Do livro “Cabala Para o Estudante”
Não está em nossas mãos compreender como somos recompensados com Lishmá (em Nome Dela). Isso ocorre porque a mente humana não é capaz de apreender como tal coisa é possível no mundo. Isto deve-se ao fato de que temos acesso a tal compreensão apenas se nos ocuparmos com a Torá e com as Mitzvot, alcançando assim algo de fato. A existência de auto-gratificação se faz necessária, pois, caso contrário, não somos capazes de realizarmos coisa alguma.
Em vez disso, Lishmá é uma iluminação que vem do Alto, e unicamente alguém que a tenha experimentado pode saber e compreender. Está escrito sobre isso, “Provai e vede como o Senhor é bom”.
Portanto, devemos compreender porque precisamos buscar conselho e orientação sobre como alcançarmos Lishmá. Afinal, nenhum conselho irá nos ajudar, e se Deus não nos conceder a outra natureza, chamada “o Desejo de Doar” nenhum esforço nos será de ajuda no alcance de Lishmá.
A resposta é, como nossos sábios disseram (Avot, 2:21), “Não cabe a você completar o trabalho, e você não está livre para deixar de fazê-lo”. Isso significa que devemos ativar o despertar de baixo, visto que isso é discernido como uma oração.
Uma oração é considerada uma deficiência, e sem uma deficiência não há realização. Dessa forma, quando temos uma necessidade por Lishmá, a realização vem do Alto, e a resposta à oração vem do Alto, a saber, recebemos a realização para nossa necessidade. Verifica-se portanto que nosso trabalho se faz necessário para o recebimento de Lishmá a partir do Criador unicamente na forma de uma deficiência e de um Kli (Vaso). Contudo, jamais podemos obter a realização sozinhos; inversamente, trata-se de uma dádiva vinda do Senhor.
No entanto, a oração deve ser plena, originada no fundo do coração. Isso significa que sabemos com toda certeza que não existe ninguém no mundo que possa nos ajudar, exceto o próprio Criador.
Porém, como sabemos que não existe ninguém que possa nos ajudar, exceto o próprio Criador? Podemos adquirir essa conscientização precisamente, se tivermos empregado todas as nossas forças disponíveis para alcançarmos Lishmá, e tal tentativa tiver sido em vão. Por conseguinte, devemos envidar todos os esforços possíveis para sermos recompensados com “para o Criador”. Então, podemos orar do fundo do nosso coração, e assim o Senhor ouvirá nossa prece.
Não obstante, devemos saber que quando nos esforçamos para alcançar Lishmá, devemos nos comprometer a trabalhar exclusivamente para doar, de forma plena, a saber, apenas doar e não receber coisa alguma. Só então, começamos a ver que nossos órgãos físicos não concordam com essa ideia.
A partir dai, podemos chegar à clara conscientização de que não dispomos de nenhum outro conselho, exceto colocar nossa queixa diante do Senhor para que Ele nos ajude, de forma que o corpo possa concordar em se render a Ele incondicionalmente, posto que vemos que não somos capazes de persuadir nossos corpos a se anularem de forma completa. Acontece que precisamente quando vemos que não existe razão para esperarmos que nossos corpos, por si mesmos, irão concordar em trabalhar para o Criador, nossa oração pode brotar do fundo do coração, e então essa súplica será aceita.
Devemos saber que ao alcançarmos Lishmá, levamos a má inclinação para a morte. A má inclinação é o desejo de receber, e a obtenção do desejo de doar impede que o desejo de receber seja capaz de fazer alguma coisa. Isso é considerado colocá- lo em estado de morte, pois ele fica desprovido de sua função; e não tem nada mais a fazer, pois não o usamos mais. E quando a má inclinação é destituída de sua função, considera-se que a colocamos no estado de morte.
E quando contemplamos, “Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho… debaixo do sol”, perceberemos que não é tão difícil nos escravizarmos em Seu Nome, por duas razões:
- Em todo caso, voluntária ou involuntariamente, devemos fazer esforços neste mundo, e que obtemos de todos os esforços que tivermos feito?
- Todavia, se trabalharmos Lishmá, receberemos prazer durante o trabalho também.
Isso está de acordo com o provérbio do Sayer de Dubna sobre o verso, “Contudo tu não me invocaste a mim, ó Jacó, mas te cansaste de mim, ó Israel”. Ele disse que isso é como um homem rico que saiu do trem com uma mala pequena. Ele a colocou no lugar onde todos os negociantes colocavam suas bagagens para que os carregadores as levassem para o hotel onde os negociantes ficavam. O carregador pensara que o negociante certamente levaria uma mala pequena ele próprio, já que não seria necessário um carregador para isso, então o carregador levou um grande pacote para o hotel.
O negociante quis pagar um pequeno valor ao carregador, como sempre o fez, para aquela pequena mala. Porém, o carregador não quis recebê-lo, e disse, “Coloquei uma grande mala no depósito do hotel; mal pude carregá-la, e isso me deixou exausto, e você quer me pagar tão pouco por isso?”
