à noite.

NO SEGUNDO QUE YEHUDA DIZ ESTAS PALAVRAS, ELE SENTE O DESABROCHAR DE UM JARDIM NOVO.

O JARDIM ESTENDE-SE LONGE DO HORIZONTE PARA AS MONTANHAS DISTANTES.

-Aqui esta Ele! – Yehuda sussurra.

ELE ESTÁ PARADO COM MEDO DE SE MEXER.

-Você se lembra da regra? – De repente ele ouve a voz de Baruch.

-Sim, – ele sussurra em resposta.

-Bom para você! – A voz do velho é calma. – Ninguém aqui pensa em si.

-Nem eu.

UM RAIO DE LUZ DANÇA NO TRONCO DE UMA GRANDE ÁRVORE21 À DIREITA DE YEHUDA. ALGO ATRAI A ATENÇÃO DE YEHUDA. ELE OLHA ATENTAMENTE PARA A FOLHAGEM.

– Não… – a voz de Baruch surge.

MAS YEHUDA JÁ DEU UM PASSO EM DIREÇÃO À ÁRVORE.

-Yehuda…

ALGO ENTRE AS FOLHAS BRILHA E CHAMA A ATENÇÃO DELE. ELE ALCANÇA COM A MÃO PARA TOCAR O TRONCO DE ÁRVORE.

Você não está me ouvindo, filho.

YEHUDA COLOCA UM PÉ NO RAMO INFERIOR DA ÁRVORE.

-Não há nada que eu possa fazer. – A voz de Baruch vem de longe. – Evidentemente, você tem que passar por tudo isso por si mesmo. Por si mesmo.

O VENTO DESLIZA SOBRE A RELVA, DOBRANDO AS FOLHAS DE GRAMA AO CHÃO.

 

YEHUDA SOBE NA ÁRVORE USANDO SEUS RAMOS COMO UMA ESCADA.

O VENTO SOPRA COM MAIS FORÇA. YEHUDA TENTA ALCANÇAR O OBJETO RELUZENTE ESCONDIDO NA FOLHAGEM.

O VENTO SE TRANSFORMA NUMA TEMPESTADE. OS PÁSSAROS LEVANTAM VÔO ABRUPTAMENTE. NUVENS RAPIDAMENTE COBREM O CÉU.

YEHUDA, INCAPAZ DE SE SEGURAR NO GALHO, CAI SOBRE A GRAMA.

***

***

***

***

UM CLARÃO DE LUZ.

YEHUDA ESTÁ CORRENDO EM UM CAMPO.

O RUGIDO DA TEMPESTADE E DA ÁGUA SE APROXIMANDO ESTÃO VINDO DE TRÁS. YEHUDA VOLTA SUA CABEÇA PARA TRÁS, AINDA CORRENDO, E VÊ COLUNAS DE ÁGUA DISSIPANDO O JARDIM FLORESCENTE.

ELE PERCEBE UMA FENDA ENTRE DUAS ROCHAS À FRENTE. A CHUVA TRANSFORMA-SE EM UM DILÚVIO COMPLETO.22

UMA FLORESTA PRÓXIMA DA CASA DE BARUCH.

YEHUDA ESTÁ ANDANDO RAPIDAMENTE EM CÍRCULOS ENTRE OS PINHEIROS. AGORA ELE ESTÁ CORRENDO.

BARUCH ESTÁ OBSERVANDO-O ATENTAMENTE.

-Espere, filho! Segure-se! – ele repete.

UM CLARÃO DE LUZ!

A ONDULAÇÃO DAS ÁGUAS ARRANCA A ÁRVORE ANTIGA QUE ESTAVA EM PÉ NO MEIO DO JARDIM. ELA É LANÇADA GIRANDO NO AR E É ATIRADA EM YEHUDA.

NO ÚLTIMO MOMENTO YEHUDA PULA DE CABEÇA NO BURACO ESTREITO ENTRE AS ROCHAS.

ELE OUVE A VOZ DE BARUCH TREMENDO DE ALEGRIA.

-Você está nascendo!

A ONDA VEM BATENDO NAS ROCHAS E NO TÚNEL, PEGANDO YEHUDA E O CARREGANDO PARA ADIANTE. A PODEROSA CORRENTE O LEVANTA, COLOCANDO YEHUDA DE CABEÇA PARA BAIXO E ATIRANDO-O CONTRA AS PEDRAS À MEDIDA QUE O CARREGA PARA FRENTE.

DE VOLTA À FLORESTA.

YEHUDA ESTÁ CORRENDO POR TODA A FLORESTA, ACARICIANDO TRONCOS DE ÁRVORES COM AS PONTAS DOS DEDOS.

BARUCH OLHA PARA ELE E CONTINUA A SUSSURRAR PARA SI MESMO:

-Você está nascendo, filho, você está nascendo.

UM  CLARÃO  DE  LUZ. YEHUDA MERGULHA NA ÁGUA.

UM TRONCO DE ÁRVORE CORRE EM DIREÇÃO A ELE, SEU TOPO PONTUDO MIRA EM YEHUDA.

YEHUDA FECHA OS OLHOS COM TERROR.

A ÁRVORE CAI, REVELANDO UM BURACO NEGRO NO MEIO DO TRONCO, GRANDE O SUFICIENTE PARA CABER UM HOMEM ALTO.

ISSO ENGOLE YEHUDA.

 

***

***

A FLORESTA.

YEHUDA DE REPENTE PARA DE CORRER. ELE ESTÁ IMÓVEL.

BARUCH LEVANTA A MÃO DELE, MAS ELE É INCAPAZ DE PRONUNCIAR UMA PALAVRA.

UM CLARÃO DE LUZ!

OUTRA ÁRVORE EMERGE NO REDEMOINHO DE ÁGUA. SEU TOPO SE DOBRA NA ABERTURA CAVERNOSA NO TRONCO DA PRIMEIRA ÁRVORE, SELANDO-A FECHADA.

O SILÊNCIO CAI. ESCURIDÃO.

A FLORESTA.

YEHUDA ESTÁ DE PÉ, COM O ROSTO ENTERRADO NO OCO DE UM VELHO CARVALHO.  UM ESQUILO, MAIS ACIMA DO TRONCO, ESTÁ OLHANDO PARA FORA DE SEU BURACO. BARUCH ESTA AO LADO DE YEHUDA. ELE DÁ UM TAPINHA NAS COSTAS DELE COMO SE ELE FOSSE UMA CRIANÇA PEQUENA.

AMBOS ESTÃO EM SILÊNCIO POR MUITO TEMPO. YEHUDA NÃO PODE VOLTAR AOS SEUS SENTIDOS.

-Eu sei, filho, você pode fazê-lo! – Baruch finalmente diz com uma voz calma.

-Vou tentar, – responde Yehuda.

-Você não vai tentar,você vai conseguir!

BARUCH OLHA DENTRO DOS OLHOS DE YEHUDA.

YEHUDA AINDA ESTÁ PESADO COM A EMOÇÃO DA EXPERIÊNCIA.

-Você vai cair e subir23 novamente, é parte do processo. É necessário! – Diz Baruch. – Não pode haver Luz24 sem escuridão, nenhum dia sem uma noite.

-Eu entendo. Mas é muito difícil, Yehuda responde.

-A primeira fase terminou. É a fase mais importante. -Baruch diz. – Agora, começa o processo de limpeza da sua sujeira25. Você entende que é absolutamente necessário,filho?

-Sim.

-Você percebe que você não pode viver para si, meu filho, quando Ele “vive” apenas para todos os outros.

BARUCH SORRI E OLHA NOS OLHOS DE YEHUDA.

-Viver para si mesmo é tão imundo.

-Eu entendo, Baruch. Responde Yehuda. – Eu entendo.

-Nós temos que nos purificar disso, filho.

 

Yehuda (suspiros): Se eu pudesse… tirá-lo de mim de uma só vez!

Baruch:                Você não pode fazer tudo de uma vez. O nascer do sol não acontece imediatamente, mas pouco a pouco. Você vai conseguir isso.

Yehuda:           E quanto tempo vai levar…

Baruch:           Quanto tempo? Até que você seja como Ele. Ele não pensa em si mesmo. Você já sabe disso. E você vai ser o mesmo. Você vai conseguir isso, filho, você vai!

Yehuda (resolutamente):

Eu vou conseguir, Baruch.

BARUCH SORRI.

-Assim que se fala! Não ouse dizer mais nada! Milhares e milhares dos maiores, dos maiores sábios, Yehuda, estão observando você com amor e esperança. Eles estavam dispostos a serem rasgados em pedaços, cortados em pedaços, só para sentir o que você sentiu! E Ele escolheu você e não eles. Vá a Ele, filho, vá, anseie, ore, quebre, grite, somente não pare!

Yehuda:           Eu vou a Ele, Baruch. Eu estou voando para Ele.

***

UM CLARÃO DE LUZ.

A ÁGUA ESTÁ JORRANDO, JOGANDO O TRONCO SELADO DA ÁRVORE GIGANTE COMO UM PALITO MONSTRUOSO, COM YEHUDA DENTRO.

-Você entrou na Arca.26 (A voz de Baruch é ouvida através do rugido da água) A Arca que está dentro de você!

OUTRO TRONCO DE ÁRVORE, PERPENDICULARMENTE ENCRAVADO NO OCO COMO UM MASTRO, CORRE AO LONGO DO BARRANCO ESTREITO.

-Segure-se, filho! Mantenhamos-nos em seu pensamento, todos nós.

E NOVAMENTE A FLORESTA SUSSURRA. A GRAMA BALANÇA COM A BRISA LEVE.  BARUCH ESTÁ QUIETO, ELE APERTA OS OLHOS À MEDIDA QUE OLHA PARA LONGE DE YEHUDA, PARA O MATAGAL. ELE OLHA PARA UMA ABELHA QUE VOA DE FLOR EM FLOR.

Baruch:           É tão calmo aqui, limpo. Você deve procurar outro professor, Yehuda.

YEHUDA OLHA PARA ELE. ELE NÃO RESPONDE.

Baruch:           Eu não tenho mais nada para lhe ensinar. Sua alma irá guiá-lo a partir daqui.

Yehuda:           Onde eu irei encontrar outro professor?

Baruch:           Continue procurando. Pergunte. Se você perguntar, ele vai ser revelado a você. O Criador não vai deixá-lo agora. Ele tem grandes planos para você. Novos tempos estão chegando, não é adequado para os mais velhos como eu.

Yehuda:           Devo levá-lo para casa?

 

Baruch:                Não, eu vou sentar aqui neste toco, e ouvir o silêncio. Talvez eu aprenda uma coisa ou outra.

YEHUDA LEVANTA-SE.

Yehuda:           Eu tenho que ir.

Baruch:           Vá.

YEHUDA VIRA E COMEÇA ANDAR RAPIDAMENTE ESTRADA ABAIXO. BARUCH SEGUE-O COM O OLHAR, À MEDIDA QUE CHAMA SEU NOME.

-Yehuda!… YEHUDA NÃO PODE OUVÍ-LO.

Baruch:           Não volte aqui nunca mais, Yehuda! Você não deve retornar aqui.

YEHUDA AUMENTA O PASSO, QUASE CORRE.

-Mas eu estarei esperando por você, sussurra Baruch, meu aluno e grande professor.

***

***

VARSÓVIA. RUA PRINCIPAL.

YEHUDA ESTÁ ANDANDO RAPIDAMENTE, MAL PRESTANDO ATENÇÃO EM SEUS PASSOS. IMERSO EM SEUS PENSAMENTOS, ELE NÃO RESPONDE À NADA E À NINGUÉM.

DOCUMENTÁRIO:

CRÔNICA DO INÍCIO DO SÉCULO XX.

UM BAILE DE GALA MAJESTOSO NO PALÁCIO DE INVERNO EM SÃO PETERSBURG. A PRIMEIRA CORRIDA TOUR DE FRANCE.

A AMÉRICA RECONHECE A INDEPENDÊNCIA DO PANAMÁ.  AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES COMUNISTAS NA POLÔNIA. OS IRMÃOS WRIGHT FAZEM SEU PRIMEIRO VÔO.

OS CARROS SÃO AS NOVAS “SENSAÇÕES” DO MOMENTO.

***

VARSÓVIA. RUA PRINCIPAL.

UM MURMÚRIO CRESCENTE DE UMA MULTIDÃO ESTÁ APROXIMANDO-SE DE ALGUM LUGAR. YEHUDA OLHA PARA CIMA.

ELE ENCONTRA-SE NO MEIO DA RUA; A MULTIDÃO ESTÁ MARCHANDO EM DIREÇÃO A ELE.

BANDEIRAS VERMELHAS SÃO ABANADAS SOBRE AS CABEÇAS DAS PESSOAS. O INTERNACIONAL (HINO COMUNISTA) ESTÁ TOCANDO AO FUNDO.

YEHUDA ENCONTRA-SE NO MEIO DA MULTIDÃO, CAMINHANDO COM ELES NAS FILAS DA FRENTE.

BANDEIRAS VOAM ACIMA DE SUA CABEÇA.

HOMENS E MULHERES JOVENS ESTÃO MARCHANDO AO SEU LADO.

ALGUÉM O SEGURA PELO COTOVELO.

O ROSTO DE YAN APARECE ENTRE A MULTIDÃO.

Yan (gritando na multidão):

Eu sabia que você não iria sentar nas arquibancadas.

ALGUÉM EMPURRA UMA BANDEIRA VERMELHA NA MÃO DE YEHUDA. A MULTIDÃO:

Fraternidade! Igualdade! Liberdade!

YEHUDA COMEÇA A GRITAR JUNTO COM ELES.

PESSOAS NAS CALÇADAS ESTÃO OLHANDO COM ESPANTO PARA UM JUDEU ORTODOXO RELIGIOSO LEVANDO UMA BANDEIRA VERMELHA, GRITANDO SLOGANS COMUNISTAS JUNTO COM OS OUTROS.

UMA MULHER BONITA PEGA A MÃO DE YEHUDA, YAN ESTÁ SEGURANDO A OUTRA MÃO DELE. YEHUDA ESTÁ SORRINDO.

OS ROSTOS DE TODOS SÃO ILUMINADOS COM FELICIDADE E INSPIRAÇÃO.

—————

Ambientação

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DE REPENTE UMA UNIDADE DE DESTACAMENTO DA POLÍCIA MONTADA ATACA A MULTIDÃO DE DUAS RUAS LATERAIS.

A polícia:        Calem-se, escória!

OS POLICIAIS DE BASTÕES EMPUNHANDOS ATACAM A MULTIDÃO, SEUS BASTÕES DESCENDO NA CABEÇA DAS PESSOAS.

A MULTIDÃO SE AGITA, E ENTÃO SE DESMORONA.

A multidão:       O que vocês estão fazendo, vocês seus filhos da puta?!

PESSOAS CAEM NO CHÃO, SEGURANDO SUAS CABEÇAS, SANGUE ESCORRENDO ENTRE OS DEDOS.

UM BASTÃO SOBE PARA CIMA DE YEHUDA. UM ROSTO DISTORCIDO DE UM POLICIAL:

-Aaaah, seu judeu imundo, então você quer igualdade?!

IMEDIATAMENTE UM BRAÇO FORTE EMPURRA O POLICIAL PARA LONGE, PEGA AS LAPELAS DO CASACO DE YEHUDA, E O JOGA PARA O LADO.

YEHUDA É PRESSIONADO CONTRA A PAREDE DA CASA. YAN ESTÁ EM PÉ AO LADO DELE.

ELE EMPURRA YEHUDA PARA UMA PORTA DE ENTRADA.

Yan:              Você está vivo?! Então chame o seu Deus!

ATRAVÉS DA PORTA SEMI ABERTA, PODEMOS VER PESSOAS CORRENDO.

POLICIAIS ESTÃO PERSEGUINDO-OS À CAVALO, BATENDO NELES COM SEUS BASTÕES.

Yan:              Não há ninguém para chamar, não é?! Ninguém! Porque Ele não pode existir! Basta olhar o que Ele, o seu Deus, está fazendo!

YEHUDA TENTA DIZER ALGO, MAS YAN PULA NELE, PRESSIONANDO A MÃO DELE CONTRA A BOCA DE YEHUDA, SUFOCANDO SUAS PALAVRAS.

Yan:              Ele não existe! Ele não existe E se Ele existe, ninguém precisa de tal Deus, porque Ele está coberto com o nosso sangue!

DOIS POLICIAIS ESTÃO BATENDO NUM MENINO. O MENINO ESTÁ SOLUÇANDO:

-Eu não vou mais fazer isso. Eu não vou…

OUTRO POLÍCIAL ESTÁ ARRASTANDO PELO CABELO A MENINA BONITA QUE MARCHOU AO LADO DE YEHUDA.

Yan (sussurrando):

***

Você não será capaz de explicar isso para mim, você não vai!

ELE ARRANCA O CHAPÉU DE YEHUDA E O JOGA NO CHÃO.

ENTÃO ELE CORRE PARA A RUA, SE JOGA NA FRENTE DO CAVALO DO POLICIAL, DA UM SALTO PARA CIMA E ARRASTA O POLICIAL PARA BAIXO PELA JAQUETA. ELE PEGA A MÃO DA MULHER E CORRE COM ELA, DESAPARECENDO AO VIRAR A ESQUINA.

NOITE. O BAIRRO JUDEU DE VARSÓVIA.

UM CASAL DE IDOSOS PASSA POR YEHUDA, QUE ESTÁ SENTADO NOS DEGRAUS DA CASA. SEU CASACO ESTÁ SUJO; SUAS MÃOS ESTÃO SANGRANDO.

Uma mulher:       Você está bem?

Yehuda (levantando sua cabeça):

Não, nem um pouco.

Uma mulher:       Posso ajudá-lo?

Yehuda:           Eu não sei.

ELE LEVANTA-SE E CAMINHA PELA RUA.

YEHUDA VIRA NO BECO DELE. LENTAMENTE, ELE SOBE AS ESCADAS PARA O SEU APARTAMENTO E ABRE A PORTA. UMA VEZ LÁ DENTRO, ELE VAI DIRETO PARA SEU QUARTO.

SUA MÃE SE APRESSA EM DIREÇÃO A ELE, OLHANDO-O ALARMADA.

Yehuda:           Eu caí. Nada sério.

Mãe:              Lá, em seu quarto…

ELA NÃO TERMINA DE FALAR, YEHUDA ABRE A PORTA DO QUARTO DELE E PARA NA PORTA.

O RABINO FELDMAN E O PROFESSOR SHMUEL ESTÃO SENTADOS À MESA. SEU PAI ESTÁ EM PÉ PERTO DA PAREDE DO LADO OPOSTO DO QUARTO.

Yehuda (imediatamente):

Não se preocupe, pai, eu simplesmente escorreguei, (Vira-se para os convidados) Olá, rabino Shmuel. Aconteceu alguma coisa?

Rabino Feldman (examinado ele):

Não se surpreenda, Yehuda. Seu pai, Simcha, nos convidou para vir aqui. Por favor, sente-se.

YEHUDA OLHA PARA SEU PAI,CONTINUA EM PÉ.

Rabino Feldman:   Você está estudando Cabalá, e nós não podemos impedi-lo agora.

O professor (severamente):

Proíba-o de estudar Cabalá! Eu disse isso muitas vezes, e eu vou dizer isso de novo!

Rabino Feldman:   Bem, isso não é mais tão simples assim.

O professor (se dirige à Yehuda):

Você ultrapassou todos os limites. É o que o seu pai, Simcha, nos disse…

SIMCHA TENTA NÃO OLHAR PARA YEHUDA.

O professor:      Simcha está dizendo que você considera os gentios iguais aos judeus.

Yehuda:           A coisa mais importante é se a pessoa aspira ao Criador.

O professor:      E não é importante se ele é um gentio ou judeu, certo?

Yehuda:           Correto. É irrelevante.

O PROFESSOR RAPIDAMENTE OLHA À TODOS:

O professor:           Bem, eu acho que o caso é claro. Temos que parar com isso completamente, imediatamente! (Apontando o dedo para Yehuda) Este homem veio para destruir tudo o que nos manteve juntos há séculos. Ele é mortal para nós. Yehuda, nós proibimos você de estudar a Cabalá (fervente). Este louco, Baruch, este canalha e idiota!

Rabino Feldman:   Shmuel, por favor, Eu lhe peço…

O professor:      Mas veja o que ele faz com os meus alunos. (Virando-se para Yehuda), repito, nós o proibimos de estudar a Cabalá.

Yehuda:           Eu não posso ouvir você, rabino Shmuel. O que você está me dizendo é como parar de respirar, parar de viver. Eu não posso fazer isso.

O professor (dirigindo-se ao Rabino Feldman):

Devemos banir todos os judeus na Polônia de falar com ele. Todos os judeus na Polônia.

Rabino Feldman:   Lembro-me de que você se inscreveu para a ordenação de rabino?

Yehuda:           Sim, eu gostaria de fazer os exames para a ordenação de rabino e para começar a ensinar.

O professor:      O quêêê?! Você acha que depois de tudo que ouvimos agora isso seria possível?

Yehuda:           Estou pedindo um minuto de sua paciência, eu posso explicar tudo para você.

O professor:      Por que deveríamos ouvi-lo?!

Rabino Feldman:   Espere um minuto, Shmuel. Estamos lhe ouvindo, Yehuda.

Yehuda:           Devemos introduzir, o mais breve possível, o estudo de O Livro do Zohar em todas as nossas instituições de ensino. Devemos iniciar estudos obrigatórios da Cabalá desde a mais tenra idade possível. Dessa maneira, vamos trazer a Luz para o mundo e colocar um fim ao sofrimento. Eu posso criar o programa. Eu posso começar a ensinar…

O professor:      Um gentio não pode ensinar aos judeus. E você é um gentio!

UMA PAUSA. O PROFESSOR OLHA PARA YEHUDA, RABINO FELDMAN, DEPOIS PARA SIMCHA, E DE VOLTA À YEHUDA.

O professor (firmemente):

Eu, como membro do conselho, farei tudo em meu poder para garantir que você falhe no exame. Você não será um rabino! Eu não posso permitir que esta praga que você pegou contamine e destrua o nosso povo.

ELE LEVANTA-SE ABRUPTAMENTE E SAI DO QUARTO. A PORTA BATE ATRÁS DELE. O RABINO FELDMAN BALANÇA A CABEÇA, OBSERVANDO-O SAIR.

Rabino Feldman:   Por que você tem que criar confrontos com todos, Yehuda? Por quê?

YEHUDA SENTA-SE, OLHA PARA O RABINO FELDMAN, DEPOIS PARA SEU PAI. SIMCHA NÃO SABE ONDE COLOCAR SEUS OLHOS. ELE SE AFASTA.

Rabino Feldman (voltando-se à Yehuda):

Diga-me, por que diabos você não pode, com sua mente brilhante, ficar em silêncio quando necessário, manter certas coisas não ditas? Você é tão inteligente! Você quer se tornar um rabino, não quer?

Yehuda:           Sim.

Rabino Feldman:   Você quer ensinar as pessoas?

Yehuda:           Esta é a única razão pela qual eu quero me tornar um rabino.

Rabino Feldman:   Bem, seja inteligente! Olha o que você fez com o professor!

Ele começa tremer na simples visão de você. Ele quase teve um derrame agora. Que culpa tem ele? Ele foi ensinado assim, ele não é culpado. Você precisa explicar tudo para ele a partir de uma perspectiva totalmente diferente.

YEHUDA ESTÁ QUIETO, OLHANDO PARA O CHÃO.

Yehuda:           Eu estou tentando, mas não estou conseguindo.

Rabino Feldman: Bem, ser consciente já é um sinal de progresso. Bem feito. E agora, (sentando-se confortavelmente) me diga o que você não disse a ele.

YEHUDA ESTÁ OLHANDO SUSPEITOSAMENTE PARA O RABINO FELDMAN.

Yehuda:           Tudo?

Rabino Feldman:   Bem, prossiga, diga-me como é. Nós judeus somos maus, não somos?

YEHUDA ESTÁ POUCO À VONTADE

Rabino Feldman:   Eu lhe disse para não ter medo, então não tenha medo, fale de uma vez!

Yehuda (decidido):

Os olhos do mundo todo estão fixados em nós.

Rabino Feldman:   E sempre foi assim.

Yehuda:           Agora mais do que nunca. Não haverá clemência.

Rabino Feldman:   Por quê? Por que agora, em particular?

Yehuda:           Um século terrível está despontando, um século de sofrimento horrível, ódio terrível e egoísmo sem precedentes. E nós, os judeus, levaremos a culpa pelo sofrimento do mundo inteiro.

Rabino Feldman:   É isso que os gentios pensam?

Yehuda:           É o que a Cabalá pensa, O livro do Zohar, é o que o Criador pensa.

FELDMAN ESTÁ QUIETO, PENSAMENTOS CONFLITANTES CORRENDO DENTRO DELE.

Yehuda (apaixonadamente):

Somos nós que estamos impedindo o Criador de ser revelado no mundo.

Rabino Feldman:   Nós somos o povo do Criador; observamos a Torá e os mandamentos.

Yehuda:                Não devemos nos orgulhar, encher-nos com o conhecimento, e tornarmos arrogante, orgulhando-nos com escrupulosa observância dos mandamentos. Não!

Simcha:           Yehuda, pare!

Rabino Feldman:   Deixe-o falar!

Yehuda:           Precisamos observar tudo apenas para revelar o Criador, a Luz, o Amor, para o mundo inteiro. Para tornar-nos os portadores da Luz, em vez da escuridão.

SIMCHA OLHA O SEU FILHO COM ADMIRAÇÃO E REVERÊNCIA.

Rabino Feldman:   Se você for falar assim, ninguém vai entendê-lo. Você está sendo muito direto, muito contundente.

Yehuda:           Você me pediu para lhe dizer toda a verdade.

Rabino Feldman:   Isto já é demais.

Yehuda:                Vou tentar o meu melhor para fazer-me claro. Vou procurar maneiras de me expressar melhor para que eles possam entender. Farei todo o esforço. Por que a mim foi dada esta vida senão por isso? Caso contrário, todos nós, o mundo inteiro vai experimentar angústias sem precedentes.

Rabino Feldman:   Como você sabe disso?

Yehuda:           Eu sei.

Rabino Feldman:   Como?

Yehuda:           Eu vejo.

O RABINO FELDMAN OLHA PARA ELE EM SILÊNCIO.

SILÊNCIO PAIRA NO AR. GOTAS DE CHUVA CAEM POR TRÁS DA JANELA.

Rabino Feldman:   Eu suponho que você sabe que você tem que apresentar três cartas de recomendação, para ser admitido no exame.

Yehuda:           Sim, eu sei.

Rabino Feldman:   Você conhece alguém que irá recomendá-lo?

YEHUDA ESTÁ QUIETO.

RABINO FELDMAN LEVANTA-SE E CAMINHA ATÉ A PORTA. ELE PARA NA SOLEIRA.

Rabino Feldman:   Eu lhe darei a minha recomendação. Também vou pedir ao rabino Zilber e ao rabino Epstein para atestar a seu favor. Eles o amam por sua diligência e conhecimento profundo. Certamente, eu não vou dizer a eles o que eu ouvi de você hoje.

Yehuda:           Eu lhe sou grato, honorável rabino.

***

RABINATO.27 UM LONGO CORREDOR.

JUDEUS EM CAPOTAS PRETAS (SOBRECASACAS TRADICIONAIS) E SHTREIMELS (UM TÍPICO CHAPÉU DE PELE) ESTÃO SENTADOS AO LONGO DAS PAREDES, APERTADOS JUNTO A UMA PORTA FECHADA.

DOIS ESTUDANTES PRESSIONAM SEUS OUVIDOS CONTRA O BURACO DA FECHADURA, TENTANDO OUVIR O QUE ESTÁ ACONTECENDO LÁ DENTRO, RELATANDO O QUE ELES OUVEM AOS OUTROS EM VOZ BAIXA.

Aluno #1:         Ele responde de uma vez!

Aluno #2 (em admiração):

Ele nem parou para pensar!

Aluno #1:         Oh, que resposta!

Alguém da multidão:

Já fazem mais de três horas.

Aluno #1:         Eles estão quietos.

Aluno #2:         Eles estão quietos.

Outro alguém da multidão:

Entãoooo?

Aluno #1:         Então, eles ainda estão quietos! Nem uma palavra.

Aluno #2:         Quietos!O rabino Zilber está falando. Ele o parabeniza, ele passou. Conhecimentos excelentes. Ele espera que…

A PORTA SE ABRE, OS DOIS JUDEUS QUASE FORAM DERRUBADOS. O PROFESSOR SAI, DÁ ALGUNS PASSOS AO LONGO DO CORREDOR.

O RABINO FELDMAN E OUTROS MEMBROS DA COMISSÃO O ESTÃO SEGUINDO. ELES ESTÃO CONVERSANDO ENTRE SI E BALANÇANDO A CABEÇA.

O PROFESSOR PARA ABRUPTAMENTE, AGUARDA O RABINO FELDMAN.

ELE SUSSURRA PARA ELE, MAS ALTO O SUFICIENTE PARA QUE TODOS POSSAM OUVIR.

O professor:      Você está fazendo um erro terrível.

RABINO FELDMAN CAMINHA PASSANDO POR ELE.

 

O professor (se aproxima de um rabino idoso que esta caminhando atrás do rabino Feldman):

Rabino Zilber, temos que detê-lo. (Vira-se para outro rabino idoso) Rabino Epstein!

Rabino Epstein:   Eu fiz o meu melhor para detê-lo, você viu por si mesmo. Mas é impossível.

Rabino Zilber:    Não me lembro de alguém com o conhecimento tão fenomenal… (pausa) e sentimento.

OS RABINOS ANDAM, CONVERSANDO ENTRE SI. YEHUDA SAI DA SALA.

SIMCHA PULA EM YEHUDA, SUA ALEGRIA LHE FAZ PARECER UMA CRIANÇA. JUDEUS O CERCAM, APERTANDO A MÃO DE YEHUDA.

O PROFESSOR SHMUEL ESTÁ EM PÉ NO FINAL DO CORREDOR, ASSISTINDO A CENA.

***

O BAIRRO JUDEU DE VARSÓVIA. UMA MANHÃ BRILHANTE.

SIMCHA E YEHUDA ESTÃO ANDANDO PELA RUA.

SIMCHA NÃO PARA DE FALAR, INCAPAZ DE CONTER SUA ALEGRIA. DUAS MENINAS DE 16 ANOS ANDAM EM SUA DIREÇÃO.

UMA DELAS LEVANTA OS OLHOS E SORRI TIMIDAMENTE PARA SIMCHA. SIMCHA SORRI DE VOLTA.

AS MENINAS PASSAM POR ELES. YEHUDA OLHA PARA TRÁS.

Yehuda:           Quem é aquela moça, Pai?

Simcha:           Rivka, uma parenta distante.

Yehuda:           Quantos anos ela tem?

Simcha:           Dezesseis.

Yehuda:           Eu gostaria que ela fosse minha esposa.

SIMCHA OLHA PARA YEHUDA. YEHUDA BALANÇA A CABEÇA EM AFIMAÇÃO.

Yehuda:           Um Cabalista tem que ser casado.

***

UM PÉ EM UM SAPATO PRETO QUEBRA UMA TAÇA, EMBRULHADA EM PAPEL. IMEDIATAMENTE, MÚSICA JUDAÍCA COMEÇA A TOCAR, ESTAMOS EM UM CASAMENTO HASSÍDICO.