A lição é que quando uma pessoa vem e diz que se esforçou muito para manter a Torá e as Mitzvot, o Senhor lhe responde, “Contudo tu não me invocaste a mim, ó Jacó”. Em outras palavras, não foi minha bagagem que você carregou, mas a bagagem de outra pessoa. Se você está afirmando que se esforçou muito com a Torá e as Mitzvot, deve ter tido um outro senhor para o qual trabalhou, então a pessoa deve ir até ele para receber seu pagamento.
Isto é o que significa, “mas te cansaste de mim, ó Israel”. Em outras palavras, aquele que trabalha para o Criador não tem trabalho, pelo contrário, tem prazer e estado de espírito elevado.
Entretanto, aquele que trabalha por outro propósito não pode chegar ao Criador com reclamações de que Ele não lhe dá vitalidade no trabalho, já que a pessoa não trabalha para o Criador, para o Senhor lhe pagar pelo trabalho. Ao invés disso, a pessoa deve reclamar às pessoas para as quais trabalhou para que estas lhe administrem prazer e vitalidade.
E como há muitos propósitos em Lo Lishma (Não em Nome Dela), a pessoa deve exigir do objetivo pelo qual trabalhou, que lhe dê a recompensa, a saber, prazer e vitalidade. É dito sobre elas, “Aqueles que as fazem sejam iguais a elas; de fato, que cada um confia nelas”.
No entanto, de acordo com isso, é desconcertante. Afinal de contas, vemos que, mesmo quando uma pessoa toma para si o fardo do Reino dos Céus, sem qualquer outra intenção, ela ainda não sente alguma motivação, para dizer que esta motivação obriga-a a tomar sobre si o fardo do Reino dos Céus. E a razão é que tomar sobre si este fardo é somente por causa da fé acima da razão.
Em outras palavras, a pessoa o faz por coerção, sem desejo de fazê-lo. Assim, podemos perguntar, “Por que sentimos fadiga nesse trabalho, como o corpo constantemente buscando um momento em que possa se livrar dele, visto que não sentimos qualquer motivação no trabalho?” E quando trabalhamos em silêncio, e temos como único objetivo trabalhar a fim de doar, por que o Criador não nos concede sabor e vitalidade no trabalho?
A resposta é que devemos saber que isso é uma grande correção. Se tal não tivesse acontecido, se a Luz e a motivação tivessem iluminado logo que tivéssemos começado a assumir o fardo do Reino dos Céus, teríamos imediata motivação no trabalho. Em outras palavras, o desejo de receber teria cedido a esse trabalho também.
E por que teria anuído? Certamente, porque tal desejo quer satisfazer seu apetite, a saber, trabalhar para seu próprio benefício. Caso tal tivesse ocorrido, jamais teria sido possível alcançar Lishmá, visto que seríamos obrigados a trabalhar pelo nosso próprio benefício, pois sentiríamos maior prazer no trabalho de Deus do que nos desejos corpóreos. Consequentemente, teríamos que permanecer em Lo Lishma, visto assim que teríamos tido satisfação no trabalho. Onde não há satisfação, não podemos fazer coisa alguma, pois sem lucro, não podemos trabalhar. Verifica-se portanto que se recebêssemos satisfação neste trabalho de Lo Lishma, teríamos que permanecer naquele estado.
Isso é parecido com o que as pessoas costumam dizer, que quando se corre atrás de um ladrão para pegá-lo, o ladrão, também, corre e grita, “Pega ladrão”. Logo, é impossível dizer quem é o verdadeiro ladrão, pegá-lo e restituir o produto do roubo.
No entanto, quando o ladrão, ou seja, o desejo de receber, não sente qualquer gosto e motivação no trabalho de aceitar o fardo do Reino dos Céus, se neste caso a pessoa trabalha com fé acima da razão, coercivamente, e o corpo se torna habituado a esse trabalho contra a vontade do desejo de receber, então a pessoa tem os meios pelos quais chegar a um trabalho que vai ter como propósito levar contentamento ao Criador.
Sucede dessa forma porque a exigência principal para uma pessoa é alcançar Dvekút (Adesão) com o Criador através do trabalho dela, o que é discernido como Similaridade de Forma, onde todas as intenções da pessoa são direcionadas ao doar.
É como está expresso no verso, “então você terá no Senhor a sua alegria”. O significado de “Então” é “antes”, que no começo do nosso trabalho, não havia prazer. Inversamente, nosso trabalho é coercitivo.
Contudo, mais tarde, quando tivermos nos acostumado a trabalhar a fim de doar, e não atentarmos para nós mesmos—se estivermos sentindo prazer no trabalho—mas acreditamos que estamos dando contentamento ao nosso Criador através do nosso trabalho. E devemos acreditar que o Senhor aceita o trabalho dos mais desprovidos, sem levar em consideração como e quanto é a forma do trabalho deles. Em tudo, o Criador examina apenas a intenção, e se isso traz contentamento para Ele. Então somos agraciados com o “você terá no Senhor a sua alegria”.
Até mesmo durante o trabalho de Deus, sentiremos deleite e prazer, visto que agora realizamos realmente trabalho para o Criador, pois que os esforços que empreendemos durante o trabalho coercitivo nos qualificam e nos habilitam para o verdadeiro trabalho para o Criador. Então, você descobre que o prazer que recebemos se relaciona ao Criador também, a saber, especificamente para o Criador.