YEHUDA, O NOIVO, É JOGADO ATÉ O TETO NA CADEIRA. CHAPÉUS HASSÍDICOS SÃO JOGADOS NO AR, HASSÍDICOS ALEGRES SALTAM PARA CIMA E PARA BAIXO EM UMA DANÇA TRADICIONAL. UMA BANDA KLEIZMER ESTÁ TOCANDO, REMEXENDO EM SINTÔNIA COM A MÚSICA.

O CASAMENTO É ALEGRE, UMA HORA PARA ESQUECER TODOS OS PROBLEMAS! PARECE QUE OS HASSÍDICOS ESTÃO DESLIZANDO NO AR.

BARUCH ESTÁ OLHANDO AS FESTIVIDADES DE UM CANTO. UMA MULTIDÃO DE CRIANÇAS O RODEIA.

UMA GARRAFA DE VODKA ESTÁ QUASE VAZIA EM FRENTE À ELE. BARUCH ESTÁ SEGUINDO YEHUDA COM OS OLHOS.

YEHUDA, NO MEIO DE UMA DANÇA, ENCONTRA SEU OLHAR.

BARUCH BALANÇA A CABEÇA PARA ELE, ERGUE O COPO, BEBE, E DE REPENTE O COPO DESAPARECE DE SUA MÃO.

BARUCH SORRI E CUIDADOSAMENTE PEGA UMA COPO CHEIO DE VODKA DA MANGA DE SEU CASACO GORDUROSO.

OS CRIANÇAS AO SEU REDOR RIEM. YEHUDA RI.

O QUE O FUTURO GUARDA PARA YEHUDA?

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LOGO APÓS O CASAMENTO, OS NOIVOS YEHUDA E RIVKA MUDAM-SE DE VARSÓVIA PARA A PEQUENA CIDADE DE PURSOV.

ELES ALUGAM UM APARTAMENTO EM FRENTE AOS PAIS DE RIVKA.

MEIA-NOITE. SILÊNCIO.

A PEQUENA CIDADE POLACA ESTÁ ADORMECIDA. A LUA ESTÁ DESLIZANDO NOS CÉUS CHEIO DE ESTRELAS.

ABAIXO DELA, UMA CASA DE MADEIRA VELHA, SUAS JANELAS TODAS ESCURAS. UMA PEQUENA CHAMA, UMA LUZ FRACA APARECE EM UMA DAS JANELAS.

DE REPENTE, O SILÊNCIO É QUEBRADO PELO SOM DE GELO RACHANDO.

UM PAR DE PÉS DESCALÇOS ROMPE UMA CROSTA DE GELO E MERGULHA EM UMA PEQUENA BACIA CHEIA DE ÁGUA GELADA.

UM QUARTO POUCO ILUMINADO.

YEHUDA BALANÇA A CABEÇA E TRAZ O LIVRO MAIS PERTO DE SUA FACE. SEUS PÉS ESTÃO SUBMERSOS NA ÁGUA GELADA.

SUA JOVEM ESPOSA, RIVKA, O ESTÁ OBSERVANDO POR TRÁS DE UMA CORTINA. ELA PARECE ASSUSTADA.

DA RUA, PODEMOS VER A SILHUETA DE YEHUDA NA JANELA MAL ILUMINADA.

UMA MULHER ESTÁ OLHANDO PARA ELA DA CASA EM FRENTE. É DVORA, MÃE DE RIVKA. ELA VIRA A CABEÇA DA JANELA PARA A SALA E DIZ ALGO. A CARA DE SONO DE SEU MARIDO APARECE NA JANELA AO LADO DELA. AMBOS OLHAM PELA JANELA. ELES ESTÃO OLHANDO O PERFIL ACENTUADO DE YEHUDA, IMÓVEL COMO UMA FOTO E PROFUNDAMENTE CONCENTRADO.

O APARTAMENTO DE YEHUDA E RIVKA. MANHÃ. YEHUDA ESTÁ INCLINADO SOBRE O LIVRO.

A CHAMA DA LÂMPADA MORRE EM UMA NUVEM DE FUMAÇA. O RELÓGIO MOSTRA QUE SÃO CINCO DA MANHÃ.

RIVKA JÁ ESTÁ DE PÉ, FAZENDO CAFÉ DA MANHÃ. SÓ AGORA PODEMOS VER QUE ELA ESTÁ GRÁVIDA.

UMA BATIDA QUIETA NA PORTA. RIVKA ATENDE.

OS PAIS DELA ESTÃO DE PÉ NA PORTA. ELES ENTRAM.

YEHUDA CUMPRIMENTA O PAI DELA.

O PAI ESTÁ USANDO UM TALIT28 BRANCO. ELE ESTÁ CHEIO DE AUTO ESTIMA EM ANTECIPAÇÃO À ORAÇÃO DA MANHÃ.

DVORA BEIJA RIVKA.

UMA SINAGOGA EM UMA CIDADE PEQUENA.

O PAI DE RIVKA E YEHUDA ESTÃO EM PÉ PRÓXIMOS UM DO OUTRO, ORANDO.

A SALA ESTÁ BRANCA COM OS TALITS, COBRINDO AS CABEÇAS DAQUELES QUES ESTÃO ORANDO.

O APARTMENTO DE YEHUDA E RIVKA.

O PAI DE RIVKA E YEHUDA ESTÃO SENTADOS À MESA.

RIVKA E DVORA ESTÃO OCUPADAS SERVINDO A ELES UM CAFÉ DA MANHA SIMPLES.

 

Pai (dirigindo-se à Yehuda):

Você parece cansado. Você tem dormido o suficiente?

Yehuda:           Sim, eu estou bem.

Pai:              Quantas horas de sono você tem por noite?

Yehuda:           Três horas são o suficiente para mim.

Pai:              Tolice!

Yehuda:           Eu penso que isso já é muito.

Pai:              Eu entendo… Yehuda, você tem uma jovem esposa.

Rivka:            Pai, por favor…

Pai:              Não há dinheiro na casa.

Rivka:            Nós vamos pagá-lo no próximo mês.

Pai (com firmeza): E você está fazendo sabe-se lá o quê… Por que você acorda a uma da manhã?

Yehuda:           A noite é dada para mim para os meus estudos.

Pai:                   Não, a noite é para você estar com sua esposa (à Rivka: Fique quieta, Rivka!) para que você possa descansar e depois cumprimentar a cada dia rejuvenescido, com uma oração, e por último mas não menos importante, ir em busca do pão diário.

Você tem uma família para alimentar.

DVORA VAI PARA TRÁS DE SEU MARIDO.

Pai:              Nós lhe demos Rivka pensando que você fosse sério a respeito de construir uma família.

Rivka:            Pai, pare! Você está interferindo nas nossas vidas!

Dvora:            Não, isso é errado. Nós não conseguimos suportar vê-lo deixando você sozinha toda noite… fazendo somente o Senhor sabe o quê!

Rivka:            Yehuda sabe o que está fazendo!

Dvora:            Eu acho que ele não está fazendo nada. Ele não trouxe para casa um só centavo!

Rivka:            Mãe!

Dvora:            Comece a ouvir aos mais velhos. Ambos vocês. Nós queremos que vocês tenham uma família normal. A Cabalá dele interfere com suas vidas.

Rivka (levanta-se):

Meu marido é um grande estudioso. Nós sinceramente pedimos que vocês parem de interferir em nossas vidas! Além disso, ele ainda tem um pouco de tempo para dormir, e vocês estão distraindo-o com suas conversas sem sentido.

Pai:              O quêêê?! Sem sentido?!

Dvora:            Em outras palavras, você está pedindo para irmos embora?

Rivka:            Eu quero que vocês entendam que eu tenho um marido, a quem eu amo, e nós temos uma vida juntos. Eu desejo que vocês fiquem fora disso.

Pai:              Ficar de fora disso?

Rivka:            Por favor.

O PAI SE LEVANTA E CAMINHA EM DIREÇÃO À PORTA. DVORA SE APRESSA ATRÁS DELE.

Pai (da porta):

Bem, não chore quando você não tiver nada para alimentar seus filhos, e ele – o seu grande estudioso – estiver muito ocupado estudando para encontrar um emprego e cuidar de você. Não venha chorar para nós então! Vamos, Dvora!

ELES VÃO EMBORA. YEHUDA OLHA PARA RIVKA.

Yehuda:           Eles não vão mais voltar aqui.

Rivka:            Eu fiz minha escolha. Eu tenho você.

YEHUDA VAI ATÉ ELA E A ABRAÇA.

RIVKA COLOCA A MÃO EM SUA BARRIGA E DIZ, SORRINDO:

-Ele é tão forte, ele não consegue ficar parado aqui dentro. Ele não para de chutar.

ELA OLHA PARA YEHUDA E COLOCA A CABEÇA NOS OMBRO DELE.

Rivka:            Eu acho que nós temos que nos mudar daqui. Eles não irão nos deixar em paz. O que você acha?

Yehuda:           O que você disser.

***

MANHÃ. UM CAVALO MAGRO ESTÁ PUXANDO UMA CARROÇA. YEHUDA E RIVKA ESTÃO SENTADOS DENTRO. TODOS OS PERTENCES DELES CONSISTEM DE DOIS SACOS – UM CHEIO DE ROUPAS, E O OUTRO DE LIVROS.

O COCHEIRO SUAVEMENTE LEVA SEU CAVALO E AO MESMO TEMPO ELE RECITA VERSOS DE SALMOS.

  • “Feliz é o homem que não andou no conselho dos ímpios, nem ficou no caminho dos pecadores”…

ELE LEVANTA UM DEDO TORTO PARA CIMA.

  • “…nem sentou no banco dos desdenhosos”.

ELE BALANÇA A CABEÇA, QUASE CANTANDO.

  • “E ele será como a árvore plantada junto à corrente de águas, que traz o seu fruto na estação própria, e cuja folhagem não murcha, e em tudo o que ele faz, prosperará”.

O COCHEIRO VOLTA-SE PARA YEHUDA E RIVKA E PISCA PARA ELES.

– Eu posso ver que você é um rabino, um homem educado – diz ele, – e sua esposa é uma mulher bonita. Eu, por outro lado, tenho trabalhado desde que eu tinha sete anos de idade, eu não posso ler ou escrever mais. Eu não preciso disso. Eu só memorizo tudo o que meu filho lê, e eu choro. … É tão bonito. É uma maravilha que alguém possa escrever algo assim.

YEHUDA OLHA PARA ELE E SORRI.

O COCHEIRO APRESSA O CAVALO E APONTA O DEDO DELE PARA CIMA NOVAMENTE.

O cocheiro:  “Ainda que um exército se acampe contra mim, meu coração não temerá; ainda que a guerra se levante contra mim, mesmo assim eu terei confiança”.

O COCHEIRO SACODE A MÃO E ESTALA ALTO SUA LÍNGUA.

O cocheiro:       Ahhh! Como é doce, como é bonito, ai! Meu filho o lê tão lindamente. Ele senta e medita sobre isso, em seguida, explica tudo para um velho tolo como eu. Ele diz que eu amo só a mim, mas que o Criador ama a todos.

Yehuda:           Ele diz isso?

O cocheiro:       Sim, ele diz! Ele é tão esperto, meu garoto!

Yehuda:           Qual é o nome do seu filho?

O cocheiro:       Moshe. Ele tem apenas 10 anos. Ele sempre diz, “Pai, apenas observe como é amável o nosso Criador”. – sim, eu digo, certamente, Ele é amável.

ELE BALANÇA A CABEÇA, ENTÃO SE VIRA DE VOLTA, E APRESSA O SEU CAVALO.

O cocheiro:       Bem, apresse-se, sua mula velha!

DE REPENTE SUA VOZ MUDA. NÓS PODEMOS VÊ-LO LIMPANDO LÁGRIMAS NA SUA MANGA.

O cocheiro:       E-hhh! Certamente, Ele é amável. Se Ele é tão amável, então porque Ele tirou as pernas de meu filho?

VOLTA-SE PARA YEHUDA, OS OLHOS DELE BRILHANDO COM LÁGRIMAS.

O cocheiro:       Hein? Ele é um menino de ouro, meu filho, estimado rabino, ele sabe tudo, mas suas pernas não funcionam desde o nascimento. É claro que eu não estou reclamando, o Senhor sabe melhor. Mas você pode me dizer, rabino, por que Ele tomou as pernas de meu filho?

YEHUDA ESTÁ QUIETO.

RIVKA, SEGURANDO SUA BARRIGA COM UMA DAS MÃOS, ESTÁ OLHANDO PARA SEU MARIDO.

Yehuda:           Quão longe você vive daqui?

O cocheiro:       Não muito perto. Mais ou menos duas horas de viagem com minha mula velha, isso é se ela não cair morta no caminho.

Yehuda:           Eu quero falar com seu filho. Você me permitiria?

O cocheiro:      O-o-h meu estimado rabino! Ele vai ficar muito feliz! Ele viu um rabino apenas duas vezes em sua vida, uma das quais foi na sua Brit Milá.29 (olha para Rivka) Mas a estrada é muito ruim, a sua mulher está quase pronta para…

Rivka:            Não, eu estou me sentindo bem. (Olha para Yehuda.) Vamos.

Yehuda (para o cocheiro):

Vamos.

O COCHEIRO PUXA AS RÉDEAS VIGOROSAMENTE.

O cocheiro:       Vamos agora, você velha bruxa, que você não demore! Uau! O pequeno Moshe mal sabe da grande surpresa!

A VELHA ÉGUA OLHA PARA O SEU MOTORISTA DO CANTO DE SEU OLHO E COMEÇA A TROTAR UM POUCO MAIS RÁPIDO.

A CARROÇA ESTÁ CAVALGANDO AO LONGO DE UMA ESTRADA IRREGULAR, BALANÇANDO DE UM LADO PARA O OUTRO.

O COCHEIRO RECITA EM SUA VOZ ROUCA:

– “As palavras do pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém: Vaidade das vaidades”, diz o pregador, Vaidade das vaidades, tudo é vaidade.

O COCHEIRO RECITA DO ECLESIASTES EM VOZ ALTA:

– Como correto que ele é! “Uma geração vai e outra geração vem, mas a terra permanece para sempre”.

A CARROÇA PROSSEGUE.

YEHUDA COBRE RIVKA COM SEU CASACO. ELA SE APERTA CONTRA ELE.

UMA VASTIDÃO CINZA SE ABRE DIANTE DELES: CAMPOS, UMA FLORESTA DISTANTE, UM PINHEIRO SOLITÁRIO NUMA COLINA DISTANTE.

 

A VOZ DO COCHEIRO:

– “O que foi é o que há de ser; e o que tem sido feito é o que deve ser feito: e não há nada de novo sob o sol”.

O SOL ESTÁ SE PONDO.

A CARROÇA SACODE DE UM LADO PARA OUTRO NA ESTRADA ÁSPERA.

RIVKA ESTÁ SENTADA, APERTANDO-SE CONTRA YEHUDA, SEGURANDO A BARRIGA DE ANSIEDADE.

UM MOMENTO DEPOIS, ELA SAI DA CARROÇA E ANDA POR TRÁS DELA, AS PERNAS DELA ESTÃO COBERTAS ATÉ OS JOELHOS DE LAMA. ELA ESTÁ SEGURANDO A MÃO DE YEHUDA.

A CARROÇA ENTRA EM UMA VILA PEQUENA E POBRE.

ELA DESVIA DA ESTRADA PRINCIPAL E ALGUMAS VIRADAS DEPOIS O COCHEIRO APONTA EM DIREÇÃO A UMA CASA BAIXA DE MADEIRA PRETA.

O ROSTO PÁLIDO DE UMA CRIANÇA ESTÁ OLHANDO PELA JANELA.

O cocheiro: Aqui está o meu garotinho.

ELES ENTRAM NA CASA. MÓVEIS SIMPLES E ESCASSOS.

UMA CRIANÇA. MOSHE ESTÁ SENTADO EM UMA CADEIRA DE MADEIRA, FEITA ESPECIALMENTE PARA ELE.

UM LIVRO ESTÁ ABERTO À SUA FRENTE NO PEITORIL DA JANELA.

SUAS PERNAS, COMO CADARÇOS, OSCILAM SEM VIDA PENDURADOS NA CADEIRA. MOSHE SORRI PARA OS CONVIDADOS.

O COCHEIRO ABRE OS BRAÇOS DE ALEGRIA E SEM QUALQUER ESFORÇO LEVANTA MOSHE DE SUA CADEIRA.

MOSHE ABRAÇA SEU PAI E BEIJA O ROSTO ÁSPERO DELE.

O cocheiro:       Bem, rabino honorável, aqui está o meu menininho, meu Moshe, a joia da minha vida.

YEHUDA OLHA FIXAMENTE PARA MOSHE, QUE OLHA DE VOLTA PARA ELE. YEHUDA ESTENDE OS BRAÇOS E TOMA MOSHE DO COLO DO PAI DELE.

O MENINO ABRAÇA-O PELO PESCOÇO E SE APROXIMA DELE. RIVKA SENTA-SE NA PORTA E CALMAMENTE OLHA PARA ELES.

Moshe (dirigindo-se à Yehuda):

Como vai você?

Yehuda:           Eu estou sempre pensando Nele, todos os dias de minha vida.

Moshe:                 Não há ninguém mais além Dele. Ele se preocupa e pensa em nós…

O cocheiro (resmunga):

Por que Ele fez isso com você se Ele se importa?

MOSHE SORRI E TOCA A MÃO DE YEHUDA. YEHUDA SENTA-SE.

Moshe:            Não dê ouvidos a ele. Ele simplesmente me ama muito, ele apenas não pode entender que tudo o que vêm do Criador é o bem absoluto.

O cocheiro (suspira):

O-o-o-oww!

Moshe:            Ele está fazendo tudo isso intencionalmente, para nos confundir, para que possamos subir acima de todos os nossos pensamentos e sofrimentos e dizer: “Tudo o que existe é Você!

Você é o maior bem, nosso Pai amado, que ama a todos, todos nós”.

YEHUDA OLHA PARA O MENINO EM ADMIRAÇÃO. MOSHE BATE SUAS MÃOS EM SUAS PERNAS IMÓVEIS.

Moshe:                 Quanto ao corpo, ele sempre vai continuar gemendo. O corpo só ama a si mesmo. (secretamente e com um sorriso o pequeno Moshe continua) Mas há uma pequena parte Dele em nós, realmente pequena, bem assim (ele mostra o dedo mínimo). Não, ainda menor (ele traz o polegar para a falange do seu último mindinho), bem pequena, um ponto minúsculo. Ele é chamado de “uma alma”. Ele nos deu esse ponto. Ele fala somente com ela. A alma, não o corpo, fala com o Criador. Eu entendi isso direito, caro rabino?

Yehuda (com admiração):

Cada palavra sua é verdade.

Moshe:            Eu não quero ser companheiro do meu corpo, eu quero me agarrar à minha alma. Deixe o corpo sofrer, eu não quero lidar com isso. Eu estou com a minha alma e minha alma está cantando.

O cocheiro (animadamente):

Esse é o meu menino amado, estimado rabino, tão estranho, tão adorável. Bobo eu – eu não entendo o que ele diz; eu só quero cantar no Shabbat30 e beber um pouco de vodka. E ganhar algum dinheiro para nos sustentar e para lhe comprar livros. Ele folheou este até seus pedaços, ele sabe palavra por palavra. Basta perguntar a ele! Bem, pergunte a ele! Venha pequeno Moshe, deixe o nosso estimado rabino ouvi-lo recitar algo da maneira que você recita para mim.

DE REPENTE TODOS PODEM VER QUE MOSHE NÃO ESTÁ LÁ. ISTO É, ELE ESTÁ LÁ, MAS O SEU OLHAR ESTÁ FIXO EM ALGO DISTANTE, FORA DA JANELA. UM OLHAR, SILENCIOSO E PACÍFICO.

YEHUDA ESTÁ OLHANDO MOSHE, COM MEDO DE DISTRAÍ-LO. QUÃO PARECIDOS ELES SÃO NESTE MOMENTO!

O cocheiro (sussurrando):

Muitas vezes acontece assim. Ele vai sentar-se e ler por horas a fio e, em seguida, ele vai levantar os olhos e olhar. Para o quê? Para a nossa égua? Para a estrada do lado de fora?

Yehuda (sussurrando):

Você não pode ver com quem ele está conversando?

O COCHEIRO SE ESFORÇA PARA OLHAR PARA FORA DA JANELA EM DIREÇÃO AO OLHAR DE MOSHE.

O cocheiro:       É com a nossa velha égua que ele está falando?

Yehuda:           Seu filho está correto, você é bobo. Além desta janela há Luz.

E o seu filho é um grande homem e feliz. Ele pode ver esta Luz.

MOSHE REDIRECIONA O OLHAR PARA YEHUDA E DE REPENTE DIZ EM UMA VOZ ADULTA:

-Você tem que dizer a todos eles sobre isso para que eles compreendam. Saiba que o Criador lhe escolheu por uma razão. Ele quer que você explique tudo a eles. Eles são cegos; eles não podem ser responsabilizados. Você, no entanto, tem que encontrar as palavras certas para eles.

Yehuda:           Eu estou fazendo o meu melhor, eu estou pensando muito sobre como fazer isso.

Moshe:            Você será bem sucedido.

Yehuda:           Eu não sei…

Moshe:            Mas eu sei.

Yehuda (olha para ele):

Espere, só um segundo.

DE REPENTE YEHUDA SE LEVANTA E SAI DA CASA.

ELE VOLTA COM UM SACO, DESAMARRA-O NA MESA, E TIRA O LIVRO DO ZOHAR.

Yehuda:           Eu quero deixar este livro com você.

MOSHE EXAMINA A CAPA DELE COM REVERÊNCIA.

Moshe

O Zohar… Devo terminá-lo a tempo. Seria uma pena se eu não o fizer.

ELE ABRE O LIVRO E FICA IMEDIATAMENTE PERDIDO NELE. ELE MERGULHA NO LIVRO, E A SALA E AS PESSOAS NELA DESAPARECEM PARA ELE. SEUS OLHOS ENGOLEM O TEXTO, BEBENDO EM SUAS LINHAS.

TODOS ESTÃO OLHANDO PARA MOSHE.

O cocheiro:       É isso, agora ele vai embora até amanhã. Ele não come, não bebe, apenas pede para alimentar a lâmpada de querosene. Eu preciso comprar mais, o que sobrou não vai durar mais do que duas noites. Muito obrigado pelo livro honrado rabino, é um presente tão grande para o meu menino. Eu vou levá-lo para casa gratuitamente.

ELES SILENCIOSAMENTE SAEM PARA O QUINTAL E SOBEM NA CARROÇA. O COCHEIRO PUXA AS RÉDEAS E A VELHA ÉGUA COMEÇA A MOVER-SE.

YEHUDA OLHA PARA A JANELA DA CASA SOLITÁRIA ONDE O MENINO PODE SER VISTO LENDO O SEU LIVRO.

A LÂMPADA DE QUEROSENE JÁ ESTÁ ACESA. A NOITE CAI.

YEHUDA VIRA-SE PARA RIVKA.

Yehuda:           Então assim acontece, um mensageiro31 veio a mim e colocou tudo em seu devido lugar.

(Pensativo) Eu tenho que explicar tudo isso a eles…, para que então eles venham a entender. Eu devo!

 

14 Kotzk – uma pequena cidade da Polônia, onde o grupo de Cabalá do rabino Menachem Mendel foi fundado.

15 Plural de Hassídico: um estudante devoto. O movimento de Hassíduto circulou a sabedoria da Cabalá entre Judeus por toda a Europa Oriental.

16 “Deixando o corpo” quer dizer deixando os desejos egoístas em favor de desejos altruístas (espirituais). Em Cabalá, o “corpo” não é o corpo biológico, mas o desejo de receber prazer.

17 Todos os mundos estão dentro de nós. A Cabalá ensina que se pode perceber toda a realidade interiormente. Quando os desejos mudam de egoísta para altruísta, uma pessoa começa a sentir a unidade e amor – o Criador – interiormente.

18 O jardim interior— a qualidade de outorga e de amar aos outros.

19 Uma serpente é um pensamento egoísta que de repente infiltrou um desejo puro e altruísta.

20 Mordechai Yosef – uma melodia que o grande Cabalista Rabino Mendel de Kotzk ouviu durante a ascensão  espiritual.

21 Uma árvore é a qualidade de amor e doação em uma pessoa. Quando essa qualidade é usada para o bem dos outros, considera-se que uma  pessoa está no Jardim do Éden. Mas, quando usada para o seu próprio benefício, as leis do  Jardim do Éden quebram-se e a pessoa “é expulsa” de lá.

22 A chuva é a qualidade de doação de uma pessoa, a qualidade do Criador. A chuva transforma-se em um dilúvio quando uma pessoa deseja usá-la para satisfação própria ao invés de sattisfazer aos outros.

23 A “queda” ou “descida” é quando uma pessoa que aspira a espiritualidade sente um desejo egoísta que está além de sua habilidade de restringir, o que faz a a pessoa “cair” nele e viver para si mesmo. Uma “ascensão” é quando a pessoa corrige esse desejo egoísta e sobe acima dele.

24 “Escuridão” é o domínio do ego sobre uma pessoa, um domínio que esconde o Criador e o mundo espiritual de uma pessoa. “Luz” é a revelação da qualidade de doação e amor em uma pessoa, permitindo que se possa redescobrir o mundo espiritual, o Criador.

25 “Limpeza” significa limpar a sujeira, trabalhar para corrigir os desejos egoístas, recebendo com o  objetivo  de encantar aos outros, ou seja, ao Criador.

26 A “arca” é um sistema fechado de desejos que visa somente alcançar doação e amor. Uma pessoa aparentemente se eleva acima do ego e temporariamente “afoga” o resto dos desejos, ou seja, evita usá-los. Assim, a pessoa “veleja” na arca, protegida dentro de seus pensamentos puros.

27 Rabinato, da palavra hebraica Rabanut, é uma instituição religiosa dirigida por rabinos que testam o  conhecimento dos alunos e os ordenam como rabinos. O rabinato também julga, faz regras, casa, e divorcia casais dentro do judaísmo ortodoxo.

28 Talit – um xale de oração branco e fino que os judeus usam durante o serviço de preces.

29 Brit Milá (circuncisão): um costume judaíco em que o prepúcio de um de recém-nascido é removido do pênis oito dias após o nascimento.

30 Shabat (Sábado), o dia sagrado para os judeus.

31 Um mensageiro – o Criador se manifesta para uma pessoa, através de qualquer fenômeno, livros, ou  pessoa.  A  pessoa só precisa estar pronta para aceitar a Sua mensagem.

O Cabalista (1)

Do livro “O Cabalista”

Para Michael Laitman.

O professor da nossa geração

VARSÓVIA – FIM DO SÉCULO XIX – NOITE.

UM SOLITÁRIO POSTE DE LUZ ILUMINA A RUA VAZIA. VENTO E CHUVA SOPRAM AO LONGO DAS RUAS DESERTAS.

DE REPENTE, UM HOMEM GRITA. UMA VOZ DE MULHER RESPONDE IMEDIATAMENTE:

– Simcha, o que aconteceu?!

CHUVA CAI SOBRE UM PRÉDIO DE DOIS ANDARES; DENTRO, UMA JANELA NO SEGUNDO ANDAR ESTÁ MAL ILUMINADA.

Uma voz de mulher: Não me assuste! O que você sonhou?

A voz de Simcha: Você dará luz a um filho.

Uma voz de mulher: Você sonhou com o nosso menino?! Fale!

SALA. NOITE. UM LIVRO ABERTO ESTÁ SOBRE A MESA.

A voz de Simcha:  Seis letras saíram deste livro e formaram uma palavra.

Uma voz de mulher (esgotada):

Tudo porque nós mantemos este livro em nossa casa. Rabino Feldman lhe pediu para levá-lo tão longe quanto possível… O mais distante que você pudesse… .

A MÃO DE UMA MULHER AVANÇA SOBRE O LIVRO, MAS A MÃO DO HOMEM TOCA NO LIVRO E IMPEDE QUE AS MÃOS DELA O ALCANCE.

A voz de Simcha:  O Criador irá sacudir a mão deste menino.

ASSIM QUE ELE ACABA DE FALAR ESTAS PALAVRAS, HÁ UMA BATIDA FORTE NA JANELA. AGORA É A MULHER QUE GRITA.

UM PÁSSARO BRANCO ESTÁ DESCANSANDO NO PARAPEITO DA JANELA.

ELE LEVANTA VÔO, PAIRA SOBRE UM BANCO, E DESAPARECE NA ESCURIDÃO DA NOITE.

UM HOMEM VESTIDO COM UM CASACO PRETO ESTÁ SENTADO LÁ FORA NO BANCO NO MEIO DA CHUVA. ÁGUA ESTÁ CAINDO SOBRE SEU CHAPÉU EM UM LIVRO ABERTO EM SUAS MÃOS.

O HOMEM LEVANTA A CABEÇA E OLHA PARA A JANELA NO SEGUNDO ANDAR. ELE SE PARECE COM BAAL HASULAM EM SEUS ÚLTIMOS ANOS.

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Ambientação

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***

EM CINCO DE SETEMBRO, 1886, UM FILHO NASCE NA FAMÍLIA DE SIMCHA HALEVI ASHLAG.

AS MÃOS DE UMA MULHER LEVANTAM O PEQUENO BEBÊ ENRUGADO.

O BEBÊ CHORA DE MANEIRA SILENCIOSA, COMO SE SUSPIRANDO, DEPOIS PARA E FICA QUIETO.

Uma voz de mulher: Olhe para ele, ele não está chorando. Sacuda-o!

PAREDES BRANCAS RODOPIANTES… TETO BRANCO… JANELAS… ROSTOS TURVOS DE MULHERES

Uma voz de mulher: O que você está olhando? O que ele está olhando? O que ele vê naquela parede?

Uma segunda voz de mulher (silenciosamente):

Ou talvez por de trás dela?

O RECÉM-NASCIDO ESTÁ SILENCIOSAMENTE DEITADO NO BERÇO OLHANDO PARA O TETO COM OLHOS SÁBIOS DE UM ADULTO.

UMA SINAGOGA – MANHÃ.

O RABINO FELDMAN CURVA-SE SOBRE A CRIANÇA.

A FACA DA CIRCUNCISÃO BRILHA BREVEMENTE EM SUA MÃO. UM MOMENTO DEPOIS, ELE JOGA O PREPÚCIO SOBRE A AREIA.

ELE OLHA PARA O BEBÊ EM DESCONCERTO. O BEBÊ NÃO ESTÁ CHORANDO.

RABINO FELDMAN O ERGUE E ENTREGA AO PAI DELE, CONCLUINDO O SERVIÇO COM AS PALAVRAS:

-… e que ele seja conhecido em Israel como… (olha para Simcha)

Simcha:     Yehuda Leib.

Rabino Feldman:

***

***

Yehuda Leib, filho de HaLevi Ashlag (e acrescenta) – a criança que não chora.

CASA DA FAMILÍA ASHLAG. MANHÃ. YEHUDA AOS TRÊS ANOS SENTADO À MESA.

SEU PAI ESTÁ OLHANDO PARA ELE DE LONGE.

O DEDO PEQUENO DE YEHUDA MOVE-SE AO LONGO DAS LINHAS DE UM LIVRO ABERTO. A VOZ DE YEHUDA É OUVIDA:

– “Esses portões têm uma fechadura e uma abertura estreita para inserir a chave”. Diz-se a respeito daquele segredo: “No princípio, Deus criou…”

YEHUDA E SEU PAI ESTÃO DESCENDO A RUA. YEHUDA ESTÁ SEGURANDO MÃO DE SEU PAI.

A VOZ DE YEHUDA ECOA ENQUANTO DESAPARECE NA DISTÂNCIA:

– “A chave é uma mestra de seis portões, ela trava e destrava seis portões”. “No princípio Deus criou os céus e a terra”.

ELES ENTRAM NA SINAGOGA PASSANDO POR UMA LONGA FILEIRA DE LIVROS ANTIGOS, E ABORDAM O RABINO FELDMAN, QUE ESTÁ VIGIANDO DE PERTO.

Simcha:           Eu preciso de seu conselho, honorável rabino. Yehuda, você pode ir e procurar livros.

YEHUDA CAMINHA EM DIREÇÃO AOS LIVROS.

ENQUANTO ELE ESTÁ ANDANDO OUVIMOS SEU PAI SUSSURRAR:

Estamos muito preocupados com ele. Às vezes temos a sensação de que ele é mais velho do que nós.

YEHUDA ESTÁ ANDANDO AO LONGO DAS ESTANTES, EXAMINANDO AS CAPAS PRETAS DOS LIVROS.

O OLHAR DO RABINO FELDMAN ESTÁ FIXO NELE.

DE REPENTE YEHUDA PARA PRÓXIMO DE UM LIVRO VELHO E ESFARRAPADO.

RABINO FELDMAN PULA E RAPIDAMENTE CAMINHA NA DIREÇÃO DO GAROTO, PARANDO ATRÁS DELE. ELE SUSSURRA:

O Livro do Zohar… Eu vejo.

ELE VIRA-SE E CAMINHA DE VOLTA RAPIDAMENTE. ELE PARA PRÓXIMO A UMA JANELA E CHAMA SIMCHA.

Rabino Feldman:   Você confirma que você tem O livro do Zohar em sua casa?

Simcha (sob o olhar penetrante do Rabino Feldman):

Sim, eu confirmo. É um presente do pai da minha esposa.

Rabino Feldman:   Alma infeliz! Esconda-o, o mais distante quanto possível.

RABINO FELDMAN TRAZ O ROSTO DELE MUITO, MUITO PERTO DO ROSTO DE SIMCHA E SUSSURRA:

Eu quero que seu filho seja um judeu, e este livro vai levá-lo para longe do caminho da Torá. Ele não entende o que está escrito lá, ele entende? Ele não entende, certo?

Simcha:           Eu tenho a sensação de que ele entende.

O OLHAR DO RABINO FELDMAN SE VOLTA À YEHUDA.

YEHUDA ESTÁ LUTANDO PARA SEGURAR O LIVRO PESADO EM SUAS MÃOS, ABERTO NAS PRIMEIRAS PÁGINAS.

ELE LÊ, SÍLABA POR SÍLABA, MOVENDO SEUS LÁBIOS:

– Todos os dias a voz apela a todas as pessoas no mundo: “Depende de você. Separe uma parte do que é seu para o Criador”…

Rabino Feldman:   Bobagem. Se os adultos não podem dominá-lo, o que pode esta criança entender? Quantos anos ele tem?

Simcha:           Três anos.

RABINO FELDMAN VÊ YEHUDA VIRANDO A PÁGINA E OUVE A SUA VOZ:

– “Há fogo, água e ar, os três primeiros dias da criação”.

Rabino Feldman (diz suspirando):

Esconda o livro, o mais rápido possível! Agora!

***

***

CASA DA FAMÍLIA ASHLAG. NO QUARTO DE YEHUDA.

SIMCHA ESTÁ EM PÉ NUMA CADEIRA EMPURRANDO O LIVRO NO OUTRO EXTREMO DA ESTANTE MAIS ALTA.

ENTÃO OLHA SOBRE SEU OMBRO, SALTA DA CADEIRA, E SAI DO QUARTO.

HEIDER.1 MANHÃ.

SHMUEL, O PROFESSOR, ESTÁ ANDANDO AO LONGO DO CORREDOR ENTRE FILEIRAS DE MESAS LONGAS COM PEQUENAS CRIANÇAS SENTADAS ATRÁS DELAS. SEUS PÉS OSCILAM ACIMA DO CHÃO, E SEUS OLHOS ACOMPANHAM A PONTA DA VARA DO PROFESSOR.

MONOTONAMENTE REPETINDO DEPOIS DELE, AS CRIANÇAS RECITAM UMA CITAÇÃO DA PORÇÃO SEMANAL DA TORÁ:

– “Tera viveu setenta anos e gerou Abrão, Naor, e Harã. Agora, estes são os registros das gerações de Tera. Tera gerou Abrão, Naor, e Harã. Harã gerou Lot”…

SECRETAMENTE, YEHUDA TIRA UMA MAÇÃ DE SEU BOLSO. A PONTA DA LONGA VARA DO PROFESSOR BATE NA MÃO DELE IMEDIATAMENTE.

 

YEHUDA GRITA E A MAÇÃ ROLA PELO CHÃO.

O PROFESSOR TRAZ A PONTA DA VARA PRÓXIMA AOS LÁBIOS DE YEHUDA.

O professor:      Ache forças para beijar a vara que lhe bate, Yehuda.

YEHUDA SE AFASTA.

O professor (firmemente):

Nesse caso, Yehuda, você terá que pedir ao Criador força para beijá-la.

A VARA PROTELA EM FRENTE AOS OLHOS DE YEHUDA. YEHUDA ABAIXA SUA CABEÇA, MAS O PROFESSOR NÃO CEDE. A PONTA DA VARA TOCA OS LÁBIOS DE YEHUDA NOVAMENTE.

O professor (insistindo):

Bem, faça isso!

YEHUDA DESISTE.

ELE BEIJA A PONTA DA VARA, E ESTA IMEDIATAMENTE VOA SOBRE AS CABEÇAS DAS CRIANÇAS.

O PROFESSOR AFASTA-SE.

AS CRIANÇAS MONOTONAMENTE RECITAM:

– “Tera viveu setenta anos, e gerou Abrão, Naor, e Harã”…

YANKELE,2 AMIGO DE YEHUDA SENTA-SE AO SEU LADO.

ASSIM QUE O PROFESSOR AFASTA-SE, YANKELE APANHA A MAÇÃ A COLOCA DE VOLTA NO BOLSO YEHUDA.

***

VARSÓVIA.  O  BAIRRO  JUDEU.  YEHUDA  E  YANKELE  ESTÃO  ANDANDO  RUA  ABAIXO ALTERNANDO MORDIDAS EM UMA MAÇÃ.

YEHUDA ARRASTA YANKELE PARA A ESQUINA, E DEPOIS DE ALGUNS PASSOS ELES CHEGAM À ENTRADA DE UMA LOJA DE APARÊNCIA ESTRANHA.

LIVROS REVESTEM AS PAREDES DO CHÃO AO TETO NA LOJA MAL ILUMINADA.

YEHUDA ADENTRA, PASSA POR UM ANCIÃO DORMINDO CONTRA A PAREDE E SENTA-SE NUMA GRANDE MESA DE MADEIRA EM FRENTE A UMA PILHA DE LIVROS.

ELE FOLHEIA AS PÁGINAS COMO SE AS FOTOGRAFASSE. YANKELE O OBSERVA COM UMA MISTURA DE ESPANTO E MEDO.

Yankele:          Deus lhe deu tais poderes, Yehuda.

A PILHA DE LIVROS EM FRENTE A YEHUDA ESTÁ DESAPARECENDO RAPIDAMENTE. UM ÚLTIMO LIVRO PERMANECE.

-Eu não sei quem me deu, Yehuda resmunga.

Yankele:          O Criador quer que você se torne um grande rabino para que você ensine aos outros.

Yehuda (abaixando o livro):

O que eu tenho para ensiná-los?

Yankele:          Amar a Deus, a observar os Seus mandamentos, orar sinceramente, e a ser um judeu.

Yehuda:           Quem lhe disse isso?

Yankele:          Está escrito em todos os nossos livros.

Yehuda (irritado):

Eu não sei. Eu não sei o que está escrito nesses livros!

UMA ROUCA E VELHA VOZ VEM POR DETRÁS DE YEHUDA:

 

– O velho Salomão lhe preparou uma boa porção.

O VELHO SALOMÃO SE APROXIMA DAS CRIANÇAS, ARRASTANDO-SE AO LONGO DE SEUS CHINELOS VELHOS E GASTOS.

Salomão (em admiração): Como? Você já leu todos eles?!

Yehuda:           Salomão, onde está…

Salomão (estende suas mãos):

O velho Salomão não tem este livro. Salomão procurou em toda parte, ele olhou em lugares que nunca tinha olhado antes.

ELE APONTA SEU DEDO PARA CIMA.

Lá em cima, na prateleira menos firme Salomão encontrou as cartas de Ramak.3 E lá (ele se vira bruscamente), no canto da aranha, ele encontrou o grande Ramchal.4

SALOMÃO PARA EM FRENTE À YEHUDA E ESTENDE SUAS MÃOS.

-Mas ele não pode encontrar O Zohar em lugar algum.

SALOMÃO SE VIRA ABRUPTAMENTE E COMEÇA A CAMINHAR AO LONGO DAS ESTANTES. ELE PARECE ESTAR FALANDO SOZINHO.

-Mas ele estava aqui, eu posso jurar! O velho Berele o trouxe para Salomão.

AO MESMO TEMPO EM QUE ELE SE SENTA À MESA ELE BATE SUAS MÃOS NELA.

-Berele disse a Salomão: “Guarde este livro para o pequeno Yehudale”.

A VOZ DE SALOMÃO CRESCE MAIS SUAVE.

–  Então onde está? Eu estou lhe perguntando, Salomão, seu velho bobo!

SALOMÃO COMEÇA A FICAR QUIETO. YANKELE OLHA PARA TRÁS.

O VELHO ESTÁ DORMINDO EM SEU LUGAR.

YEHUDA ESTÁ PERDIDO NO LIVRO. TUDO DESAPARECE PARA ELE.

Yankele:

Eu tenho todos os tipos de pensamentos sobre Deus, também, Yehuda. Eu, também, tenho uma opinião.

YEHUDA NÃO RESPONDE.

Yankele continua:    Não pense que não há outros como você YEHUDA ESTÁ QUIETO.

SUA MENTE ESTÁ EM OUTRO LUGAR. YANKELE SAI DA LOJA.

 

***

O BAIRRO JUDEU. DIA.

DEPOIS DE DAR APENAS ALGUNS PASSOS, YANKELE OUVE A VOZ DE SIMCHA CHAMANDO DO OUTRO LADO DA RUA.

Simcha:           Onde está Yehuda? Você sabe onde ele está, Yankele?

YANKELE APRESSA O PASSO E VAI EMBORA FINGINDO NÃO OUVÍ-LO. SIMCHA O PERSEGUE, ATRAVESSANDO A RUA.

-“Onde está Yehuda?”- ele pergunta. “Ele não voltou da escola”.

-“O seu Yehuda está sentado numa livraria com um homem velho que murmura para si mesmo e está lendo livros proibidos.” Yankele responde abruptamente e com raiva.

***

A LIVRARIA.

UMA SOMBRA APARECE SOBRE YEHUDA, QUE ESTÁ PERDIDO NUM LIVRO.

A voz de Simcha:  Vamos, Yehuda. Já basta.

YEHUDA OLHA PARA SEU PAI.

Simcha:           Sua mãe e eu estamos preocupados com o nosso garoto!

A VOZ DE SALOMÃO É OUVIDA DO CANTO:

– Poupe-o de seu cuidado tolo. Ele tem estado sob os cuidados do Criador já há um longo tempo.

SIMCHA AGARRA A MÃO DE YEHUDA E BRUSCAMENTE O PUXA. ELES PASSAM POR SALOMÃO.

SALOMÃO FURTIVAMENTE TOCA NA ROUPA YEHUDA… E DEPOIS BEIJA SUA MÃO.

***

HEIDER. OS RAIOS DO SOL DA MANHÃ PARECEM ESTAR DANÇANDO SOBRE AS MESAS. YEHUDA É CERCADO POR UMA MULTIDÃO DE CRIANÇAS.

ELE TEM OS OLHOS VENDADOS.

Uma voz de criança:     Página nove, linha treze do alto.

SEM UM MOMENTO DE HESITAÇÃO, YEHUDA RECITA DE COR UM TEXTO DA TORÁ:

– “E Deus viu que a maldade do homem seria maior na terra…”.

O DEDO DE UMA CRIANÇA SE MOVE AO LONGO DA LINHA DO TEXTO.

Alguém diz em admiração: Sim!

ELES VIRAM ALGUMAS PÁGINAS E OUTRA CRIANÇA CONTINUA:

-Página quinze, terceiro parágrafo de baixo.

Yehuda (imediatamente):

– “E eles disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo topo pode atingir o céu”…

As crianças (em espanto):

Uau!

DE REPENTE, YANKELE LEVANTA UMA AGULHA LONGA E A ESMAGA NO LIVRO – PRECISAMENTE NA LETRA KAF. A AGULHA PENETRA A PÁGINA DO LIVRO, PÁGINA APÓS PÁGINA.

Yankele:          Tire a venda!

YEHUDA TIRA A VENDA E OLHA A LETRA KAF.

Yankele:          Então?!

Yehuda:           Samekh.

YANKELE VIRA A PÁGINA.

A LETRA “SAMEKH” ESTÁ ATRAVESSADA PELA AGULHA.

UM SUSSURRO ADMIRADO:

Correto.

As crianças (em uníssono):

Uauuuu!

Yankele:          Próxima!

Yehuda:           Het.

YANKELE VIRA A PÁGINA SEGUINTE… E TODOS VÊEM: A AGULHA ATRAVESSOU A LETRA “HET”.

-“Uauuu! Mais um!” pedem as crianças.

Yankele:          Próxima!

Yehuda:           Peh.

ELE VIRA A OUTRA PÁGINA. ELE ESTÁ CERTO, É “PEH”.

As crianças (gritando desenfreadas):

Uauuuu!

YEHUDA CONTINUA:

Mem, Dalet, Aleph, Bet

DEREPENDE A VOZ DE SHMUEL, O PROFESSOR, É OUVIDA.

-Muito bem, Yehuda!

O PROFESSOR ESTÁ NA PORTA OLHANDO PARA YEHUDA.

O professor:      Muitos grandes Hassídicos5 conheciam a Torá tão bem que ela aparecia para eles nos sonhos, palavra por palavra, letra por letra. Você se tornará um grande Hassídico, Yehuda, se você puder trazer o seu grande “Eu” sob controle.

O PROFESSOR APROXIMA-SE DE YEHUDA E ACARICIA SUA CABEÇA.

– O Criador nos orienta da mesma maneira, Yehuda. Um dia você recebe a varinha, no dia seguinte – um doce.

O PROFESSOR TIRA UM PIRULITO COBERTO DE PEDAÇOS DE TABACO DE SEU BOLSO E DÁ À YEHUDA.

OS OLHOS DAS CRIANÇAS ESTÃO FIXOS NESSE DOCE, O QUAL LHES PARECE A COISA MAIS DELICIOSA DO MUNDO.

O professor:      Tudo o que Ele faz é porque Ele nos ama.

O professor olha para a classe:

Aprendam a amá-Lo, crianças, e vocês verão que o nosso Deus está sempre com vocês sejam vocês bons ou ruins.

YEHUDA VÊ OS OLHOS DAS OUTRAS CRIANÇAS ARDENDO DE INVEJA E COLOCA O DOCE NA MESA, LONGE DELE.

O professor:           Não, não, não, Yehuda. Coma-o. Você merece. E todos os outros ganharam o privilégio de assistir você comendo-o. Talvez a inveja deles faça com que eles conheçam a Torá, assim como você.

Yehuda:           Para que conhecê-la desta maneira?

O professor:      O que você que dizer?

Yehuda:           Eu sei de cor, cada linha, cada palavra. E daí?

O professor:      Bem, Yehuda, é estranho ouvir tal pergunta vindo de você. (Desconfiado) Você está fazendo isso de propósito? Eu tenho

uma sensação que você deseja verificar o meu conhecimento, Yehuda? Não faça isso.

Yehuda (muito claramente):

Eu realmente não entendo. Por que eu tenho que saber este livro de cor e salteado?

O professor:      Para observar as leis e mandamentos, deve-se aprendê-los de cor.

Yehuda:           Por que observá-los?

AS CRIANÇAS VOLTAM OS OLHARES DO PROFESSOR PARA YEHUDA, DEPOIS DE YEHUDA PARA O PROFESSOR. ELES ESTÃO COM MEDO.

O professor (firmemente):

Assim como para ser o povo escolhido (ele cita, levantando a ponta da varinha acima de sua cabeça): “Vocês serão para a mim um reino de sacerdotes e uma nação santa” (Êxodo, 19:6). Isto é o que está escrito: “E todo o povo respondeu em uma só voz e disse: ‘Todas as palavras que o Senhor tem falado nós faremos’.” (Êxodo 24:3). Você se lembra?

Yehuda:           Sim, eu me lembro.

YEHUDA ESTÁ PÁLIDO, MAS NÃO DESVIA SEU OLHAR DO PROFESSOR.

O professor:      O que é isso que você não entende, Yehuda?

Yehuda (silenciosamente):     Eu não entendo… por que eu nasci.

UMA PAUSA SILENCIOSA. SHMUEL, O PROFESSOR, OLHA PARA YEHUDA.

O professor:      Você nasceu para observar as leis de Deus Todo Poderoso.

Yehuda:           Eu não entendo quem é Ele. O que é Deus?

O professor:      Eu não entendo sua pergunta.

Yehuda:           Eu nunca o vi. Com o que ele se parece?

O professor:      Seus antepassados e Moisés o viram no Monte Sinai.

ELE CITA NOVAMENTE, ACENANDO COM SUA VARINHA:

“Moisés, em seguida, subiu, junto com Aaron, Nadav e Avihu, e setenta dos anciãos de Israel” (Êxodo, 24:1). “E viram o Deus de Israel” (Êxodo, 24:10).

O PROFESSOR DE REPENTE APONTA SEU DEDO PARA YEHUDA:

-Continue!

Yehuda:            “E eles viram Deus, e comeram e beberam” (Êxodo, 24: 11).

O professor:      Bem, você sabe tudo. Por que então você está fazendo perguntas?!

Yehuda:           Eu não sei de nada. Eu não quero saber. Eu quero…

ELE FICA EM SILÊNCIO. SUA RESPIRAÇÃO SE TORNA RÁPIDA E SUPERFICIAL.

O professor (impacientemente):

Então?

Yehuda:           Eu quero… sentir. Eu quero… encontrá-Lo. Vê-Lo!

Eu quero saber quem Ele é – o nosso Deus, se Ele existe. Eu quero saber o que está por trás de todas estas palavras.

O PROFESSOR OLHA YEHUDA COM A BOCA ABERTA. TODAS AS CRIANÇAS ESTÃO ATORDOADAS.

O professor (mal começando a perceber, muito lentamente):

Eu penso, Yehuda, que é melhor que você deixe a sala de aula. (E de repente grita) Fora! Saia fora!

***

VARSÓVIA. UMA RUA NO BAIRRO JUDEU. YEHUDA ANDA AO LONGO DA RUA.

ELE NÃO PERCEBE OS VENDEDORES DE RUA MONTANDO SUAS BANCADAS DE MERCADORIAS OU O VELHO MENDINGO DORMINDO NUMA POÇA OU O VIOLINISTA MALUCO TOCANDO COM UMA SÓ CORDA.

YEHUDA ESTÁ IMERSO EM SEUS PENSAMENTOS. ELE ATRAVESSA A ESTRADA E DE REPENTE OUVE UM GRITO:

-Uau! Opa!

A CABEÇA DE UM CAVALO PAIRA SOBRE ELE; O ROSTO DE UM COCHEIRO RUIVO APARECE POR TRÁS DELE.

Cocheiro:         Você está cansado desta vida?!

YEHUDA VIRA PARA TRÁS, ASSUSTADO, E SAI CORRENDO PELA RUA. CARTAZES DAS LOJAS PASSAM COMO NUM RELÂMPAGO, OS OLHARES DAS PESSOAS O SEGUEM. ELE VIRA A ESQUINA E ESBARRA EM YANKELE. AMBOS CAEM NO CHÃO. SEM SE LEVANTAR, YANKELE SUSSURRA PARA YEHUDA:

-Não vai para casa. O professor está lá.

YEHUDA DÁ UM SALTO E SE LEVANTA, YANKELE O ACOMPANHA. YEHUDA TENTA PASSAR AO REDOR DELE.

YANKELE AGARRA A MANGA DA CAMISETA DE YEHUDA:

-Eu conheço um lugar não longe daqui. Nós podemos esperar lá.

YEHUDA SE LIVRA E VAI PARA CASA. YANKELE CORRE ATRÁS DELE.

ELE OLHA EM VOLTA E SUSSURRA, PRESSIONANDO SEU CORPO CONTRA A YEHUDA:

-Não há Deus. Eu estou com você, Yehuda.

***

CASA DA FAMÍLIA ASHLAG. YEHUDA ABRE A PORTA.

NO CANTO DISTANTE DA SALA, SEUS PAIS E SHMUEL, O PROFESSOR, ESTÃO SENTADOS JUNTOS.

O PROFESSOR GESTICULANDO COM AS MÃOS.

SUAS MÃOS PARAM NO AR QUANDO ELE VÊ YEHUDA.

YEHUDA PASSA POR ELES A CAMINHO DE SEU QUARTO, SEPARADOS POR UMA PAREDE FINA.

ELE SENTA-SE NA CAMA E OUVE AS PALAVRAS SUSSURRADAS DO PROFESSOR:

-Sim, eu os culpo. A quem mais deveria culpar?

YEHUDA DEITA E COBRE O ROSTO COM UM TRAVESSEIRO. HÁ SILÊNCIO.

ELE OLHA PARA UMA PENA DO TRAVESSEIRO QUE OSCILA PARA FRENTE E PARA TRÁS AO RITMO DE SUA RESPIRAÇÃO.

ELE OUVE PASSOS LEVES.

ALGUÉM ESTÁ SENTADO NA CAMA AO LADO DELE. A MÃO DE ALGUÉM REMOVE O TRAVESSEIRO DE SUA FACE.

YEHUDA VÊ SEU PAI COM SUA MÃE PARADOS PRÓXIMOS DELE. SEU PAI AJEITA O SEU COBERTOR.

SUA MÃE INCLINA-SE E O BEIJA.

YEHUDA DESESPERADAMENTE PLEITEIA COM SEUS OLHOS E SUSSURRA QUASE INAUDÍVEL:

-Eu não sei para o que eu estou vivendo.

SEU PAI OLHA PARA ELE, ATERRORIZADO:

-Você é nosso filho. Você tem apenas cinco anos, Yehuda! Você será para sempre o nosso filhinho amado. Ninguém pensa sobre tais coisas na sua idade!

YEHUDA SENTA-SE, INQUIETO, SE INCLINA EM DIREÇÃO A SIMCHA, E SUSSURRA, OLHANDO DIRETAMENTE EM SEUS OLHOS:

-Eu não quero viver.

SIMCHA OLHA DE VOLTA À SUA ESPOSA, QUE ESTÁ COBRINDO A BOCA COM A MÃO. SIMCHA SE VIRA PARA OLHAR O FILHO.

-Não há maior pecado, meu pobre, pobre menino. Não é fácil viver neste mundo, especialmente para nós judeus. Mas assim é o mundo que o Criador nos deu. As crianças estão destinadas a serem felizes neste mundo… (com angústia) Por que lhe roubaram a sua infância? Por que está tão maduro? Por quê?!

SUA MÃE SAI DO QUARTO. NÓS PODEMOS OUVIR O SOM DE SEUS SOLUÇOS ABAFADOS.

Simcha:           Nós iremos ver o rabino Feldman amanhã e você vai dizer-lhe tudo. Durma um pouco agora. Durma e não pense em nada, além do Criador. Ele está sempre com você.

SIMCHA LEVANTA-SE.

A PORTA FECHA-SE ATRÁS DELE, E APENAS A LUA PROJETA UMA LUZ TÊNUE NO PARAPEITO DA JANELA, NA MESA, E NO LINHO BRANCO.

AS MÃOS DE YEHUDA DESCANSAM SOBRE O COBERTOR.

YEHUDA OBSERVA O CRESCENTE FRIO DA LUA ESPREITANDO O QUARTO, ENTÃO VOLTA SEUS OLHOS PARA O TETO.

O TETO ESTÁ COBERTO DE CÍRCULOS DE UMIDADE ACUMULADA.

UM PONTO NEGRO SE SOBRESSAI NO MEIO DOS CÍRCULOS.

Yehuda (contando os círculos):

-Um, dois, três, quatro…

ELE FECHA OS OLHOS.

DE REPENTE ELE BATE NA PAREDE, GEMENDO DE DESESPERO. A PAREDE FINA ESTREMECE COM O GOLPE.

AS ESTANTES PENDURADAS ACIMA DA CAMA ESTREMECEM, E LENTAMENTE UM LIVRO DESMORONA DO ALTO.

O LIVRO CAI EM YEHUDA, SUAS PÁGINAS BATENDO COMO UM ENORME PÁSSARO DE ASAS BRANCAS.

O LIVRO CAI EM CIMA DELE BEM DEVAGAR E COBRE INTEIRAMENTE O ROSTO DELE. CAI A NOITE.

YEHUDA SUSPIRA ALIVIADO. O ROSTO DELE ESTÁ ILUMINADO DE ALEGRIA PELA PRIMEIRA VEZ EM MUITO TEMPO.

PODEMOS OUVIR APENAS A RESPIRAÇÃO DO MENINO.

O ROSTO DE YEHUDA ESTÁ SOB O LIVRO. ELE VÊ AS LETRAS DE MUITO PERTO.

ELAS FLUTUAM FORA DE FOCO E PARECEM MUITO GRANDES.

YEHUDA CAUTELOSAMENTE LEVANTA O LIVRO. ELE O SEGURA COM OS BRAÇOS ESTICADOS.

SEUS LÁBIOS ESTÃO SE MOVENDO E NÓS O OUVIMOS SUSSURRANDO:

-… E ele disse: “Para aquele que quiser vir a mim, deixe que sejam os primeiros portões em seu caminho para mim. Quem entra nesses portões, entra”…

O MENINO ESTÁ LENDO.

A ESCURIDÃO DA NOITE É PERSEGUIDA PELA LUZ DA MANHÃ DO LADO DE FORA DA JANELA.

***

MANHÃ. BEM CEDO.

OS GARIS ESTÃO LIMPANDO AS RUAS.

UMA VELA ESTÁ QUEIMANDO NA JANELA DO SEGUNDO ANDAR DA CASA VELHA. É A VELA DO QUARTO DE YEHUDA.

OS SONS DA MANHÃ PERMEIAM O QUARTO: O RANGER DE UM CARRINHO, O GRITO DE UM COCHEIRO, O FARFALHAR DE VASSOURAS NA CALÇADA.

MAS YEHUDA NÃO OS OUVE.

ELE ESTÁ SENTADO NA CAMA LENDO O LIVRO ÁVIDAMENTE. A PORTA SE ABRE E SEU PAI ENTRA NO QUARTO.

YEHUDA LENTAMENTE OLHA PARA CIMA. ELE ESTÁ EM SILÊNCIO. SIMCHA SENTA AO LADO DE SEU FILHO E O ABRAÇA.

ELE VÊ O NOME DO LIVRO QUE SE ENCONTRA SOBRE OS JOELHOS SEU FILHO.

Simcha:           Então, você o achou?

Yehuda:           Sim.

Simcha:           Você leu?

Yehuda:           Sim.

Simcha:           Todo o livro?

Yehuda:           Sim.

Simcha:           Você entendeu alguma coisa?

Yehuda:           Eu entendi que ele contém todas as coisas.

SEU PAI VOLTA O OLHAR DELE PARA O LIVRO, E ENTÃO RETORNA À YEHUDA. ELE SUSPIRA.

***

-Ouvi dizer que você pode ficar louco por lê-lo, e que você não pode lê-lo até que você preencha-se com toda a sabedoria da sagrada Torá, e que você não pode aproximar-se dele antes dos 40 anos. As pessoas dizem um monte de coisas. Eu nunca tentei lê-lo. Você já leu e até mesmo entendeu alguma coisa. Você o abriu quando você tinha três anos. Eu fui obrigado a escondê-lo, então assim eu fiz. Mas você o encontrou novamente. Bem, acho que é assim que está destinado a ser.

MANHÃ. SINAGOGA.

SIMCHA E YEHUDA ESTÃO EM FRENTE DO RABINO FELDMAN.

Rabino Feldman:   Então ele o encontrou afinal, e até mesmo entendeu alguma coisa?

Yehuda:           Ele caiu sobre mim da prateleira de cima. Eu li e entendi apenas que é meu livro. Ele foi escrito para mim.

RABINO FELDMAN OLHA PARA YEHUDA POR MUITO TEMPO, ENTÃO GESTICULA PARA DUAS CADEIRAS VAZIAS AO LADO DE SUA MESA.

YEHUDA SENTA MAIS PERTO DO RABINO FELDMAN; SIMCHA SENTA-SE ATRÁS DELE.

Rabino Feldman:        Eu quero dizer a você, Simcha, que há pessoas a quem você não pode restringir pela força. Você também não pode esconder nada deles. Eles dizem que tais pessoas têm um “ponto no coração”.6 O Criador trata essas pessoas de uma maneira especial. Eles, também, têm uma atitude especial para com o Criador.

RABINO FELDMAN VOLTA O OLHAR À YEHUDA.

Rabino Feldman:   Como eles vêm a este mundo e como esse grande livro os encontra está além da nossa compreensão.

RABINO FELDMAN ESTÁ PERDIDO EM PENSAMENTO. SEU OLHAR DESFOCADO ESTÁ VAGANDO EM ALGUM LUGAR ATRÁS DE YEHUDA E SIMCHA.

Rabino Feldman:   Eu apenas vi um desses homens em minha vida. Seu nome era Mehachem Mendel de Kotzk.7

RABINO FELDMAN BALANÇA A CABEÇA. SEUS OLHOS DE REPENTE SE ENCHEM DE LÁGRIMAS E SUA VOZ ESTÁ CHEIA DE MELANCOLIA:

-Uma alma verdadeiramente grande queimava dentro dele. Ele se esforçou para chegar ao Criador, deixando de lado qualquer coisa que se colocasse em seu caminho. Seus discípulos o seguiram, mas caíram ao longo do caminho, incapazes de suportar aquela chama ardente. Ele não tinha misericórdia, nem para si nem para eles. Ele queria somente o Criador.

YEHUDA OLHA O RABINO FELDMAN INTENSAMENTE.

 

RABINO FELDMAN BALANÇA A CABEÇA:

Rabino Feldman:        Não, Yehuda, ele não está mais entre nós. Pessoas dizem que ele nunca deixou o quarto dele durante os últimos vinte anos de sua vida. O que se passava lá dentro, ninguém sabe. Ele morreu sem dizer uma palavra, nem mesmo para seus alunos mais próximos.

RABINO FELDMAN FICA QUIETO. OLHA PARA YEHUDA, E ENTÃO PARA SIMCHA:

Rabino Feldman:   Eu conheço um deles.

YEHUDA ANCIOSO SE INCLINA PARA FRENTE.

Rabino Feldman:   Ele é um homem estranho, e minha palavra não significa nada para ele. Mas antes de decidirmos qualquer coisa, eu quero que o seu pobre pai saiba que ele está escolhendo uma vida de sofrimentos para você. Deixe que seu pai saiba disso e então decida.

YEHUDA OLHA SUPLICANTE PARA SEU PAI. SEU PAI OLHA PARA O RABINO FELDMAN. RABINO FELDMAN SE LEVANTA E CAMINHA NA DIREÇÃO DOS LIVROS.

ELE FINGE PESQUISÁ-LOS, OBSERVANDO O PAI E O FILHO COM O CANTO DO SEU OLHO.

SIMCHA FICA EM SILÊNCIO POR UM LONGO TEMPO. YEHUDA TAMBÉM ESTÁ EM SILÊNCIO.

UM MINUTO, DOIS, TRÊS SE PASSAM.

FINALMENTE, SIMCHA OLHA PARA O RABINO FELDMAN.

Simcha:           Qual é o nome dele?

Rabino Feldman:   Baruch.

Simcha:           Como podemos encontrar este Baruch?

***

SIMCHA E YEHUDA ESTÃO ANDANDO POR UMA ESTREITA ESTRADA CAMPESTRE ENTRE UM CAMPO E UMA FLORESTA.

É PRIMAVERA; PÁSSAROS ESTÃO CANTANDO NO CÉU. A ESTRADA LEVA A UMA PEQUENA VILA.

SUAS PEQUENAS CASAS DE MADEIRA, ENEGRECIDAS PELA ÁGUA DA CHUVA, APARECEM NA DISTÂNCIA.

A CASA SOLITÁRIA ESTÁ NA BEIRA DA FLORESTA.

PARECE DESERTA. AS JANELAS ESTÃO COBERTAS COM TÁBUAS. SIMCHA VAI ATÉ A PORTA,BATE, MAS NINGUÉM RESPONDE. SIMCHA ANDA AO REDOR DA CASA, RETORNA PARA YEHUDA.

YEHUDA ESTÁ OLHANDO, COM SEUS OLHOS BEM ABERTOS PARA AS JANELAS COBERTAS. SIMCHA OLHA ATENTAMENTE NO MESMO LUGAR E DE REPENTE ELE VÊ ATRAVÉS DAS FISSURAS ENTRE AS TÁBUAS UM PAR DE OLHOS MUITO AZUIS SEGUINDO-O, ESTUDANDO-O DE PERTO.

—————

Ambientação

—————-

SIMCHA ABRE A BOCA LIGEIRAMENTE, ESPANTADO; ELE QUER DIZER ALGO, MAS ANTES QUE ELE POSSA, A VOZ ALTA E AGUDA DE UM ESTRANHO DIZ:

-Eu quero uma dúzia de ovos, dois tomates, e um pão. A porta se abre. Deixe o pequeno judeu entrar, e você fique aí.

Simcha (indignado):

Não, eu entrarei com ele.

A Voz:            Então ninguém entrará. Voltem de onde vocês vieram!

YEHUDA APERTA A MÃO DO PAI E OLHA PARA ELE SUPLICANTEMENTE.

Simcha (em dúvida):

Bem, como eu posso deixar você ir lá, sozinho?

ELE FICA EM SILÊNCIO DEPOIS DE VER OS OLHOS DE YEHUDA.

YEHUDA DÁ UM PASSO ADIANTE, ABRE A PORTA E DESAPARECE LÁ DENTRO. SIMCHA PRESSIONA-SE CONTRA A JANELA COBERTA.

ATRAVÉS DAS RACHADURAS ELE PODE VER UM QUARTO ESQUÁLIDO E UMA MESA GRANDE, FEITA GROSSEIRAMENTE, EM SEU CENTRO.

SIMCHA VÊ YEHUDA À MESA E O HOMEM VELHO DESGRENHADO, BARUCH, EM FRENTE A ELE.

SIMCHA PODE OUVIR A VOZ AGUDA DO VELHO.

-Não acredite em ninguém. Teste tudo você mesmo. Tudo o que eles chamam de fé lá fora é um absurdo.

SIMCHA BALANÇA A CABEÇA EM ANGÚSTIA.

Baruch:           Eles lhe disseram que o Criador existe. Não acredite!

SIMCHA SE CONTORCE PARA VER DENTRO DA SALA ATRAVÉS DAS RACHADURAS E SEUS OLHOS SE ENCHEM DE LÁGRIMAS DE DESESPERO E MEDO.

SIMCHA VÊ BARUCH DEBRUÇANDO-SE SOBRE YEHUDA.

Baruch:           Encontre-o você mesmo. Fé é um conhecimento do coração.

Sinta-o você mesmo! Entendeu?

Yehuda:           Sim.

SIMCHA COBRE SEUS OUVIDOS COM AS MÃOS, DÁ UMA VOLTA, E RAPIDAMENTE SE AFASTA DA CASA.

NO QUARTO, BARUCH SE LEVANTA E COMEÇA A ANDAR EM CÍRCULOS EM TORNO DE YEHUDA, E DE REPENTE PARA NA FRENTE DE YEHUDA.

Baruch:           Você já viu um homem se transformar em um pássaro?

Yehuda:           Não, eu não vi.

Baruch:           Você crê que possa acontecer?

Yehuda:           Não, eu não creio.

Baruch:           Você não acredita em milagres, Não é? Muito bem. Você está certo. Não faça isso.

O ROSTO DE BARUCH ESTÁ MUITO PERTO DO ROSTO DE YEHUDA.

DE REPENTE, ELE DA UMA VOLTA E CAMINHA ATÉ A PAREDE E PARA. YEHUDA O OBSERVA ATENTAMENTE.

ELE VÊ O OMBRO DIREITO DE BARUCH COMEÇAR A TREMER.

UM BARULHO DE PANO SENDO RASGADO. DIANTE DOS OLHOS DE YEHUDA, A CAMISA ESFARRAPADA DO VELHO ESTÁ SENDO RASGADA.

DE REPENTE, UMA ASA BRANCA BALANÇA E COMEÇA A FLUTUAR, COMO SE ESTIVESSE TENTANDO LEVANTAR BARUCH DO CHÃO.

YEHUDA CONGELA. ELE MAL RESPIRA, APAVORADO.

ENTÃO, A SEGUNDA ASA SURGE ATRAVÉS DA CAMISA, TREMENDO, COMO SE EM AGONIA.

***

ENTÃO AMBAS AS ASAS VIOLENTAMENTE BATEM NO AR, CAUSANDO FORTES RAJADAS DE VENTO.

AS RAJADAS RASGAM AS TEIAS DE ARANHA NOS CANTOS E ELEVAM O A VELHA POEIRA DO CHÃO; UM BALDE VAZIO RESSOA EM ALGUM LUGAR.

BARUCH SE VIRA PARA YEHUDA.

ATORDOADO, YEHUDA VÊ UM LONGO BICO ONDE O NARIZ DE BARUCH COSTUMAVA ESTAR, OLHOS COMO BOTÕES E UM TUFO DE PENAS AMARELA-AVERMELAHADAS EM CIMA DE SUA CABEÇA.

AS COSTAS DE YEHUDA SE CONGELAM DE MEDO.

ELE VÊ AS PERNAS DE BARUCH SE TRANSFORMAR NAS PERNAS FORTES E MUSCULOSAS DE UM GRANDE PÁSSARO.

O PÁSSARO-BARUCH GRITA E SE ESGUICHA PASSANDO POR YEHUDA PARA A JANELA SELADA.

AS TÁBUAS COBRINDO A JANELA SE QUEBRAM EM PEQUENAS LASCAS.

YEHUDA VÊ COMO UM GRANDE PÁSSARO BRANCO VOA PARA FORA DA CASA E, LENTAMENTE BATENDO SUAS ASAS PODEROSAS, SOBE EM DIREÇÃO DO SOL POENTE. ELE VOA RASANTE SOBRE SIMCHA, QUE ESTÁ CAMINHANDO NO CAMPO.

MAL TOCANDO A PONTAS DAS ÁRVORES, PÁSSARO-BARUCH VOA DA FLORESTA EM DIREÇÃO AO SOL.

YEHUDA NÃO CONSEGUE SE MEXER.

TUDO ESTÁ EM CAOS NA CASA.

NO CANTO, UMA ARANHA SE PENDURADA POR UM FIO EM UMA TEIA. TUDO É ABSOLUTA QUIETUDE.

DE REPENTE, TUDO FICA EMBAÇADO AOS OLHOS DE YEHUDA, E QUANDO A CENA RETOMA FOCO, YEHUDA VÊ O ROSTO DE BARUCH, AINDA PERTO DO DELE.

Baruch:           Você viu?

Yehuda (sussurrando):

Sim, eu vi.

Baruch:           Você crê agora?

Yehuda (tentando engolir o nó engasgado em sua garganta):

S-sim, eu creio.

Baruch:           No quê você acredita, (Baruch se inclina) nesta besteira?!

Yehuda (gaguejando):

Mas eu… Eu vi…

Baruch:           O que você viu?

Yehuda:           Um pássaro.

Baruch:           Um pássaro?

Yehuda:           Um grande… pássaro.

Baruch:           E se eu lhe disser que nada aconteceu, seu judeuzinho tolo?

Yehuda:           Mas eu… o vi… eu mesmo. Você se transformou em… Baruch:   E se eu lhe disser que o que você viu foi um truque?! Yehuda:     Um truque?!

Baruch:           Sim!Um simples abracadabra! Um truque barato!

Yehuda:           Um truque?!

Baruch:           Isso foi suficiente para levá-lo para longe do Criador.

 

AS MÃOS DE YEHUDA COMEÇAM A TREMER.

Baruch (como se não percebesse sua condição):

Você é fraco. Você caiu num truque barato e deu a isso uma grande definição: Fé.

AGORA OS LÁBIOS DE YEHUDA COMEÇAM A TREMER.

-Nunca mais faça isso, me escute! – Baruch de repente grita com ele. – Lembre-se! Você tem que tornar-se forte! E compreender – não há milagres neste mundo! Todos os milagres neste mundo nada mais são do que truques baratos!

BARUCH SE POSICIONA ACIMA DE YEHUDA.

-Truques! Você está escutando? O ROSTO DE YEHUDA ESTÁ CONGELADO DE MEDO.

SEUS OLHOS OLHAM PARA BARUCH SUPLICANTEMENTE.

DE REPENTE, BARUCH FICA MOLE E SE SENTA À MESA CANSADO. ELE OLHA NOS OLHOS DE YEHUDA.

-Eu conhecia muitos desses truques, – diz ele. – Eu podia manipular as pessoas como eu quisesse. E eu fiz. Esses tolos, eles foram hipnotizados e seguiam-me em qualquer lugar que eu os guiasse. Eu me tornei famoso. Fiz uma fortuna.

ELE PAUSA.

DE REPENTE ELE COMEÇA A FALAR CLARAMENTE PARA QUE YEHUDA POSSA OUVIR CADA PALAVRA:

Baruch:           Mas quanto mais eu estava me afundando nessa mentira, mais eu descobria um abismo entre o Criador e eu. Ele estava me deixando. Você está me ouvindo, Yehuda? Você me ouve?

Yehuda (sussurrando):

Sim.

Baruch:           Fé é quando o Criador aparece para você. E você realmente O sente, da maneira que você me sente. Ele irá aparecer para você somente quando você parar de acreditar em toda essa baboseira: que algum milagre pode realmente acontecer aqui neste mundo, nesta terra. Não pode.

BARUCH PARA DE FALAR. ELE BALANÇA EM SUA CADEIRA E OLHA PARA YEHUDA.

Baruch:           Por que você veio a mim? Por que a vida o tratava com dureza?

Yehuda:           Eu estava em desespero.

Baruch:           Como assim?

Yehuda:           Eu não sabia porque eu estava vivendo.

Baruch:           Você sabe agora?

Yehuda:           Sim, eu sei.

Baruch:           Então… Diga-me. Por que você está vivendo?

Yehuda (em dúvida):

Eu quero… Eu quero… (para de falar)

Baruch:           Então?

Yehuda:           Eu quero…

Baruch (impacientemente):

Então, o que você quer?

Yehuda (exala):   Eu quero conhecê-Lo.

BARUCH PARA DE BALANÇAR SUA CEDEIRA E PERGUNTA:

-O quê?

Yehuda:           Eu quero conhecê-Lo.

Baruch (silenciosamente):

Você quer conhecê-Lo?

Yehuda:           Sim. Baruch (mais alto): Ele? Yehuda:    Sim.

Baruch (com desdém): Você-ê-ê-ê… quer conhecer o Rei do Universo?

Yehuda (murmura): Sim.

Baruch (pressionando):  Você inseto insolente, você-ê-ê-ê… pequena gota de

sujeira que acredita em toda a escória deste mundo?

O ROSTO DE BARUCH SE CONTORCE EM UMA CARETA. SUA BOCA SE ABRE PARA ENGOLIR AR EM GRANDES GOLES.

-Você quer conhecê-Lo?! Você sabe o que significa conhecê-Lo?! Você, conhecê-lo?!

YEHUDA ESTÁ QUIETO, TALVEZ POR MEDO OU PORQUE ELE NÃO SABE O QUE DIZER.

Baruch (assobia): Significa tornar-se digno dessa reunião. Digno! ELE PRESSIONA YEHUDA E NOVAMENTE LHE PERGUNTA DIRETAMENTE:

-E o que significa tornar-se digno de tal reunião? Os maiores, e mais sábios falharam! Os melhores dos melhores! Você sabia disso?

E SEM ESPERAR UMA RESPOSTA, ELE EXALA:

-O maior, o mais sábio … Aqueles que entregaram suas vidas a Ele… Ele não os aceitou!

BARUCH DE REPENTE FICA EM SILÊNCIO.

ELE NOVAMENTE VÊ O ROSTO ATERRORIZADO DE YEHUDA E SUAS MÃOS INFANTIS ERGUIDAS COMO SE EM DEFESA.

BARUCH SILENCIOSAMENTE LEVANTA-SE, ELEVANDO-SE SOBRE O MENINO. UM RATO ESTÁ CORRENDO PARA UM CANTO.

HÁ UM SILÊNCIO INCOMUM LÁ FORA.

-Você está assustado? – Baruch pergunta.

-Sim. Yehuda responde quase que inaudível.

– Bom. O primeiro mandamento é o medo. Mas você não deve temer a mim. Quem sou eu? Eu não sou nada. Tema a Ele!

BARUCH SENTA-SE E VOLTA SEU OLHAR FIXO EM YEHUDA PARA A MESA SUJA EM FRENTE A ELE.

ELE FORÇA A SI MESMO À FALAR:

-Você deve ter medo… de desapontá-Lo…

AS MÃOS DE BARUCH ENROLADAS NUMA TEIA DE VEIAS INCHADAS ESTÃO DESCANSANDO IMPOTENTES SOBRE SEUS JOELHOS. ELE SUSPIRA:

-Você não pode imaginar quão certo você está, Yehuda. Você descobriu o plano Dele. Mais do que qualquer outra coisa, Ele quer que todos nós digamos o que você acabou de dizer: “Queremos conhecê-Lo; não podemos viver sem Você, e tendo dito isso, faria qualquer coisa para que isso aconteça!”

ATRAVÉS DAS RACHADURAS NA JANELA É POSSÍVEL VER SIMCHA ANDANDO DE VOLTA EM DIREÇÃO À CASA.

ELE CHEGA PERTO E OLHA ATENTAMENTE PARA O INTERIOR.

ELE VÊ YEHUDA E BARUCH SENTADOS PACIFICAMENTE UM DIANTE DO OUTRO, E ELE TAMBÉM SE SENTA EM UMA PILHA DE LENHA DEBAIXO DA JANELA.

ELE SE BALANÇA SILENCIOSAMENTE COMO SE ESTIVESSE REZANDO. O SOL ESTÁ SE PONDO POR TRÁS DA FLORESTA.

DENTRO DA CASA, BARUCH, EM SILENCIO, ALCANÇA DEBAIXO DA MESA E PEGA UM

LIVRO VELHO COM UMA CAPA ESFARRAPADA. ELE COLOCA O LIVRO SOBRE A MESA E O COBRE COM A MÃO.

Baruch:           Você conhece este livro?

Yehuda:           Este é O Livro do Zohar.

Baruch:           Você já o leu?

Yehuda:           Sim, eu li.

Baruch:           Você entendeu?

Yehuda:           Não.

Baruch:           Você o sentiu?

Yehuda:           Sim, eu senti.

Baruch:           O que você sentiu?

Yehuda:           Calor.

Baruch:                Isso é bom … Calor é muito bom. O Livro do Zohar é o maior livro da humanidade, embora as pessoas ainda não percebam isso. (Baruch está sendo contido e suave agora. Ele quer que Yehuda o ouça e o entenda.) Todos os livros sagrados, Yehuda, foram escritos por Cabalistas. Cabalistas vivem nos mundos espirituais, enquanto você, Yehuda, está aqui. Eles estão escrevendo para você, pessoalmente, pequeno Yehuda, de lá de cima. Lá em cima é a Luz, e aqui tudo é escuridão. Eles descrevem para você, Yehuda, o caminho para a luz.

BARUCH LEVA SEU ROSTO PRÓXIMO AO DE YEHUDA E SUSSURRA EM VOZ ALTA:

-Anseie por chegar perto Dele o tempo todo. Você está me ouvindo, Yehuda? Perceba que se você não conseguir, para mais nada valerá a pena viver.

BARUCH DE REPENTE ESPALHA SEUS BRAÇOS E PRONUNCIA MISTERIOSAMENTE:

-“Século II EC. Judéia está sob o domínio romano. Como cães, os romanos estão procurando por toda parte, cheirando cada trilha, rondando cada estrada, parando cada transeunte”.

***

DE REPENTE, UMA IMAGEM É EXIBIDA.

JUDÉIA DO SÉCULO II. ROMANOS ESTÃO CORRENDO COM SUAS ARMADURAS ECOANDO. AQUI ELES CAMINHAM NA FLORESTA, LEVANTANDO CADA ARBUSTO.

AQUI ELES ESTÃO PRESSIONANDO DOIS VELHOS JUDEUS CONTRA A PAREDE, SUAS LANÇAS PRESSIONANDO MAIS E MAIS A CARNE DELES.

A voz de Baruch:  O que estes cães estão procurando? Eles estão caçando, na procura do Rabino Shimon bar Yochai,8 o aluno mais proeminente do grande Rabino Akiva.9

YEHUDA ESTÁ OLHANDO BARUCH,COM ATENÇÃO.

BARUCH, O GRANDE ATOR, PERSONIFICA TODOS OS PERSONAGENS EM SUA HISTÓRIA.

Baruch (mudando sua voz):

Rabino Akiva foi executado horrivelmente, publicamente torturado até a morte. Agora é a vez de seu discípulo principal, Rabino Shimon. “O Exxxxxecutem! O Executem diante da multidão!” – Gritam os simplórios. ” Despelem-no vivo e deixe que todos vejam como seu grande sábio geme, implorando por misericórdia! O seu graaann-de sábio”

 

UMA TRILHA SERPENTEIA ATÉ O LADO DE UMA COLINA, ESQUIVANDO-SE DAS ÁRVORES, ATRAVÉS DA FLORESTA E SUBINDO RIACHOS PEDREGOSOS, ESPREMENDO-SE ATRAVÉS DE PASSAGENS SINUOSAS, MAIS E MAIS ALTAS.

A voz de Baruch:  Claro! Alguém disse aos romanos que o grande não é outro senão Rabino Shimon. Que ele, juntamente com seu grande filho, Elazar, estão minando o domínio romano. Estes cães romanos, cabeças de lata… só não sei como dois judeus miseráveis poderiam subverterem-se a grande bestialidade romana, o império, o poder! Eles não podem compreender isso, mas o sentem!

O CAMINHO PERDE-SE NA GRAMA ALTA E DE REPENTE REAPARECE DIANTE DA BOCA DE UMA CAVERNA.

-Mas seus temores se justificam. Naquele exato momento, em uma caverna apertada, úmida ao Norte da Terra de Israel, uma força poderosa está sendo desencadeada contra todo o mal que está e sempre estará sobre a face da terra.

UMA VELA QUEIMA PROFUNDAMENTE NA CAVERNA, MAL ILUMINA AS CARAS BARBUDAS DOS HOMENS SENTADOS LÁ DENTRO.

YEHUDA OUVE A VOZ DE BARUCH:

-Você vê a caverna?

Yehuda:           Sim.

A voz de Baruch:  Tem alguém lá dentro?

Yehuda:           Sim. Tem dez homens. Eu os vejo.

A voz de Baruch:  O que você acha que eles estão fazendo lá dentro?

Yehuda:           Eles estão se escondendo dos romanos.

A voz de Baruch:  Correto. E por que se escondem?

Yehuda:           Eu não sei.

A voz de Baruch:  Eles estão escrevendo o grande Livro do Zohar, é por isso que eles estão lá. (A voz de Baruch é calma e confiante.) Eles estão escrevendo o livro que descreve como o mundo inteiro,como cada pessoa pode sair da sujeira deste mundo, sair do ódio de um para com o outro, e aprender verdadeiramente, não para o seu próprio bem, Yehuda, mas verdadeiramente amar.

BARUCH SACODE A CABEÇA E TENTA ANIMAR SUA EXPLICAÇÃO COM GESTOS.

-Ame o seu próximo, ame o mundo toooooodo, ame a todos … Amor! E saiba, Yehuda, que o amor não é apenas uma palavra. Amar é não pensar em si mesmo, mas somente nos outros! É viver não só para o seu próprio bem, mas para o bem dos outros! Isso é amor.

OS OLHOS DE BARUCH ESTÃO ARDENDO; ELE ESTÁ SEM FÔLEGO DE TANTA ALEGRIA.

-Você entende, Yehuda, o quão sublime é isso? É assim tão elevado, meu filho! Faz minha cabeça girar! Basta imaginar, tudo aconteceu no século II, quando o mundo estava se afogando em sangue, quando as pessoas foram ceifadas por epidemias como folhas de grama. Foi uma época onde o poder, a fama e a riqueza eram os principais valores do mundo. No entanto, em um momento tão podre, dez magros, homens famintos estavam escrevendo um livro sobre amor, sobre o que tinham alcançado. Eles estavam escrevendo um livro sobre a sua conexão com o Criador, Yehuda.

BARUCH ESTÁ EM FRENTE A ELE, BALANÇANDO SUA CABEÇA, COMO SE MARAVILHADO COM SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS:

-O que você dirá sobre isso, filho?!

YEHUDA ESTÁ QUIETO. O QUE ELE POSSÍVELMENTE PODERIA DIZER A RESPEITO DAQUILO?!

ELE ESTÁ OLHANDO PARA BARUCH EM ADMIRAÇÃO, E BARUCH CONTINUA:

-Do que todos estes romanos têm tanto medo? É apenas um livro, apenas um livro sobre amor. Mas sentiram, Yehuda, eles sentiram que uma força tremenda estava sendo colocada dentro dele, uma força capaz de transformar este mundo sujo e injusto inteiramente.

BARUCH SE APROXIMA DE YEHUDA:

-E agora, responda-me, Yehuda. Como pode este livro possuir tal poder?

Yehuda (silenciosamente):     Porque eles não estão escrevendo sozinhos.

Baruch (apontando um dedo à Yehuda):

Muito bem!

Yehuda:           É porque… o Criador está escrevendo o livro com eles.

BARUCH ESTÁ OLHANDO PARA YEHUDA.

DA JANELA, SIMCHA ESTÁ OLHANDO PARA YEHUDA TAMBÉM. BARUCH MURMÚRA:

-A lição acabou. Leve-o embora.

***

***

UMA ESTRADA RURAL.

YEHUDA E SIMCHA ESTÃO SEGUINDO RUMO A UMA FLORESTA DISTANTE.  SIMCHA ESTÁ CONSTANTEMENTE SE INCLINADO SOB YEHUDA E SONDANDO-O COM PERGUNTAS.

YEHUDA RESPONDE BREVEMENTE, PERDIDO EM SEUS PRÓPRIOS PENSAMENTOS. ESTÁ FRIO.

SIMCHA TIRA A SUA SOBRECASACA PRETA E COBRE OS OMBROS MAGROS DO SEU FILHO. YEHUDA NÃO SE OPÕE.

AS ABAS DO CASACO ARRASTAM NA ESTRADA MOLHADA.

OS OLHOS DE BARUCH OS ESTÃO SEGUINDO POR TRÁS DA JANELA COBERTA.

YEHUDA OLHA PARA TRÁS E VÊ A CASA DE BARUCH OSCILANDO, A SUA MADEIRA VELHA CHIANDO AO VENTO.

A CASA DA FAMÍLIA ASHLAG. YEHUDA ESTÁ DESCANSANDO NA CAMA. SIMCHA O COBRE COM UM COBERTOR.

ASSIM QUE A PORTA SE FECHA ATRÁS DE SIMCHA, YEHUDA DESLIZA PARA FORA DA CAMA E CORRE DESCALÇO PARA A MESA PARA PEGAR O LIVRO.

A PORTA SE ABRE IMEDIATAMENTE. SIMCHA ESTÁ DE PÉ NA PORTA.

A MÃE DE YEHUDA ESTICA SEU PESCOÇO POR TRÁS DE SUAS COSTAS.

Simcha:           Nós concordamos que você vai dormir, não concordamos, Yehuda?

YEHUDA DEIXA O LIVRO SOBRE A MESA E RETORNA PARA SUA CAMA SEM DIZER UMA PALAVRA.

Simcha:           Sua mãe e eu não suportaremos se você ficar louco.

YEHUDA FECHA SEUS OLHOS E VÊ…

***

SÉCULO II. JUDÉIA. CAVERNA.

O ROSTO DE UM HOMEM É ILUMINADO POR UMA VELA.

É DIFÍCIL DE SABER SUA IDADE POR CAUSA DE SUA BARBA.

ELE ESTÁ DITANDO ALGO PARA OUTRO HOMEM QUE É, OBVIAMENTE, MUITO MAIS JOVEM DO QUE ELE.

A voz de Baruch:

***

Rabino Shimon estava ditando, e o Rabino Abba estava escrevendo. Somente o Rabino Abba, poderia criptografar as palavras do Rabino Shimon. Você está se perguntando por que ele estava fazendo isso. Ele estava fazendo isso para que nenhum homem corrupto seja capaz de usá-lo incorretamente. O livro continha grandes poderes. Tremendos! E, no entanto, imediatamente após a sua conclusão, o livro sumiu por séculos.

MANHÃ, EM FRENTE DA CASA DE BARUCH.

SIMCHA SENTA-SE NA PILHA DE LENHA ABAIXO DA JANELA. ELE PODE OUVIR TUDO QUE ESTÁ ACONTECENDO DENTRO DA CASA.

O LIVRO DO ZOHAR ESTÁ DESCANSANDO SOBRE A MESA ENTRE BARUCH E YEHUDA. YEHUDA SENTA-SE, IMÓVEL, COM A BOCA MEIO ABERTA, OUVINDO BARUCH.

Baruch:           Isto lhe interessa?

Yehuda:           Sim, muito.

Baruch:           Não, essa não é a palavra correta. Absolutamente não! “Interessante”, que tipo de palavra é essa? (Ele imita a si mesmo.) “In-te-res-san-te!” É a vida para você, Yehuda! Aqui, Yehuda, está escrito como você deve viver. Como você, Yehuda, pode alcançar o Criador, vir a ele e lhe dizer: “Eu, Yehuda, vim para Você! E o grande livro do Zohar levou-me a Você”.

***

SÉCULO X E.C. UM COLORIDO BAZAR ORIENTAL.

OS CHAMADOS AGUDOS DE VENDEDORES DO MERCADO ENCHEM O AR. A MULTIDÃO MOVE-SE PREGUIÇOSAMENTE ATRAVÉS DO MERCADO.

A voz de Baruch:

***

O livro desapareceu por séculos. As pessoas se esqueceram que ele já existiu. Ele apareceu novamente somente quando havia uma real necessidade.

DE REPENTE A MULTIDÃO NO MERCADO SE DESPERSA. UM MENINO DESCALÇO CORRE PELO MERCADO.

UM COMERCIANTE, SEM FÔLEGO E AOS GRITOS O ESTÁ PERSEGUINDO. ELE GRITA, TENTANDO RESPIRAR:

-Parem-no, parem-no!

ALGUÉM DERRUBA O MENINO, E ELE ROLA NA POEIRA.  O MERCADOR O PERSEGUE E ENTÃO O LEVANTA.  PÁGINAS DE PERGAMINHO CAEM DAS ROUPAS DO MENINO.

A voz de Baruch:

Surgiu no século X E.C. no mercado de Safed. Um menino estava vendendo as páginas do manuscrito para os comerciantes, que usavam as páginas para embrulhar as especiarias que eles vendiam. Muitas páginas foram perdidas dessa forma até que um sábio reconheceu nestes pergaminhos a coisa mais preciosa na Terra.

A CASA DE BARUCH

Baruch:           É isso mesmo, Yehuda, O Livro do Zohar (ele levanta o dedo) foi usado para embrulhar figos e doces. (Com emoção) um belo exemplo da vida humana, Yehuda: superficial e falsa até o âmago. A beleza esconde o vazio. A sujeira esconde a sabedoria, a pobreza disfarça uma alma preciosa. Não se deixe enganar pela beleza, Yehuda, não seja levado por elogios.

Pesquise o significado interior atrás de todas as coisas. Aprenda a viver dessa maneira.

BARUCH NÃO DEIXA YEHUDA PONDERAR NISSO NEM POR UM SEGUNDO. ELE ABRE O LIVRO NA FRENTE DE YEHUDA.

ESTÁ ESFARRAPADO, ATÉ MESMO RASGADO EM ALGUNS LUGARES. ELE GENTILMENTE O ACARICIA.

Baruch (gentilmente):

Muitos tentaram resolver o seu mistério. As pessoas mais inteligentes do mundo atormentaram seus cérebros com ele até que um dia, a 400 anos atrás, nascia um menino. Ele se tornou conhecido como o santo ARI.10

BARUCH FICA SILENCIOSO E FIXA SEUS OLHOS EM YEHUDA. UM MINUTO SE PASSA.

BARUCH CONTINUA OLHANDO SILENCIOSAMENTE PARA O MENINO.

Yehuda:           Por que você está olhando para mim desta maneira?

Foi ele quem transformou tudo ao redor. Aquele menino.

***

SÉCULO XV. UMA VELHA SINAGOGA NO CAIRO, EGITO.

UM MENINO DE 15 ANOS DE IDADE, VESTIDO COM UMA LONGA TÚNICA BRANCA, ESTÁ ORANDO.

OUTRAS DEZ PESSOAS ESTÃO ORANDO LÁ DENTRO.

UM DELES, UM VELHO ESTRANHO VESTIDO EM TRAPOS, PÕE-SE DE PÉ PRÓXIMO À JANELA.

ELE ESTÁ SE BALANÇANDO, DEBRUÇADO SOBRE UM LIVRO.

A voz de Baruch:  O ARI tinha três anos quando ele veio para o Egito com sua mãe. Quando ele tinha 15 anos, ele viu um mendigo de aparência estranha em uma sinagoga. Ele era jovem e muito curioso.

O ARI APROXIMA-SE DO POBRE, FICA ATRÁS DELE, E OLHA SOBRE OS SEUS OMBROS PARA O LIVRO QUE O POBRE ESTÁ LENDO.

ELE OBSERVA QUE O POBRE ESTÁ SEGURANDO O LIVRO DE CABEÇA PARA BAIXO. NÃO É NEM LIVRO DE ORAÇÃO NEM É A TORÁ, MAS ALGUM OUTRO LIVRO EM ARAMAICO.11

O POBRE VIRA-SE PARA OLHAR PARA O ARI. O ARI DÁ UM PASSO PARA TRÁS EM HORROR.

DUAS CICATRIZES, EM VEZ DE DOIS OLHOS, ESTÃO OLHANDO PARA ELE.

 

 

***

A CASA DE BARUCH.

Baruch:           Assim, O Zohar veio a ser possuído pelo ARI- a partir das mãos de um Marrano,12 cegado pela Inquisição espanhola. Ele o  trouxe para o ARI passando através de toda a Europa e África, suportando sede, fome e exaustão apenas para passá-lo para o ARI. Verdade seja dita, ele foi obrigado a trazê-lo. Neste mundo, Yehuda, tudo é predeterminado.

***

CAIRO SÉCULO XV. UMA SINAGOGA.

O ARI ABRE O LIVRO E COMEÇA A LER AVIDAMENTE.

O POBRE CEGO ESTÁ DORMINDO NO BANCO AO LADO DELE, FINALMENTE EM REPOUSO. DEPOIS DE MUITAS NOITES SEM DORMIR, ELE ESTÁ SORRINDO EM SEU SONHO.

A voz de Baruch:  Quando você descobriu O Livro do Zohar?

A voz de Yehuda:  Ele caiu sobre mim quando eu tinha cinco anos.

A voz de Baruch:  Ele “caiu” no ARI quando ele tinha quinze anos.

***

A CASA DE BARUCH.

BARUCH ESTÁ OLHANDO FIXAMENTE NO ROSTO DE YEHUDA MAIS UMA VEZ.

Yehuda:           Por que você esta me olhando dessa maneira?

Baruch:           Eu estou pensando em algo.

Yehuda:           No quê?

Baruch:           Talvez eu lhe diga depois… ou talvez você entenda por si mesmo.

***

SÉCULO XV. CAIRO.

O ARI ESTÁ ANDANDO PELA RUA COM O LIVRO ABERTO EM SUAS MÃOS. ALHEIO AO QUE O CERCA, ELE NÃO PODE PARAR DE LER.

ELE CAMINHA POR TODA A CIDADE SEM PARAR, EM DIREÇÃO À FLORESTA.

A voz de Baruch:       O ARI se tornou o maior Cabalista, o maior de todos eles! Ele sabia tudo sobre nós, Yehuda, sobre todo o nosso lamentável mundo. Ele sabia que os novos tempos estavam por vir, que almas humildes estavam começando a descer para este mundo, e que, até o nosso tempo, toda a feiura humana viria à tona. Ele preparou um remédio para nós, um sistema de refinamento: a Cabalá do Ari. Ele “fabricou” este medicamento dentro das páginas deste livro, O Zohar.

***

A CASA DE BARUCH.

BARUCH GENTILMENTE ACARÍCIA O LIVRO.

-Não vai desaparecer mais, não. Sua hora chegou – o tempo do desespero. Ninguém pode jamais confundir o homem por algo, se não for pelo auto indulgente animal que ele é!

BARUCH BALANÇA SUA CABEÇA. ELE OLHA PARA YEHUDA.

 

-Sim, sim! Todos nós vivemos apenas para o nosso próprio bem, Yehuda, e só por isso, você entende , Yehuda? Apenas por causa do nosso egoísmo guerras são travadas, e mais guerras terríveis se seguirão. Doenças não serão curadas, e os médicos vão chorar derrotados; o sofrimento será insuportável, e as pessoas vão gritar por socorro!

BARUCH SENTA-SE E ABRE SUAS MÃOS.

-Mas não virá socorro algum.

BARUCH ESTENDE AS MÃOS DELE. ELE SE LEVANTA, CAMINHA ATÉ A PAREDE E LEVANTA SUA CABEÇA PARA O TETO. ELE OBSERVA COMO UMA ARANHA METODICAMENTE ESTÁ TECENDO SUA TEIA. ELE APONTA O DEDO DELE PARA A ARANHA.

Baruch:           Esta aranha é tão velha quanto eu. Eu a chamo de Baruch.

ELE SE VOLTA PARA YEHUDA. SEUS OLHOS SE ENCONTRAM. ELE ENTENDE QUE ELE DEVE VOLTAR PARA A CONVERSA.

-Você quer saber como ajudá-los?

YEHUDA CONCENTE COM A CABEÇA.

-Quando eles pararem de acreditar em si mesmos, Yehuda, só então eles irão implorar por socorro.

ELE BATE O DEDO SOBRE A MESA E APONTA PARA O LIVRO.

-E eles encontrarão a ajuda aqui.

NOVAMENTE, ELE OBSERVA YEHUDA DE PERTO.

-Nossos sábios pais o enviaram para nós há muito tempo. Eles viram tudo, eles sabiam de tudo. Eles sabiam que esse livro iria encontrá-lo, Yehuda.

OUTRA LONGA PAUSA E UM SILÊNCIO TOTAL.

ATÉ MESMO BARUCH, A ARANHA, ESTÁ QUIETA EM SUA TEIA DEBAIXO DO TETO.

SIMCHA ESTÁ SENTADO SOB A JANELA, HIPNOTIZADO PELO SILÊNCIO PESADO DENTRO DA CASA. ELE ESTÁ SE ESFORÇANDO PARA OUVIR. ENTÃO ELE SE LEVANTA E TENTA OLHAR PARA DENTRO ATRAVÉS DAS RACHADURAS ENTRE AS TÁBUAS.

ELE OLHA MAIS PERTO, MAS ELE NÃO VÊ NINGUÉM. EM PÂNICO, ELE CORRE ATÉ À PORTA E FORÇA SUA ABERTURA. NÃO HÁ NINGUÉM NA CASA.

-Yehuda!

SIMCHA ARREMEÇA-SE DENTRO DA CASA, CORRENDO DE UM LADO PRO OUTRO, PROCURANDO EM CADA CANTO.

-Yehuda, filho!

E DE REPENTE ELE OUVE A VOZ CALMA DE BARUCH ATRÁS DELE:

-Para que tanto estardalhaço, Simcha?

SIMCHA SE VOLTA PARA ELE.

BARUCH E YEHUDA ESTÃO SENTADOS À MESA DE FRENTE UM PARA O OUTRO ASSIM COMO ANTES.

-O que aconteceu, Pai? – Yehuda pergunta como se nada tivesse acontecido.

-Eu… Eu estava procurando por você, eu estava batendo… – Simcha murmura – Ninguém estava aqui. Estava um silêncio. Eu me assustei.

Baruch:           Não tenha medo, Simcha. Não há nada que você possa fazer agora. Vá lá fora, sente-se por um tempo. Eu quero fazer uma pergunta muito importante ao seu filho.

Simcha:           Mas ninguém estava aqui.

Baruch:           É o que você pensa? E em sua opinião, este mundo existe?

Simcha (irritado):

Eu não quero ouvir as suas baboseiras!

ELE CAMINHA ATÉ YEHUDA E PEGA A MÃO DELE:

-Yehuda, já está tarde. Vamos!

Baruch (acerbamente):   Vá!

SIMCHA LARGA A MÃO DE YEHUDA,SE VIRA, E OBEDIENTEMENTE CAMINHA ATÉ A PORTA. ELE A ABRE E SAI.

SIMCHA SENTA EM SEU LUGAR SOB A JANELA E OUVE BARUCH DIZER:

-Então, Yehuda, responda-me, você reconhece o fardo que está colocando sobre seus ombros?

SIMCHA ESTÁ FIXO NOS TRONCOS DE LENHA.

ELE PODE OUVIR TUDO, MAS É INCAPAZ DE MOVER-SE.

Baruch:           Você vai assumir uma enorme responsabilidade, não para si mesmo – quem é você, afinal? – Mas para o mundo inteiro. E você não vai sofrer por si mesmo, mas por todo o mundo. Você já pensou nisso, Yehuda? Você está tomando uma profunda e radical decisão aqui. É melhor pensar cem vezes antes de decidir.

SIMCHA TENTA SE LEVANTAR, MAS NÃO CONSEGUE.

CONTORCENDO-SE, ELE SE ARRASTA PARA O PARAPEITO DA JANELA USANDO SUAS MÃOS.

ELE QUER GRITAR AO SEU FILHO: “ESPERE! REPENSE! NÃO SE APRESSE!” MAS JÁ É MUITO TARDE.

-Eu pensei sobre isso. Eu quero. – Ele ouve a resposta de Yehuda.

EXAUSTO, SIMCHA ESCORREGA DA LENHA PARA A GRAMA MOLHADA. NA CASA, BARUCH ESTÁ OLHANDO À YEHUDA COM UM OLHAR FIRME.

Baruch (impiedosamente):

Se assim for, aqui está a sua primeira tarefa. Leve o poema do Ari. Não é um poema simples. Trata-se do início de todos os começos. Aqui está.

BARUCH, SEM OLHAR, ABRE O LIVRO NO LUGAR EXATO.

Baruch:           Penetre-o. Submerja nele. Tente ouvir o professor, o grande ARI. Siga-o.

BARUCH LEVANTA A MÃO. YEHUDA A SEGUE COM OS OLHOS. LENTA E GRACIOSAMENTE BARUCH MOVE A MÃO DIANTE DELE, COMO SE DESENHASSE CÍRCULOS NO AR.

Baruch (ritmicamente, como se cantando):

– “Eis que, antes das emanações forem emanadas e as criaturas criadas, a simples Luz Superior encheu toda a existência. E não havia vazio, mas tudo estava cheio de uma Luz simples, sem limites”.

***

***

SIMCHA E YEHUDA ESTÃO CAMINHANDO SILENCIOSAMENTE AO LADO DE UM LAGO. O SOL JÁ ESTÁ SE PONDO.

VARSÓVIA APARECE À FRENTE.

PODEMOS OUVIR A VOZ INFANTIL DE YEHUDA, CONTINUANDO:

– “E quando de sua simples vontade veio o desejo de criar os mundos e emanar as emanações, para trazer à luz a perfeição de Seus feitos, Seus nomes, Suas denominações, que eram a causa da criação dos mundos, Ele então, restringiu-se, no meio, precisamente no centro. Ele restringiu a luz. E a luz se espalhou muito distante para os lados em torno desse ponto médio”.

CASA DA FAMÍLIA ASHLAG. NOITE. YEHUDA ESTÁ DORMINDO EM SUA CAMA.

SEU PAI, OBSERVANDO-O DA PORTA, SE APROXIMA E ESCUTA A RESPIRAÇÃO DE YEHUDA. ELE AJUSTA O COBERTOR E QUIETAMENTE SAI DO QUARTO.

ASSIM QUE A PORTA SE FECHA ATRÁS DELE, YEHUDA ABRE OS OLHOS. ELE RAPIDAMENTE SE LEVANTA, PEGA UM LIVRO DA ESTANTE E UMA LAMPARINA DO PARAPEITO DA JANELA, E SE AGACHA DEBAIXO DA MESA, COBERTA POR UMA LONGA TOALHA DE MESA QUE CHEGA ATÉ O CHÃO.

A LAMPARINA QUEIMA DEBAIXO DA MESA. YEHUDA ESTÁ LENDO O LIVRO.

PODEMOS OUVIR A SUA VOZ:

– “E a restrição tinha sido uniforme em torno do ponto central vazio, de modo que o espaço foi uniformemente circulado em torno dele.

Lá, após a restrição, depois de ter formado um vácuo e um espaço precisamente no meio da luz sem fim, um lugar foi formado, onde o emanado e o criado possam residir”.

NA JANELA, O LUAR DIMINUI, DISSOLVENDO-SE NA LUZ DO NOVO DIA. OS GARIS SAEM ÀS RUAS.

UM LEITEIRO PASSA PELA CASA, SUAS GARRAFAS CHACOALHAM. NÓS OUVIMOS O CANTO AGUDO DE UM GALO.

OS OLHOS DE YEHUDA ESTÃO FIXADOS NAS LINHAS NO LIVRO:

– “Em seguida, a partir da Luz Infinita, um único raio desceu, abaixou-se àquele espaço. E através desse raio, Ele emanou, criou, formou, e fez todos os mundos”.

***

UMA HEIDER (SALA DE AULA). CRIANÇAS ESTÃO SENTADAS EM FILEIRAS, INCLINANDO-SE SOBRE SEUS LIVROS. A LUZ DA MANHÃ PASSA COM DIFICULDADES PELAS PEQUENAS JANELAS, BRINCANDO COM A POEIRA COMO SE FOSSE PÓ DE OURO.

YEHUDA PARECE ESTAR LENDO A TORÁ, COMO OS OUTROS. MAS ELE NÃO ESTÁ.

SHMUEL, O PROFESSOR, SILENCIOSAMENTE SE APROXIMA POR DETRÁS DE YEHUDA. ELE PERCEBE AS PÁGINAS DE OUTRO LIVRO ESCONDIDAS DENTRO DO LIVRO DA TORÁ DE YEHUDA.

É O POEMA DO ARI, REESCRITO ORDENADAMENTE NA CALIGRAFIA DE UMA CRIANÇA.

YEHUDA ESTÁ IMERSO NA LEITURA E NÃO OUVE NADA. ELE SUSSURRA PARA SI MESMO:

-“E por esse feixe a Luz desceu até os mundos, todo e cada círculo de todos os mundos, que estão dentro do vazio, e cada círculo que está mais perto da Luz do infinito é maior e superior ao outro, e este mundo mundano e material é o ponto médio dentro dos círculos, dentro do espaço vazio”.

DE REPENTE UMA MÃO APARECE NA FRENTE DO ROSTO YEHUDA E AS PÁGINAS DESAPARECEM.

YEHUDA OLHA PARA CIMA.

AS PÁGINAS ESTREMECEM NAS MÃOS DO PROFESSOR.

ELE TRAZ AS PÁGINAS MAIS PERTO DE SEUS OLHOS MÍOPES E LÊ SUSPEITOSO.

– “Ele é tão distante do Infinito, mais do que todos os outros mundos, e é por isso que é tão humilde e material em sua corporeidade base já que ele reside no meio de todos os círculos”.

O professor:      O poema do ARI. Eu vejo, Eu vejo.

YEHUDA SE LEVANTA.

O professor:      Você pode explicar isso?

YEHUDA ESTÁ QUIETO.

O professor:      Quem lhe deu isso?

YEHUDA PERMANECE QUIETO.

A CLASSE INTEIRA ESTÁ QUIETA TAMBÉM, IMÓVEL NA ANTECIPAÇÃO DE UM CASTIGO.

O professor (em voz alta):

Eu não quero que esses textos circulem pela classe. Você está perdido, seus pais se renderam, mas minha meta é salvar o restante. Vá Yehuda (ele acena com a mão). Vá-se embora.

O PROFESSOR DÁ AS COSTA À YEHUDA E OUVE A VOZ DO MENINO:

-Me devolva as páginas.

O PROFESSOR ESTÁ IMÓVEL, ELE OLHA AO REDOR DA SALA DE AULA E DIZ SEM OLHAR PARA TRÁS:

O professor:      Você está falando comigo?

Yehuda:           Com você.

O professor:      O quê?

ELE SE VOLTA DE REPENTE E SUA VARINHA ENCOSTA NO NARIZ DE YEHUDA.

O professor:      O que você disse?!

Yehuda (teimosamente):

As páginas!

O professor (suspeitosamente):

É este um pedido ou uma ordem?

A CLASSE INTEIRA SEGURA O FÔLEGO EM PURO MEDO.

Yehuda:           Me devolva as páginas. Essas são minhas páginas.

NOVAMENTE UMA PAUSA E UM LONGO SILÊNCIO.

O professor:      Eu avisei aos seus pais – pessoas vão à loucura por causa disso. Bem, aconteceu. Eles vão chorar até os olhos se acabarem, os seus pais, quando você estiver espumando pela boca, medo e angústia viverão nos olhos deles para sempre! Quando este mundo se tornar o seu inferno.

YEHUDA ESTENDE SUA MÃO EM DIREÇÃO AO PROFESSOR. O PROFESSOR ESTÁ CALADO.

YEHUDA PEGA AS PÁGINAS DE SUA MÃO,VIRA-SE, E RAPIDAMENTE SAI DA SALA DE AULA.

***

A CASA DE BARUCH.

BARUCH ESTÁ ANDANDO DE UM LADO PARA O OUTRO. YEHUDA O ESTÁ OBSERVANDO.

A LUZ DO CREPÚSCULO PERMEIA A CASA ATRAVÉS DAS RACHADURAS DA JANELA COBERTA.

A voz de Baruch: Cinco mundos, cento e vinte e cinco graus, separam você Dele.

Ele está chamando você de lá de cima. O Seu apelo vem do mundo de Atzilut13: “”Volte, filho! Rompa as barreiras! Rompa as dúvidas, a dor, os altos e baixos. Eu estou esperando por você! Eu lhe amo! Ouça-Me, Eu estou pedindo! “Mas o Seu chamado se desvanece, ficando cada vez mais e mais fraco”. O orgulho do homem está no caminho. Somente uma pessoa com um coração partido pode ouvir a Sua voz.

BARUCH ESTÁ EM PÉ DE COSTAS PARA YEHUDA, OLHANDO PARA O SOL POENTE ATRAVÉS DAS RACHADURAS NA JANELA.

A voz de Baruch: Por que está quebrado? Porque o Criador está ausente de nosso mundo. Ele nos trancou no mundo dos desejos inferiores. Nós sofremos na angústia, o nosso sangue se derrama sobre esta terra suja por séculos. Por que Ele fez assim? Onde estava o Seu amor por nós? Onde estava Sua compaixão por estas humildes e ignorantes criaturas?

BARUCH VOLTA-SE PARA YEHUDA.

Yehuda:           Ele nos ama.

Baruch:           Quem lhe disse isso?

Yehuda:           Eu posso sentir.

Baruch:           O que você pode sentir, você gota de sujeira?

Yehuda:           Eu posso sentir que eu sou uma gota de sujeira. E Ele… Ele é a luz, Ele é amor! Ele é tudo.

Baruch:                Mas como poderia a Luz ter criado as trevas? Como o amor pôde ter criado o ódio? Como poderia Ele ter… Ele criou uma gota de sujeira? Tantas gotas como essas? Esta base de humanidade? Onde estavam Seus olhos? Diga-me! Você pode justificá-Lo, Yehuda?

YEHUDA ESTÁ PENSANDO E PODEMOS VER QUE ELE ESTÁ LUTANDO COM ESSAS QUESTÕES.

Yehuda:           Eu não sei. Eu não sei ainda porque eu ainda não O conheci. Eu só posso senti-lo.

BARUCH SENTA-SE EM FRENTE À YEHUDA.

Baruch:           Você não sabe?

Yehuda:           Não, eu não sei.

Baruch (com grande urgência):

Você realmente não sabe?!

Yehuda:           Eu não sei.

Baruch:           Você está correto. Ele – o mais puro de todos – não poderia ter criado imundice. Assim como um leão não pode dar à luz a um rato, a perfeição não pode dar origem à imperfeição.

BARUCH ESTÁ EM SILÊNCIO, OBSERVANDO, YEHUDA.

ELE ESTÁ ESPERANDO QUE YEHUDA FAÇA UMA PERGUNTA, MAS YEHUDA NÃO ESTÁ PERGUNTANDO.

Baruch:           Então, pergunte! Pergunte-me, por que Ele criou tudo isso?

Yehuda:           Por quê?

Baruch:           Simplesmente porque…Vamos lá, você já respondeu esta pergunta. Então?!

Yehuda:           Eu não sei.

Baruch:                Para que você, Yehuda, sim, você, de sua livre e espontânea vontade, decida, perceba que é insuportável existir em toda essa imundície; que você não pode aturar estar tão longe Dele, para que você, então, pleiteie do fundo do seu coração. Ele apenas presta atenção a tal oração. Ele quer que você venha a Ele por você mesmo, de sua livre vontade. E então você vai dizer-Lhe: “Aqui estou, eu venho a Ti através de meus próprios esforços, porque eu quero ser seu amigo”. E você vai fazer tudo por conta própria. De sua livre e espontânea vontade, Yehuda!

Yehuda:           O que eu tenho que fazer para poder dizer isso?

BARUCH FALA CLARAMENTE, SECAMENTE E DISTINTAMENTE.

Baruch:           Se você não faz contato com o Criador nesta vida, você não é nada.

Yehuda:           Como eu posso conseguir isso? É por isso que eu vim a você.

YEHUDA DE REPENTE SE LEVANTA. ELEVANDO-SE SOBRE BARUCH, COMO SE ELES ESTIVESSEM INVERTIDO PAPÉIS. AGORA O PEQUENO YEHUDA ESTÁ FALANDO COM RAIVA E AUTORIDADE.

Yehuda:           Eu estou de farto desta conversa vazia. Eu não tenho tempo para isso.

BARUCH OLHA PARA ELE EM ADMIRAÇÃO.

Baruch:           Oh, como você me lembra alguém! Mas ele não tinha oito anos; ele tinha quarenta e oito!

Yehuda:           Eu não preciso de todas essas histórias. Você tem que me guiar até Ele!

Baruch (rindo e apontando o dedo à Yehuda):

Sim, Mendel de Kotzk era assim mesmo: inflexível, intransigente.

E DE REPENTE ELE PARA DE RIR, VENDO QUE YEHUDA NÃO ESTÁ MAIS PARA RISADAS.

Baruch:           Nós levávamos uma vida pacífica. Nós acreditávamos em Deus.

Disseram-nos que Ele existe e nós acreditamos. Nós seguimos as Suas leis, estudávamos a Torá. Mendel veio e rasgou a nossa pacífica vida. Ele nos fez abandonar este mundo e exigir outro. Ele gritou conosco, nos mostrou os punhos, e nos amaldiçoou. Mas nada saiu de nós. Ficamos os animais que éramos. (Ele suspira e ordena agudamente:) Senta, Yehuda.

YEHUDA SENTA-SE.

Baruch:           Abra!

YEHUDA ABRE O LIVRO.

BARUCH COLOCA A MÃO SOBRE A PRIMEIRA PÁGINA E BATE COM O DEDO NA PRIMEIRA LINHA.

Baruch:           A cura está aqui, Yehuda! Somente aqui! Aqui é onde a vida está. Você entende?

Yehuda:           Sim.

Baruch:           Bem, se você entende, então comece. Comece a procurar dentro de você, filho.

YEHUDA COMEÇA A LER LENTAMENTE.

O DEDO DA CRIANÇA TRAÇA AS LINHAS DO LIVRO.

A voz de Yehuda:   “Um rio se expande do Éden…” O que é “rio”?

Baruch:            “Rio” significa a sua prontidão de dar aos outros todas as coisas que você possui…

Yehuda:           O que é Jardim do Éden? (Sorrisos) Deve ser algo muito, muito bom.

Baruch:           Você está correto, filho! O Jardim do Éden é uma coleção dos seus melhores desejos. Os melhores! Amizade, amor, concessão… Esses desejos são plantados em você, filho, como árvores no chão. Eles são chamados “O Jardim do Éden,” e eles dão os frutos mais saborosos.

A NOITE CAI ATRÁS DA JANELA. A CASA VELHA RANGE COM O VENTO. A VELA NA MESA ILUMINA OS ROSTOS DE YEHUDA E BARUCH.

A voz de Yehuda    “Aquele rio se enche e corre, ele entra no Jardim baixo e o irriga com águas do alto, saciando-o, trazendo frutos e sementes”.

SOMBRAS DAÇAM NOS CANTOS DA SALA.

AS MÃOS DE BARUCH ESTÃO FECHADAS EM PUNHOS APERTADOS. O DEDO DE YEHUDA VIAJA ATRAVÉS DAS LINHAS DO LIVRO.

1 Uma Heider (em hebraico: um quarto) é uma pequena sala de aula, o equivalente ao ensino fundamental para os  judeus ortodoxos.

2 “Le” é um sufixo comum no nome de uma pessoa usado como um termo carinhoso.

3 Ramak – Rav Moshe Kordovero (1522-1570), um grande Cabalista. Viveu e ensinou em Safed (uma cidade de Cabalistas no norte de Israel). O título de Rav, ao contrário do título de rabino, será usado ao longo do livro  para  indicar aqueles que sejam não apenas um rabino ordenado, mas também um Cabalista.

4 Ramchal – Rav Moshe Chaim Luzzatto (1707-1747), um grande cabalista. Viveu  e ensinou na Itália e na Holanda.

5 Hassídicos (pl. de Hassídico) – seguidores devotos.

6 Um ponto no coração é um tipo especial de vazio e falta de satisfação que aparece no coração de uma pessoa, obrigando essa pessoa a procurar respostas para as perguntas sobre o significado da vida. Esta é a maneira do Criador guiar alguém para ele.

7 Rabbi Menachem Mendel de Kotzk (1788 – 1859), um grande Cabalista que formou um dos grupos mais famosos de Cabalá.

8 Rabbi Shimon bar Yochai (também conhecido como Rashbi) escreveu com seus 9 alunos O Livro do Zohar.

9 O professor do Rabino Shimon e um grande sábio de sua época. Ele cunhou a máxima, “Ame ao seu amigo como à si mesmo.”

10 O ARI um acrónimo para Eloki (Divino) Rabino Itzhak (1534-1572), nasceu como Isaac Luria. Ele nasceu em Jerusalém, mudou-se para o Egito, mas trabalhou e ensinou em Safed durante os últimos 18 meses de sua curta  vida.  Ele fundou o que hoje é conhecido como Cabalá Luriânica, abordando a Cabalá de uma perspectiva científica. Como Rashbi, seus livros não foram escritos por ele, mas por seu discípulo principal, Rav Chaim Vital.

11 O Livro do Zohar foi  escrito em aramaico. Em seu comentário Sulam (escada), Yehuda Ashlag traduziu o livro para  o hebraico, bem como interpretou o significado das palavras para os leitores de hoje.

12 Marranos:Judeus de origem Espanhola que foram forçados a aceitar Cristandade durante a Inquisição Espanhola, mas secretamente continuaram a observar as tradições judaicas.

13 A palavra, Atzilut, é derivada da palavra hebraica Etzlo (no Seu lugar). Atzilut é o  mundo que nós alcançamos  quando somos corrigidos e descobrimos o Criador ao máximo.

Do Editor

Do livro “O Cabalista”

O Cabalista: um romance cinematográfico

 

Copyright © 2012- Michael Laitman

Todos os direitos reservados Publicado por ARI Publishers www.ariresearch.org hq@ariresearch.org

1057 Steeles Avenue West, Suite 532, Toronto, ON, M2R 3X1, Canada 2009 85th Street #51, Brooklyn, New York, 11214, USA

Impresso no Canadá

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida por qualquer forma sem permissão por escrito da editora, exceto no caso de trechos curtos citados em artigos críticos ou revisões.

ISBN: 978-1-897448-75-5

Biblioteca do Congresso Número de Controle: 2012936447

Tradução para o Português

Almir Afiune Angélica Oliveira Carlos Fernandes Valéria Konishi

Coordenação: Andie Sheppard

Editores Associados: Leah Goldberg, Gianni Conti, Mary Miesem Design: Alexander Mochin

Layout: Baruch Khovov Editor Executivo: Chaim Ratz

Impressão e Pós Produção: Uri Laitman

 

PRIMEIRA EDIÇÃO: Janeiro de 2013

Primeira Impressão.

Este romance é sobre Baal HaSulam, um dos maiores Cabalistas de todos os tempos. Baal HaSulam escalou todos os 125 degraus de realização espiritual. Ele obteve uma conexão completa com o poder que governa o mundo. Ele viveu no século XX e previu tudo o que aconteceu. Ele apaixonadamente desejava salvar a humanidade de futuros desastres e aflições.

É por isso que ele escreveu para nós uma interpretação completa de O Livro do Zohar.

Podemos observar as ações de um Cabalista, mas é praticamente impossível penetrar no seu mundo interior. Esta história é uma tentativa de compreender o homem interior e mostrar que não existem milagres, além daquele que uma pessoa se transforma.

Sabedoria Maravilhosa

Michael R. Kellogg

Sabedoria Maravilhosa é um guia para quem está iniciando seus estudos de Cabalá. Baseado em textos autênticos da Cabalá oferece uma sequência de lições, passadas de Cabalistas para os alunos ao longo dos séculos e que revelam a natureza desta sabedoria.

Obtenha a sua cópia em www.kabbalahbooks.info

 

 

 

 

ÍNDICE

BNEI BARUCH

Do livro “Sabedoria Maravilhosa”

Bnei Baruch é uma organização sem fins lucrativos situada em Israel, que dissemina a sabedoria da Cabala com o objetivo de acelerar a espiritualidade da humanidade. Cabalista Michael Laitman PHD, que era discípulo e assistente pessoal do Cabalista Rav Baruch Ashlag, filho do Cabalista Rav Yehuda Ashlag (autor do “Sulam” comentário sobre o livro O Zohar), segue as pegadas do seu mentor, liderando o grupo na sua missão.

O método científico de Rav Laitman, oferece a pessoas de todas as crenças, religiões e culturas, as ferramentas necessárias para embarcar num caminho bastante cativante de auto-descobrimento e ascensão espiritual. Sendo principalmente o seu foco nos processos internos por que as pessoas passam, ao seu próprio ritmo. Bnei Baruch acolhe com prazer pessoas de todas as idades e estilos de vida que se iniciam neste  processo recompensador.

Em anos recentes, um despertar mundial maciço na procura de respostas para as perguntas da vida, tem estado em andamento. A sociedade perdeu a sua habilidade de ver a realidade pelo que ela é, e em seu lugar apareceram conceitos superficiais e por vezes errados. Bnei Baruch estende a mão a todos os que procuram uma sensibilização para além do estabelecido, a todos que procuram compreender o verdadeiro propósito de estarmos aqui.

Ele oferece orientação prática e um método confiável para entender o fenômeno mundial. O método autêntico concebido pelo Rav Yehuda Ashlag, não só ajuda a ultrapassar as provações e atribulações da vida cotidiana, como também inicia um processo na qual as pessoas se estendem para além das atuais fronteiras e limitações.

Cabalista, Rav Yehuda Ashlag deixou para esta geração, um método de estudo que “treina” essencialmente indivíduos a comportarem-se como se já tivessem atingido a perfeição dos Mundos Superiores, enquanto estão aqui no nosso mundo. Nas palavras de Rav Yehuda Ashlag, “Este método é uma maneira prática de alcançar o Mundo Superior, a fonte de nossa existência enquanto ainda vivemos neste mundo”.

Um Cabalista é um pesquisador que estuda a sua natureza utilizando este comprovado, testado e método preciso. Através deste método, alcançamos a perfeição e o controle sobre a nossa vida, e percebemos o propósito da vida. Assim como uma pessoa que não funciona corretamente neste mundo, sem nenhum conhecimento dele, também a alma de uma pessoa não funciona corretamente no Mundo Superior, sem nenhum conhecimento deste. A sabedoria da Cabala proporciona este conhecimento.

Capítulo 12

Do livro “Sabedoria Maravilhosa”

Conclusões

Todas as escrituras sagradas descrevem os sentimentos que nós esperamos viver. A mensagem é sempre a mesma: devemos preferir a espiritualidade do que as tentações do mundo material, e louvar ao Criador. O Criador não precisa dos nossos louvores, porque ele é totalmente isento de egoísmo.

A única coisa que Ele deseja é preencher cada um de nós com prazer. Isto é proporcional ao nosso desejo de escolher Ele entre todas as outras coisas, e às nossas aspirações para adquirir qualidades iguais às Dele. A glorificação do Criador é uma indicação da correta orientação do Kli. O prazer de se conectar com o Criador pode se tornar infinito, eterno e perfeito, e só pode ser restrito apenas pela intervenção do ego da pessoa.

Altruísmo é uma qualidade específica, um meio para corrigir o Kli. Egoísmo não nos traz nada de bom ou vale a pena. É obvio, que quanto maior ele for mais as pessoas se sentirão insatisfeitas. Os países mais desenvolvidos têm muitas vezes um numero alarmante de suicídio entre os jovens e velhos.

Pode-se dar tudo a uma pessoa, mas isto por vezes resulta da falta de apreciação do recipiente pelas coisas mais simples da vida. Apreço (Gosto) é sentido somente quando o sofrimento e o prazer entram em contato. A realização de um prazer sacia o prazer de receber algo. O mandamento do Criador de mudar a natureza egoísta do Kli para altruísta é dado para nosso benefício, e não para o Seu interesse.

A nossa presente condição é chamada de Olam Hazeh (Este Mundo), mas a nossa próxima condição é o Olam Haba (Mundo Vindouro). Este Mundo é o que sentimos no presente momento. O próximo mais elevado, sentimentos percebidos conduzirão à percepção do Mundo Vindouro.

Mesmo se cada estudante atendesse um curso curto de Cabala e depois fosse embora, esses estudantes ainda continuariam recebendo algo que se manteria vivo dentro deles. Cada um sabe dentro de si o que é a coisa mais importante na vida. As pessoas são todas diferentes. Algumas nasceram mais inteligentes, e são mais rápidas em adquirir sucesso nos negócios e na sociedade.  Frequentemente tornam-se ricas e começam a explorar os outros.

Outras nascem preguiçosas, crescem e se desenvolvem devagar. Elas não são muito afortunadas. Algumas podem até trabalhar muito mais do que os seus vizinhos espertos, mas conseguem pouco em retorno. Não podemos avaliar os esforços de cada um neste mundo, pois eles dependem de um grande numero de qualidades interiores com as quais nascemos. Não existem aparelhos que possam medir os esforços internos e morais de um individuo, nem os físicos.

Baal Sulam (Yehuda Ashlag) escreve que aproximadamente 10% das pessoas deste mundo são altruístas. Estas são pessoas que recebem prazer por ajudar outras pessoas. Tal como um egoísta pode até matar por não receber, um altruísta pode até matar por não poder dar. Dar é somente um meio de receber prazer para esta pessoa.

Tais pessoas são de certo modo, também egoístas, porque a sua intenção é receber algo como resultado da sua doação. Naturalmente, também elas deverão passar pela correção.

Em relação ao espiritual são todas iguais. Elas devem percorrer um longo caminho com o intuito de perceber o mal inerente dentro delas, por não serem genuinamente altruístas. Este é o momento em que elas percebem que são egoístas. Quanto mais grosseiro e egoísta for um individuo, mais perto estará de agarrar a oportunidade de se mudar para a espiritualidade. Neste caso, o egoísmo estará tão maduro quanto imenso.

Agora, mais um passo adiante é necessário: perceber que esse egoísmo é nocivo para nós. Devemos então implorar ao Criador, que mude a nossa intenção de receber para o nosso próprio bem, para, receber para o bem do Criador.

A qualidade da vergonha aparece em Malchut de Ein Sof (Reino do Infinito) quando percebe como Keter (Coroa), Behina Shoresh (Fase da Raiz), é. É a sensação do contraste acentuado entre a Luz e ele mesmo. Malchut não distingue a Luz, somente as características e propriedades que são despertadas nele pela Luz.

A Luz por si só não possui atributo nenhum. Qualquer atributo que Malchut sente, é o resultado da influência que a Luz exerce sobre ele. Todas  as reações do organismo humano são úteis e necessárias, quer falemos do organismo espiritual ou material.

O nosso egoísmo é muito esperto. Se existirem desejos impossíveis de satisfazer, ele os suprime para evitar sofrimento desnecessário. No entanto, no momento em que certas condições surgem, esses desejos reaparecem. O acima mencionado é verdadeiro mesmo para uma pessoa fraca, doente ou velha, que não possui nenhum desejo especial exceto um: se manter viva. O organismo suprime os desejos que não serão realizados.

A evolução do mundo está dividida em quatro estágios de Ohr Yashar quando Behina Aleph se torna em Bet ,Bet em Gimel e assim por diante. Mas quando Malchut de Ein Sof se forma, absorve todos os desejos dos Sefirot superiores, os quais vivem em Malchut e não mudam de nenhuma forma. O fato de outros mundos se formarem mais tarde, não testemunha a mudança dos desejos, mas sim o desenvolvimento das intenções.

Dependendo da intenção, diferentes desejos são ativados. Mas os desejos em si, não mudam. Nada novo do que já estava lá, é criado. É o mesmo com os pensamentos que temos hoje, mas que não tivemos ontem.

Eles já estavam lá, mas ontem eles estavam ocultos de nós. Tudo dentro de nós está num estado latente, e existe um tempo para a manifestação de cada ação. Nada de novo é criado.

É impossível transformar duas coisas diferentes, uma na outra. Por exemplo, é impossível mudar natureza inorgânica em natureza orgânica, ou seres do reino vegetal em seres do reino animal, e assim por diante.

Classes intermediárias existem. Por exemplo, a meio da evolução entre o vegetal e o animal existem os corais. Entre o vegetal e o animal existe um animal chamado “O Cachorro do Campo”, que se alimenta do solo. O macaco está entre o reino animal e o humano. Pode não ser simplesmente um animal, mas ele também não é considerado um ser humano.

A única transformação que pode ocorrer é quando uma faísca divina  atrai o espiritual e cria o desejo de obter e alcançar algo superior. Então, neste estágio, esta criatura de duas pernas se torna um Homem verdadeiro. Existem muito poucas pessoas que podem ser chamadas de “Homem”, do ponto de vista Cabalístico.

O desenvolvimento da ciência e da tecnologia está destinado a chegar a uma eventual paralisação completa, que nos leva à conclusão que tal não é o objetivo principal. Mas primeiro que tudo, este estado de paralização completa tem de ser alcançado.

Cabalistas sempre organizaram grupos de estudantes. Sob nenhuma circunstância esses estudantes são avaliados ou comparados de acordo com o seu desejo de estudar. As pessoas são antecipadamente criadas com certos desejos e ninguém sabe o porquê de se ser criado dessa forma, ou o porquê  de os desejos de outrem serem ostentados de maneira diferente.

Antes da formação de um grupo permanente, seleção e graduação são feitas. Ninguém, exceto Chaim Vital, entendeu o Ari perfeitamente. O Ari, Rav Isaac Luria, viveu em meados do Século XVI e ensinou em Safed.

É sabido que Chaim Vital começou o estudo seguindo o novo método criado pelo Ari. Já existiam grandes Cabalistas nesse grupo do Ari, no entanto ele transmitiu exclusivamente tudo a Chaim Vital. A maneira como um mestre de Cabalá ensina, depende do tipo de almas que descendem a este mundo.

Antes do Ari, existiam outros sistemas e métodos de ensinar. Seguindo  a revelação da metodologia do Ari, é possível para todos estudar, só é necessário um desejo genuíno. Baal HaSulam, Rav Yehuda Ashlag, não modificou o sistema do Ari, ele somente o alargou. (o ampliou) Escreveu comentários mais detalhados dos livros do Ari e d’ O Zohar.

Desta maneira, aqueles da nossa geração, que queiram estudar Cabala e chegar perto do reino espiritual, podem entender a essência interna do material estudado e podem assim estabelecer uma analogia ao lerem a Bíblia (Os Cinco Livros de Moisés, Os Profetas e As Escrituras).

As almas que desceram a este mundo antes do Ari percebiam o espiritual de modo puramente extrínseco (algo que vem de fora). Depois da morte do Ari, almas começaram a descer, estudaram e analisaram-se a elas mesmas e o mundo espiritual por meio de um método espiritual e cientifico. É por isso, que os livros editados antes do Ari, são escritos como uma narrativa.

Os livros subseqüentes aos ensinamentos do Ari, como por exemplo: O Estudo dos Dez Sefirot foi escrito usando termos como Behinot, Partzufim, Sefirot e Olamot. Isto é uma engenharia psicológica, uma aproximação  cientifica à alma.

Cada ciência possui a sua própria linguagem. Se o Cabalista não é um cientista ele ou ela não será capaz de descrever os diferentes fenômenos usando a terminologia científica exigida. O Cabalista percebe as verdadeiras leis do universo, que são os alicerces da essência material e espiritual de todas as coisas.

Em que linguagem poderia alguém escrever a correlação entre dois objetos? E qual é o relacionamento entre objetos espirituais? Como se pode descrever a força espiritual que une este mundo inteiro?

Nenhuma formula específica, neste mundo, consegue transmitir isso tudo. No mundo espiritual, o Cabalista pode ser capaz de passar todas as suas percepções. Mas como podem essas percepções estarem disponíveis a um leigo? Mesmo que fosse possível, de alguma forma narrá-las, nada poderia ser aplicado no nosso mundo até que se mude a nossa natureza egoísta.

Se, as pessoas pudessem mudar os seus atributos para um nível superior, elas seriam capazes de se comunicarem entre elas numa linguagem espiritual e de realizarem ações espirituais. A pessoa recebe e sofre de acordo com o nível em que consegue suportar. Para se subir de nível espiritual, uma tela (Masach) é necessária, o que não é uma tarefa fácil.

Nós estamos presos num círculo vicioso, do qual não podemos escapar. Assim, ignoramos o que está além desse circulo. É por isso que a Cabala é chamada de “ciência oculta”, para aqueles que não sabem como funciona.

Na sua Introdução ao Livro d’ O Zohar, o Cabalista Baal HaSulam fala sobre os quatro níveis do conhecimento: I- Substancia II- Forma revestida em substancia, III- Forma Abstrata e IV- Essência. A ciência só pode estudar substancia e a forma revestida em substancia. Forma sem substancia é uma concepção puramente abstrata, e não se presta a uma analise apurada. A última, essência, que anima objetos e provoca reações, é desconhecida.

O mesmo se aplica ao mundo espiritual. Mesmo um grande Cabalista pode, enquanto estuda algo espiritual, perceber a substancia e a sua composição em qualquer forma, mas, nunca a forma sem a substância.

Finalmente, quando os Cabalistas atingem certo nível requerido, recebem um presente do Alto: a revelação dos segredos do Universo.

CAPÍTULO 11

Do livro “Sabedoria Maravilhosa”

INTENÇÃO – O NOSSO TRABALHO

O nosso trabalho inicia-se com a busca do simples reconhecimento de uma notável verdade. Esta verdade é que não existe ninguém, além Dele. Quando começamos a estudar, nós somos atraídos para muitos elementos diferentes e confusos da Cabala. Estudamos muitos artigos que abordam a Cabala  por duas direções diferentes. Por um lado, a Cabala é apresentada de uma  maneira completamente científica e factual. Por outro, a Cabala é apresentada de uma forma mais emocional, “sentimental”. Ainda assim, no final, ambas as direções levam a uma única e fundamental conclusão: não existe ninguém  além Dele.

No entanto, descobrir esta verdade fundamental não é tarefa fácil, pois ela nos golpeia. Em nossas pesquisas, nós lemos a este respeito e faz sentido. As nossas mentes não têm dificuldade nenhuma em imaginar que por trás de tudo, sim, não existe ninguém, mas Ele.  Mas quando colocamos os livros de lado,  ou desligamos a aula do computador e retornamos às nossas vidas diárias, nós encontramos numerosas situações que nos distraem deste princípio.

O estudante da Cabala retorna a ser o trabalhador diário com uma esposa ou um marido, com um emprego, filhos, parentes, amigos, passatempos, e todos os problemas que os acompanham. Os mais nobres conceitos aprendidos na aula ou na leitura, de repente voam pela janela quando o telefone toca ou um esposo frustrado começa a descrever uma pequena catástrofe. A mais profunda sabedoria parece se desvanecer no ar quando um chefe  nervoso entra no escritório reclamando sobre um pequeno erro.

Com o passar dos meses e até mesmo de anos, o estudante percebe que  existe uma espécie de guerra entre o espiritual e o material. Por um lado, toda  a frase escrita ou lecionada pelo professor parece trazer novas revelações.  Mas as acrobacias cotidianas para lidar com os problemas da vida, frustrações, e até mesmo as alegrias parecem anular o material.

Esta luta decorre alegremente até ao dia em que o Criador envia um pensamento que inicia o processo de cura. O que é este pensamento? É a mesma essência que o estudante começou a estudar há muito tempo atrás, que não existe ninguém além Dele.

Como é que este pensamento se manifesta? Ele vem até nós através de uma aula, de um artigo, ou às vezes de uma simples reflexão, “Talvez esses obstáculos que nos detêm são realmente enviados por Ele”. À medida que o estudante se aprofunda neste conceito, o desejo de pesquisar, de testar, de encontrar, aumenta. Este é o início de um processo que o irá guiar a uma incrível jornada de descobertas.

Pode-se comparar este processo a um tribunal judicial. Os nossos tribunais são estabelecidos com um único propósito: atribuir responsabilidade a alguém. A sua função é atribuir culpa por uma manifesta ação que tenha ocorrido. Em tribunais de pequenas causas, por vezes existe somente um juiz que investiga os fatos de uma matéria e determina quem é o responsável. Isto é exatamente em que o estudante da Cabala se torna – num juiz.

O que é que o estudante julga? O estudante julga toda e qualquer ação perturbadora que ele ou ela percebe, para que possa determinar quem é o responsável por essa ação. A pessoa designa responsabilidade para essas ocorrências em sua vida que parecem distraí-la do Criador. A quem o  estudante designa a culpa destas ações perturbadoras e por vezes devastadoras? Não existe ninguém além Dele; o juiz coloca a responsabilidade onde a culpa pertence, aos pés do Criador.

Estudantes aprendem que é o Criador Quem envia obstáculos para detê-los de seus caminhos. Mas por que o Criador deseja detê-los? Estudantes trabalham muito, estudam muitas vezes noite adentro, ou bem cedo pela manhã antes do trabalho. Eles atendem muitas palestras e aulas para ouvir o seu professor explicar estas profundas escrituras. O estudante pode até mesmo, pertencer a um grupo que tenham escolhido estudar juntos. Parece que, mesmo com todo este esforço, a última coisa que o Criador quereria fazer seria tentar dissuadir os Seus estudantes, e mesmo assim isto é o que acontece exatamente.

O estudante se questiona, “Como é possível que eu avance?” e então aprende que o Criador está lhe proporcionando a própria solução  para este problema. Os problemas são de fato a solução! O estudante percebe que os problemas são os mesmos degraus da escada para subir e avançar em direção ao Criador.

No princípio, a pessoa é apresentada com aborrecimentos pequenos, distrações que removem a atenção da pessoa do Criador.   Mas à medida que o processo de atribuição de responsabilidades se inicia, o nosso juiz acha que, no início, não é assim tão difícil trazer o Criador até o primeiro plano. Sim, o Criador esteve por trás deste ou daquele problema.

Mas à medida que o estudante progride, as tarefas se tornam mais árduas. Os obstáculos se tornam mais e mais fortes em relação à própria força e realizações. Parece que, quanto mais se supera, mais difíceis os obstáculos se tornam. E as suposições são exatamente corretas. Mais cedo ou mais tarde, os obstáculos atingem tal nível, que não existe maneira do estudante poder fazer aquela valiosa atribuição de culpa. Porém, o Criador proporcionou também  uma solução para isto.

Voltemos ao nosso exemplo do tribunal para examinarmos a solução do Criador. Tal como apresentado anteriormente, num tribunal judicial, problemas menores são tratados somente por um juiz. Mas para situações de maior importância, o tribunal inevitavelmente seleciona um júri para ajudar a determinar a atribuição da responsabilidade. O juiz na verdade, se anula com o respeito de atribuir culpa e aceita a opinião do júri sem preconceito. Por outras palavras, independentemente da opinião pessoal do juiz, ele anula-se e aceita a decisão do grupo.

Agora vemos o verdadeiro valor do grupo de estudantes. Todos, num grupo de estudantes Cabalistas sabem de suas responsabilidades para com o grupo. Esta responsabilidade é para ajudar qualquer um ou a todos os membros, neste tipo de circunstância. Quando aquele evento inevitável ocorre, e o estudante simplesmente não tem poder interior para atribuir a responsabilidade ao Criador, o grupo interfere e lembra ao estudante que “não existe ninguém além Dele”. O estudante afortunado realinha-se novamente com o seu objetivo, alcançar o Criador, e progredir em direção à meta, aquele primeiro momento de equivalência de forma.

Existe uma lei que governa a natureza e a humanidade rigidamente, e a Fonte desta lei é uma Força poderosa chamada “o Criador.” Em momentos difíceis nós nos voltamos a Ele. Mas às vezes sentimos que se queremos mudar algo em nossas vidas, isto significa que discordamos das Suas ações, que não somos gratos a ele. Então qual é o verdadeiro apelo da alma, aquele que o Criador ouve e responde?

Ao contrário de cientistas comuns, os Cabalistas sentem o que os não Cabalistas não sentem, e tendo desenvolvido um sentido extra, estudam o sistema da criação. Mas este poder tem um objetivo imutável: levar o sistema todo da criação até à perfeição. Como resultado, Ele age em tudo o que não está num estado de perfeição, e empurra em direção à perfeição. Este processo trabalha em todas as partes da criação por igual, e nós sentimos isso como dor e agonia.

Pode-se comparar isto como à pressão que os pais colocam em seus filhos pelo único desejo de felicidade de seus filhos. Mas, enquanto cresce e se desenvolve, a criança sente a pressão como dor. Assim que a criança obtém  os atributos adequados, as pressões desaparecem e a criança é feliz e grata.

Da Sua perspectiva, tudo na realidade é já perfeito tanto quanto pode ser. No entanto, enquanto nós não formos perfeitos, a Sua Providência não pode ser sentida como perfeita. O Criador criou deliberadamente a nossa situação corrupta inicial, para nos dar uma chance de escolher por nós mesmos a perfeição como algo desejável e alcançável. Como? Através do método chamado “a sabedoria da Cabala.”

A natureza não nos concedeu poderes para nos mudarmos a nós mesmos. É por isso, que nós não devemos pedir a Ele para mudar a Sua Orientação, mas para nos mudar a nós, para que então possamos sentir a Sua Perfeita Orientação. A única forma de progresso que existe, é voltarmo-nos para as Forças Superiores, por ajuda. Quando nos voltamos para esta força, não quebramos a Sua Lei. Pelo contrário, nós realizamos a única ação que podemos realizar.

Mas o apelo deve vir de uma clara consciência daquilo que estamos pedindo – é para nós mesmos, para satisfazermos os nossos desejos neste mundo, ou é por um apelo pela ascensão espiritual? Nós agora rezamos a Ele porque nos sentimos mal, por uma motivação egoísta, e desejamos nos sentir bem.

Então, nós condenamos a Sua Inteira Orientação com aquele apelo? Claro que sim! Mas a questão é, o que o seu coração sente? Não importa se você chora, grita ou permanece silencioso. O Criador sente o que vai ao coração, muito antes de nós. Quando nós pedimos para mudarmos a nós mesmos,  não porque nos sentimos mal, mas porque sofremos nos nossos corações quando amaldiçoamos o Criador, este é já um pedido que não é auto-orientado, para mim, mas uma prece verdadeira a Ele. Para tal pedido, o Criador responde imediatamente!

Certamente, jamais iremos pedir ao Criador correção se não sentirmos a necessidade, para isso. Nós vemos como as pessoas rezam a Deus, pedindo as mais diversas coisas. Mas, este não é o pedido de correção de que falamos, não é uma prece como nós a entendemos. A verdadeira prece é  um forte desejo de correção das nossas propriedades para alcançar o Criador, por Amor a Ele.

Nós chegamos a este tipo de prece, bem devagar, ao longo de anos. Primeiro, nós devemos cultivá-la dentro de nós. De início, tem-se os desejos deste mundo, depois pelo Superior, pelo Criador, direcionados mais e mais ao objetivo. No processo, nós mudamos constantemente a definição do Criador,  do objetivo e da correção.

Baseados num novo entendimento, a prece de um indivíduo sofre orientações diferentes. Assim que o indivíduo compreende completamente o objetivo, é alcançado – a prece dá frutos e a pessoa ascende ao Criador. Se o indivíduo fala do coração, então todo o apelo ao Criador é novo, apesar de as palavras serem as mesmas. Visto que o coração mudou, a prece torna-se tão nova, que às vezes as mesmas palavras soam estranhas ao suplicante.

Nós não falamos do Criador, mas de como nós entendemos as Suas Propriedades. Por isso, as nossas noções mudam constantemente.  Por “nossas noções” entendemos as idéias que pertencem aqueles que trabalham na sua correção interna e que aspiram a ser como o Criador.

Então o que devemos pedir? Peça tudo o que puder, qualquer coisa que a sua mente o deixará atingir – e o Criador lhe dará tudo, quer dizer tudo o que é necessário à realização do invocador.

Uma pessoa nunca sabe como agir quando procura a verdade espiritual, mas se quer crescer espiritualmente, o Criador dá ao buscador tudo o que é necessário.

Os sentimentos nos nossos corações são as preces. Mas a prece mais poderosa, como Baal HaSulam escreve, é o sentimento no coração durante o estudo, o desejo de entender o material, quer dizer de se assemelhar com as suas próprias propriedades. Obviamente, o que é realmente importante aqui é  o objetivo.

O objetivo é a única coisa que as criaturas adquirem, além do desejo de se deleitarem no Criador. O Criador fez a criatura com um desejo inerente de se deleitar Nele, em Sua Luz. A criatura só sente uma coisa: a ausência ou a presença deste deleite. Nem sequer se sente a si mesma, mas somente o prazer e a sua quantidade e qualidade.

A razão é que, somente pode sentir-se a si mesma em relação a algo oposto a si. Por isso, a criatura não pode desenvolver-se apenas de uma sensação de prazer. Tal sentimento existe no inanimado, no vegetativo e no animado (incluindo o ser humano animado).

A capacidade de sentir o Criador é o que diferencia os humanos das outras formas da criação. Seria mais correto dizer, que a pessoa que sente o Criador  é chamado “Homem.” Na linguagem da Cabala, Homem é o Recipiente (Kli) que sente não apenas o prazer, mas também a fonte do prazer. É necessário desenvolver a vontade nesta extensão, porque o inanimado, o vegetativo e o animado são diferentes uns dos outros somente na medida do seu desejo de receber.

A medida do desejo causa mudanças na sua qualidade. O desejo de receber (que está além do inanimado) traz vida, com ele. Uma maior vontade de prazer cria animais e gera movimento com o intuito de procurar prazer, a sensação do ser como uma entidade individual.

Prazer, só é possível na fronteira entre duas sensações opostas. A sensação de oposição entre a criatura e Criador cria o objetivo. A criatura é um desejo de prazer. Somente o objetivo permite duas situações: o objetivo para mim, que é o estado corporal, e o objetivo pelo Criador, que é o estado espiritual, porque neste, uma pessoa torna-se similar ao Criador.

Um objetivo para o Criador é a única coisa que precisamos adquirir do Criador, da Luz. Este objetivo nos direciona para o propósito da criação e nos torna equivalentes a Ele. Por causa disso, a Cabala é a “sabedoria do objetivo.” E o objetivo é bastante diferente da ação.

Um ato físico por si só, não faz nenhuma diferença no Mundo Superior! É dito, que uma ação sem intenção é como um corpo sem alma, e, portanto é considerado um ato sem vida, negado da intenção espiritual “pelo Criador”.

Mas o objetivo surge gradualmente, de acordo com o progresso de cada um no estudo da Cabala.

A sabedoria da Cabala é sobre as intenções, e sobre como mudar o coração para o Mundo Superior. Se uma pessoa inicia os estudos e não consegue adicionar a intenção correta pelo Criador, esse período é chamado de Lo Lishma (não pelo Seu nome), não pelo Criador, isto quer dizer que nesse período as ações do estudante são todas para ele.

Mas se uma pessoa não faz nada para desenvolver os seus objetivos, aí a pessoa não trabalha nem para Lo Lishma (não pelo Seu nome), mas simplesmente exerce um ato sem vida. No entanto, a pessoa não deverá parar de fazê-lo, porque a certa altura o objetivo para Lo Lishma (não pelo Seu  nome) virá, e Lishma (pelo Seu nome) virá a seguir. Atos físicos são sempre justificados, mas você tem de aspirar a não ficar limitado por eles.

Uma pessoa não pode sentir o seu próprio coração ou a sua verdadeira situação. Estes estão em princípio ocultos e só são revelados gradualmente, de acordo com a nossa habilidade para corrigir os nossos desejos originais. É muito fácil abrir um livro de preces e lê-lo, mas é muito difícil alcançar crescimento espiritual com o qual os sentimentos no coração de uma pessoa, irão se assemelhar à palavra escrita; quando o coração reconhece e vive as palavras como a verdade autêntica.

Quando estudamos Cabala, nós ampliamos a iluminação da Luz  Superior. Como resultado, começamos a nos sentir pior, e os nossos espíritos declinam. Mas, devemos entender que este é um estado de correção; caso contrário, não nos teria sido mostrado do Alto que nós somos maus. Nós ainda não nos sentimos como maus, e não estamos num estado de Reconhecimento do Mal, dentro de nós.

Se, começamos a estudar Cabala, nós veremos a nossa real situação, que é caracterizada pelas palavras “oração é o trabalho do coração.” Isto, quer dizer que a oração envolve trabalhar com os desejos do coração, corrigindo-os. Nesse momento, começamos a entender o verdadeiro significado das palavras que dizemos, e iremos saber o que temos de fazer.

Ficará claro que a oração prece é o nosso trabalho na tela, sobre a natureza. Somente um coração corrigido, que sente as suas duas situações extremas – a sua condição original quando estava distante do Criador e a sua atual, quando está preenchido pelo Criador – somente tal coração pode sentir a benção do Criador e abençoá-Lo.

Os seus sentimentos durante os seus estudos – sobre si e sobre o Criador – são as suas preces mais honestas! Isto foi o que o Rav de Kotzk escreveu em seu livro, Yosher Divrey Emet (Honestidade e Palavras da Verdade).  É por  isso que você não precisa dos textos de preces adequados. O mais correto, é como você se sente em relação ao Criador.

O seu entendimento da interpretação dos termos da Cabala irão se aprofundar de acordo com a extensão dos novos sentimentos que surgirão dentro de si.  Por exemplo, você verá que Faraó são as características incorretas da pessoa; que Exílio é quando a pessoa se distancia do mundo espiritual; que Liberdade  é a libertação da autoridade de sua própria natureza, e assim por diante.

Você será capaz de ver que todas as preces nos livros de orações e Salmos, foram escritos por pessoas que passaram por estas situações – Cabalistas em altos níveis espirituais. É por isso, que também nós, em nossos próprios níveis, podemos usar estas preces como expressões práticas dos nossos pensamentos e desejos.

Mas, então e a mente? A oração é o trabalho do coração, mas a mente nem sempre concorda com esta sensação. Por exemplo, uma pessoa tem de fazer um teste muito importante e difícil, e isso a aterroriza. Todo o seu ser pode até chorar, “Eu não quero aquele teste!” Mas, a sua mente ajuda-a a entender o quão importante é passar aquele teste. Por isso, ela se volta para o Criador com um pedido consciente para fazer o teste e passar.

A mente pode nos ajudar a decidir se podemos ou não fazer o esforço. Nós podemos influenciá-la e convencê-la a obedecer-nos. Por fim, nós faremos o esforço e do Alto nós receberemos novos desejos e emoções.

Sentimentos é o que eu experiencio na minha vontade. A mente completa corrige e avalia os sentimentos, e é por isso que ela pode mudar a atitude de uma pessoa a respeito deles. Então, todas as coisas que afetam a mente – amigos, grupo e professor – são o que determinam o futuro de uma pessoa. Cabala nos ensina a mudar a maneira como nos relacionamos com os nossos sentimentos para que “verdadeiro” e “falso” tenha poder sobre nós, ao invés de “amargo” e “doce.”

Em termos Cabalísticos, uma prece é o pedido por correção, do inferior e ascensão do desejo de ser corrigido ao Partzuf Superior (elevar MAN). Se o inferior souber o que pedir, sabe exatamente o que quer, e o que quer ser (quer dizer que dentro dele já existe um desejo suficientemente atormentado, e somente aquele desejo), naquele ponto o Superior responde e o inferior é elevado.

Este processo envolve todos os mundos, Partzufim e Sefirot do nosso mundo  (a situação em que nos encontramos agora) através do mundo de Ein Sof (infinito; a situação que não podemos sentir), embora você esteja tanto nela quanto você está no nosso mundo. Isto é a total plenitude, realização e satisfação.

O teste e a prova de que a pessoa foi atendida pelo Criador, tem equivalência a Ele, e depois entra no mundo espiritual, é somente na real sensação do Criador, da Luz, da equivalência e unidade. Esta sensação é sempre íntima e pessoal, e é impossível transmiti-la a uma pessoa que não a sente. É por isso que se diz, “Prove e veja que o Senhor é bom.”

Enquanto a pessoa não tiver adquirido uma tela e não tiver sentido a Luz interna do Partzuf, chamada Taamim (sabores), ela pensa que não está se afastando de sua própria natureza, mas antes caindo mais fundo nela.

Porque a Luz do Criador influencia a pessoa a uma maior extensão, a pessoa considera os atributos (isso ainda está inalterado) restantes como piores. Assim, a pessoa pensa que não é a Luz que é mais forte, mas que ela mesma está mudando para pior. Mas, embora cada passo do caminho parecer indicar que a situação está piorando a pessoa que caminha a estrada verá o seu fim.

Se eu observo uma qualidade negativa em mim e, sofro por ela estar em mim, devo eu pedir ao Criador com toda a minha força, ajuda para corrigi-la? Ou, será melhor tentar ignorar esta característica porque “a pessoa está onde os seus pensamentos estão,” e pensar somente na grandeza do Criador, sobre como tudo vem Dele, incluindo aquela qualidade, e tentar ver a  Sua Providência em tudo. Afinal, Ele criou-me desta maneira, então porque devo eu corrigir-me?

O Criador criou-nos opostos a Ele para que desejemos ser como Ele, precisamente por esta situação oposta. Este é o propósito de todos os pedidos. Por isso, nós devemos enaltecer o Criador, sabendo em nossos corações que  o atributo do Criador é o mais elevado e perfeito.

Mas, se tudo o que fazemos é choramingar sobre as desgraças sem formar uma decisão clara de que devemos ser como o Criador, pelo menos de alguma maneira, então os nossos pedidos são somente para nós, sem preocupação pelo propósito da criação.

No entanto, não se pode determinar quais serão os pedidos ao Criador, ou enaltecer o Criador de forma independente, porque tais pedidos são diretamente estendidos de dentro, do coração, mesmo antes que se saiba o seu significado. O desejo, qualquer desejo do coração é chamado de “prece”. Quando uma pessoa reza para ser capaz de justificar o Criador sobre qualquer circunstância, essa pessoa é chamada de Tzadik, quer dizer justa, aquela que justifica o Criador.

Os nossos esforços são necessários para que uma atitude correta aos atributos e características do Criador se formem consciente e propositadamente em nós, para que queiramos aderir ao Criador. Nós não somos o Criador, e não podemos mudar nada em nós. Tudo o que podemos fazer, é preparar-nos para querer mudar. Esta é a nossa oração.

Tudo começa no Mundo Superior e depois descende ao nosso mundo. Os nossos movimentos mecânicos (assim como tudo o que ocorre na natureza) não têm efeito algum no Mundo Superior, porque o nosso mundo é meramente uma consequência deste, isto quer dizer, que segue os mandamentos da Orientação que vem do Alto.

Qualquer coisa que acontece neste mundo é uma consequência das forças, mandamentos e influências que descendem do Alto. A única coisa que ascende do nosso mundo ao Mundo Superior são os desejos que vêm do  fundo dos nossos corações. Somente eles evocam respostas no Mundo Superior. É assim que eles o influenciam. Como resultado, eles também influenciam o que descende até nós. Os desejos do fundo do coração de uma pessoa são chamados de “oração”.

Todos os nossos desejos, sem exceção, são divididos de acordo com objetivos de desejos para mim e desejos para o Criador. O Criador determina os nossos desejos e não podemos mudá-los, porque o Criador quer que nós os  corrijamos. Quando se fala sobre a correção dos desejos, a idéia não é mudar  o desejo, ou suprimi-lo, mas mudar o objetivo inicial de para mim  para  o objetivo desejado, para o Criador.

A Orientação Superior existe somente para este propósito – de constantemente nos abastecer com desejos, para que aos poucos os possamos digerir  e chegar à percepção de que eles precisam ser corrigidos. Todas as ações espirituais são na verdade correções da intenção dos nossos desejos. Para  que nos deleitemos no Criador, na Sua Luz, devemos mudar os nossos objetivos de para mim (para receber) para o Criador (para dar).

 

É muito difícil manter pensamentos sobre o Criador. Você pode sentir que nada está acontecendo, ou que a sua situação não está mudando. Mas na realidade, se o tempo passa você passa por algo, porque em qualquer momento ocorrem mudanças em si. Quando o objetivo é superar uma parte do seu desejo preliminar, de deleite para si mesmo e corrigir o seu uso, só lhe fará bem estar imerso em pensamentos sobre o Criador.

Você lembrará o Criador na extensão das suas observações internas, embora elas ainda não estejam na sua consciência. Você pode acelerar o processo somente através da intensidade de pensamento, através da leitura de textos de Rav Baruch Ashlag e dos escritos de Baal HaSulam.

Intensidade de pensamento e poder de pensamento são na verdade determinados pelo tempo que se está conectado em pensamento com o objeto da contemplação. Adquire-se isto através da prática, ao tentar manter os seus pensamentos invencíveis, apesar das perturbações. Você deverá passar por tudo isto por si mesmo, assim como não existe ninguém mais sábio, senão o experiente. A Cabala é um método prático que a pessoa deve experimentar por si própria.

CAPÍTULO 10

Do livro “Sabedoria Maravilhosa”

PERCEBENDO O ESPIRITUAL

A nossa percepção do espiritual é na verdade uma mudança nos nossos sentidos. Mesmo uma mudança insignificante nos nossos sentidos irá modificar significativamente a nossa percepção da realidade e do nosso mundo. Tudo o que nós sentimos é chamada a Criação. Assim como nossas sensações são subjetivas, o quadro que nós construímos também é subjetivo.

Como nós mencionamos antes neste livro, cientistas tentam constantemente, expandir os limites dos nossos sentidos (com microscópios, telescópios, todo o tipo de sensores, e assim por diante), mas todas estas ajudas não mudam a essência de nossas percepções. É como se estivéssemos aprisionados pelos nossos órgãos sensoriais. Toda a informação recebida entra através dos nossos cinco órgãos sensoriais: visão, audição, tato, olfato e paladar.

Toda a informação que recebemos em nossos sentidos passa por um tipo de processo interno que é sentido e acessado segundo um algoritmo: isto  é melhor ou pior para mim? Do Alto, nos é dada a oportunidade de criar um sexto órgão dos sentidos. Cabala ensina que a única coisa criada é o desejo de  sentir prazer e desfrutar. Os nossos cérebros são destinados somente ao desenvolvimento dessa sensação, medindo-a corretamente. O cérebro é uma ferramenta auxiliar, nada mais.

O resultado de estudar Cabala corretamente é uma abrangente e completa percepção do verdadeiro universo, tão clara, e tão mais nítida do que a nossa atual percepção do mundo. A percepção de ambos os mundos, nos dá uma inteira e compreensiva imagem, incluindo a força mais poderosa, O Criador, que rege o universo inteiro. Se nós estudarmos corretamente, usando fontes autenticas num grupo de pessoas com idéias idênticas, e sobre o comando de um autentico professor, nós podemos mudar qualitativamente os nossos  órgãos das sensações e descobrir o mundo espiritual e o nosso Criador.

Nosso estado inicial é tal, que não entendemos nem percebemos que algo está escondido de nós. No entanto, se nós começarmos a apreciar este fato durante o nosso estudo é sinal que avançamos na direção certa.

Depois de algum tempo, começamos a sentir uma Força Superior que estabelece contato conosco, nos coloca em situações diferentes, e as causas e efeitos dessas situações se tornam mais claras.

Eu começo a pensar, “Esta específica situação foi-me enviada pelo Criador para que eu possa deixá-la passar” ou “Talvez nessa situação, eu deveria me comportar diferente”. Este tipo de analise e autocrítica é exatamente o que nos transporta ao nível de Humano. Agora nos tornamos mais do que um mero animal que caminha com duas pernas. O beneficio aqui, é que quando começamos a sentir o Criador, nós somos capazes de ver quais de nossas ações são proveitosas para nós e quais são prejudiciais.

Quando compreendemos as causas e efeitos de certa ação, sabemos qual  será proveitosa para nós. Sabendo isso, naturalmente não faremos algo que nos traga um castigo, mas faremos sempre o que nos trouxer uma  recompensa. Então a revelação do Criador nos traz a chance de nos comportarmos corretamente em qualquer situação e receber beneficio máximo dessa situação. Essa pessoa é chamada uma “pessoa justa”. O justo percebe o Criador, a recompensa para todo o bem, assim como uma recompensa adicional por não ter violado um mandamento.

A pessoa justa é aquela que justifica o Criador. Ao longo do nosso caminho, como realizamos cada vez mais correções, recebemos mais e mais Luz. Esta Luz Interna é a nossa percepção do Criador. Com cada nova revelação do Criador, ascendemos à escada espiritual, um degrau de cada vez. Com os nossos “pés espirituais” firmes nesse degrau, nós então recebemos uma nova porção de Luz.

Finalmente, alcançamos um nível onde o resultado final  não  tem absolutamente nada a ver conosco. Pode ser bom ou mau para nós, mas continuamos a praticar aquele mandamento espiritual. Quando finalmente alcançarmos esse nível, veremos o Criador como uma bondade total e cada uma de Suas ações como sendo perfeita. Isto tudo acontece por alcançarmos certo grau na revelação do Criador.

Á medida que avançamos ao longo dos 6.000 degraus, nós percebemos que tudo o que o Criador nos faz e aos nossos amigos humanos, provem do desejo interminável de deleitar todos os seres criados.

Somos então dominados por um sentimento interminável de gratidão e desejo de agradecer ao Criador.

Todas as nossas ações espirituais são diretamente direcionadas para dar ao Criador. Em outras palavras, fazemos mais e mais para agradar ao Criador.  Isto é chamado de “condição de amor eterno e interminável pelo Criador”. Quando alcançamos este estagio, entendemos que o Criador só nos desejou o bem no passado.

No nosso corrente estado não corrigido, esta condição é virtualmente desconhecida. Na verdade nós culpamos o Criador por tudo que nos acontece, por chegarmos atrasados ao jogo da escola de nossos filhos, até ás grandes tragédias de nossas vidas. Nós temos tendência para culpar o Criador por não conseguirmos o que queremos. Foi o Criador que nos colocou em apuros e nos trouxe magoa.

O que descobrimos depois é que, a Luz do Supremo é consistente e imutável, mas quando essa Luz entra num desejo antagônico, ou seja, oposto, isso faz surgir em nós um sentimento antagônico. Espiritualidade é percebida nessa extremidade, entre as condições positivas e negativas que experimentamos.  No fundo, não devemos temer qualquer situação, mesmo que ela pareça ser negativa.

Muitas vezes, quando começamos os estudos da Cabala, de repente descobrimos problemas que eram previamente desconhecidos. Isto é porque aceleramos o processo de nosso crescimento espiritual. Se não tivéssemos iniciado os nossos estudos, levaríamos anos para percorrer um caminho que agora percorremos em meses, ou mesmo semanas.

Se, durante os nossos estudos e trabalho com os nossos amigos, ouvirmos corretamente, ou seja, com a intenção correta, começaremos a nos sentir mais e mais “cientes” daquilo que ouvimos e aprendemos, e prestaremos mais atenção. Iremos estudar o processo da criação, a progressão do mundo espiritual de Cima para baixo, com o fim de atrairmos essa Luz espiritual descrita no material que estudamos. Quando fazemos isso corretamente, essa Luz limpará gradativamente os nossos Kelim auto-centralizados, corrigindo-os  e convertendo-os assim em Kelim altruístas.

Quando estudamos com outras pessoas, muitas vezes encontrarmos estudantes que estudam há anos, aprendendo junto com estudantes que começaram a estudar alguns meses antes. No entanto, são ambos capazes de progredir no estudo sem dificuldade. É surpreendente como os estudantes de hoje, vêm com um desejo ainda maior de entender tudo. A razão para isso, é que as suas almas estão mais experientes, e estão mais bem preparadas para o processo.

Por que estudamos em grupo? Porque isso nos possibilita utilizar um recurso muito especial da Cabala. Ao estudar o material com outros que têm a mesma intenção, nos vinculamos com o desejo do grupo. Este vínculo permite tornarmo-nos humildes com respeito, criando um tipo diferente de aceleração. Uma pessoa que estuda num grupo, pode certamente atingir níveis espirituais após algumas horas, ao passo que estudando sozinha poderia levar anos.

 

Assim sendo, temos na realidade duas formas de acelerar a obtenção de nosso objetivo. Primeiro, é o estudo da Cabala, o qual move os nossos esforços em direção ao objetivo, de um processo inconsciente para um  processo consciente. Depois, temos o grupo, que acelera drasticamente o processo consciente. Usando esta técnica combinada, nós poderemos avançar espiritualmente literalmente milhões de vezes mais rápido do que  se tivéssemos tomado o processo inconsciente.

Existem algumas armadilhas a serem evitadas. Nos tempos atuais, a Cabala foi transformada numa moda passageira e corrompida, prometendo desde uma vida sexual melhor até como ganhar mais dinheiro. É claro, que os estudantes irão receber alguns benefícios espirituais pelos esforços, mas se a intenção  não é a de revelar o Criador, mas sim ter algum benefício mundano, eles então irão caminhar a passo de tartaruga.

Existem também fanáticos que na realidade não têm nenhuma idéia do verdadeiro propósito da Cabala. Nós os denominamos de “pseudo-Cabalistas”. Por essa razão, um estudante iniciante deverá estudar somente os textos autênticos  e  se  focar  num  estudo  altamente  direcionado,  num  grupo sério, liderado por um mestre. Na realidade existem vários estágios que passamos antes de descobrirmos a Cabala, mas os últimos estágios envolvem uma busca desesperada pelo espiritual.

Houve tempos em que o estudante se questiona se é aceitável estudar outros livros ou mesmo olhar para idéias diferentes que se dizem caminhos  espirituais, e a minha resposta é a mesma. Os Cabalistas sempre nos ensinaram que “Um deve fazer exatamente o que o coração lhe manda“. Pois, se outro conceito de espiritualidade está em sua mente, ele nem conseguirá chegar perto da concentração que será necessária para começar o estudo da Cabala de maneira apropriada. É muito melhor que uma pessoa tente  e consiga resolver essa questão agora, e depois, após algumas semanas, meses ou anos, regressar e trabalhar com a completa e correta intenção.

É importante encontrar fontes Cabalísticas autênticas,  cujos  conteúdos induzem pensamentos sobre o Criador e sobre o objetivo a alcançar. Então, não tenha duvida que irá alcançá-lo. A fonte que o desvia do verdadeiro objetivo, não trará nenhum beneficio. A Luz Circundante, Ohr Makif, é atraída de acordo com o seu desejo. A Luz não irá brilhar se o seu desejo não for direcionado ao objetivo genuíno.

Um exemplo disso sou eu mesmo. Tive o meu primeiro contato com a Cabala quando eu tinha uns 20 e poucos anos de idade. Eu sabia que estava procurando algo, mas não estava absolutamente certo do que era. Estudei durante uns tempos, mas depois parei e fui procurar outros caminhos para a espiritualidade que se diziam mais rápidos. Levou-me muitos anos a compreender sobre o que é a Cabala – achar uma forma de percebermos o espiritual. O termo Hebraico para isso é Hishtavut Tzura, equivalência  da forma. É precisamente este objetivo que precisamos alcançar, antes de começarmos seriamente tentar alcançar os mundos espirituais.

Veja, o mundo espiritual atravessa o mundo material e molda tudo o que existe nele. Em outras palavras, a raiz de tudo o que existe em nosso mundo começa no mundo espiritual. Ao entendermos essas raízes espirituais e a nossa interação com elas, poderemos estudar o nosso mundo corretamente, permitindo-nos evitar cometer muitos erros.

A maioria das pessoas ficam surpresas quando lêem o Talmud Eser Sefirot (O Estudo das Dez Sefirot) pela primeira vez e descobrem que o nascimento das almas é incrivelmente parecido com a concepção do ser humano no útero da mãe, incluindo o período da gestação, nascimento e amamentação.

Se o material fosse lido como uma novela, chegaríamos à conclusão que é  pura medicina. Começamos então, a compreender porque percebemos as consequências das leis espirituais de desenvolvimento, em nosso mundo.

Horóscopos, astrologia, previsões, não têm nada a ver com Cabala. Eles estão relacionados com o corpo e com as suas propriedades animais para nos ajudar a sentir coisas diferentes. Cães e gatos também podem sentir a aproximação de um fenômeno natural. Nos tempos atuais, muitas pessoas correm para as técnicas da “Nova Era”, tentando mudar a si mesmas, suas vidas e seus destinos. De fato, o destino pode ser mudado, se você exercer uma influência em sua alma e aprender como controlar isso. Mas novamente, isto não tem nada a ver com a revelação do Criador, que é acerca dos desejos dentro de nós, e quem desejamos deleitar através deles.

Existe outro fenômeno único quando estudamos a Cabala. Assim que ficamos familiarizados com as leis do mundo espiritual, verificamos que entendemos mais facilmente as leis de nosso mundo. Ciências tais como Física, Química, Biologia, etc., na realidade se tornam mais simples e claras  quando examinadas pelo ponto de vista da Cabala. Um Cabalista sonha em ascender acima do presente nível, mas não em descer. Cabalistas podem perceber as raízes de desenvolvimento de todas as ciências, se eles o desejarem.

Baal HaSulam, Rav Ashlag, muitas vezes escreveram sobre a correlação entre a ciência espiritual e material. Um grande Cabalista, Vilna Gaon, gostava de fazer comparações entre leis espirituais e materiais. Ele, até escreveu um livro de Geometria. Conhecedor de um dos níveis mais elevados do  mundo espiritual, ele era capaz de mostrar uma ligação diretamente desse mundo até á ciência de nosso mundo.

Mas para aqueles como nós, que não temos a menor idéia do mundo espiritual, devemos ler esses livros, pronunciar as palavras, e tentar entender  o significado delas. Pronunciando somente essas palavras com o desejo correto no coração, nós estamos nos conectando invisivelmente com o mundo espiritual, atraindo Ohr Makif (Luz Circundante) do mesmo nível onde o autor estava.

Quando lemos os livros de Cabalistas genuínos, permitimos que a Ohr Makif nos conduza em frente.

A diversidade de níveis e tipos de almas Cabalistas é responsável pelos diferentes estilos dos trabalhos Cabalistas, assim como pelos vários níveis da intensidade da Luz que atraímos enquanto os estudamos. No entanto, a Luz emanada dos vários livros da Torah, incluindo, a sua parte especial, a Cabala, sempre existe.

O Cabalista Moisés escreveu um livro sobre a peregrinação de seu povo pelo deserto. Se nós só levarmos literalmente estas escritas como histórias, então o Torah não terá nenhum impacto sobre nós. Mas se a estudarmos a fundo e compreendermos o que realmente está lá descrito, Os Cinco Livros tornam-se uma revelação Cabalista, onde todos os níveis de entendimento do mundo espiritual são esclarecidos. Isto é exatamente o que Moisés queria transmitir.

O mesmo acontece com o Cântico dos Cânticos escrito pelo Rei Salomão.  Tudo depende de como é lido e interpretado. Pode somente parecer uma canção de amor ou uma revelação espiritual, que O Zohar descreve como a ligação mais alta com o Criador.

Nós criamos constantemente diferentes desejos, sejam eles quais forem. O nosso desenvolvimento depende do nível desses desejos. No começo, os nossos desejos estão no nível mais inferior, chamados desejos animalescos. Mais tarde, esses desejos são seguidos pelos da riqueza, honra, posição social e assim por diante. Num nível mais elevado estão os desejos pelo conhecimento, música, arte, cultura, etc. Finalmente, encontramos os desejos mais elevados pela espiritualidade. Tais desejos aparecem gradualmente nas almas depois de muitas re-encarnações neste mundo ou, como nós dizemos, com o desenvolvimento das gerações.

Primeiro, as almas que viviam exclusivamente na sua natureza animal, re- encarnaram em nosso mundo. As almas das gerações seguintes experimentaram desejos por dinheiro, honra e poder. Finalmente, esses  desejos deram lugar aos desejos pelas ciências e para algo mais elevado que  a ciência não pode prover. Descobrir esses desejos significa descobrir o caminho para perceber o espiritual.

 

CAPÍTULO 9

Do livro “Sabedoria Maravilhosa”

A LINGUAGEM DA CABALA

Como em qualquer outra ciência, para poder estudar Cabala, precisamos estar atentos à linguagem e à terminologia. Por exemplo, se eu abro um livro de Partículas da Física, eu vou encontrar termos como: Quarks, Hadrons, Gluons, etc. A menos que eu tenha uma definição razoável do significado dessas palavras, eu não vou compreender absolutamente nada. Então, antes que possamos mergulhar no mundo espiritual e compreender como eles vieram a existir, vejamos a linguagem da Cabala, junto com algumas definições.

 

DEUS

Por “Deus”, geralmente referimo-nos a um poder superior, um plano da criação expresso em qualquer nível. Qualquer definição de alguma coisa maior do que nós, O Criador, Deus, etc., considerando que nós não podemos sentir nada possivelmente fora de nós mesmos, estas definições sempre são subjetivas.

 

CONCEITOS FUNDAMENTAIS: ESTRUTURA

Aqui estão alguns termos cabalísticos que relacionamos também ao nosso mundo físico.

 

LUZ

Luz é a percepção do Criador. Existe somente uma única Luz que não muda. Mas ela é percebida de muitas formas devido aos diferentes estados dos Recipientes s(a criatura, a alma), dependendo da capacidade de receber do recipiente (Kli). A partir daqui, nós aprendemos que não temos nenhuma idéia do que é essa Luz que está fora do Kli, porque somos incapazes de definir algo que está fora da nossa percepção.

Luz é a sensação do Criador pela criatura; o que se estende do Criador; algo que sentimos como bom, ou algo que é isento do mal. A Luz que é citada no primeiro dia da criação dos mundos, é a Luz Superior, a qual inclui tudo nela. O resto das luzes é derivado dela, manifestações particulares dela.

 

Conceito Definição
Tempo Em espiritualidade tempo não existe – Criação é eterna.
Criador O desejo de deleitar a criatura (veja “Deus” acima)
Criatura – Alma O desejo de deleitar o Criador, na sensação do Criador, na Luz.
Vida O preenchimento da alma pela Luz, a sensação do Criador.
Morte A saída da Luz, o desaparecimento da sensação do Criador

pela alma (como resultado da ausência da intenção para o Criador).

O recebimento de

uma alma

A aquisição da intenção (ter prazer para o bem do Criador),

com a qual é possível sentir o Criador.

Masach (Tela) O desejo de sentir prazer com a intenção de agradar ao Criador; o  Kli Sagrado, o  Kli espiritual,  o Kli corrigido; o Kli

da alma, que pode sentir o Criador.

Cabala (Recepção) A  ciência  que  explica  como  receber  gradualmente   uma

alma completa, significando adesão completa com o Criador.

Nosso Mundo Um estado mais baixo que a morte espiritual, abaixo da sensação do Criador. Localizado debaixo do lado esquerdo dos   mundos   impuros  de  ABYA   (Atzilut,  Beria,  Yetzira,

Assiya).

O  nascimento da

alma,     aquisição de vida

Uma passagem da sensação do nosso mundo para a sensação do Criador.
Reencarnação,

ciclos de vida e morte

A constante entrada e saída da Luz no Kli da alma, que continua por toda a correção nos mundos de BYA.

 

ESPIRITUAL

Espiritual é aquilo que está acima do nosso mundo. Aquilo que absolutamente não é para mim, mas somente para o Criador, quando o resultado de um ato não está relacionado de forma alguma, com aquele que o praticou, mesmo indiretamente.

A alma está ligada ao Criador, O sente e está preenchida por Ele, pelo menos numa ínfima quantidade. É tudo o que está fora e acima do tempo, espaço e movimento, o qual não está ligado, de nenhum jeito, às sensações do corpo físico, mas é sentida num local interno dos sentidos – somente com a intenção para o Criador – e revelada só quando estamos em controle da barreira espiritual.

O Espiritual não é um componente do nosso mundo. O espiritual está nele,  mas não aparece diretamente, mas sim como um “revestimento.” O nosso mundo é um estado onde a vontade de receber desfruta apenas, uma parcela mínima da Luz, chamada “Luz diminuta”, e nós desfrutamos essa Luz mesmo que o objetivo do desejo seja para mim mesmo.

O Criador faz isto de propósito. Nós podemos desfrutar aquela minúscula Luz, apesar de ainda não termos adquirido a intenção espiritual de dar ao Criador, e de não termos uma tela. O desejo de sentir prazer, que existe dentro de nós, é o menor dos desejos criados. Está separado de todos os outros desejos da alma, para que possamos trabalhar nele, e finalmente alcançar a nossa entrada no mundo espiritual.

Baruch Ashlag comparou isto como uma criança que aprende a escrever, como antigamente: papel e lápis eram muito caros, então era dado às crianças um pedaço de giz e um quadro para escreverem, assim não desperdiçavam papel que era tão precioso, até que eles aprendessem a escrever corretamente.

O termo Klipot, ou Cascas, são forças impuras que estão acima do nosso mundo. Eles não existem numa pessoa normal e só aparecem quando um genuíno desejo pelo Criador começa a emergir. Com o propósito de intensificar esse desejo, forças negativas são ativadas. Ao resistir a elas nós aumentamos e intensificamos o nosso desejo pelo Criador. Elas foram criadas especificamente para isso – para interromper e produzir dúvidas.

Apesar de Klipot não existirem no nosso mundo, ainda assim, nós não os definimos como “espiritual”. Eles existem dentro de nós e não fora de nós e, servem como um meio e uma ajuda no nosso caminho para o Criador – uma “ajuda contra nós mesmos”. Por mais estranho que isto pareça, estas forças negativas nos empurram em direção ao Criador.

 

GEMATRIA

Com o propósito de descrever várias situações da alma, nós temos tendência para usar um nome que é especificamente adaptado para o seu nível espiritual, em vez de usarmos muitos detalhes técnicos. Todos os Kelim  (souls) consistem em dez Sefirot, e um corpo consiste em 613 partes.

A Luz que preenche almas é o que as diferencia umas das outras. O objetivo do nome é expressar os atributos da alma que está preenchida com a Luz. A soma das Luzes, ou melhor, as dez Luzes que preenchem as dez Sefirot da alma, é chamada Gematria. Isto, não é mais nem menos, que o registro da situação espiritual da alma e o seu preenchimento de Luz pelo Criador.

Esta Luz depende de uma tela: o atributo da alma para dar vs o atributo para receber. A tela só pode ser adquirida através do método de correção chamado Cabala.

 

ARREPENDIMENTO

Arrependimento é o retorno da alma ao Criador, o lugar de onde ela veio para este mundo. No começo, o Criador criou o desejo de receber. Este desejo foi criado sem intenção e por isso, foi chamado de “raiz”.

Por uma intensificação gradual do objetivo para mim, o desejo de receber afasta-se mais e mais do Criador, até estar completamente oposto a Ele. O estado onde todos os desejos são direcionados para mim, é chamado “nosso mundo” ou “este mundo”. Nesta situação, o desejo não sente nada para além dele mesmo e essa sensação é chamada “corpo” (uma pessoa neste mundo).

Se o desejo muda a sua intenção, de para mim para o Criador, então a mudança na intenção causa o desejo de retornar à sua situação preliminar, e se torna como um embrião no Criador. Cada situação no reino espiritual é comparada ao Criador e é determinada em relação a Ele. Quanto mais qualidades da criatura se igualam às do Criador, mais próxima da natureza do Criador está a criatura, e vice-versa.

Com o objetivo, para o Criador, o desejo muda a sua qualidade, mudando de recebedor para doador. Deste modo, iguala-se ao Criador. A criatura sente-se  a si mesma não como antes – um ponto ou um embrião – mas completa e como um todo igual ao Criador. Em sua equivalência com o Criador, a vontade de sentir prazer, ela sente tudo o que o Criador sente: prazer ilimitado, eternidade e perfeição. Este é o propósito da criação.

 

VIDA E MORTE

A sensação de vida ou morte começa com a admissão no mundo espiritual, e não quando um corpo físico nasce ou morre. “Morte” é a saída da Luz quando  a sensação do Criador desaparece do Kli, da alma. O nosso presente estado  é considerado pior que a morte, pois não sentimos o Criador de maneira alguma. Nós nem sentimos que somos negados de qualquer Luz, de qualquer sensação do Criador. Sentir o Criador significa receber uma alma, o despertar daquele ponto no coração em cada um de nós.

A palavra Cabala, deriva da palavra Lekabel (receber). Cabala é a ciência que ensina como receber uma alma e, através dela adquirir a vida eterna. “Morte“ significa distanciamento do Criador para o pólo oposto (atributos opostos). A pré-condição para recebermos uma alma é a existência de um Kli, e o Kli é a intenção para o Criador.

Criação é eterna. Tempo e movimento não existem. Nós só falamos sobre sensações internas da criatura. Mudando situações internas suscita sensações de tempo e movimento.

O livro O Zohar fala de níveis espirituais e de situações da alma eterna, sobre medidas para o seu preenchimento com a Luz do Criador. Mas a sensação de vida animal pode acompanhar a alma, se a pessoa a receber. Caso contrário é como se diz: “… então o homem não tem preeminência sobre a besta” (Eclesiastico3, 19).

 

DELEITE E PRAZER

O propósito da criação é deleitar as Suas criaturas. O Criador sendo completo só pode deleitar as suas criaturas com plenitude. O Criador não pode criar uma criação incompleta. Por ‘completa’ queremos dizer que, somente Ele preenche toda a realidade, e é por isso que Ele é Único. Por causa disso, nós temos um desejo de sermos preenchidos por Ele. Esse desejo é satisfeito  completamente, sem restrições. È por isso, que o Seu estado é chamado Ein Sof (Infinito).

Mas o Criador cria essa situação para que a criatura se sinta completa por ela mesma. Para que isso aconteça, a criatura tem de conquistar a sensação de apreciação. Nós só adquirimos isso, por sensação da oposição de forma e da imperfeição. Este é o propósito de estarmos distantes do Criador num estado chamado “este mundo”. Aqui, a criatura sente prazer físico – nossa situação atual – em vez de sentir o Criador.

 

Quanto mais nós, criatura nos tornou cientes da nossa situação incompleta – a qual só é possível estudando a Cabalá – mais nos tornamos cientes da perfeição que é o Criador. Nós começamos a perceber que perfeição significa adesão com o Criador, equivalência com os Seus atributos, sermos  preenchidos com Ele.

Durante os nossos estudos, percebemos que para sermos completos significa estarmos o mais próximo possível do Criador, o mais similar possível dos Seus atributos e igualarmos a Sua forma. Na realidade, esta já é a situação real, mas nós não a sentimos, e, portanto não a podemos considerar como tal.

Quando começamos a compreender a nós mesmos e ao Criador, começamos a sentir a perfeição, como se estivéssemos retornando a isso. A nossa sensação de preenchimento nestas situações é chamada de “prazer”, e o desejo de sentir o Criador como a perfeição suprema é chamado de Kli.

 

A SENSAÇÃO DE PERFEIÇÃO

Somente é possível entender e apreciar a perfeição quando sentimos o  Criador, porque só  Ele é perfeito. Além disso, o poder de corrigir também nos  é dado pelo Criador. Sendo assim, o objetivo do estudo, no início, é alcançar a sensação do Criador. Depois, tudo se torna claro. Antes disso,  não entendemos o que é perfeição, e o Criador escolhe mostrar-se a nós precisamente, através das nossas qualidades mais imperfeitas.

 

A AÇÃO DA TELA

Objetos espirituais são coisas que os Cabalistas criam sobre a sua tela. Eles são o resultado do impacto da Luz na tela do Cabalista. Como resultado, um quadro novo do mundo espiritual é criado na mente do Cabalista. A espiritualidade nasce, somente após o acoplamento espiritual, cujo poder determina a profundidade do quadro espiritual. Se a Luz não atingir a tela, não nasce nada novo, e tudo o que a pessoa recebe é o quadro deste mundo.

Em outras palavras, criar um objeto espiritual novo significa criar da nossa substancia (nosso desejo) a imagem do Criador, através da tela. De fato, a tela é uma ferramenta de esculpir nas mãos do Cabalista.

Observando-se a si mesmo, à parte (restringe o desejo, e ergue uma tela feita com a intenção de não receber para si). Usa-se a tela para cortar desejos que não se podem simular para o Criador (“o coração de pedra”).

Cabalistas trazem desejos, para se assemelharem ao Criador na equivalência da forma com os atributos do Criador, na medida em que a sua tela possa suportar. Assim, quanto maior o nível, mais nos assemelhamos ao Criador. Nós estudamos os atributos do Criador (os 9 Sefirot superiores) e depois os adotamos.

 

DO CRIADOR PARA A CRIATURA

Isto é o que acontece de cima para baixo:

As quatro fases da Luz Direta.

O nascimento do Mundo de Ein Sof. A Primeira Restrição de Malchut.

O nascimento do Mundo de Adam Kadmon (AK).

A Segunda Restrição.

A quebra dos Kelim.

A criação dos mundos: Atzilut, Beria, Yetzira, Assiya.

A criação da alma de Adam ha Rishon (o Primeiro Homem).

A quebra em pedaços da alma de Adam.

A descida desses pedaços ao nosso mundo.

O desenvolvimento das almas na descida ao nosso mundo, para o nosso presente estado.

Como se pode ver, o caminho da descida até aqui é muito longo, mas nós já podemos tirar algumas conclusões sobre a natureza da criação, os atributos da Luz e do Kli.

 

MALCHUT E O MUNDO DE EIN SOF

Nós temos que evitar interpretar O Mundo de Ein Sof como um termo de tempo e espaço. O Mundo de Ein Sof é algo sem fim, ilimitado em ações e atributos – daí o nome de Ein Sof (Infinito). Espiritualidade não tem tempo nem espaço.  Por isso, estas duas limitações de nosso mundo, não se aplicam ao mundo espiritual. Por essa razão, nós não conseguimos imaginar a espiritualidade pelo que é. Não conseguimos imaginar um copo que, apesar de estar cheio até a beira, está ainda num estado de preenchimento infinito (naturalmente, tudo é medido de acordo com o próprio copo, porque nós medimos tudo em relação ao recebedor).

Malchut, a alma, corrige-se a si mesma através dos mundos. Os mundos são graus de ocultação ou manifestação da Luz. Mais uma vez, a alma recebe desejos (que são os Kelim) e Luz (o poder de corrigir os desejos) desses graus.

Ao usar aquele desejo e a Luz que corrige, a alma, ao corrigir-se a si mesma, aparentemente se eleva para o mesmo nível a partir do qual ela recebeu o desejo e o poder para se corrigir. Em suma, existem cinco mundos, dentro dos quais estão cinco Partzufim, com cinco Sefirot internos. Juntos, formam 125 níveis. Mas, existe ainda um número enorme de situações transitórias.

Malchut é a décima Sefira, a ultima depois das nove Sefirot de Luz Direta que emana do Criador. Malchut recebe a Luz das  outras nove Sefirot e  divide-se em dez partes. Essas dez partes de Malchut são os mundos e tudo o que está neles.

Todas as outras nove Sefirot antes de Malchut (também chamadas “Nove Superiores”) são atributos da Luz. Malchut deve-se assemelhar a essas nove Sefirot. A extensão da semelhança entre Malchut e as nove Sefirot, que são os atributos do Criador, depende do poder da tela em Malchut. Mas a semelhança entre Malchut e as nove Sefirot existe até mesmo com uma tela menor.

Portanto, mesmo uma tela mínima deveria fazer Malchut se  assemelhar  a todas as nove Sefirot. Deste modo, qualquer atributo espiritual abrange um quadro completo (que inclui todas as Sefirot). Um quadro com uma tela mínima pode ser feita de pequenas sombras ou detalhes, mas continua sendo um quadro relativo das nove Sefirot. Tal como quando nascemos nós percebemos com todos os cinco sentidos, não importa se somos adultos ou crianças, o poder (profundidade) da nossa realização espiritual depende do poder de nossas telas.

 

A EVOLUÇÃO DE MALCHUT

O termo “mundo” significa ocultação, escondido, limitação da extensão da Luz. Mas cada situação de Malchut, da alma coletiva, é também chamada de “mundo”. O Mundo de Ein Sof é um estado de infinita perfeição da alma. Tudo  o que preenche a alma é chamada de “Luz” ou “Criador”. Mas, para ser preenchido com a intenção para o Criador, e assim se igualar a Ele, Malchut, a alma, corrige gradualmente a intenção de para mim, por, para o Criador.

Esvazia-se na primeira restrição, se esconde sob cinco camadas, mundos, e de forma gradual, de acordo com a aquisição da tela (o objetivo para o Criador).

Depois, Malchut se expõe à Luz, ao Criador, como uma noiva ao seu noivo. O seu nível de correção, a sua exposição, o seu preenchimento com a Luz, são cinco mundos com cinco Partzufim em cada mundo, e cinco níveis em cada Partzuf, ao todo, são 125 níveis.

É  também possível  dividir  a  distância  espiritual  em 613  níveis (Mitzvot),  ou 6.000 anos divididos em 3 grupos de 2.000 anos cada. Mas, a distância em si, a extensão da correção de Malchut, permanece a mesma.

 

AS LUZES DE MALCHUT

Malchut (alma) é dividida em cinco partes (da fina à mais grossa): Keter, Hochma, Bina, Zeir Anpin e Malchut, na ordem ascendente em relação à força da vontade de receber. O desejo mais forte está na última parte – Malchut. Estes desejos recebem cinco tipos de prazer, ou seja, Luzes que os preenchem, respectivamente: Yechida, Haya, Neshama, Ruach, Nefesh.

Nos mundos espirituais existe uma lei chamada “o valor oposto das Luzes e dos Kelim”: quanto mais grosseiro for o desejo que almeja receber grandes prazeres, mais Luz emanará. Mas essa Luz não irá agir nos desejos  grosseiros, mas sim nos mais refinados, de dar sem recompensa para si mesmo, porque a Luz e os desejos puros de dar estão em equivalência de forma.

Também se costuma dizer, “As luzes entram no Partzuf gradualmente”. Mas qualquer mudança na Luz significa mudança no Kli, e, portanto no Partzuf inteiro. Tudo é novo a cada vez, todos os cinco Sefirot e todas as cinco Luzes.

 

SEFIROT

Sefirot são atributos que são dados à criatura, a inferior, através dos quais  sente O Superior, o Criador. Por isso, é que os Sefirot expressam supremacia, os atributos do Criador, atributos que o Criador quer que as suas criaturas alcancem para poder senti-Lo.

Tal como nós captamos uma pessoa pela sua mente, que é a sua essência (ao passo que o corpo é somente uma vestimenta externa), assim também é a espiritualidade captada através de sua vestimenta, porque a essência está nos atributos internos ocultos sob essa vestimenta. A externalidade é somente necessária para o propósito de conhecimento e não de si mesma.

Uma pessoa alcança o Criador através dos Sefirot, isto significa, através das Suas qualidades externas. Do mesmo modo que, só conhecemos na verdade as pessoas, somente depois de conhecermos todos os seus atributos e reações em situações variadas. Através dos Sefirot, viremos a conhecer, eventualmente, a realidade, que é uma vestimenta para o Criador, assim como o corpo é uma vestimenta para a alma.

O Criador age dentro da alma da pessoa. Portanto, aqueles que aprendem a alcançar o Criador, O conhecem e O alcançam pelas Suas ações em suas próprias almas, quer dizer, pela ação da Luz nos seus próprios pontos de Malchut.

Plenitude é um prazer que é sentido, somente após a existência de um desejo ardente por algo e uma carência desse algo, na extensão do vazio que era sentido antes de recebermos o prazer.

É impossível  sentir prazer constante neste mundo, porque na natureza, tem  isto que desejo e satisfação não andam juntos. Precisamente, essa qualidade é atribuída à alma, justamente para sentir o desejo e assim suplicar por prazer, aprende-se desta forma que, apesar de ser capaz de satisfazer o desejo, a pessoa nunca se sente completamente satisfeita.

Mas o Criador quer nos deleitar, é por isso que ele nos envia uma satisfação especial. A alma, tenta não estragar essa satisfação atravessando a linha. Somente assim chegam à plenitude. O desejo e a vontade não desaparecem, pelo contrário. Como resultado, a alma prolonga mais satisfação de algo completo, que não se extingue, uma perfeição eterna.

Sabemos que gostamos de comer porque já sentimos fome antes, uma sensação de ansiedade. Assim como a ansiedade desaparece, o prazer desaparece também. O Criador deu às almas um notável “truque”, que as previne de se sentirem saciadas, apesar de terem recebido  prazer.  Quanto mais satisfeitas se sentem, mais famintas ficam. Esta é a perfeição da ação do Criador.

 

DIREÇÕES DE DESENVOLVIMENTO

Quando dizemos que tudo se move de cima para baixo, da raiz até Malchut, podemos interpretar errado e pensar que falamos em termos de área, lugar ou distância. No mundo espiritual, não existe volume ou lugar. É como descrever os nossos sentimentos: nós dizemos “emoções profundas”, “alegria imensa”, “grande dignidade”, etc. A Criação pode ser descrita como que um desdobramento do Criador, de cima para baixo, do Superior, dos atributos superiores, para o inferior, para os atributos inferiores.

Mas, também podemos ver o desenvolvimento da criação, de dentro, do Criador para fora até a um ponto afastado Dele, como se movesse do mais profundo, do mais íntimo e escondido, para uma coisa externa e pouco importante. Nós também podemos falar do desenvolvimento da criação como se o Criador a rodeasse, envolvendo-a com o Seu propósito e controlando-a de todos os lados. Criação está no interior, como um ovo dentro de uma galinha choca.

Há outras descrições para a mesma coisa: o relacionamento entre a criação e  o Criador. As palavras são apenas ferramentas que usamos, depende dos atributos, características, qualidades e inter-relacionamentos a que nos referimos.

 

O RECIPIENTE ESPIRITUAL

O Criador criou o desejo pelo deleite, ou seja, o desejo de sentir prazer. Mas quando o desejo de deleite recebe o prazer – ele sente vergonha. É por isso que não se pode obter deleite eterno, ao receber, porque receber restringe a Luz e até a extingue, por conseguinte, anula-se a si mesma.

Por essa razão, a única maneira de receber prazer é deleitar-se não com o prazer em si, mas com o contato do doador do prazer. Se o prazer do doador é o que você recebe Dele, então o seu prazer não irá desaparecer e não irá diminuir o seu desejo por prazer.

Pelo contrário! Quanto mais você recebe, mais você dá e desfruta. Este processo dura indefinidamente. No entanto, o prazer que obtemos por sentirmos o doador, é infinitamente maior do que o prazer que recebemos se o quisermos para nós mesmos. Isto acontece, porque o primeiro tipo de recebimento liga-nos ao Doador Perfeito, O Eterno.

Então, um mero desejo de receber, não é ainda considerado um Kli, porque é inadequado para receber. Somente quando houver uma tela sobre o desejo de prazer (a tela é a intenção pelo Criador, isto é, estar disposto a receber o  prazer somente se isso deleitar O Superior), é que esse desejo se torna digno de receber, e então pode ser chamado de Kli (Recipiente).

A partir disto, nós compreendemos que tudo o que temos que fazer é adquirir uma tela. Quando a vontade de deleitar-se recebe e sente o doador, sente ambos, prazer e vergonha, porque ao receber nós nos tornamos opostos ao Criador. A presença do doador faz com que o recebedor sinta vergonha, e essa vergonha faz com que paremos de sentir prazer. Quando recebemos, nós sentimos que temos de dar algo de volta ao doador, para igualarmo-nos a ele,  e assim não sentirmos que estamos somente recebendo.

A sensação da vergonha é também chamada de “inferno”. Não há nada pior do que essa sensação de vergonha, pois é a sensação de se ser totalmente oposto ao Criador. O Criador emparelhou de propósito recebimento com vergonha. Ele poderia ter evitado isso, mas o fenômeno da vergonha foi criado especificamente para nós, para assim podermos aprender a receber Dele, nos deleitar, sem nos sentirmos humilhados.

É por isso que nós, como criaturas (vontade de sentir prazer), assim que sentimos estar recebendo do Criador, decidimos e agimos com restrição (limitação da Luz) ao receber a Luz. Este ato chama-se “Primeira Restrição”.

Um Kli doador é aquele que ainda não pode receber do Criador, mas apenas pode abster-se de receber, pois se ele recebesse isso seria para ele mesmo. A criatura pode existir sem receber Luz, porque a sensação de vergonha extingue o prazer no momento da recepção, e transforma o prazer de receber em tormento.

Então, quando sentimos o desejo do Criador em nos deleitar, nós decidimos que, apesar da sensação de vergonha, aceitaremos o prazer, porque é isso  que o Criador quer.

Assim, ao fazermos isto, proporcionamos prazer ao Criador, para o bem Dele,  e não para nós mesmos. O ato continua como antes, nós continuamos a receber, tal como fazíamos quando sentíamos vergonha, mas a intenção da recepção foi agora alterada.

A decisão foi tomada somente com o desejo de agradar ao Criador, apesar da nossa sensação de vergonha. Mas, nós como criaturas, descobrimos que agindo para o Criador, não nos sentimos como recebedores, mas como doadores, nos sentimos iguais ao Criador.

Como criaturas, através da equivalência da forma com o Criador, nos sentimos como o Criador: perfeição total, eternidade, amor e prazer ilimitado. Mas, a decisão de restringir a recepção da Luz (A Primeira Restrição), de receber a Luz somente com a intenção para o Criador, virá somente se sentirmos o Criador, O Doador, porque somente a sensação do Criador pode despertar  essa resolução em nós.

Uma pergunta surge: se a presença do Criador pode evocar tamanha sensação em nós, como podemos nós dizer que essa decisão foi realmente para o Criador? Apesar de tudo, a Primeira Restrição foi consequência da vergonha, e a recepção da Luz foi aparentemente o resultado da pressão exercida pelo Criador.

Portanto, para tomarmos uma decisão independente de receber para o Criador, para nos assemelharmos a Ele, que criou as criaturas para poder agradá-las, o Criador tem que estar oculto, para que a Sua Presença não seja compulsiva, como colocar uma faca no pescoço de alguém. É por isso, que deve existir  uma situação onde nós, criaturas sentimos que somos os únicos aqui. Sendo assim, todas as decisões serão nossas.

 

A LUZ DA CORREÇÃO E A LUZ DE PREENCHIMENTO

Existe uma Luz que preenche o desejo de deleite, ou seja, o Kli, e existe uma Luz que o corrige. Esta ultima, é a Luz que dá ao Kli a intenção para o Criador, e constrói a tela sobre o desejo. Estas duas Luzes atuam de maneira completamente diferente no Kli: a Luz que corrige é chamada “a Luz da correção da criação”, enquanto, a Luz que preenche é chamada “a Luz do propósito da criação”.

A Luz da correção pode entrar no Kli antes mesmo da existência da tela; especificamente com o propósito de construir uma tela. Isto proporciona à criatura a sensação de que o Criador é supremo e poderoso, e a partir dessa sensação a criatura subjuga a sua natureza para poder aproximar-se do Criador. É assim, que o Kli (Recipiente) adquire uma tela. Quando se adquire a intenção para o Criador, existe um Zivug de Hakaah (acoplamento espiritual) e o Kli é preenchido com a Luz.

 

DUAS TELAS

Um Kli é o desejo que recebe Luz, a resposta do Criador. É a intenção de não agir para mim, mas por interesses alem do meu próprio. É por isso, que não consideramos que um mero desejo seja um Kli, e, mas sim a tela, a intenção altruísta de dar, a Luz de Retorno.

A Luz é o Criador. Nós sempre falamos sob a perspectiva do Kli, da criatura. Qualquer outra perspectiva que não seja a sensação do Kli é infundada. No estado de Ein Sof, depois de o Kli receber a Luz para ele próprio (com o propósito de receber), decide não fazer isso novamente. Decide restringir a recepção da Luz no seu próprio desejo de receber para si mesmo.

Isto é a “Primeira Restrição”. A partir deste estado descendo até este mundo, todos os Kli desejam não receber a Luz com o propósito de receber. Em outras palavras, a lei da Primeira Restrição é mantida em todos os níveis. O poder de manter a restrição é chamado de “tela”, porque protege o desejo de utilizar a Luz para seu próprio beneficio. Mas por outro lado, existe outra tela – não somente para manter a Restrição, mas também para receber a Luz para o Criador.

 

ESPIRITUALIDADE E AMOR AO PRÓXIMO

Um verdadeiro ato de amor é quando faço alguma coisa boa para alguém que eu amo, somente porque eu quero agradar a essa pessoa, mesmo sem ela saber que fui eu que fiz essa coisa boa, e sem procurar obter qualquer prazer disso. Amor seria a minha única motivação para agir.

Um verdadeiro ato de altruísmo (amor ao próximo) é quando alguém não sabe da existência de outrem, mesmo se esse alguém está dando ou não. Se não  for assim, este ato dará origem ao prazer. Se o Criador sabe sobre um ato da pessoa, isso é já uma recompensa. Mas para a verdadeira doação, não é necessário qualquer tipo de recompensa, exceto o próprio ato de dar.

Falamos sempre sob a perspectiva de uma pessoa com sentimentos verdadeiros e não de criaturas abstratas. Deve-se chegar a essa sensação de doação genuína, passo a passo, ou seja, tem-se que obter o nível espiritual de dar, entretanto, enquanto isso realizá-la somente mecanicamente.  Mas, durante o tempo todo, nós deveremos estar cientes que tal existência é só mecânica, no nível deste mundo, o nosso lugar temporário.

 

BINA

No mundo espiritual, não existe o termo razão (mente). A mente está em constante busca por prazer, para mim. Bina, no entanto, é o estado onde a alma não deseja nada para ela mesma, um estado chamado Chafetz Chesed (Deleitando na Misericórdia).

 

6.000 ANOS

Os livros da Cabala falam de 6.000 anos, que são – na linguagem dos ramos – 6.000 níveis que cada alma deve ascender. Eles, não têm nada a ver com o calendário que você pendura na parede.

Rav Baruch Ashlag comparou o nascimento e a morte em nosso mundo, com o ato de mudarmos de roupa. Esta mudança é gradual de geração para geração, cada vez em corpos mais desenvolvidos, com mentes e desejos mais desenvolvidos. Não existe ligação entre os níveis do mundo espiritual e a mudança de corpos. Para algumas criaturas, mil anos de vida não será suficiente para elas entrarem no mundo espiritual, enquanto outras completam as suas correções durante uma só vida.

 

DEFINIÇÃO CABALISTICA DE JUDEU

Abraão, que foi da Mesopotâmia para a terra de Israel, é chamado de, o primeiro Hebreu (e o primeiro Judeu), porque ele foi o primeiro a passar da idolatria para a terra de Israel (terra=Eretz e Israel=da palavra, Yashar El, que significa “diretamente ao Criador”). Ele foi de um estado de adoração de ídolos para o reconhecimento da existência de um Poder Superior que controla tudo,  e se identificou a si mesmo, com esse Poder por seu próprio livre arbítrio. É por isso que ele foi chamado de Hebreu (Ivri – da palavra Além) e Judeu.

Os termos “Judeu” e “Gentio” são completamente diferentes na espiritualidade, do significado que estamos acostumados. O Gentio é aquele que quer se unir ao Criador, para seu próprio prazer, enquanto que o Judeu é aquele que quer fazer isso, com o propósito de se assemelhar ao Criador (tornando-se  altruísta). A palavra Judeu vem da palavra Hebraica Yehudi-Yechudi (que significa único e unificado), porque aquela pessoa se uniu ao Criador. Como você pode ver, não tem nada a ver com genética ou com o local de onde você veio.

 

DIVISÕES ESPIRITUAIS

Criação – o desejo pelo prazer – dividido em nove atributos que recebeu do Criador: os nove Sefirot superiores e Malchut, a décima Sefira. Deste modo, na realidade tudo é dividido por dez. Existem outras divisões: O Partzuf se divide em três Sefirot de Rosh (Cabeça) e em sete Sefirot do Guf (Corpo).

Depois, existe a divisão em doze, que deriva do numero de Partzufim (Faces) do mundo de Atzilut. Na sabedoria da Cabala você encontrará explicação para cada divisão e o inter-relacionamento entre elas.

 

OS SEFIROT YESOD E ZEIR ANPIN

Zeir Anpin tem que estar em contato com Malchut, para poder conduzir a Luz até ela. Para que isso aconteça, ele deve construir uma Sefira especial, que sirva de ponte entre Malchut e ele, ou seja, possuirão atributos similares.

Para esse efeito, Zeir Anpin consiste de:

Hesed- Keter de Zeir Anpin (Z’A)

Gevura- Hochma de Zeir Anpin

Tifferet- Bina de Zeir Anpin

Netzah- Zeir Anpin de Zeir Anpin

Hod- Malchut de Zeir Anpin

Yesod- é a soma total de todos os Sefirot anteriores (como uma salada, feita dos cinco componentes originais que quando colocados juntos, formam um novo atributo).

Depois de Yesod vem a Malchut coletiva – a criatura, a alma, a parte que deve se unir com o Criador (Zeir Anpin) através da equivalência da forma. Malchut é a criatura e Zeir Anpin é o Criador. Zeir Anpin é aquele ao qual todas as preces serão elevadas e corrigidas, e ele, a pedido de Malchut (MAN), constrói um vínculo com ela – contato e acoplamento – através de sua Sefira de Yesod.

 

A ALMA

O Zohar escreve sobre o relacionamento entre todos os cinco Partzufim do mundo de Atzilut, que é o mundo que governa a realidade. Diz: “Portanto deverá o homem deixar seu pai e sua mãe” (Genesis 2, 24), ou seja, a alma se tornará independente do seu pai e de sua mãe, alcança perfeição e acoplamento independente com Malchut, para se unir ao Criador, e criar um novo Partzufim – almas corrigidas.

A alma é o Partzuf de Malchut do mundo de Atzilut. Zeir Anpin, o Criador, é seu marido. O Partzuf de Abba ve Ima – Hochma e Bina – proporciona à alma tudo o que ela precisa.

 

UM DESPERTAR DE BAIXO

Na Cabala, tudo é descrito na perspectiva das emoções que os Cabalistas alcançaram, e da maneira que o Criador se revelou a essa pessoa. Mesmo quando falamos do Criador, e aparentemente só sobre ele, indiferentes a nós mesmos, ainda assim confiamos no nosso próprio entendimento sobre Ele.

O nosso desejo para a ascensão espiritual se estende tanto do Superior (do Criador), como de baixo (de nós). É claro, que é somente a Luz que nos embala e nos desperta, como Kelim (Recipientes). Mas depois, ou sentimos claramente que é o Criador que nos desperta lá de Cima, ou nós não sentimos a influencia Dele, mas somente os efeitos colaterais dessa influência: a nossa vontade interior, ou seja, existe repentinamente um desejo para o Criador porque Ele nos despertou secretamente.

 

UMA FORÇA ESPIRITUAL CHAMADA “MESSIAS”

O termo “Messias” vem da palavra Hebraica Moshech (lit. puxar). Isto significa, puxando as pessoas de um mundo vergonhoso para um nível superior.  Messias é uma força espiritual, a Luz Superior, a Força Espiritual Superior que

desce ao nosso mundo e corrige a humanidade, elevando-nos a um nível superior de consciência. É bem possível que, juntamente com ela haja certos lideres que ensinarão outros a entrar no mundo espiritual. Mas em princípio, é uma força espiritual, não uma personalidade de carne e osso.

 

CONFIANÇA

Confiança é a capacidade de resistir, de estar constantemente nutrido pelo objetivo. A obtenção da confiança depende somente da obtenção da Luz Circundante. Esta Luz está pronta e esperando para preencher a alma quando esta completar a sua correção. Portanto, agora, quando esta Luz brilha sobre as almas, ela dá uma sensação de confiança e proteção.

Somente um concreto e direto sentimento pelo Criador, dá à pessoa confiança e capacidade de resistir a todos os níveis da correção. Isto é feito pelo Criador propositadamente, de modo que, nós não seremos capazes de superar  o menor obstáculo espiritual por nós mesmos, mas precisaremos do Criador em cada etapa do caminho.

Em nosso mundo, podemos existir sem a sensação do Criador. Mas no reino espiritual, não podemos. A extensão da sensação do Criador é a extensão da verdadeira confiança de uma pessoa, e mais, a nossa capacidade de nos defendermos contra todas as perturbações.

 

QUEM É UM AMIGO?

A palavra “amigo” (Haver), deriva da palavra “conexão” (Hibur), unificação. A conexão só é possível se existir uma semelhança em atributos, pensamentos e ações. Portanto, de acordo com a equivalência de atributos, um amigo pode estar mais próximo, ou mais longe. Seu “amigo” (Reacha) deriva da raiz Rea, que significa “próximo”.

 

O QUE É HUMILDADE?

Humildade é a característica mais importante. Existe um capítulo importante no “Zohar” chamado, O Livro da Humildade (Safra de Tzniuta). Através da tela, nós nos tornamos como o Criador, precisamente no atributo da humildade! Isto acontece, porque nós suprimimos a nossa própria natureza e colocamos o Criador acima de nós mesmos.

Humildade exige que estejamos cientes da inferioridade de nossa natureza, e assim aspirarmos adquirir a natureza do Criador – o atributo de dar, da entrega. Humildade é a capacidade de ativar a nossa natureza de desfrutar, com a intenção de não para nós mesmos.

 

JUSTO E MAU

Qualquer nível espiritual é dividido em duas partes: justo e mau. Quem justifica o Criador, é considerado justo, enquanto, quem condena o Criador é considerado mau.

Uma pessoa que está no mundo de Assiya é considerada má, mas no mundo de Yetzira, aquela pessoa é considerada má e justa. No mundo de Beria, a mesma pessoa é justa. Antes de entrarmos no mundo espiritual, não caímos em nenhuma destas categorias, porque sob a perspectiva espiritual, não existimos.

 

INTEGRIDADE

Uma pessoa justa é alguém que obteve um nível espiritual chamado “justo”. Esta pessoa obteve a tela que barra e previne que todos os prazeres entrem e preencham a vontade de receber. É por isso, que o justo pode sempre justificar o Criador.

Para “o justo que herda a terra”, em cada nível novo, o justo herda ou recebe novos desejos (desejo – Ratzon – deriva da palavra terra – Eretz) e coloca  sobre eles uma nova tela, chamada “recebendo para o Criador”.

 

BEM E MAL

O significado físico de bem e mal não corresponde ao das leis espirituais. Não significa que é oposto, que mal em nosso mundo é bom em espiritualidade.  Não é assim! Mas é certo que, as nossas boas ações realizadas aqui no nosso mundo físico, não nos promovem para a espiritualidade.

Eu tenho a certeza que você já deve ter escutado que o Criador é bom e benevolente, que Ele criou tudo, e só bondade. Então, onde está essa bondade? O que nós vemos à nossa volta? A resposta é que a conexão entre este mundo e o espiritual não existe de baixo para Cima. Só pode ser feito de Cima para baixo. Caso contrário, todos iriam de bom grado alcançar o Criador  e não precisariam da correção de Cima.

 

PODER DA LUZ

“Mau” é a falta da Luz. Tudo depende da intensidade da Luz: quando a Luz brilha um pouco mais forte, nós sentimos isso como bom, como um descanso. Esta é a Luz da qual as pessoas falam quando experimentam morte clinica. Uma quantidade mínima de Luz é sentida por nós quando nos encontramos num estado de depressão, desastre ou doença. Tudo depende do poder da iluminação que brilha em cada pessoa individualmente. “Mau” é simplesmente a falta da Luz.

 

CASTIGO?

Não existe castigo em espiritualidade, somente correção, a qual nos leva a alcançar a perfeição. Em nosso presente nível de desenvolvimento, nós normalmente imaginamos como uma recompensa quando recebemos o que queremos. Portanto, a recompensa depende do nível da alma de cada pessoa.

Tem que se alcançar um estado, onde a recompensa é conseguida por termos feito algo pelo Criador. Então o esforço a adicionar à intenção para o Criador é considerado um trabalho que merece uma recompensa. Contudo, o próprio trabalho é na verdade a recompensa. A sua causa (desejo de receber) e o seu efeito (a recompensa) tornam-se um. Tempo e dor desaparecem, para serem substituídos pela sensação de completa plenitude.

 

O QUE É PECADO?

Primeiro, devo frisar que qualquer coisa que acontece em nosso mundo não tem qualquer suporte no Mundo Superior, porque não se invoca nenhum ato espiritual através de ações físicas. Quando uma pessoa entra no Mundo Superior, por ter adquirido uma tela, a pessoa executa atos espirituais, usando todos os 613 desejos com o objetivo para o Criador, do desejo mais fraco, do primeiro nível no mundo espiritual, até o mais forte, o desejo mais elevado do mundo espiritual.

Existem dois tipos de prazer:

  1. 1. A Luz da Sabedoria – sentida no desejo pelo prazer.
    2. A Luz da Misericórdia – sentida no desejo de desfrutar. Ambas podem ser recebidas somente com a intenção para o Criador, não com a intenção para mim mesmo.

Existem quatro ações que podem ser desempenhadas, dependendo da medida da correção:

Receber prazer para mim mesmo.

Dar prazer (desfrutar) para mim mesmo.

Dar prazer (desfrutar) para o Criador.

Receber prazer para o Criador.

Ejaculação, no sentido Cabalístico da palavra, é um ato de receber prazer. Isto significa, a Luz da Sabedoria, dentro do Kli não corrigido (carência de uma tela) Malchut, enquanto uso a intenção “para mim”.

O correto uso da Luz da Sabedoria é obtido somente através da correta união entre o desejo de dar e o desejo de receber, entre Zeir Anpin e Malchut de Atzilut.

As almas os forçam a se acasalarem aumentando o desejo pela correção, chamado MAN.

Somente no final da correção, quando existir uma tela sobre todos os desejos, será possível receber sem limitações. É por isso, que no feriado  de  Purim existe um Mitzva (mandamento), para beber até não conseguir distinguir entre  o bem e o mau, porque isto simboliza o Final da Correção.

 

FIM DO MUNDO

O fim do mundo corresponde ao final da situação em que nos encontramos que é a pior e a menor de todas. O final desta situação é considerado uma passagem, após o que uma pessoa começa a se auto-identificar com a alma, para se sentir no mundo espiritual. Isto termina com a questão se devemos  viver neste corpo ou fora dele. Paramos de nos sentir sob a autoridade  de nosso próprio corpo, e isto é designado de “fim do mundo”. De agora em  diante, sentimos somente a vida da alma.

 

INFERNO

Inferno é a sensação da vergonha – a única sensação que o ego não pode suportar de maneira nenhuma, porque isso o humilha e o anula. A sensação de inferno coloca a criatura num status inferior à do Uno e Único, o Criador,  Aquele que existe fora dela. Mostra-nos que somos as entidades mais inferiores e desprezíveis. O ego não consegue tolerar isto, ao ponto de estar disposto a desistir de seus próprios atributos. Essa é a razão pela qual o  inferno é sentido por aqueles que são chamadas de “maus”, ou seja, aqueles que se autodenominam maus, porque eles querem se tornar justos, e justificar as ações do Criador para com eles.

 

PARAISO

Paraíso é um estado perfeito, aquele que obtemos depois de termos terminado a correção de nosso desejo de receber e alcançar completa adesão com o Criador. Adesão significa, equivalência de todos os nossos atributos com aqueles do Criador, o alcançar da sensibilização completa e da sensação de eternidade e perfeição. Nós somos compelidos a alcançar isso, e podemos fazê-lo, ainda nesta vida.

 

FELICIDADE

Felicidade é a sensação de preenchimento de nossa capacidade interna. Só é totalmente esclarecido, quando nós percebermos realmente, o que e como deveremos nos preencher, qual é o nosso objetivo, o quanto ele é eterno e independente, e até que ponto ele é a única coisa significativa no mundo que está sendo realizado. Em outras palavras, felicidade é a sensação de proximidade com o Criador, porque esse é o propósito da criação – uma sensação de avanço em direção a uma plenitude sem fim.

 

SENTINDO A TRAVESSIA

Uma pessoa passa por todo o processo antes e depois de atravessar a  barreira, mas essa passagem é impossível de prever. A travessia da barreira ocorre somente numa única direção, para o mundo espiritual e não de volta para o nosso. Significa alcançar Lishma, a intenção pelo bem do Criador, e consequentemente, a união completa com Ele, como um feto dentro do útero de sua mãe, por isso, ao sermos preenchidos com tal sensação, nós certamente perceberemos que estamos LÁ.

 

A ÁRVORE DA VIDA

A Árvore da Vida significa a correção dos desejos altruístas (acima de Chazeh) e trabalhando com desejos egoístas (abaixo de Chazeh) com a intenção de ceder todo o Partzuf Adam.